— Ei. - Brook fala cortando o constante som das rodas rangendo e quebrando finos galhos caídos no chão da floresta seca - A quanto tempo estamos viajando sem parar? - olho para ela, que estava com o queixo encostado na base da janela me encarando entediada

— 3 dias. - volto a olhar para frente

— Não podemos ao menos para e andar por uns minutos?

— Andar desperdiça energia, nossa comida é bem pouca agora

— Não podemos andar para procurar comida?

— Estamos no meio de uma floresta morta, não acho que obteremos muito sucesso

— Ok... - ela suspira voltando para dentro

— Podemos parar na próxima cidade. - digo antes que ela fechasse a janela

Não precisava virar de costas para saber que ela estava sorrindo antes de fechar a janela, continuei dirigindo mais um pouco, tudo em volta parecia cinzento e sem vida, mas depois de alguns metros pude ver uma árvore muito grande perto de um lago que agora estava seco, não conseguia pensar direito naquela hora, meu corpo parecia estar se movendo por vontade própria, eu apenas retirei a chave do veículo e desci dele me aproximando lentamente da árvore.

— Audrey, já chegamos? - escuto Brook saindo pela porta, me viro para ela e ela tem a mesma reação que eu, apenas começa a caminha silenciosamente para perto de mim encarando a grande árvore com a cabeça erguida

— Você.... se lembra daqui? - pergunto

— Não, mas..... sim? - ela parece confusa

— Nunca estivemos aqui antes, ...... não é?

— Mas parece familiar. - ela se aproxima da árvore e passa a mão pelo seu tronco seco

— Parece.... - olho para o chão e vejo algo se destacar no meio de todo aquele cinza - Brook, veja aqui. - me agacho no chão e ela vem para perto de mim

Pego gentilmente o pedaço de tronco meio cilíndrico e o retiro de cima de uma planta com um tom vibrante de roxo.

— O que é isso? - ela pergunta

— Acho que é uma flor

— Flor? O que é uma flor?

— Flor é...... - procuro na minha mente qualquer coisa que possa explicar o que era - É uma espécie de planta que é muito bonita, existem varias de muitas cores e formas

— Elas morreram junto com as outras plantas?

— Não todas pelo visto. - passo gentilmente meu dedo indicador pelas suas pétalas

— Asagao*

— O que?

— Eu não sei.... eu apenas.... sabia?

— Tem algo estranho nesse lugar. - me levanto - Parece que eu já estive aqui

— Eu sinto o mesmo. - ela me segue - Mas talvez estejamos apenas delirando por culpa da fome, não acha?

— Talvez. - paro de falar com o susto que levo de um alto som de trovão ecoando no local e a repentina chuva forte que começara a cair, Brook me puxa para de baixo da árvore

Ela tira seu casaco e cola encima da cabeça de nós duas para nos proteger nos pingos que passavam pelos grossos galhos da árvore.

— Voltamos para o veículo quando a chuva ficar mais fraca, não vamos conseguir correr até lá sem tomarmos um belo banho. - ela diz

— Certo

Ficamos quietas apernas observando a chuva, os barulhos que ela fazia me lembravam a música que Brook havia tocado com a folha, os rápidos e frenéticos movimentos das gotas que caiam me deixavam hipnotizada, em alguns segundos parecia que varias plantas haviam crescido de novo, flores cobriam o chão com uma macia e colorida cama, a árvore estava viva e verde como devia ter sido a quase 20 mil anos atrás, o lago cheio com ninfas e serias brincando nele, pequenas fadas voando pelos galhos da árvore, olho para o lado para perguntar se Brook estava vendo o mesmo que eu, mas ela não estava ali, parecia outra pessoa em seu lugar, bem mais alta, cabelo longo, mas seu rosto estava bem embaçado, eu não conseguia ver nada definido.

— AUDREY! - Brook grita, eu pisco por um fração de segundo e tudo e tudo parece de volta ao normal

— O que aconteceu? - fico desnorteada

— Você apagou, eu apaguei, estamos aqui fora no frio a quase 2 horas. - ela se levanta

— Nós dormimos?

— Acho que pegamos no sono sem notar

— Eu tive um sonho estranho. - me levanto - Estava tudo muito bonito aqui e você não era você

— Mesmo? - ela parece surpresa - Então acho que tivemos o mesmo sonho

— Você também viu a pessoa de cabelo longo?

— Não, a pessoa que eu vi tinha cabelo curto

— O que será que tem de errado com esse lugar?

— Deveríamos sair daqui o quanto antes. - ela segura na minha mão e vamos juntas até o veículo - Eu vou dirigir, então pode descansar mais um pouco, você parece pálida

— Obrigada, eu acho que realmente preciso me deitar

— Tente poupar energia, não sabemos quando conseguiremos repor a comida. - ela sorri

Eu entro na parte de trás do veículo e me jogo de cara no colchão, ele estava quentinho e tinha o cheiro de nós duas depois de tanto tempo que o usamos, minha cabeça estava girando, eu me sentia completamente confusa.

— Ah, Audrey. - ela abre a janela por fora e coloca sua cabeça para dentro me encarando - A asagao, deveríamos deixa-la ali?

— Ela vai ficar bem, ela cresceu ali, então consegue sobreviver sozinha. - viro um pouco a cabeça para olha-la

— Acho que sim. - me encara por um tempo - Descanse bem, eu te acordo quando chegarmos na cidade

— Tem certeza? Não está cansada também

— Eu vou ficar bem, você está pior do que eu

— Poderíamos dormir agora e continuar amanhã, está bem tarde

— Demoraríamos mais para chegar assim

— Mesmo assim...

— Você está preocupada comigo? - ela ri

— Não seria vantajoso para mim que você ficasse doente ou morresse

— Acho que tem razão. - ri novamente, só que mais fraco - Mas eu vou ficar bem, eu prometo

— Tudo bem. - sorrio

Ela sai e fecha a janela, me endireito na cama e me embrulho com o cobertor deixando apenas a área do nariz para cima livres, começamos a nos movimentar, enquanto deixávamos a chuva de fim de abril e a asagao para trás.