Two Shades Of Blue escrita por Mileh Diamond


Capítulo 7
Velhos


Notas iniciais do capítulo

Oláaaaar, olha quem está aqui de novo!
Não vou negar, esse capítulo é 95% Liliakov porque a minha seca desse casal nunca será satisfeita. Mas de bônus temos Yuuri sendo o melhor netinho do mundo o3o

Boa leitura!



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Lilia às vezes não se conformava com o título de "avó".

 

Quer dizer, obviamente ela aceitava e gostava, vindo de seus dois netos verdadeiros e das dezenas de outras crianças filhas de patinadores que ela ajudou a treinar ao longo dos anos. Ela gostava de receber desenhos de presente, os convites para recitais de balé (ou break dance), os áudios de "Feliz aniversário, baba" e os cartões de dia das mães. Ela quase não se aguentava de impaciência à espera do dia em que os gêmeos lhe dariam bisnetos. Ela esperava estar viva até lá.

Mas ela não se conformava com a velhice.

Especialmente hoje, quando Alyona Prosopopova, uma dançarina do gelo da mesma geração de Victor, resolveu marcar um passeio com seu antigo colega e treinadores, Lilia e Yakov.

Alyona estava casada. Com uma filha da idade de Yuri e grávida de seis meses. O próprio Victor já tinha dois filhos. Os dois tinham 30 anos.

E Lilia? Lilia faria 70 anos dali a dois meses.

Ela se sentia uma múmia.

Mas uma múmia com princípios, de forma que ela conseguiu conter sua crise existencial durante a maior parte do passeio. Só ficou particularmente difícil quando ela e seu ex ficaram de babá com as três crianças no playground do shopping enquanto seus pais relembravam os velhos tempos de torrar o cartão de crédito por aí. Pelo menos, dessa vez, não era o cartão de Yakov.

 

Yuri e Rozaliya estavam muito ocupados brincando com as crianças maiores, mas Yuuri se cansou rápido e logo voltou para perto dos "avós", demandando o copo de suco que Victor certamente teria colocado na bolsa. Yuuri era tão fofo, definitivamente uma das crianças mais bonitas que seus alunos já tinham arranjado. Ela ainda esperava pacientemente pelo dia em que Georgi tivesse filhos. As chances de serem atraentes aos olhos eram altas.

 

E vendo aquele bando de crianças brincando, com seus pais jovens e arrumados e alguns avós igualmente elegantes, ela não se conteve e perguntou a Yakov:

 

— Você já se sentiu velho demais?

 

Dane-se se eles já se divorciaram, já tinham aquele tipo de conversa aleatória muito antes de assinarem certidões de casamento. E se tinha alguém para saber o que significa ser velho, esse alguém era Yakov.

 

O ex-treinador retirou sua atenção da pequena palestra dada por Yuuri sobre cores na revista para olhar para a mulher com o cenho franzido. Da onde saiu aquela pergunta?

 

— Quê?

 

— Você ouviu bem. - ela disse séria. - Você já se sentiu mais velho do que devia?

 

Ai, senhor. Ele estava muito velho (Ha.) para aquela conversa. Se ela começasse a falar de cirurgia plástica, ele pediria o divórcio uma segunda vez.

 

— Lilia, eu tenho 73 anos. Eu me sinto velho porque eu sou velho.

 

— Mas tem gente que nem aparenta a idade. - ela fez uma careta. - Irina é mais velha do que eu e parece presa nos 40.

 

Yakov só conseguiu revirar os olhos com a menção a sua antiga colega de rinque.

 

— Irina tem mais mililitros de botox na cara do que eu tenho medalhas, Lilia. Pare de ser paranoica.

 

— Não é paranoia.

 

Tá bem, era um pouco de paranoia, mas ela sentia falta de um tempo sem rugas e cabelos brancos. Um tempo em que as únicas dores musculares vinham de exaustivas horas na barra e não de abaixar para pegar a caneta que caiu no chão. Um tempo em que ela apostava corridas com Yasha do ponto de ônibus até o rinque da CSKA e ganhava. Um tempo em que a única preocupação sobre sua pele eram espinhas teimosas que lhe incomodaram até os 22 anos, sem nem pensar em pés de galinha.

 

Ela sentia falta de sua juventude.

 

Bom, não é como se ela pudesse estalar os dedos e voltar a ser a Miss Moscou 72'. Ela devia se conformar com o fato de que o tempo passou melhor para uns do que para outros, de que se ela quisesse uma cara de bebê deveria pesquisar os preços de aplicações de ácido retinoico e...

 

— Lilka?

 

Ela foi retirada de seus pensamentos por uma voz desconhecida, a chamando por um apelido que ela não ouvia desde os tempos em que era solteira.

 

Lilia se virou para a voz. Era um homem idoso, provavelmente mais velho que ela. Nada de especial. Alto, com um sério problema de sobrepeso, pouquíssimo cabelo penteado para o lado, olheiras profundas e olhos azuis que, em sua opinião, eram a única coisa minimamente atraente no conjunto.

 

— Perdão? - ela perguntou.

 

— Lilka! Eu sabia que era você, continua estonteante como sempre. - com o elogio Yakov se virou completamente, agora encarando o homem com olhos semicerrados. - Não me reconhece?

 

— Não. - ela disse sincera. Já trabalharam juntos? Ele não tinha o porte de um dançarino. Quem sabe algum ex-membro da Komsomol?

 

— De fato, o tempo muda muito algumas pessoas. - o homem riu alto e Lilia pôde jurar que viu um dente de ouro. Que nojo. - Sou Yulian Chesternev. Nós namoramos em 66.

 

Ah.

 

Espera. Quê?




 

Yakov nunca se considerou alguém com uma boa memória. Ele já esqueceu nomes, datas importantes, patinadores em hotéis, o cachorro de Victor numa praça (aconteceu uma vez), entre outras coisas.

 

Mas ele não esqueceria o nome de um verme tão facilmente.

 

Assim que o velho se apresentou como "Yulian Chesternev", Lilia e Yakov tiveram reações bem diferentes.

 

Lilia emitiu um "Ah!" surpreso demais até, e pareceu se decidir entre gritar ou lidar com a situação como uma mulher madura. Ela escolheu a última opção.

Yakov demorou três segundos para associar o nome a algum evento relevante em sua mente. Quando conseguiu, não ficou satisfeito. As palavras "ex", "1966", "choro" e "biscoitos" em conjunto só apontavam para uma conclusão que não mudara desde que Yakov tinha 21 anos:

 

Yulian era um filho da puta e ele não gostava dele, nem um pouco.

 

Lilia se levantou para cumprimentar o homem adequadamente e Yakov foi obrigado a fazer o mesmo por educação. Anos falsificando sorrisos para câmeras eram inúteis diante de uma pessoa que você odeia.

 

— O senhor seria...? - Yulian perguntou enquanto apertava a mão de Yakov. Ele pode ter colocado um pouco a mais de força de propósito.

 

— Yakov Feltsman. - ele respondeu ríspido. - Não acho que se lembra de mim.

 

— Feltsman... Ah, sim. O patinador. Você e Lilka eram... bem chegados, na época. - ele disse com um sorriso igualmente forçado.

 

Yakov tinha vários comentários que queria fazer sobre aquela frase. "Nós nos casamos, obrigado.", "Pare de chamar ela assim." e "Não sabia que deixavam animais entrar no shopping." eram apenas algumas delas. Aquela conversa já estava irritando-o e eles mal tinham começado.

 

Ele optou por algo curto e educado:

 

— Pois é.

 

O antigo pianista do Bolshoi aparentemente não percebeu que sua presença trazia más memórias, pois continuava a conversa como se todos fossem bons amigos.

 

— Esse é o seu neto, Lilka? - ele disse finalmente percebendo a figura silenciosa de Yuuri atrás de Yakov.

 

— Pode-se dizer que sim. - Lilia respondeu calmamente. Se ele perguntasse quantos tinham, haveria problemas.

 

— Rapazinho engraçado. Ele é tímido igual a avó. - Chesternev riu enquanto se curvava levemente e acenava. - Oi, amiguinho. Você já sabe dizer o seu nome?

 

E Yuuri quase começou a chorar, se a careta que ele fez não fosse o suficiente para quem o conhecia perceber. Ele não gostava de estranhos. Yakov quase riu orgulhoso enquanto pegava o garoto no colo. Yurachka não foi criado para gostar de lixo, ele pensou.

 

— Esse é o Yuuri. - Lilia respondeu ainda inabalável. - Ele é um pouco sensível.

— Quantos netos são ao todo?

 

Ah, tinha que vir essa pergunta.

 

— Quinze. - Yakov respondeu sem pestanejar. - Dezesseis se contar o bebê que Alyona está esperando.

 

— Yakov está exagerando. - Lilia desmentiu. - Oficialmente, temos dois rapazes que moram na Suécia. Mas alguns de nossos patinadores são muito próximos de nós e continuaram mantendo contato. Consideramos os filhos deles como netos e isso aumenta o número.

 

— Ah, entendo. - Yulian disse com certo pesar. - Eu não tenho netos. Pelo menos, não que eu tenha conhecimento. Eu tive um filho no segundo casamento, mas me separei da mãe dele quando ele era criança. Ele nunca mais falou comigo. Eu me casei quatro vezes ao todo, apenas para acabar meus dias sozinho. - ele sorriu triste. - Acho que esse é o destino de todo "playboy", não?

 

Yakov queria, do fundo de seu coração, dizer que ele merecia. Mas ele admite ter sentido um pouco de pena e imagina que Lilia sentiu o mesmo. A solidão é algo cruel. Ele sentiu isso após o divórcio, mas nunca esteve sozinho de verdade. Passar a velhice sem ninguém soava apavorante.

 

Poupando os dois de responderem àquela pergunta deprimente, Yulian continuou:

 

— Sabe, Lilka, quando eu parti para Volvogrado em 1966, ainda fiquei um bom tempo pensando em você. Confesso que me arrependi de ter te deixado para trás e imaginei se podia consertar as coisas um dia. Pensa na minha surpresa quando eu descobri que vocês dois estavam casados em 67. - ele disse finalmente admitindo saber sobre a relação completa do casal. - Lilia Baranovskaya e Yakov Feltsman. Parecia até piada, depois do tanto que eu ouvi dizer "Somos só amigos." E foi um casamento longo o de vocês. Se me permitem saber, foram felizes?

 

Aquela pergunta era quase uma afronta e Yakov mordeu a língua para não responder imediatamente "Sim". Ele fora feliz, do momento em que assinou os papeis do casamento seguindo os próximos trinta anos. E supunha que Lilia sentia o mesmo. Mas isso entrava em contradição com o fato de que eles acabaram se divorciando. O que significa que, a partir de algum momento, as coisas não foram mais tão felizes assim. E ele já perdeu noites demais pensando se os rasgos poderiam ser remendados, apenas para estarem aqui hoje. Ele só esperava que, ao analisar o conjunto, Lilia tivesse mais motivos para sorrir do que para chorar.

 

— ...Eu fui muito feliz, Yulian. - ela disse ao final. - Fui feliz ao seu lado, com Yasha e também sozinha. Eu sou feliz, hoje. Sei que não é um sentimento eterno, mas o que vale é que existiu, mesmo por um segundo. E espero que, em algum momento de sua vida, você tenha sentido o mesmo.

 

Parecia algo profundo demais para ser dito numa conversa cercada por murmurinhos de clientes do shopping e gritos de criança no playground. Mas serviu para tirar o pequeno peso dos velhos ombros do ex-técnico. Ele conseguiu fazer Lilia feliz. Cumpriu metade da promessa dos votos matrimoniais.

 

A segunda metade era fazê-la feliz para sempre e isso ele sempre se culparia por não ter conseguido.

 

Yulian, por sua vez, parecia genuinamente satisfeito com a resposta.

 

— Isso é muito bom, Lilka. Vejo que, no fundo, ainda é a mesma moça decidida que eu conheci. - ele disse com um sorriso sincero. - Bom, não vou mais atrapalhar vocês. Tenho que pagar uma conta e só parei porque achei uma grande coincidência te encontrar aqui. Os anos foram muito bons com você, Lilka.

 

E Lilia ficou feliz com aquilo, mais do que aparentava, enquanto Yakov silenciosamente queria morrer (ou matar) com aquela conversa. Ah, jovem Feltsman não esperaria ouvir tanta baboseira antes de cortar alguém com seus sapatos com facas. Ser velho realmente era uma droga, às vezes.

 

Yulian finalmente foi embora e Yuuri começou a se remexer para sair do colo do avô, agora que a ameaça tinha ido embora. Esperto, Yuuri. Muito esperto.

 

— Bastardo. - Yakov resmungou assim que a figura do homem estava longe o suficiente. - Nunca gostei dele. Pior namorado que você já teve.

 

— Você nunca gostou de nenhum deles, Yasha. - Lilia argumentou.

 

— Eu gostava do bailarino cazaque. - ele retrucou de cenho franzido. Daniyal Altin era um rapaz decente, diferente dos outros espécimes questionáveis que Lilia namorou.

 

— Danik? Você sabe que eu nunca o namorei. Ele era um doce, mas quieto demais. Só tinha olhos para a moto dele. - ela sorriu com a lembrança. - E de onde tirou toda essa raiva enquanto falava com Yulian? Você ficou vermelho. Pensei que teria um troço.

 

— Não foi você que perdeu duas horas de treino em 1966 porque tinha uma bailarina chorando no seu ombro. - ele murmurou enquanto recebia um carrinho de borracha de Yuuri, que parecia discorrer sobre a biografia de cada um de seus brinquedos agora.

 

A lembrança de Lilia aos 18 amaldiçoando e chorando por um pianista aleatório que havia terminado o namoro por carta sempre ficaria viva na mente de Yakov.

 

"— Homens são porcos! - ela soluçou com o rosto molhado e vermelho enquanto comia mais um dos biscoitos amanteigados do estoque secreto de Yakov.

 

— É, são sim. - o jovem patinador olhou com um misto de raiva e melancolia para seus preciosos biscoitos.

 

Ele gostava tanto daquela marca, mas era difícil encontrar nas lojas. Mas o que você faz quando sua melhor amiga aparece chorando por algum bosta qualquer? Você oferece doces, obviamente. Mesmo que sejam seus doces favoritos que você só vai conseguir no próximo ano.

 

Yulian Chesternev partiu o coração de Lilia e ainda roubou seus biscoitos. Ele nunca perdoaria tamanha afronta."

— Vai me jogar na cara isso depois de cinquenta anos? - ela revirou os olhos. - Eu era muito tonta. Sofrendo pelo primeiro par de olhos claros que apareceu na minha frente. Mas ele era tão bonito naquele tempo.

 

Naquele tempo...

 

Yakov olhou para o lado apenas para encontrar o pequeno sorriso nos lábios da ex-mulher, um que não mudara em todas aquelas décadas. Era um sorriso maléfico de vitória, reservado para quando sua rival na escola pega sarampo ou quando seus alunos conseguem esmagar a concorrência com as maiores notas de interpretação e criatividade.

 

— Vai, Lilia, fale sobre como ele está horrível depois dos 70. - ele disse com um sorriso de lado. Lilia era muito má quando queria.

 

Aquilo pareceu a autorização de que ela precisava.

 

— Ele parece uma morsa. - ela disse com um sorriso ainda maior. - Uma morsa careca. Ele tinha o cabelo tão bonito e acabou daquele jeito.

 

— Você viu o dente de ouro?

 

Eu vi. - ela disse escondendo o rosto nas mãos de vergonha. - Ai, que horror, não acredito que quase pensei em me casar com ele.

 

— Você seria a primeira das quatro esposas. - ele ponderou. - Imagino a partir de qual delas ele deixou de ser o "Marlon Brando do Bolshoi."

 

— Oh, Deus, eu falava isso, né? - ela fez uma careta. - Que decadência. Yurachka, sua tia se salvou de ser esposa de um mamífero marinho.

 

— "Mainho"? - Yuuri piscou os olhinhos para a palavra nova.

 

Os dois mais velhos se derreteram mais uma vez por aquela coisinha pequena e fofa que nem sabia do poder que tem.

 

— Yakov, você vigia as crianças. Eu vou dar uma volta com Yurachka na loja de brinquedos. - Lilia disse se levantando e colocando Yuuri no carrinho. Estava num bom humor para mimar netos.

 

— Mas que...! E eu tenho que ficar com os outros dois barulhentos? - ele disse abismado. - Você sempre fica mais tempo com Yurachka.

 

— Porque ele é do balé. As criaturinhas do gelo podem ficar com você. - ela disse com um sorriso vitorioso. - Dasvidanya, Yasha.

 

— Da-nya! - Yuuri disse balançando a mãozinha enquanto Lilia empurrava o carrinho em direção a uma loja bem cara.

 

Ugh. Um bebê capitalista igual ao pai. Mas apesar de tudo, Yakov não conseguia ficar bravo por muito tempo com a visão de uma Lilia feliz.

 

E por mais que os anos passassem, ela continuava a ser a garota mais linda que Yakov já conheceu.



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Notas finais do capítulo

Trívia time!
— Liliakov tem filhos oficiais aqui, sim! Uma filha adotiva, pra ser mais específica. O nome dela é Anett Lyubov e está com 51 anos, no momento da fic. Ela é casada e tem dois gêmeos, Eden e Erling, de 25 anos. A família mora na Suécia, atualmente.
— Se esses dois eram o clássico clichê de Wattpad "Apaixonada pelo meu melhor amigo" nos meus HC's? Óbvio que sim.


E esse foi o capítulo de hoj! Na próxima, voltaremos ao cronograma de bebês fofos, com bastante interacão entre Yuris :D

XOXO



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