Reencontro escrita por Lucca


Capítulo 21
Capítulo 21


Notas iniciais do capítulo

Jane penetrou as muralhas de Kurt Weller. Mas sempre achei que ele nunca penetrou as dela porque muitos de seus traumas estavam camuflados pelo ZIP ou compartimentados para permitir que ela seguisse sua vida. Então, pensei numa sequencia de acontecimentos que levassem Kurt à vencer essas barreiras de auto-proteção de Jane.
O capítulo está um pouco mais violento do que costumo fazer.
Espero que gostem.
Boa leitura.



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O voo de volta à NYC foi tranquilo. Jane se aconchegou contra Kurt e ele contra ela nos assentos do jato. Logo adormeceram. Rich, Patterson e Reade trocaram olhares carregados de cumplicidade num acordo para manter o silêncio a qualquer custo e deixar, assim, o casal de amigos descansar.

Ele acordou duas horas depois. Sentindo o peso dela sobre seu peito, apenas abriu os olhos, evitando se mover. Ela ainda dormia pesado com uma das mãos agarrada à camisa dele.

Kurt buscou o olhar de Patterson que estava sentada na poltrona à sua frente. O sorriso fraternal dela foi seguido por uma mensagem na tela do celular.

“Vocês dormiram por mais de duas horas. Mesmo adormecida, ela não soltou a mão de sua camisa um só minuto.”

Kurt correu os olhos para a mão de Jane agarrada à sua camisa. Os nós dos dedos estavam esbranquiçados pelo força e pelo tempo naquela posição. Mesmo sentindo uma vontade enorme de cobrir a mão dela com a sua e sussurrar garantias em seu ouvido de que ele jamais a deixaria numa tentativa de fazê-la sentir-se segura o bastante para aliviar a pressão que colocava na peça de roupa, ele se conteve. O sono dela era algo cada vez mais raro, ele sabia e não atrapalharia isso. Então, continuou imóvel, dirigindo seu olhar para o rosto adormecido dela. Uma varredura rápida já lhe permitiu identificar vários traços de tensão presentes ali. Foi impossível conter o suspiro que reprimia a decepção por poder fazer tão pouco por ela agora.

O toque suave de Patterson em seu joelho, chamou sua atenção. Uma nova mensagem no celular da loira dizia:

“Vai ficar tudo bem. Vamos encontrar a cura. Ela vai ficar bem. E todos estaremos aqui por vocês e com vocês até lá.”

Um novo e longo sorriso de gratidão se formou no rosto de Kurt. Sem Jane, ele não teria tantos problemas, mas também não teria essa família que ela colocou para dentro das muralhas que ele ergueu em seu coração. Nenhuma segurança na solidão lhe parecia uma escolha certa agora. O caos instalado por Jane, tonalizado pelas cores novas de tantos laços fortalecidos era, com certeza, a melhor coisa que já lhe acontecera.

Mais duas horas se passaram e uma turbulência moderada sacodiu a aeronave. A atenção de todos se colocou sobre Jane. Um único pensamento os unia: engatilhar frases garantindo a segurança do voo para tranquilizá-la assim que ela abrisse os olhos. Mas ela não acordou. A turbulência passou e deixou uma forte inquietação nos corações daquela equipe.

Três minutos daquilo era tudo que Kurt podia suportar. Com cuidado, ele se ajeitou na poltrona e, com toques suaves, percorreu os traços de seu rosto. Ela se moveu apenas para tentar fixar-se a ele ainda mais. Com sussurros, ele a chamou:

— Hei, Jane, acorde.

Ela bocejou e se aconchegou à ele, ainda à meio caminho de distância entre o sono e a vigília:

— Estou cansada..._ disse ganhando um beijo suave do marido na testa _ parte da culpa disso é sua.

Kurt sentiu o rosto queimar. Reade focou na janela do jato fingindo não ter assimilado a informação. Patterson gesticulou constrangida que qualquer outro comentário era dispensável. Mas Rich não estava disposto a facilitar para Weller e ele sabia disso. O melhor era enfrentar logo. O olhar do ex-hacker estava carregado de malícia. Kurt respondeu com seriedade. Então, Rich pegou o celular e digitou a mensagem, virando a tela para que o amigo lesse enquanto gesticulava um sinal de aprovação:

“Você colocou Jane Doe pra dormir por mais de 4 horas! Você é o cara! Isso só aumenta minha vontade de participar.”

Assim que chegaram à NYC, decidiram dedicar algumas horas de trabalho no laboratório de Patterson no SIOC. Apesar do cansaço, Rich fez avanços importantes na criptografia do driver durante o vôo e a ansiedade por novos passos em direção à cura de Jane não podia esperar.

Poucas horas depois, Jane e Reade lideram a equipe em campo para desmontar uma fazenda de treinamento de soldados e depósito de armas da HCI Global. Kurt e Patterson deram apoio remoto enquanto também trabalhavam para conseguir imagens de câmeras em possíveis locais onde Blake Crawford poderia estar. O centro de treinamento acionou um sistema de autodestruição assim que perceberam estar cercados pelo FBI. O isolamento do local e a ampla destruição causada pelos explosivos acabaram com as provas contra a organização internacional. O número de mortos abalou a equipe que também teve baixas internas.

Mesmo desanimada pelo desfecho da missão, Patterson parecia incansável rastreando os dados sobre Blake. De repente, seu rosto empalideceu, chamando a atenção de Kurt:

— Você está bem?

— Sim, estou. Eu preciso verificar melhor isso. _ a respiração da loira estava descompassada.

— Patterson, foi um dia difícil. Talvez seja melhor deixar isso para amanhã. Todos precisamos descansar.

— Não, Kurt. Isso não pode esperar... _ e levou a mão à testa demonstrando o quanto estava abalada diante das informações. _ Eu preciso de um copo d’água.

Ele se apressou em trazer a água que ela tomou devagar. Rich retornou ao laboratório, se colocando a par do trabalho que Patterson estava realizando:

— Céus, não pode ser! Sente-se e descanse, eu termino isso. _ e começou a digitar freneticamente nos terminais

— O que não pode ser? _ Kurt já estava nervoso.

— Calma, Kurt. Não é nada com Jane. Pelo menos, não diretamente. _ Patterson tranquilizou.

Aos poucos, imagens, áudios e mensagens foram configurando mais um pesadelo real que teriam que enfrentar. Cape Town, Paris, Zurique, Estocolmo. As provas eram irrefutáveis. O conteúdo deixou os três estarrecidos.

Patterson, com os olhos cheios d’água, gesticulou para o nada:

— Tem que haver algo que ainda não vimos. Poder ser que... _ e calou diante da possibilidade que parecia mais um sonho do que algo concreto.

Kurt andava de um lado para o outro com a mão tentando aliviar a tensão no pescoço.

— “Pode ser que... pode ser que...” Seja lá o que possa ser, nada muda o direcionamento fatal de tudo que descobrimos. Hija de la puta!

Nesse momento, Afreen entrou no laboratório:

— A equipe retornou. Reade e Jane já estão subindo.

— Obrigado, Afreen._ Kurt agradeceu quase com um rosnado.

— Sinceramente, vocês passaram a pegar pesado demais depois que entrei para o team. Antes tudo era mais divertido._ Rich tentou aliviar a situação, mas o silêncio dos amigos e o olhar ferido de Patterson só confirmaram o quanto a notícia tinha sido devastadora.

Em silêncio, caminharam até o saguão principal à espera dos amigos. A porta do elevador se abriu mostrando Reade e Jane cobertos por uma mistura de foligem e lama que resultaram das explosões após uma à forte chuva.

— Por favor, me digam que essas caras de vocês é apenas por causa do pesadelo burocrático que terei que enfrentar para justificar tudo isso? _ Reade questionou.

Kurt e Patterson permaneceram em silêncio sem coragem para desencadear as informações. Rich tomou a palavra:

— Precisamos mostrar novas informações à vocês lá no laboratório de Patterson.

Minutos depois, as telas mostravam o que as palavras não tinham sido capazes de dizer: Zapata mantinha contato com Blake Crawford desde o baile de gala na Croácia. Wizardville foi fundamental para desmascará-la. Apesar dela ter feito uma nova conta de usuário, Patterson detectou o perfil das jogadas e o rápido avanço nas fases. Usando a porta de acesso às ligações e mensagens do aparelho onde o jogo estava instalado, os detalhes da ligação das duas foram aparecendo, inclusive os planos sobre a morte de Roman.

Reade ficou desolado. A expressão de Jane foi se endurecendo e ela logo puxou a mão que estava entre as de Kurt.

— Alguma chance de Keaton estar por trás disso? _ Reade precisava perguntar.

— Se estiver, ele vai negar. _ Kurt foi cético.

Jane levou a mão até a cabeça tentando conter as fortes pontadas de dor. Nada daquilo parecia certo. Não Tasha. Não alguém da família. Eles eram uma família, não eram? E as regras aqui eram diferentes daquelas que ela aprendeu com Shepherd. Pessoas importavam, não eram um problema a ser eliminado, mas mereciam um julgamento justo e as punições prescritas na lei. Mesmo que Roman tivesse feito coisas horríveis, a forma como sua morte foi premeditada usando o amor que ele sentia por Blake era injusta e cruel. Jane já havia traído a equipe o que resultou na morte de Mayfair, mas ela jamais planejou isso e nem aceitaria ou faria se soubesse que algo assim poderia acontecer.

— Eu preciso ir pra casa. _ a frase saiu carregada por um misto de ressentimento e decepção que ela não queria disfarçar.

Kurt foi atrás dela mesmo sabendo que precisaria de espaço. Ela não estava em condições de dirigir.

O caminho até o apartamento foi feito em silêncio. Aquele silêncio que se abatia sobre ela como uma sombra de morte por representar a total falta de esperança no futuro.

Ela entrou no apartamento com passadas firmes e já estava entrando no corredor de acesso aos quartos quando parou e se virou para ele. Seus olhos só ousaram cruzar com os dele por um breve momento, então ela baixou o olhar para falar:

— Eu... eu vou ficar no quarto de hóspedes.

Ele desejou que ela olhasse pra ele novamente para ver em seu olhar o quanto ele compreendia sua decisão. As palavras nunca foram suas melhores amigas e Kurt não fazia ideia de quais usar para fazê-la perceber que isso:

— Tudo bem..._ e mais uma vez ele não sabia como nomeá-la _ fique onde você se sentir melhor.

Assim que ela fechou a porta do quarto atrás de si, ele expirou um alívio enganador. Nada estava bem, ele sabia. No balcão da cozinha, se serviu de uma farta dose de uísque que sorveu de uma só vez. Talvez o álcool subindo rápido trouxesse alguma forma de relaxamento. Ele se sentia prestes a explodir. A segunda dose servida foi degustada mais devagar e o acompanhou quarto adentro com o restante da garrafa.

Sentado na cama, Weller digitou mensagens de apoio a Reade e Patterson. Essa nova bomba que explodiu sobre eles causou danos profundos também nos dois amigos. Ele olhou para o copo contendo os restos da terceira dose de uísque. Seus olhos pesaram e ele os fechou. Bom que tenha feito efeito, ele já havia atingido seu limite, não beberia além do que lhe permitisse ajudar Jane caso necessário.

Kurt não se preocupou em averiguar por quanto tempo cochilou, mas acordou aflito e uma sensação estranha brotou e cresceu rapidamente em seu peito: uma necessidade gutural de romper a distância, invadir o quarto ao lado e envolvê-la nos seus braços. Seria o álcool quebrando sua racionalidade? Nem mesmo nos piores momentos ele havia desrespeitado o tempo e o espaço que ela precisava para enfrentar os problemas.

O chuveiro foi a saída escolhida para enganar a vontade de estar junto dela que pulsava em seu peito e latejava em sua cabeça. Pouco ajudou, mas serviu para fazer algum tempo passar.  Enquanto ele vestia o moleton, jurou tê-la ouvido sussurrar o nome dele de forma suplicante. Atravessando o quarto rapidamente, alcançou a garrafa de uísque sobre a mesa de cabeceira. A mesma bebida de sempre, os mesmos teores de álcool. Isso não teria feito ele ficar alterado. 

O sussurro se repetiu. Impossível precisar se o som vinha do quarto ao lado ou das profundezas de seu próprio peito. E se ela estivesse precisando dele?

 Kurt só congelou quanto já estava com a mão na maçaneta da porta do quarto de hóspedes.

Ele afastou a mão da maçaneta devagar. Céus, como ele se permitiu chegar até aqui? Estaria perdendo sua lucidez? E a aflição no seu peito que não passava? Kurt suspirou e balançou a cabeça tentando retomar as rédeas de si mesmo. Dar às costas para a porta do quarto dela lhe custou mais do que deveria, mas ele o fez. Seu próprio quarto estava a poucos passos de distância, mas suas pernas pareciam concretadas no chão. Mesmo assim, ele se forçou a movê-las pelo caminho de volta. Tudo já tinha custado tanto à ela. Ele não precisava ser um problema a mais.

Um passo, dois... A adrenalina recuava tornando os movimentos mais fáceis. Ele já estava quase lá.

De repente, o som de algum objeto se estilhaçando contra o chão no quarto de Jane só permitiu que ele voltasse a raciocinar quando já estava acendendo a luz dentro do quarto dela.

Quarto de Hóspedes – cerca de uma hora e meia atrás.

Jane fechou a porta atrás de si sentindo-se esmagada pelos últimos acontecimentos. Tasha se uniu a Blake e tramou a morte de Roman. Tudo parecia fora do lugar. Nada mais parecia ter lógica. Seu estômago revirava, todo seu corpo doía, sua cabeça se negava a parar de recriar possibilidades que amenizassem tudo que ela sentia, mas nada tinha qualquer resultado positivo.

Banho, ela precisava de um banho. Uma atividade simples e habitual que não exigiria nada dela. Assim que acendeu a luz do banheiro, sentiu a cabeça latejar mais forte. Seus olhos correram para o balcão onde estava depositada a última dose do remédio que retardava os efeitos devatadores do ZIP em seu corpo. Na manhã seguinte, Madeline disponibilizaria uma nova remessa do medicamento. Ela não precisava de relógio pra saber que estava próximo do horário de administrar mais uma dose. Seu corpo gritava isso. Mas ela realmente precisava de um banho para se livrar da foligem e da lama que a cobriam e medicação desencadeava fortes dores durante a absorção, então era melhor deixá-la para depois.

Ela se despiu sem se preocupar em acomodar as roupas sujas no seu devido lugar. Entrou no box e ligou o chuveiro deixando a água cair em seu corpo dolorido. Apoiando as mãos na parede, ela olhou para a sujeira que corria junto com a água para o ralo. Como seria bom se pelo menos uma parte da decepção e da dor que ela sentia pela traição de Tasha também se desprendessem dela... Elas foram amigas, não foram? Ela disse que sentiu sua falta. Será que nada disso foi verdade?

Uma nova sequencia de fortes pontadas de dor em sua cabeça a fez permanecer se apoiando na parede para garantir seu equilíbrio. Ironicamente a água escoava pelo ralo como a vida parecia fluir fora dela a cada dia. Água e lama. Vida e tantos erros. Sangue... Sangue? Ela firmou os olhos tentando pensar se seria apenas mais uma alucinação. As fortes cólicas se somaram às pontadas em sua cabeça. Droga, o banho teria que esperar. Ela precisava de uma nova dose do remédio agora.

Ao pisar fora do box, as dores já atingira patamares capazes de deixá-la trêmula. Jane nem fez questão de alcançar a toalha. Ela não tinha tempo pra isso. Aproximando-se da pia, ela abriu a caixa onde guardava os acessórios para injetar a medicação.

Seringa de vidro, agulha especial, tudo com encaixe delicado. Ela respirou fundo e se concentrou. Já havia passado por coisas piores. Ela seria capaz de ministrar a medicação. Pronto! Tudo montado. Então, alcançou a ampola e aspirou o líquido com a agulha.  Finalmente. Era só injetar e aguardar até que tudo se normalizasse.

Jane olhou para baixo e viu as pequenas poças de sangue pelo chão do banheiro. Ela manuseou a seringa com todo cuidado possível para não derrubá-la por causa de seus tremores.

— Qual é, Jane Doe! Você sabe que não será capaz de fazer isso sozinha, me dê aqui, eu vou  ajudá-la.

Aquela voz fez o estômago dela revirar. Ela olhou para o lado com toda frieza que conseguiu reunir no âmago de sua alma. Keaton estava em pé bem em frente à ela, solicitando a seringa com um olhar sarcástico.

Nos primeiros instantes, ela permaneceu imóvel.

— Vamos, Jane... ou devo te chamar de Remi? Me dê logo essa seringa _ ele disse estreitando a distância entre os dois.

Instintivamente, ela recuou. Foi seu grande erro. A água e o sangue no chão a fizeram escorregar e bater violentamente contra o chão. A seringa se despedaçou, alguns cacos se penetrando em sua mão. O líquido do remédio que poderia ajudá-la agora estava perdido. Ela tentou se levantar o mais rápido que pode. Estava ficando tão frio de repente.

— Olha só ... Você está péssima. Eu esperei tanto por esse momento. Disse que não tinha acabado com você, que teríamos uma segunda chance.

Tudo parecia girar. Ela tentava saber a direção exata de onde a voz de Keaton vinha, mas parecia impossível. Seu estômago revirava mais e mais a cada palavra até que ela não foi mais capaz de segurar o vômito.

— Ah não. Sem drama. O que você espera? Que eu não faça meu trabalho porque você está doente?

De repente ela sentiu uma forte dor na nuca. Seu corpo foi jogado para a frente e seu rosto bateu no canto da pia antes dela estar novamente no chão.

Segundos, minutos, horas... ela não sabe quanto tempo ficou desacordada, mas ela sabia exatamente onde estava. Aquele cheiro de sangue e vômito, o frio do chão sobre o qual ela dormia, tudo isso fez parte de seu cotidiano por longos três meses. Black Site. Keaton tinha a levado de volta. Como? Ela tentou abrir os olhos, a luz a cegava por causa da violenta dor em sua cabeça.

— Acordou, bela adormecida?

Uma violenta pancada em sua nuca a deixou prostrada no chão novamente.

— Vamos, Jane, levante-se. Você pode fazer melhor que isso.

— Kurt... _ ela tentou chamar, mas a voz lutava com as ondas de vômito que a sacodiam.

— Ele não virá, Jane. Você sabe. Ele nunca veio. Levante-se!

Ela tentou se levantar mais quatro vezes, mas cada tentativa acabou frustrada pelos novos golpes na parte anterior de sua cabeça.

— Kurt...

— Sério que você vai insistir em chamá-lo? O que ele poderá fazer por você? Ele está fraco, lembra-se? Mas seria divertido ver sua reação assitindo-o passar por tudo que você viveu aqui... A escolha é sua, Remi. Vou deixá-la sozinha um pouco para você pensar sobre isso.

Não! Ela não podia permitir que Keaton machucasse Kurt. Ela precisava encontrar uma saída sozinha.

Sem levantar a cabeça do chão, ela forçou os olhos e percebeu um espaço escuro à sua frente. Escuridão seria reconfortante para sua dor. Devagar, ela começou a rastejar pelo chão mais e mais até atingir o lugar escuro. Exausta, permitiu-se descansar um pouco antes de uma nova tentativa de abrir os olhos.

Assim que sentiu-se mais forte, abriu os olhos devagar. Keaton não estava ali. Ela poderia se esconder e encontrar algum tipo de arma para se defender. Tinha uma parede próxima que serviria de apoio para uma tentativa de se levantar. Ela se arrastou até lá, mas tudo que conseguiu foi se sentar no canto entre a parede e o que parecia ser um móvel. Então ela percebeu uma espécie de fio que pendia sobre sua cabeça. Era fino, mas já era algo para usar em sua defesa. Ela segurou firme no fio e puxou com toda a força que tinha. Algo caiu e se estilhaçou na sua frente.

— Não..._ ela não tinha certeza se falou ou apenas pensou. O barulho chamaria atenção de Keaton e ela não teria tempo de se recuperar.

A luz se acendeu, revelando-a por completo. Ela puxou os joelhos em direção ao corpo e cruzou os braços sobre o peito tentado proteger um pouco sua nudez. Os olhos semiabertos mostraram a figura masculina se aproximando rápido o que a fez recuar ainda mais contra a parede. Ela esperou as palavras sarcásticas seguidas de golpes, mas ele parou cerca de um metro antes de alcançá-la e se agachou para ficar na sua altura:

— Jane... Sou eu... O que aconteceu?_ a voz de Kurt estava um pouco trêmula, mas suave, tentando acalmá-la.

Kurt? Ela não podia deixá-lo se aproximar. Era constrangedor e perigoso.

— Vá embora... _  foi tudo que ela conseguiu dizer mantendo a voz firme e baixa para que só Kurt fosse capaz de ouvir.

Ele imaginou que o volume usado por ela era por causa da dor e da hora avançada, então decidiu também sussurrar:

— Você está sangrando. Eu vou me aproximar, ok?

— Não! Sai, por favor.

— Eu não vou embora, Jane. Você precisa de ajuda.

— Vá embora antes que ele volte, Kurt._ ela sussurrou. _ Por favor, eu não suportaria vê-lo te machucar.

— Ninguém vai me machucar, eu prometo.

Ela pressionou as duas mãos na cabeça tentando acalmar a dor.

— Saia enquanto é tempo. Olhe o que Keaton fez comigo!

Kurt achava que nada poderia ser pior do que ver o quanto ela estava ferida, fragilizada e ainda tentando se mostrar forte, mas ouvir o nome de Keaton foi muito pior. Imediatamente ele entendeu que ela estava alucinando com o black site.

— Ele não está aqui agora. Somos só nós dois. Eu vou me aproximar, ok? _ ele foi chegando mais e mais perto.

Devagar, estendeu a mão até tocar o rosto dela.

— Vá embora, por favor...

Cuidadosamente ele se aproximou até envolvê-la em seus braços. No ínicio, ela se manteve rígida e afastada. Mesmo sem abrir completamente os olhos, ela sondava todo o ambiente à procura do inimigo, especialmente quando olhava em direção ao banheiro. Aos poucos, cedeu e recostou a cabeça contra ele.

— Deus, você está muito gelada._ ele se preparou para pegá-la no colo com a intenção de levá-la até à cama para aquecê-la.

Imediatamente Jane se afastou:

— Não. Você não pode... vai se abrir seu ferimento..._ e ela gemeu, encostando a cabeça no móvel lateral numa busca desesperada por qualquer alívio na dor.

Kurt sabia que era inútil insistir, ela resistiria e isso pioraria sua situação. Buscando desesperadamente uma forma de ajudá-la, lembrou-se dos remédios para dor que ficavam na mesa de cabeceira. Ele pegou dois comprimidos que era a dose indicada para crises fortes e ofereceu à ela:

— Você precisa tomar isso.

Ela olhou triste para ele e estendeu a mão ensanguentada para pegar os comprimidos:

— Quando a dor passar você terá desaparecido e ele fará coisas muito piores... _ sussurrou.

— Não dessa vez. Você confia em mim, Jane?

— Com minha vida.

— Então, tome os comprimidos, por favor.

Ela fez o que ele pediu. Kurt foi até a cama e pegou o edredon. Voltou para perto dela, sentou-se ao seu lado e voltou a envolvê-la, dessa vez usando o edredon para aquecê-la.

— Jane, me deixe ver sua mão.

Ela mostrou-lhe a mão e ele logo reconheceu cacos da seringa ali.

— Você não conseguiu injetar o remédio, não é?

Ela assentiu. Ele retirou os cacos da mão dela. Os cortes não eram profundos. Ele pressionou o edredon contra os ferimentos até o sangramento parar. Quando terminou, viu que ela olhava pra ele com uma gratidão transcendental e disse:

— Kurt, obrigada por estar aqui. Eu não achei que você viria...

— Eu sempre vou estar aqui por você, sempre! E agora, preciso te levar a um hospital.

Ela ficou tensa novamente e seu rosto foi tomado pelo pânico:

— Não... por favor... Os médicos não... eles não vão me ajudar...só vão dizer que suporto um pouco mais... e eu estou tão cansada, Kurt, tão cansada...

— Jane...

— Os remédios me deixam incapaz de me proteger ....não vou suportar alguém me tocando, não hoje... por favor.

O peso daquelas palavras caíram sobre ele. Pensar que Keaton tinha levado seus métodos de “interrogatório” ao extremo dela precisar de ajuda médica... pensar em profissionais que dariam aval para a continuidade daquele ato desumano... pensar que ainda se aproveitaram dos efeitos da medicação para cometer outras formas de abuso contra ela...Kurt sentiu a bile queimando em sua garganta e a engoliu de volta enquanto estreitava o abraço ao redor de Jane. Ele não podia se deixar dominar pelo desejo de vingança pelo passado agora, ela precisava de cuidados imediatos, então argumentou:

— Janie, você está segura agora. Está comigo. É só mais uma alucinação, eu garanto.

Ela respirou pesado três vezes sem sequer abrir os olhos até conseguir dizer:

— ZIP...

— Sim, o ZIP. _ ele respirou aliviado ao ver que ela ainda era capaz de se conectar com a realidade.

— Então médicos não podem me ajudar. Só Madeline pode.

Ele a abraçou forte. Ela estava certa. Ele precisava pedir ajudar para sua mãe.

Um breve silencio se seguiu, enquanto ele pensava no que fazer e como fazer. O mais certo pareceu seguir seus instintos. Jane reconheceria a forma como ele estava trabalhando e isso a tranquilizaria. Ele precisava agir, então propôs:

— Você precisa de um banho. Assim poderei avaliar seus ferimentos. _ Ele falou o mais baixo que podia, com a mão pressionando a testa dela contra seu peito o que parecia trazer um pouco de alívio pra ela. _ Você precisa me ajudar.

Jane olhou em direção à claridade do banheiro e se encolheu contra ele:

— Não... ele está lá, Kurt. É perigoso...

— Eu sei que é difícil, Jane, mas acredite, ele não vai nos machucar porque somos muito mais fortes juntos não somos?

Ela assentiu e sorriu discretamente. Ele beijou o topo de sua cabeça antes de ficar em pé ao seu lado. Jane teve mais dificuldade do que ele previa para se levantar e caminhar ao lado dele. Mesmo assim, manteve-se determinada evitando apoiar-se demais nele.

Enquanto ela estava no chuveiro, ele se ocupou em afastar os cacos de vidro e espalhou toalhas para absorver a água e o sangue que estavam pelo chão procurando evitar novas quedas. Quando sua atenção se voltou novamente pra ela, Jane tinha uma mão apoiada na parede enquanto a outra tocava o sangue que escorria por suas pernas:

— Janie, você precisa de ajuda?

Ela olhou para ele com uma tristeza que ele nunca antes tinha visto no seu olhar:

— Eu sinto muito, Kurt. Eu não estou grávida...

Ele nunca lutou tanto pra fazer as palavras saírem por sua garganta. Isso parecia machucá-la tanto quando as lembranças do black site.

— Janie, você não precisa se desculpar.

— Eu queria tanto ser capaz de te fazer feliz... como Allie fez. Era o meu sonho pra nós...

Kurt não foi mais capaz de se manter afastado dela, entrou dentro do box e a abraçou:

— Você me faz feliz, Janie. Ter você é tudo que eu preciso. Vai ficar tudo bem, eu prometo.

Os dois ficaram um tempo ali, abraçados, com a água escorrendo sobre eles.

Pouco depois, Kurt desligou o chuveiro e pegou toalhas para eles. Jane o seguiu até o quarto deles em silêncio. Após se vestirem, acomodaram-se na cama enquanto ele informava Patterson sobre os acontecimento pedindo que ela buscasse novas doses do remédio com Madeline. A instabilidade na temperatura dela o preocupava, então a puxou pra mais perto.

— Patterson e Madeline logo estarão aqui. Tente dormir um pouco.

— Kurt, Tasha tem razão em me odiar. Eu tento fazer o certo, mas há coisas horríveis dentro de mim.

— Não diga isso. Não é verdade.

— Eu fiz coisas horríveis, Kurt... horríveis...

— Mas você deixou isso para trás. Isso é o que importa agora, quem você é hoje. Tente não pensar em Tasha. Ainda é muito recente e está doendo demais em todos nós. Agora descanse, por favor.

Após alguns soluços, ela sucumbiu ao sono.

Eles estavam juntos. No quarto deles. Na cama deles. Mas nunca antes seu mundo pareceu tão fora do eixo.


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Notas finais do capítulo

Obrigada à todos que acompanham essa história. Cada visualização ajudou para que Reencontro chegasse até aqui. Se quiserem dar sugestões ou criticar, ficarei feliz dialogar com vocês sobre isso. É só deixar seu comentário.



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