Reencontro escrita por Lucca


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Jane vs Roman e toda a dor que esse enfrentamento pode deixar nos irmãos e em nós.
Boa leitura.



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As semanas seguintes passaram rápido. Jane voltou ao trabalho assim que pode se locomover melhor. O retorno à campo demorou um pouco mais e foi antecipado diante da sugestão dada por Roman de colocarem Crawford em xeque mate durante uma festa na Croácia.

Não havia escolha pela frente. Crawford precisava ser detido e Jane concentraria toda sua energia nisso no momento. Não havia tempo nem espaço para seus dilemas pessoais. Em algum momento houve? Desde que ela saiu daquela mala na Times Square, seus dias eram uma sequencia de tempestades entrecortadas por breves calmarias, tão breves que mal lhe permitiam recuperar o fôlego. Tormentas ainda piores a varriam por dentro e ignorá-las, mantendo o foco nos problemas exteriores e imediatos, direcionando suas ações para ajudar os outros, tinha sido sua estratégia. A dor é um sonho... e qualquer esperança de um futuro feliz também era apenas um sonho naquele momento.

O reencontro dos irmãos foi pesado. A sobrecarga emocional falou mais alto que o amor fraternal nas palavras de Jane, provocando a mudança nos planos de Roman. De possível aliado a inimigo. A relação dos dois parecia se afastar mais e mais de qualquer forma de equilíbrio.

A noite que se seguiu trouxe ainda mais escuridão. Todos que ela amava se tornaram alvos de assassinos profissionais. E Roman era o artíficie da matança programada.

A dor é um sonho... Não, a dor não era um sonho. Não a dor que reacendia dentro dela nas lembranças dos últimos eventos. Ela sangrava por ser a responsável por cada alvos nas costas das pessoas que ela amava. Ela sangrava por ter o dever de fazer uma escolha: não poupar Roman.

A dor é um sonho... e precisa ser isolada para que ser possível sobreviver. Se ela foi capaz de compartimentar a dor física no Black site e a dor psicológica no seu retorno ao Team, agora era necessário ser ainda mais forte para enfrentar Roman e impedir que o resto de sua família se machucasse.

Jane limpou o espelho embaçado do banheiro tentando se reconhecer no seu reflexo. Como fazer passar por isso sem se emprenhar por um mar de escuridão sem volta?

Seu corpo estremeceu ao sentir a presença de alguém atrás de si. Mas seu corpo se entregou logo após o primeiro toque daquelas mãos quentes e ternas nos seus braços que deram um leve aperto demonstrando confiança na força interior que ela tinha, depois percorreram todo o caminho até suas mãos para finalmente envolvê-la num abraço carregado de amor. Kurt. O beijo que ele depositou no alto de sua cabeça foi o que desencadeou a coragem para olhar para ele através do espelho e esboçar um sorriso. Mesmo sem ele dizer uma só palavra, ela entendeu a mensagem: ele conhecia todos os seus conflitos e estaria lá por ela sempre, até nos piores momentos.

— Venha._ ele sussurrou e conduziu-a para a cama.

Depois que os dois se aconchegaram embaixo dos cobertores, um de frente para o outro, ele afastou aquela mecha de cabelo que sempre insistia em cair sobre o rosto dela e começou:

— Eu sei o que é isso...

Ela balançou a cabeça numa leve concordância, mas seu olhar se desviou dele demonstrando que não compartilhavam os mesmos terrores. Ele continuou, levando a mão até seu rosto e buscando  o olhar dela de volta pra ele:

— Não estou falando de tudo que você já passou e ainda está passando com Roman..._ então colocou a mão dela no seu peito e cobriu com sua própria mão_ Durante vinte e cinco anos, toda noite eu me afogava no whisky para conseguir dormir. Quando meu dia terminava, mergulhava numa imensidão de questionamentos... Não cabia na minha vida qualquer tipo de sonho com um futuro feliz. Era tudo preto e branco, nada que valesse à pena.

O olhar de Jane já havia mudado completamente a essa altura, demonstrando que ela estava totalmente solidária ao relato dele. Ela era incapaz de manter o foco em seus próprios problemas diante de uma outra pessoa precisando de sua ajuda, de sua atenção. Especialmente se essa pessoa era Kurt. Isso não passou despercebido por ele. Era tudo que ele precisava para continuar.

— Até que, há pouco mais de três anos atrás, foi convocado para trabalhar num incidente ocorrido na Times Square. _ ele não conseguiu evitar o sorriso, mas depois falou com seriedade num tom confidencial_ Encontraram uma mulher linda, nua e toda tatuada dentro de uma mala. E ela tinha o meu nome nas costas.

— Foi então que você descobriu o que era ter problemas de verdade..._ Jane disse brincando e revirando os olhos para o alto.

— Olha, aquela mulher virou minha vida de cabeça pra baixo. Precisei rever muitas coisas em que eu acreditava e aprender a viver de uma forma diferente por que depois dela, tudo teve que mudar. Nada mais era preto ou branco. Minha vida foi invadida com uma gama enorme de tons de cinza. Isso me desequilibrou porque depois desses tons, eu queria mais cores. Mas a principal mudança foi nas minhas noites...

— Hum, ele te roubou definitivamente o sono?_ Jane disse carregando a frase de duplo sentido.

— Bem, já passei muitas noites em claro por causa dela. Algumas terríveis, outras maravilhosas. Mas a questão é que, desde que eu a conheci, dormi melhor. Mesmo nos piores momentos, a possibilidade de sonhar com ela me atraia para o sono. E não era só isso. Desde que eu conheci essa mulher, eu desejei um futuro com ela, no começo tudo era muito subsconsciente, depois veio a fase da negação, porém ela continuava lá nos meus sonhos e nos meus planos. Porque cada olhar que ela me dirigia, cada palavra que ela me falava despertava o que havia de melhor em mim.

— Você é um cara incrível. _ ela disse com lágrimas nos olhos.

— Você é a responsável por isso, Jane.  Você é a responsável pelo cara incrível que sou pra você. Meus outros relacionamentos diriam que sou um cara legal, mas... a lista a partir daí seria bem grande. _ ele riu antes de continuar_ Tudo o que eu quero é fazer o mesmo por você...

— Você faz, Kurt. Você desperta o que há de melhor em mim...

— Eu sei disso. Não estaria com você se não tivesse a certeza do que você sente por mim. Mas eu ainda não fui capaz de te trazer para as noites tranquilas de sono. Nem no Colorado e nem agora. Você se entrega por completo pra mim, mas sua vida continua sem cores porque você não tem um sonho pra nós.

A sombra que cobriu o rosto dela e a forma como seu corpo enrijeceu era evidências mais claras que palavras, demonstrando que ele conhecia o âmago da questão. Mesmo assim, ela tentou contornar a situação, ela precisava evitar que essa conversa continuasse. Por isso, colocou toda sua força em carregar seu olhar com o amor que sentia por ele:

— Kurt, estar com você é o melhor que eu já vivi e é tudo que eu quero. Se eu tiver um futuro com você e Avery, vou estar feliz.

Ele sorriu triste, tentando conter sua frustração.

— Sonhos estão além daquilo que sabemos que racionalmente podemos ter, Jane. São uma forma de colorir a vida. Você quer saber minha opinião sobre isso?

Jane agradeceu aos céus por todo seu treinamento em não demonstrar emoções apesar de ter dúvidas sobre se isso estava sendo eficaz nesse momento. Da forma mais controlada possível, deu a abertura que ela sabia que ele esperava:

— Você sabe que sempre estou disposta a te escutar.

Kurt levou a mão até aos cabelos dela, avaliando rapidamente as palavras secas dela como uma tentativa clara de se proteger.

— Existe algo lá, algo que você deseja muito, mas que não admite talvez nem pra você mesma.

As palavras bateram forte. Quase que instintivamente, ela se agarrou a ele, como fez na Estátua da Liberdade no dia em que se conheceram, buscando ali a força para não desmoronar e, ao mesmo, tempo a fuga que precisava do olhar dele e daquela conversa. Para encerrar, disse:

— Não há nada lá, Kurt. Nada além de nós. Acho que eu só sei viver um dia de cada vez...

Ele apertou o abraço ao redor dela. A voz controlada de Jane contrastava com a umidade que ele sentia se formando em sua camiseta. Ela estava chorando.

— Então, talvez tenhamos que construir esse sonho juntos depois de derrubarmos Crawford. _ ele depositou outro beijo no topo de sua cabeça_ Boa noite, Jane.

A resposta veio com uma leve falha de emoção:

— Bo..a noite, Kurt...

Tudo o que ela precisava fazer nos próximos minutos até ele adormecer era afastar aquela imagem de suas lembranças: o quarto do hospital e Kurt sorrindo com Bethany nos braços ao lado de Allie. “A felicidade não está no seu DNA.”— as palavras de Roman ressoaram no seu cérebro. Não havia espaço para esse sonho. Ela não estragaria a vida de mais ninguém.

A manhã seguinte trouxe a surpresa de uma nova tatuagem decifrada: o escaravelho rinoceronte. A arma sônica por trás dela exigiu um grande esforço da equipe em desmantelar mais esse projeto de Crawford. No desfecho, outro encontro e embate com Roman. Novas feridas foram abertas. O abismo entre eles se aprofundou.

Jane voltou para casa calada. Após um banho rápido, dispensou o jantar e se sentou na varanda, observando as luzes da cidade. Kurt entendeu e não insistiu. Ele esperava que a notícia da mudança de Avery para a casa deles no dia seguinte produzisse um efeito melhor em atenuar os momentos difíceis daquele dia. Não foi o bastante. Ele sabia que ela precisava de tempo e espaço para digerir a situação, então se despediu e foi pra cama sozinho.

Não demorou muito até que o telefone de Jane tocasse. A palavra “desconhecido” no visor fez todas as emoções borbulharem no seu interior. Naquele primeiro toque ela sequer pegou o aparelho nas mãos. Guerra é guerra, dialogar com o inimigo só enfraquece o soldado.

Segundo toque. Ela não se moveu. Kurt a procurou por 18 meses. Ele a amava e esteve ali por ela o tempo todo, mesmo nos momentos mais difíceis. Se ela precisava escolher um lado, Kurt merecia ser sua escolha.

Terceiro toque. Jane pegou o aparelho nas mãos para desligá-lo. Roman transformou isso numa escolha, não ela. Ela só queria todos juntos como uma família.

Quarto toque. Roman colocou alvos sobre sua família. Isso era doentio. Ele tinha se transformado num monstro.

Quinto toque. Foi a vez de suas próprias palavras ecoarem em sua mente “Você é um monstro agora. E monstros precisam ser destruídos.”

Sexto toque. Será que seu irmão também sangrou ao ouvir tudo que ela disse como ela sangrou ao dizer?

Sétimo toque:

— Fale.

— Olá, Sis. Te acordei? Wow, me lembrei, você quase não dorme à noite.

— O que você quer?

— Liguei pra te agradecer por hoje, Sis, por cada palavra...

— Roman, não tem que ser assim. Você está fechando todas as portas entre nós por uma pessoa que sequer sabe quem você realmente é.

— Jane, Jane, você é tão bizarra. Faça o que eu digo, não faça o que eu faço. Será que sua escolha por Weller é diferente? Ele te conhece, Remi?

— Eu não sou mais Remi! As situações são completamente diferentes.

— São mesmo? Você sabe quem você mesma é, Jane Doe? Você não pode negar a si mesma para sempre, Sis. Remi não morreu. O maior de todos os monstros gritou pra mim hoje em cada uma das suas palavras.

O som da ligação interrompida soou como uma sirene dentro da cabeça de Jane. Na noite anterior, Kurt pediu a ela um sonho, mas tudo que existia à sua frente era mais um pesadelo.

Um flashback a levou de volta à sua infância, trazendo a sensação horrível de ser sua mãe morta. Qualquer direito a sonhar foi arrancado dela naquele dia.

Seria mensurável a dor de sua mãe ao saber que ela puxou o gatilho para Ian?

Como sonhar em ser mãe de novo quando tudo o que tem pela frente é estar pronta para matar a pessoa que sua mãe mais queria que você protegesse?

“A dor é um sonho.”

A dor não é um sonho.

A dor é a única realidade.


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Notas finais do capítulo

Perdoem minha demora na atualização. Alguns probleminhas pessoais têm tirado minha vontade de escrever. Blindspot também não ajuda. Ver esses irmãos se enfrentando acaba comigo.
Obrigada pela leitura e pelos comentários.



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