Confissões de uma Odiadora Compulsiva escrita por Lybruma


Capítulo 2
Odeio segundas feiras


Notas iniciais do capítulo

Prometi que seria rápido. Bom proveito!



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O aluno novo… É peculiar.

Ele é carioca (e eu, claro, odeio cariocas), mas tem uma cara de gringo que faz me faz querer chutar ele toda vez que cruza o meu caminho. O que, acreditem, acontece com mais frequência do que o recomendado, porque o maldito não para quieto no lugar, fica sempre andando e passando do meu lado, espalhando aquele perfume que deve custar o preço do meu celular vezes dois.

Ele é o tipo de pessoa que todo mundo gosta, mas eu odeio. É amigo de todos, o palhaço da turma. Nem chegou direito na escola e já tem o amor de todos e o respeito de muitos. Tem aquele sotaque puxado, que parece que tem uma paçoca embaixo da língua e todos os alunos passaram a falar biscoito por causa dele.

Ele ignora o fato de que é obrigatório usar o uniforme completo da escola, então simplesmente vai de bermuda e chinelo (o que me dá vontade de sacudir ele enquanto grito “MEU QUERIDO, NÃO ESTAMOS NA PRAIA NÃO, OKAY?”).

Tem um bronzeado de gente que não sabe fazer outra coisa além de surfar e um cabelo cor de areia que dá a impressão de que quando ele nasceu, a mãe enterrou a cabeça do menino na areia e foi tomar uma água de coco (ou de cocô. Ambas palavras combinam com a situação).

E também, como devia ser o esperado, ele definitivamente tem um corpo de alguém que não sabe fazer outra coisa senão surfar e olhos tão claros que eu acho que além de ter a cabeça enterrada na areia, ele também teve alguma substância química derramada nos olhos, porque aquele tom de azul simplesmente não é normal.

E, se não bastasse tudo isso, ele ainda tem um nome zoado.

Tobias.

T-o-b-i-a-s.

É sério isso, mãe-carioca-que-também-deve-ter-cara-de-gringa?

Carioca gosta de inventar coisa e eu odeio isso.

A décima quarta coisa que eu odeio definitivamente são ‘segundas feiras’ (acompanhado de meses que não têm feriado).

Nessa segunda feira eu não acordei diferente. Estava de mal humor, cansada. Havia dormido tarde e acordado cedo fazendo os deveres que me foram dados durante a semana e eu ainda saía mais tarde da escola, porque era dia de educação física.

Levantei da cama, me espreguicei e fui logo em direção ao banheiro (e o que fiz lá não vale ser entrado em detalhes).

Voltei ao meu quarto, me troquei, peguei minha mochila, atravessei o corredor e fui para a cozinha tomar café. Minha mãe já estava acordada, com seu uniforme e tudo o mais. Havia olheiras profundas em seu rosto, o que indicava que ela não “já estava acordada”, apenas não havia dormido (ela era enfermeira, então provavelmente tinha ficado com o turno da noite).

Ela estava sentada na mesa, caneca em mãos, jornal apoiado na mesa e metade de um pão na boca.

Ri um pouco daquela cena. Mas, ao olhar o relógio, percebi que ou eu me apressava ou perdia o ônibus. Passei pela minha mãe, beijei seus cabelos, gritei um tchau e saí correndo para o ponto (para pegar um ônibus lotado de pessoas, calor, suor e… eca. Odeio)

Cheguei 10 minutos adiantada e ainda havia muitos alunos espalhados pela escola, mas eu fui direto para a minha sala, pois não tinha muito o que fazer por ali.

A minha escola era dividida, basicamente, em quatro andares e mais um prédio. O prédio principal (de quatro andares) consistia no “térreo” (ou “primeiro andar”) que era o pátio. Era enorme. Tinha a cantina, a secretaria e um lugar enorme cheio de bancos para os alunos passarem o intervalo.

No segundo, terceiro e quarto andar ficavam as salas de aula. No segundo, as salas de aula do primeiro ano, no terceiro, as salas do segundo e no quarto, as salas do terceiro, que era onde eu estudava, o que me fazia subir três lances de escada, e eu odiava aquilo, mas, pelo menos, minha consciência estava limpa, afinal eu fazia algum tipo de exercício físico (mesmo que apenas subir três lances de escada).

Já no segundo prédio, ficavam a ‘quadra coberta’, o campo de futebol, a piscina e a biblioteca. Um extenso corredor separava o prédio 1 do prédio 2.

Era uma escola muito bonita e o ensino era ótimo. Pena que as pessoas que estudavam lá estragavam tudo de ótimo que a escola tinha.

Os alunos eram, em sua maioria, riquinhos filhinhos de papai que eram acostumados a ter tudo na vida, o que me deixava bem irritada.

Eu tive que me esforçar bastante para conseguir uma bolsa naquela escola e minha mãe se esforçava todo dia para pagar o que a bolsa de estudos não supria.

Meu pai? Bem, ele sempre foi um assunto delicado. Minha mãe e meu pai se separaram quando eu era bem pequena e, até onde eu sei, ele nunca havia sido muito bom pra ela. Uma vez ouvi umas tias minhas conversando, e pelo que entendi, eles viviam brigando. Mas o importante é que ela havia se livrado de um idiota.

Antes só do que mal acompanhada, certo?

Okay, voltando para a escola.

A primeira aula que eu teria era de história. Duas, para ser mais exata. Seguida de dupla de química, matemática e física. E depois mais duas de educação física.

Sim, eu odiava segundas feiras com toda a força do meu ser e eu tinha razão para isso.

O professor de história chegou na sala de aula às 7:35 e já começou a escrever na lousa:

Trabalho sobre a Segunda Guerra Mundial. Em duplas ou em trio” e então virou para os alunos com um sorriso assustador, que só podia significar uma coisa: ele que montaria as duplas e os trios.

Rapidamente a falação cessou e todos começaram a prestar atenção no professor.

— Bom dia, classe! Espero que tenham tido um ótimo fim de semana! Acho que vocês já leram na lousa o que eu vou pedir… E espero que gostem das duplas que eu escolhi! Sim, eu já escolhi, com base no que eu quero. Para o trabalho, vocês vão ter que, de certa forma, reproduzir a Segunda Guerra. Uma dupla terá que ler um livro, por exemplo, enquanto um trio terá que montar uma maquete. Alguma pergunta? — o professor fez uma pausa. Todos haviam entendido o que ele queria — Ótimo! O primeiro trio fará uma maquete. Vou deixar vocês escolherem o tema, já que eu escolhi o grupinho. Os integrantes são: Matheus, Felipe e Carlos. Agora uma dupla. Alice e Eduarda pesquisarão sobre os países que participaram da Guerra e o porquê. A próxima dupla… Maria Clara e Tobias. Vocês terão que ler o livro “Diário de Anne Frank” e “A Menina Que Roubava Livros” e falar como esses livros podem nos ajudar no estudo da Segunda Guerra.

E, okay, há duas coisas que eu quero ressaltar sobre essa enorme falação do meu professor.

A primeira é: quando ele disse “escolhi os grupos com base no que eu quero” era que a maioria dos alunos estudou naquela escola a vida inteira (eu me encaixava nessa categoria) e os professores sempre foram fazendo anotações sobre nossas habilidades e competências, o que nos deixava com uma espécie de “currículo” no terceiro ano. No meu caso, eu era quieta e gostava de ler, então entendia o fato do professor ter me dado aquele trabalho.

A segunda: por que eu tinha que dividir o trabalho com o Tobias? Ele havia entrado na escola aquele ano, então não tinha porque ele já ter suas competências e habilidades registradas. E outra: nós nem conversávamos. Aquilo não fazia sentido e eu estava irritada. Senti meu rosto ficando quente de raiva e, quando olhei para Tobias, notei que ele não estava muito diferente de mim. Estava olhando para todos os lados, nervoso, enquanto algumas meninas que tinham esperança de fazer dupla com ele estavam choramingando com as amigas.

Aquela segunda-feira mal tinha começado e eu já estava odiando mais que o normal.

O almoço chegou voando, de certa forma. Eu não tinha ido falar com o Tobias, nem tinha conseguido prestar muita atenção no resto dos grupos, mas eu notei uma coisa: minha dupla seria a única a ter que ler algum livro. O resto era apenas maquetes, pesquisas ou coisas parecidas.

Como era uma escola de período integral, nós tínhamos um intervalo de 15 minutos, depois um almoço de 1hr15min.

Comprei qualquer coisa no almoço aquele dia e fui direto para a biblioteca. Eu costumava adiantar os deveres e, se sobrasse tempo, mexer um pouco em algum dos computadores de lá (não era porque eu odiava tudo e todos que eu não gostava de saber o que estava acontecendo pelo mundo).

Mas, como já era de se imaginar, aquele dia foi ligeiramente diferente.

Quando eu estava na metade dos deveres, ouvi uma cadeira perto de mim sendo movimentada e um sotaque de paçoca que eu gostaria de não conhecer dizendo:

— E aí, beleza?

Olhei para cima e lá estava Tobias, com um sorriso irritantemente feliz, me interrompendo no meio de uma conta de física.

Terminei primeiro a conta em questão para responder ele com o oi mais seco da minha vida.

— Oi. — respondi, fechando meu caderno e olhando para ele. Eu até podia odiar ele, mas minha mãe havia me dado educação e eu ia utilizar ela.

— Então… nós temos um trabalho para fazermos juntos, né? — ele começou, puxando assunto e sentando em uma cadeira de frente para mim. — Você tem ideia de como fazer esse trabalho?

— Sobre isso, pode deixar, eu faço sozinha. Já li os dois livros que o professor pediu. Eu escrevo o trabalho e coloco o seu nome.

Nesse momento ele me olhou um pouco surpreso.

— Eu também já li esses dois livros. Não vou deixar você fazer tudo sozinha.

Foi minha vez de olhar surpresa para ele.

Então quer dizer que você tem neurônios suficientes para ler livros?” pensei, mas não transformei em palavras.

— Hm, não sei como podemos fazer, então. Sei lá. Vamos reler O Diário primeiro, discutimos sobre ele, depois A Menina Que Roubava Livros e de novo discutimos sobre o livro. Assim está bom?

— Por mim tudo bem. Me passa seu número, para podermos discutir sobre os livros de uma maneira mais fácil? — ele pediu, já agarrando o celular e se preparando para anotar meu número. Ditei os números sem pensar duas vezes. Conversar por mensagem com ele significava não ter que olhar para a cara dele nem ouvir aquele sotaque de paçoca.o


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Notas finais do capítulo

o terceiro capítulo deve sair essa semana, já
Até lá e não se esqueçam de comentar =3



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