O Mistério em Franz Josef escrita por Sensei Oji Mestre Nyah Fanfic


Capítulo 1
Neve e Sangue


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura.



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Helsinque, Finlândia

Freddërico Ptrosk, um jornalista russo que investigou o caso de um assassino serial em Moscou, partiu para uma viagem de férias para o país nórdico vizinho. Entre Janeiro e Fevereiro sempre partia nas férias para a Europa Ocidental.

O jornalista estava na casa dos quarenta e cinco anos, sustentando-se num forte sem ser atlético, com uma cabeleira preta escassa por causa da grande calvície, mas ainda à mostra nos lados. Um óculos de grau forte, um cigarro sempre na boca, um paletó marrom quase amarrotado. Sua estadia era mais no interior do país, para uma visita a uma tia doente que resolvera deixar dez mil dólares como herança. Hospedou-se num hotel barato, longe do centro da cidade.

Enquanto arrumava a sua bagagem, uma forte nevasca caía do lado de fora. Era comum nevar por uma semana inteira sem parar, por isso o jornalista foi preparado com as roupas de frio.

Estação Svalbürkk

Sentado num dos bancos da estação, Freddërico aguardava ansioso a chegada do expresso que ligava a capital finlandesa com a cidade do interior. Passaram-se uns quarenta minutos quando a locomotiva chegou. Entregou o ticket ao bilheteiro, guardou as malas e sentou no terceiro vagão da classe econômica. Mais meia-hora de espera e o trem partiu.

Um lápis e uma caderneta foram suficientes para o russo escrever uma crônica ao jornal de São Petersburgo. Parou ao pedir um pouco de café preto com biscoitos para a responsável que passava. Viu o branco da neve nos gramados e árvores; uma visão muito corriqueira para quem vive no norte da Europa.

— Seu café, senhor. E os biscoitos também.

— Obrigado, senhorita. — Entregou uma nota da moeda local como boa fé pelo serviço.

E o trem seguiu o dia todo para o interior. Passou por várias estações antes de chegar na última: Franz Josef. Aliás esse era o nome da cidadezinha, com um pouco mais de oito mil habitantes.

O inverno daquele ano, 1997, foi bastante rigoroso. Nunca havia caído tanta neve ou baixado tanto a temperatura como naquele ano. Fim do milênio e o fim do mundo se aproximando? Talvez.

Freddie, como seus amigos do jornal o chamavam, entrou num táxi para o centro da cidade. Apesar de ser pouco habitada, Franz Josef era uma cidade bem grande,com muitos campos e florestas.

— Chegamos — disse o taxista parando numa rua com casinhas coloridas e piso em paralelepípedo.

— Mas o endereço está errado...

— Não importa. Não vou prosseguir mais na cidade. O fim da corrida é até aqui.

Freddie pagou o homem, retirou a mala, foi caminhando pela calçada da rua deserta. Deu dedo para o taxista enquanto lia o endereço e achava uma alma caridosa para explicá-lo a direção.

— Esses finlandeses devem ter raiva dos russos, só pode. Droga! Terei que caminhar umas léguas.

Acendeu um cigarro, caminhou pela rua deserta, segurando a mala com as roupas. A situação não era fácil para o homem pois o frio era de matar. Viu um velhinho varrendo o gelo para fora da pista, barbudo,com a barba branca como o São Nicolau, vestido numa roupa velha, mas aconchegante.

— Senhor, meu nome é Freddërico Petrosk. Preciso saber se o senhor conhece Bertha Nalkainen-Nieminen. Ela é dona de uma pequena pensão nesta cidade.

— Quanto vai ser?

— Quanto vai ser o quê?

— Cem marcos pela informação.

— Tá, obrigado por nada.

— De nada. Ah, quer um conselho gratuito? Lugar de comunista não é aqui.

— Eu não sou comunista.

— Mas viveu como soviético. Certas coisas ficam em Franz Josef e são difíceis de sair. Exemplo: vítimas.

Freddie engoliu em seco por causa das palavras nada hospitaleiras do velhinho. Se era para assustar, estava dando certo. 

Passando por uma travessa onde haviam casinhas coloridas, uma rua com uma linha de elétrico. O repórter viu o bonde se aproximar e entrou nele ainda em movimento. O transporte, único naquela parte da cidade, andava numa velocidade baixa e com apenas o turista como passageiro.

— E aí, filho. Como vai?

— Muito bem. O senhor está trabalhando desde cedo?

— Sim. Franz Josef está um ermo depois que esta neve começou a cair. Parece um turista e com sotaque. É ucraniano?

— Russo. Freddërico Petrosk. Estou procurando esta pessoa — mostrou um papel como nome.

— Sei quem é a dona Bertha. A gorda da pensão. Fique aí que eu te levo lá. E por acaso conhece ela?

— É a minha tia por parte de pai. Eu nasci em São Petersburgo, mas o meu pai é deste país. Por isso falo finlandês fluentemente.

— Ah, tá. Chegou a conhecê-lo?

Freddie ficou calado.

O bonde parou no meio da rua. O condutor chamado Ivridd mostrou a fachada da pensão. Freddie agradeceu e desembarcou. Após passar pelo vento forte e atravessar uma rua com alguns carros, o russo abriu o portão do muro da casa. A pensão da dona Bertha era uma casa grande, estilo vitoriano e com um jardim do lado de fora.

— Tia Bertha.

— Freddie! — Bertha era robusta, branca, cabelos loiros e encaracolados e usava óculos. Usava um vestido floral.

— Soube que tem algo para mim.

— Sim, querido. Quando soube que o seu pai morreu, eu quis te contactar o mais rápido possível. Donnie deixou um testamento, e nele há cem mil dólares em dinheiro para te entregar. Pronto para receber o dinheiro?

— Claro. Mas deixa eu descansar um pouco pois aquela nevasca quase me matou.

— Nejak. Nejak!

— Sim, dona Bertha — disse um rapaz de mais ou menos 20 anos, loiro de olhos verdes.

— Acompanhe o meu sobrinho para um dos quartos. Quero que ele fique onde a mãe do prefeito se hospedou. Agora vá, garoto. E não esqueça de cortar bem...

— Claro que sim. Por aqui, senhor.

Nejak levou a mala de Petrosk para o andar de cima. O jornalista entrou no quarto e trancou a porta. Retirou toda a sua roupa e guardou no armário em frente a cama. Na janela do quarto dava para ver parte da rua do lado de fora. O mesmo velho, que falara o absurdo minutos antes, agora estava coletando sacos pretos de lixo e colocando-os numa pequena caçamba. Uma marca vermelha ficou no chão, na neve. Aquilo intrigou o russo.

— Aqui o dinheiro.

— Posso ver o testamento do meu pai?

— Claro. Ele sempre pensou nisso. Desde que havia sido levado para Sibéria, ele teve muita esperança de que o filho visse o seu testamento.

A folha estava amarelada, cheia de falhas, rasgada e quase amassada. Cem mil dólares dados por Donnie Björn.

No decorrer do dia, o jornalista almoçou com a tia e saiu para conhecer um pouco. Depois voltou para a pensão e para o seu quarto.

 

Vários dias seguintes...

— Obrigado, tia. Preciso voltar para a Rússia. Lembrei que tenho que fazer algo importante.

— Mas você não pode sair assim. Está conosco.

— Do que a senhora tanto fala?

Bertha chorou e voltou para os seus aposentos.

Sem entender o que havia acontecido, o homem partiu de volta para a estação da cidade. Naquela altura, a neve parou de cair.

— O bonde. Que bom.

Ele voltou ao bonde. Dessa vez o transporte estava em quase lotação máxima. O jornalista escorou a cabeça no encosto do assento e fechou os olhos. Quando os abriu, pensando já ter chegado, viu-se estar na cama do seu quarto na pensão. Levantou de uma vez só, parou para pensar um pouco e raciocinar o que acontecera.

— Eu juro que não foi um sonho, tia. Parecia tudo real. Como se eu tivesse passado por aquilo.

— Querido, descanse um pouco. O testamento do seu pai deve estar mexendo com a sua cabeça.

— Tem razão. Mas preciso ir embora. Eu não posso passar mais tempo. Agora com esse pacote com esses cem mil, voltarei pra Rússia e ajudarei a minha mãe.

Bertha se despediu. Freddie saiu da pensão com a bagagem de volta. Observou Nejak levando sacos plásticos preto e dando ao velhinho barbudo de antes. De dentro dos sacos pingavam gostas vermelhas. Era sangue!

Petrosk aguardou o bonde por mais de uma hora. Precisava pegar o transporte para poder sair da cidadezinha e dali pegar um táxi, pois nenhum táxi entrava na cidade. No entanto, o transporte não veio no horário estipulado. O jeito foi ir pela linha e verificar o que, de fato, ocorrera.

Perto do fim da linha do bonde, um susto inimaginável: a carcaça do transporte. O jornalista se perguntou como aquilo era possível haja vista dias anteriores sempre via o bonde. O frio já não mais importava, a loucura começou a pegá-lo. Sonhou ter feito a mesma coisa no dia anterior e até mesmo na semana passada. Lembrou do que o velho dissera: em Franz Josef certas coisas são quase impossíveis de sair.

Voltou correndo para a pensão da sua tia, ofegante, suado, mesmo sob uma temperatura de dez graus negativos.

— Querido...

— Vai me dizer agora o que está acontecendo! Por que não consigo sair desta droga de cidade?

— Calma, querido.

— Calma o cacete! Explica agora.

— Uma vez você disse que um velhinho te falara que certas coisas não podiam sair desta cidade. Essas coisas somos nós, humanos.

— Quê?

— Vai se lembrar no dia que chegou aqui quando ver isto.

Bertha levou Freddie para o frigorífico atrás da pensão a fim de mostrar algo de interessante ao homem. Assim que entrou, tratou de abrir o freezer.

— Aqui está a sua resposta.

Freddie arregalou os olhos ao ver o seu corpo congelado dentro do freezer. Bertha disse que momentos após recebê-lo, Nejak — que também estava morto — o assassinou com um corte no pescoço.

— A cidade precisa de almas para ser mantida. Vivemos aqui, nem vivos e nem mortos.

— Que merda! Mas que droga! Sua velha desgraçada! Você me matou.

— Não, eu não. O seu pai teve a ideia. Donni sempre foi um homem só mesmo depois de morrer, por isso sempre quis a compainha do filho.

— Meu pai? E cadê ele?

— Siga a linha do bonde e o reencontrará.

 

Era uma vez uma pequena história de uma pequena cidade no meio do ártico. Uma cidade que abrigava seus antepassados até os descendentes. A história de Freddërico Ptrosk pode ser pequena, mas ela nos dá a lição de que a nossa vida é tão fina quanto um cabelo. E que estamos tão atarefados no dia a dia que nem depois de morto nos damos conta de que o dia a dia nos sufoca.


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Notas finais do capítulo

Como havia dito no disclaimer, o plot foi feito a partir de um sonho que eu tive. Não foi bem uma história com enredo fechado (pois deixei aberto algumas questões), pois foi mais uma reflexão em forma de one shot. Espero que tenham gostado.



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