Re;Blade escrita por phmmoura
Um homem com barba recém-feita caminhava entre os espólios que os saqueadores puseram no chão, examinando tudo em silêncio.
A mais velha dos três irmãos aguardou sem deixar transparecer qualquer emoção.
Os mais novos, porém, não podiam esconder a ansiedade.
A mais velha sabia por que seus irmãos mais novos estavam daquele jeito.
— A gente tem que vender tudo e voltar pra a cidade antes do sol se pôr — ela disse antes de chegaram ao acampamento do exército.
Se chegassem tarde demais, talvez não vivessem o bastante para usar o dinheiro.
— São todas as armas e armaduras que recolheram do campo de batalha? — perguntou o homem por fim, sua voz demonstrando que ele não estava impressionado.
— Sim, meu lorde — disse a mais velha, tendo cuidado para não olhar o homem nos olhos.
— Não sou lorde nenhum — interrompeu ele bruscamente, sem nem dirigir o olhar a ela.
— M-minhas desculpas, senhor — disse, engolindo em seco. Ela fez uma reverência para ele e seus irmãos se apressaram em imitá-la.
— A maioria está quebrada — disse o homem, pegando uma espada da pilha.
— S-Sim, lord… digo, senhor. A batalha foi dura, especialmente após lidarem com os comedores de Areia. Acredite em mim, a gente trouxe o melhor que restou do campo de batalha — disse a mulher.
Ela arregalou os olhos para a ousadia que tomou e abaixou a cabeça, olhando para o chão.
A mais velha fechou as mãos em punhos com tanta força que eles perderam a cor.
O garotinho ao lado dela agarrou sua mão e apertou.
Ela olhou para ele e conseguiu mostrar um sorriso tenso.
— Só algumas podem ser usadas logo. A maioria precisa ser derretida para ter qualquer uso, mas meu Lorde as aceitará. Precisamos de todo metal que conseguirmos — disse o homem, virando-se para os irmãos. — Pagarei o preço que pedem.
Os saqueadores mais novos sorriram e olharam para a irmã mais velha.
Ela soltou um pequeno suspiro de alívio e devolveu o sorriso a seus irmãos.
Não vendo a troca dos três, o homem assentiu para um soldado.
A mulher saiu de lá e foi até uma das tendas no meio do acampamento.
Quando voltou, segurava um pequeno saco cheio de moedas e as entregou aos irmãos.
A irmã mais velha tentou manter um rosto neutro. Mas quando abriu o saco, seu rosto iluminou-se com um sorriso enquanto ela e os outros dois encaravam as moedas prateadas e de cobre.
Eles trocaram olhares entre si novamente e seus sorrisos aumentaram.
— Obrigada, meu lor… senhor. Muito obrigada por sua generosidade — disse a mais velha, fazendo outra mesura.
O homem soltou uma risada rápido.
— Não estou sendo generoso. Precisamos de todo metal para armas e armaduras. Especialmente em tempos como estes — disse, o rosto ficando sombrio.
O trio saqueador parou de sorrir, deixou os ombros caírem e olhou para o chão.
Foi um mês difícil.
Antes da traição do povo da floresta, houveram notícias sobre grupos invasores de todos os lados da fronteira. De norte, sul e oeste.
O reino tinha conseguido lidar com todos os ataques com facilidade.
Mas, após a primeira invasão registrada na história de todo o povo dos Habitantes da Areia, as coisas pioraram muito.
A violência aumentou. A vida ficou mais difícil.
Bandidos apareciam aqui e acolá, aterrorizando a população.
O reino, ocupado demais lidando com os invasores, não podia lidar com todos, e precisou deixar nas mãos dos Lordes e nobres locais.
A maioria aumentou os impostos, clamando ser uma necessidade para poder manter a ordem e segurança de suas terras.
Mas poucas cidades viram o dinheiro virar lâminas de aluguel perambulando pelas ruas.
Os mercadores precisaram aumentar seus preços para contratar proteção.
Com tudo ficando mais difícil e caro, cada vez mais pessoas adentraram a vida de crimes para poder sobreviver.
A vida nas cidades, supostamente seguras, desapareceu dos locais afastados da capital.
E ninguém tinha qualquer esperança de que a situação melhorasse em um futuro próximo.
A irmã mais velha passou o dinheiro para a mais nova.
A garotinha correu até a carroça deles para guardá-lo em um lugar seguro.
Mas, quando puxou a tampa do painel de madeira falsa…
— O que é isso? — o homem perguntou, do nada.
A garota ficou paralisada. Com as duas mãos trêmulas, ela enfiou o dinheiro em um local seguro e virou-se para ele, medo estampado no rosto.
— O que é isso? — perguntou novamente o homem, com a voz rígida e fria.
A garota tremeu e chorou em silêncio.
— D-Do que você fala, meu lorde, digo, senhor…? — perguntou a mais velha, caminhando até ficar entre o homem e a garotinha.
Ele ignorou ambas. Passou pelas duas, foi até o carrinho e então tirou a tela que os saqueadores usavam para cobrir seu lote da chuva.
Debaixo dos pertences pessoais dos irmãos havia uma espada envolvida em um pano.
Deveria ser impossível sequer ver a lâmina sem bainha.
Não era possível distinguir o cabo.
Mas o homem encontrou-a de algum jeito.
Ele empurrou tudo em volta e pegou a espada, descobrindo-a.
Não possuía ornamentos. Nem joias. Muito menos algo encravado ou inscrito.
Não havia nada de especial naquela espada.
Era somente uma arma de mão única longa e fina, com um cabo grande o bastante para ser usada por duas mãos se necessário.
Ainda assim, o homem não conseguiu tirar os olhos da lâmina.
— Meu lorde, digo, senhor, essa espada é… ela é… — A irmã mais velha começou a murmurar, mas parou quando percebeu que o homem não a ouvia.
O nobre virou a lâmina, conferindo cada milímetro dela.
— Onde encontraram isso? — perguntou após um demorado silêncio, sem tirar o olhos da arma.
A curiosidade era clara nos olhos dele, que encaravam seu reflexo no metal.
A mulher mordeu os lábios e trocou olhares com os irmãos.
Suspirando, ela fechou os olhos.
— Pegamos no campo de batalha, senhor — disse, o arrependimento claro em sua voz.
Os outros dois saqueadores olharam para o chão, temendo fazer contato visual com o nobre.
— No campo de batalha…? Quem… tinha esta espada? — perguntou o homem com a voz mais alta. — Quem segurava essa lâmina?
— H-Hã…?
— Quem carregava essa lâmina? — perguntou novamente, quase gritando dessa vez.
Alguns soldados começaram a olhar na direção deles.
Os saqueadores mais novos se encolheram e esconderam atrás da irmã. Ela abriu os braços discretamente para protegê-los caso acontecesse qualquer coisa.
A mulher engoliu em seco com dificuldade, sua boca e garganta secas.
— P-Pertenceu… estava nas mãos do traidor… Fael. — Conseguiu dizer.
O homem arregalou os olhos.
— Como uma arma dessas acabou nas mãos de alguém como ele…? — perguntou, mais para si do que para os irmãos.
As pessoas em volta deles ficaram quietas enquanto o homem pensava.
Os irmãos aguardavam, com medo.
— Por que não me mostraram esta espada? — perguntou após conseguir tirar os olhos da arma.
Sua voz foi tão baixa que foi difícil saber se ele estava com raiva ou não.
A mulher apertou as mãos para impedir o tremor. Mas não fez diferença.
Todos sabiam que mentir para um nobre ou soldado de alto escalão era arriscado.
Tirando o rei, não havia lei contra isso.
Mas haveria punição.
E a punição dependia do humor da pessoa na posição superior.
Eles podiam liberar os mentirosos ou até executá-los, e poucos reclamariam.
A mulher ficou parada, o suor frio escorria por suas costas.
Ela sabia dos riscos de mentir. Sabia muito bem.
Mas ainda tentou mentir para o nobre.
Só para ficar com aquela espada de uma mão que emanava uma aura estranha.
Se a vendessem na cidade, poderiam conseguir uma quantidade incrível de dinheiro.
Riquezas além do sonho de meros saqueadores.
Por esse motivo, ela correu o risco de mentir quando o nobre perguntou se aquelas eram todas as armas deles.
Ela se preparou para as consequências.
Mas só ela. Seus irmãos nada tinham a ver com aquilo.
Abrindo os braços ainda mais, ela respirou fundo.
— P-porque pensei que poderia vender por um preço maior na cidade, meu lord… senhor — disse a mais velha, esforçando-se para não soar desafiadora.
Não foi difícil. Ela só conseguia sentir medo.
Mesmo assim, achou coragem para dizer algo a mais.
— Por favor, senhor, meus irmãos não tem nada a ver com isso. Foi uma decisão minha — disse, ajoelhando-se aos pés dele.
Os irmãos se juntaram a ela, sem dizer nada, e abaixaram as cabeças.
O homem não demonstrou emoção enquanto os encarava.
Ninguém ousou quebrar o silêncio por muito tempo.
Então, após o que pareceu ser uma eternidade, o homem voltou-se para a soldado de novo.
Os saqueadores temiam pelo pior. Ela parou de respirar enquanto aguardava sua sentença.
A mulher caminhou até ele, seus passos ecoando alto no silêncio do acampamento.
Após o nobre sussurrar algo, ela fez uma reverência e foi embora.
O tempo parecia se estender para os saqueadores, como se tivesse parado.
Até os soldados temiam o que poderia acontecer quando sua companheira voltou.
Então os passos da mulher voltaram.
A mais velha escutou algo pesado chacoalhar.
Ela ergueu a cabeça com dificuldade.
A soldada não segurava uma arma. Ela segurava um saco que parecia pesado.
Ela caminhou até os irmãos e parou na frente deles, oferecendo o saco.
Com o corpo dormente, a saqueadora ficou de pé e estendeu a mão para pegar.
Quando a soldada soltou, ela gemeu com o peso do saco.
Seus irmãos se levantaram.
Ela olhou o saco, depois para os irmãos, que tremiam de medo, então para o homem, ainda olhando para a espada.
Suas mãos tremiam tanto que era difícil abrir o saco.
Com dificuldade, ela segurou o saco com um braço e abriu com a mão livre.
A mulher teve dificuldade para respirar ao ver o conteúdo.
Incontáveis moedas de ouro brilhavam sob a luz do sol.
Os irmãos mais novos arregalaram seus olhos ao ver o dinheiro. Jamais viram tanto ouro junto.
A mais velha olhou para o homem, que finalmente tirara os olhos da espada.
— Espero que seja o bastante — disse, e seu tom indicava que eles deveriam considerar.
A mulher percebeu que, se pedisse por mais, ele daria mais ouro a ela.
Mas estava com medo demais para isso.
Apenas tentou agradecê-lo, mas não tinha voz para isso.
Só conseguiu assentir, o corpo rígido.
O homem sorriu, ou quase, e afastou-se dos três.
Os negócios terminaram.
Enquanto os saqueadores tentaram se afastar o mais rápido que podiam, o nobre foi para a segunda maior tenda do acampamento..
Dois soldados na entrada fizeram um cumprimento ao verem-no entrar.
— Meu Lorde? — perguntou o homem em voz baixa para a tenda mal iluminada.
Mesmo assim, não havia como esconder a excitação em sua voz.
— O que foi? — respondeu uma voz mal-humorada de algum lugar do interior.
— Veja o que encontrei, meu lorde — disse o homem, sem tentar esconder sua alegria mais.
Houve um grunhido e então alguns murmúrios incompreensíveis, depois, velas se acenderam no interior.
O homem caminhou até ficar perto da cama do Lorde.
O nobre de maior posição do acampamento não estava sozinho.
A mulher a seu lado sorriu para o Lorde antes de colocar suas roupas e sair da tenda.
O Lorde esfregou os olhos, tentando ignorar a sonolência.
Mas, ao ver a lâmina que o subordinado trouxe, ele despertou de vez.
Sem dizer nada, ele passou um dedo pela espada e a encarou por muito tempo.
O soldado assistiu a reação do Lorde em silêncio.
— Metal vivo…
— Exato, meu Lorde.
— Como…? Onde…?
— Alguns saqueadores encontraram no campo de batalha. Nas mãos de Fael — disse o subordinado, quase como se saboreasse as palavras.
— O traidor… — Os olhos do Lorde brilharam.
Ele agarrou o cabo e ergueu a espada, manejando-a algumas vezes.
— Essa lâmina é digna de um homem como eu — disse o Lorde, sorrindo.
Então este é meu novo usuário, pensou Tetsuko, observando o homem manejá-la como um brinquedo novo.
Embora estivesse sob a luz fraca da lamparina, ela pôde ver nos olhos dele.
Não… desde o instante em que ele a tocou, ela pôde sentir.
Ela não era uma espada para ele. Era um prêmio.
Eu não gosto dele.
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