Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 4
Gente Nova


Notas iniciais do capítulo

Aqui está mais um capítulo. Espero que gostem.

Boa leitura!



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— E se eu fosse mulher? Você deixaria a batina por mim? — interrogou.

Aquela pergunta havia me desestabilizado. Se Miguel fosse mulher, as coisas mudariam um pouco. Eu teria que renunciar à Igreja, mas pelo menos não estaria fazendo algo errado aos olhos de Deus, não estaria me entregando às más tendências homossexuais que tomavam conta de mim. Eu poderia casar, ter filhos e fazer tudo como Deus manda e quer.

— Não sei... Talvez — Fiz uma pequena pausa, aquele questionamento tinha me pegado de surpresa, nunca havia parado para pensar naquilo — Acho que sim, pelo menos poderíamos nos casar e viver uma vida digna como marido e mulher — completei.

— Mas podemos nos casar e viver uma vida digna como marido e marido.

Uma vida digna como marido e marido? Não conseguia entender como Miguel conseguia ver dignidade naquilo. Como ele poderia ver a união de dois homens como algo digno?

— Só podemos casar no civil e não teríamos uma vida digna.

— Um casamento só no civil não lhe basta? O que é uma vida digna para você?

— É claro que um casamento só no civil não me basta, eu quero poder ter a benção de Deus para tudo que fizer na vida. Por acaso para você, fazer algo contrário à vontade de Deus e da santa Igreja Católica é viver com dignidade?

— Deus não criou as pessoas apenas para reproduzir. Você deveria se preocupar menos com a Igreja e mais com Deus, porque se somos assim é porque Ele nos fez assim.

Eu não aguentava mais aquela discussão com Miguel. Ele parecia não querer ouvir nada do que eu estava falando. Então, sentei na cama e quando já estava prestes a levantar ele segurou meu braço e pediu:

— Não vá, eu preciso de você.

Eu também precisava de Miguel, me sentia triste quando ficava muito tempo longe dele. Entretanto, as coisas não eram tão fáceis assim. Eu não conseguia me entregar completamente àquela paixão, porém ela parecia ser mais forte que eu. Mais forte até que a minha própria fé.

Não disse nada e obedeci ao pedido dele, pois em realidade, não teria forças o suficiente para ir embora. Então, acabei voltando e deitando com a cabeça sobre o peito nu de Miguel, pude então ouvir as batidas de seu coração, batidas fortes e aceleradas, demonstrando toda a emoção sentida por Miguel naquele momento.

Enquanto estava deitado sobre o peito dele, ele acariciava os meus cabelos. O toque de suas mãos era tão suave que me faziam querer ficar ali por toda a eternidade.

— Mesmo com os seus chiliques eu continuo gostando de você — disse Miguel quebrando o silêncio.

— Você sabe que não são chiliques — retruquei irritado.

— São chiliques sim.

— Você vai largar a Igreja? — perguntei com tom de preocupação.

— Não sei. Por que está perguntando isso?

— Porque você parece não valorizar mais a nossa religião como antes.

— Não estou desvalorizando a Igreja Católica. Longe de mim fazer isso, mas eu sinceramente acho que nós dois não servimos para padre.

— Eu gosto de ser padre, Miguel, gosto muito. Você não gosta mais?

— Gostar eu gosto. Gosto de fazer missa, batizado, casamento... Ah, você não sabe como fico feliz quando faço um casamento. É tão bom saber que estou unindo duas pessoas que se amam, mas é ruim saber que não posso estar junto de quem eu amo — declarou.

Era possível perceber tristeza em suas palavras. Fiquei em silêncio, não quis dizer nada, pois o que eu dissesse acabaria  irritando o Miguel.

— O que acha de marcarmos uma fuga? — perguntou do nada.       

Marcarmos uma fuga? Miguel tinha perdido completamente o juízo. Para onde fugiríamos? Como nos sustentaríamos? Se fugíssemos não poderíamos mais atuar como padres e eu não sabia fazer mais nada, não sabia trabalhar com mais nada. Mesmo que conseguíssemos trabalhar com outra coisa, a culpa sempre estaria presente em nossas mentes, nós nunca esqueceríamos quem éramos e o pecado horroroso que estaríamos cometendo.

Antes que eu pudesse responder alguma coisa, ouvimos batidas na porta.

— Você vai abrir? — questionei ignorando completamente a pergunta anterior.

— Não sei, acho que não. Não estou com muita vontade de receber visitas — respondeu em tom de desânimo.

— Primo, você está aí? É o Lucas — bradava a voz que vinha do lado de fora da casa.

— Paulo, abre a porta pra mim enquanto eu coloco a batina — pediu.

Obedeci ao pedido. Não sabia quem era aquele tal de Lucas. Na verdade, eu não conhecia nenhum dos parentes de Miguel.

— Pode entrar, daqui a pouco o seu primo vem — expliquei assim que abri a porta.

O garoto aparentava ter entre dezoito e vinte anos, carregava uma mochila que parecia estar muito pesada. O suor escorria pelo seu rosto negro. O jovem parecia estar bastante cansado.

— Tudo bem, eu espero — respondeu enquanto entrava na casa — Benção, seu padre — completou.

Apesar de ter pedido a benção, ele não deveria ser católico, pelo menos não praticante, pois uma das novas regras do Papa Nicolau VI estabelecia que todo católico ao encontrar com um membro do clero tinha como obrigação pedir a benção e beijar-lhe a mão. Tudo bem que alguns católicos descumpriam essa regra, mas geralmente faziam isso quando era uma situação de pressa. Todavia, aquela era uma situação, onde não havia pressa alguma e ele deveria aproveitar para se mostrar bom católico.

— Deus lhe abençoe — respondi de forma meio ríspida.

A minha primeira impressão do Lucas não tinha sido muito boa.

Dentro de alguns instantes Miguel veio até a sala e fez as apresentações.

— Paulo, esse é o Lucas, meu primo. Lucas esse é o padre Paulo, meu amigo.

— Prazer — disse estendo a mão para o rapaz.

— O prazer é todo meu, padre — devolveu enquanto apertava a minha mão.

— O Lucas vai passar um tempo aqui em casa. Ele veio tentar o vestibular da estadual daqui — explicou Miguel.

— Para qual curso? — questionei curioso.

— Engenharia Civil — respondeu — Ah, e eu também já fiz o Enem, na verdade eu quero mesmo é poder ir pra federal — completou

— É um bom curso. Espero que consiga passar pra federal, mas se não passar, não fique triste a estadual também é uma faculdade muito boa.

— Com certeza, Engenharia é um ótimo curso. Dá bem mais dinheiro do que ser padre — brincou Miguel.  

Eu odiava quando Miguel fazia esse tipo de brincadeira imprópria. Ele não deveria ter dito aquilo, principalmente na frente do rapaz. Aquilo poderia dar a entender que ele não estava feliz na sua posição de padre. Tudo bem que ele realmente não se alegrava com a batina que vestia. No entanto, não precisava ficar deixando isso explícito para todo mundo. Miguel deveria pelo menos fingir que estava contente sendo sacerdote.

— Mais ser padre é mais bonito do que ser engenheiro — rebati.

A beleza do sacerdócio nunca poderia ser comparada ao dinheiro que um engenheiro poderia ganhar em toda a sua vida. O engenheiro ganhava bens materiais e o padre, espirituais. Os segundos valiam bem mais que os primeiros.

— Claro, nós usamos vestidos tão charmosos — retrucou Miguel com um leve riso no rosto.

Novamente Miguel estava fazendo uma das suas brincadeiras sem graça. Eu não respondi nada, apenas fiz cara de quem não gostou.

— É uma brincadeira, padre Paulo. O senhor não precisa ficar ofendido — argumentou Miguel.

— Acho que já é hora de eu ir — declarei ignorando a colocação dele.

Eu já estava me sentindo deslocado ali. Não sabia como agir com o primo do Miguel ali. Eu e Miguel tínhamos acabado de trocar beijos, eu me sentia imundo e desnorteado.

— Não. Por favor, fique mais um pouco. Podemos tomar um café — sugeriu Miguel.

— Eu não quero te incomodar. Vim aqui só para ver como você estava — retruquei da forma mais polida que consegui. Já não aguentava mais ficar ali.

— Tudo bem, mas depois continuaremos a nossa conversa — disse, piscando o olho esquerdo.

Saí da casa de Miguel pronto para voltar para casa, porém era impossível calar os pensamentos e lembranças que surgiam na minha mente. Eu me sentia culpado. Muito culpado. Não conseguiria ficar em paz com tantos pecados rondando a minha mente.

Acabei decidindo por passar na minha paróquia, provavelmente a Carol, a moça que fazia a limpeza, ainda estaria lá, mas já deveria estar acabando o seu trabalho. Então, eu teria paz para fazer as minhas orações e pedir perdão e forças a Deus.

Ao chegar à igreja percebi que Carol já estava se preparando para ir embora e também pude notar a presença de duas  mulheres ali. No entanto, eu não as conhecia:

Aproximei-me de Carol e questionei:

— Quem são essas mulheres?

As mulheres em questão pareciam não ser da cidade. Elas carregavam algumas malas consigo.

— Não faço a menor ideia, mas elas disseram que queriam falar com o senhor. Chegaram aqui há pouco tempo. Eu já estava indo até sua casa te chamar. A mais velha disse que o assunto era urgente.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostou do capítulo? Sim? Não? Deixe a sua opinião, ela é muito importante para que eu possar estar sempre melhorando a minha escrita.

Beijinhos e até o próximo capítulo ♥



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