Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 32
Homens de Fé


Notas iniciais do capítulo

É com muita alegria, mas também um pouco de tristeza (eu não queria me despedir de Miguel e Paulo, mas chegou a hora) que eu termino essa fic. Passei 1 ano e 2 meses ligada a esses personagens e eles foram muito importantes para mim, todos os personagens são, mas Paulo e Miguel (os outros personagens também, mas em especial eles dois) me fizeram perceber várias coisas que eu não percebia antes... Enfim, aprendi muito com eles. Gostaria de agradecer a todos que acompanharam e comentaram, gostaria também de fazer um agradecimento especial a Rafa Masen por ter comentado em todos, ou praticamente todos, os capítulos e também por ter feito uma recomendação maravilhosa.

Espero que todos gostem desse último capítulo. Boa leitura!



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— Que tipo de safadezas? — questionou, fingindo ingenuidade.

— Esse tipo — respondi em tom sexy.

Num gesto rápido dei um beijo em Miguel, um beijo longo e intenso, em seguida, minha boca percorreu com beijos todo o pescoço dele e após dar leves beijos e mordidas em seu pescoço, voltei a beijá-lo com paixão, vários beijos se seguiram, entre um beijo e outro íamos nos despindo, os paletós e as gravatas borboletas, foram as primeiras peças a serem retiradas. Em seguida, comecei a  desabotoar a camisa de Miguel, enquanto fazia isso ia beijando a parte recém descoberta do seu forte e imponente peitoral. Dediquei-me por um bom tempo a essa tarefa, sabia o quanto isso o excitava e o fazia sentir-se ansioso para mais.

Logo nós dois já estávamos sem camisa, o peito nu de Miguel encostava no meu e aquilo era extremamente excitante. Era maravilhoso sentir o calor do corpo dele contra o meu, isso deixava os nossos beijos e carinhos ainda melhores, ainda mais quentes.

Aos poucos fomos indo em direção à cama, as carícias a cada momento tornavam-se mais provocantes. Naquela noite Miguel fez do meu corpo um objeto de prazer. Ele me deu beijos, mordidas… Fez-me seu.  E eu também o fiz meu, ambos estávamos fogosos como nunca. O sexo dessa vez teve um tom mais forte, mais selvagem. Nunca havíamos transado de forma tão enérgica quanto aquela. Os movimentos foram rápidos, os gemidos altos... Tudo foi extremamente prazeroso.

Quando enfim findamos o ato sexual, as nossas respirações demoraram um pouco para voltarem ao normal, nós ainda estávamos muito excitados, o sexo havia sido realmente maravilhoso. E eu conseguia ver isso no olhar de Miguel, o semblante dele denunciava o quanto ele havia gostado do que tinha acabado de acontecer. No entanto, nenhum de nós dois parecia conseguir verbalizar algum comentário sobre aquilo. Após um tempo em silêncio, só consegui dizer a Miguel:

— Eu te amo… Te amo tanto… É tão bom estar contigo.

— Também te amo e quero ficar com você pra sempre. Estar com você é sempre maravilhoso, meu amor.

[...]

 No dia seguinte quando acordei, Miguel já estava acordado e me olhava com ar apaixonado.

— Você dormiu bem? — indagou.

— Sim, dormi com um anjo — respondi com um leve riso no rosto.

Miguel aproximou-se de mim e me deu um beijo.

— Mal dormi essa noite, sabia?! Fiquei quase a noite inteira te observando… Paulo, você está me fazendo o homem mais feliz do mundo.

Ouvir aquilo de Miguel era muito bom, me enchia de alegria saber que estávamos juntos mais uma vez e que dali em diante a nossa relação seria muito mais tranquila.

— Você também me traz uma felicidade imensa, uma paz imensa, meu anjo. Se isso for um sonho, eu jamais quero acordar.

[...]

Antes de seguirmos viagem passamos na casa do padre Flávio para nos despedirmos.

— Pensei que vocês já tinham ido embora — disse Flávio quando nos recebeu.

— O Paulo dormiu de mais, por isso a gente só tá indo agora.

— Eu estava cansado — argumentei.

— Realmente a noite foi intensa, Paulinho — disse Miguel em tom provocativo.

— Me poupem dos detalhes da noite de núpcias — pediu Flávio com um leve riso no rosto.

Fiquei um pouco envergonhado e dei um tapa no braço de Miguel.

— Não fale essas coisas na frente do padre — reclamei baixinho.

Miguel começou a rir e naquele momento lembrei que nós dois também éramos padres, isso me fez pensar que padres, mesmo seguindo totalmente o celibato, não são necessariamente assexuais. Talvez algum dia o Flávio tenha sentido algo por uma mullher ou por um homem. Será que o Flávio era mesmo celibatário? Como ele fazia para segurar os seus desejos? Ele tinha desejos sexuais? Ou ele era completamente devoto à Igreja? Aquelas perguntas me perturbaram um pouco, porém logo a minha atenção foi desviada.

— Vocês já tomaram café? — questionou Flávio.

— Sim, padre nós já comemos — respondi.

— Eu fiz uns pães de queijo. Vocês aceitam?

Aceitamos os pães de queijo, enquanto comíamos e conversávamos assistíamos a um telejornal matutino. Na verdade, a maioria das notícias foi ignorada por nós, entretanto, uma em especial fez toda a nossa atenção se direcionasse para a  televisão.

Numa operação feita na manhã de hoje a polícia civil conseguiu chegar a dez homens acusados de consumir conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, sendo um deles, Dom Fernando Meirelles, bispo da Igreja Católica. A polícia chegou a Dom Meirelles e aos outros acusados depois de monitorar endereços de Ip dos computadores que acessavam, de maneira frequente, fotos e vídeos em sites com conteúdo relacionado à pornografia infantojuvenil na chamada Deepweb. Além de visualizar tais conteúdos, Dom Meirelles também compartilhava o material pornográfico. A polícia ainda não sabe se ele apenas compartilhava conteúdo já existente na internet ou se também alimentava a rede com produções próprias.

Ao que tudo indica o envolvimento do bispo com pedofilia não é algo recente. Na manhã de hoje, quando a mídia começou a noticiar sua prisão, chegaram até à polícia acusações de abusos sexual infantil contra Dom Meirelles. No entanto, todas as cinco denúncias feitas até agora, são de abusos antigos, as acusações partem de pessoas hoje adultas. Elas relatam que durante a sua infância foram obrigadas a manterem relações sexuais com o bispo. No entanto, ele nega as acusações e diz que elas são completamente infundadas.

— Meu Deus, ele ainda tem coragem de negar… Esse homem é um monstro. Felizmente a justiça foi feita, espero que ele apodreça na cadeia… — comentou Miguel com um sentimento de raiva evidente.

Eu sequer soube como reagir àquela informação. Era bom saber da prisão de  Meirelles. Mas quanto tempo essa prisão duraria? A Igreja o puniria ou fingiria que nada aconteceu? Essas questões me inquietavam e causavam confusão em minha mente. Eu não conseguia deixar de pensar no quanto a justiça dos homens era falha e que as chances de Meirelles ser inocentado ou passar pouquíssimo tempo na prisão não eram nada pequenas.

Quando olhei para Flávio vi que ele estava chorando intensamente.

— Des… Decul… Desculpe — disse imerso em lágrimas.

Flávio levantou-se e foi para o seu quarto. Eu o segui e tentei consolá-lo.

— Você não precisa pedir desculpas, você não fez nada de errado.

Flávio estava sentado em sua cama e a cada momento chorava mais. Sentei ao lado dele o abracei por alguns instantes. Ficamos abraçados por algum tempo e logo eu também estava chorando. Eu não tinha a menor do ideia do quão horrível era passar pelo que o Flávio havia passado nas mãos do Meirelles, porém só de imaginar aquela situação eu sentia um aperto terrível no coração.

— Beba um pouco — pediu Miguel enquanto entregava um copo d’água a Flávio.

— Você está mais calmo agora? — indagou Miguel quando Flávio terminou de beber a água.

O padre limitou-se a fazer um sinal afirmativo com a cabeça.

Ficamos ali por um tempo em silêncio com Flávio, nós não sabíamos o que dizer. Em realidade, nada que falássemos poderia diminuir a dor dele naquele momento.

— Obrigado, gente por esse apoio. Lembrar do que o Meirelles fez comigo me parte o coração. Entro em desespero só de recordar a minha agonia… E pensar que ele provavelmente ainda continua fazendo isso com outras crianças é ainda mais desesperador — declarou, rompendo o silêncio.

— Não precisa agradecer Flávio. A gente imagina que não deve ser nada fácil lembrar de algo tão ruim assim — disse Miguel.

Passamos mais algum tempo com Flávio, felizmente conseguimos abordar outros temas e a nossa conversa conseguiu ganhar um tom mais leve.

Quando chegou a hora de nos despedirmos foram risos e agradecimentos. Era de certa forma irônico pensar que nós três havíamos sido unidos pelo nosso algoz: o bispo Meirelles, um homem cheio de maldade e ódio no coração, que infelizmente usava a religião para esconder-se; e o seu poder enquanto bispo para julgar os outros, esquecendo dos seus próprios erros.

[...]

O tempo que passamos no litoral foi lindo, parecia um sonho. Todos os dias contemplávamos o mar e a cada dia parecia que nos apaixonávamos ainda mais pelo mar e um pelo outro.

Numa manhã após um banho de mar, Miguel de repente pareceu ter acabado de receber uma revelação divina, com os olhos brilhando e com um largo sorriso no rosto, ele virou-se para mim e disse:

— Eu já sei.

— Já sabe o que? — questionei sem entender nada.

— O tamanho do meu amor por você.

— E que tamanho é esse? — perguntei visivelmente curioso.

— É do tamanho do mar. A gente olha pro mar, vê a linha do horizonte e sabe que não acaba ali, a gente sabe que tem mais água… Muito mais água… E é assim que te amo, às vezes acho que o meu amor por ti acabou, mas não é bem assim, é só uma linha do horizonte, ainda tem mais amor, muito mais amor…

— Eu gostei disso, dessa sua metáfora. Ela é bem verdade, o nosso amor é infinito e o tempo que a gente passou afastado parece ter feito esse amor crescer de uma maneira louca. Nunca pensei que eu pudesse amar tanto alguém assim...

E  dessa forma tão cheia de amor se deu a nossa lua de mel. Houveram palavras e momentos doces, provocantes, apaixonantes... Momentos de extrema entrega e carinho mútuos. Todavia não demorou muito para voltarmos a realidade, felizmente já não era uma realidade tão dura quanto outrora, mas ainda assim precisamos tomar decisões importantes como a nossa redução ao estado laical, por exemplo. Felizmente quando fomos dar início ao processo, pudemos fazer isso na nossa diocese de origem, pois o bispo Meirelles ainda encontrava-se preso e provavelmente quando ele saísse da cadeia não seria mais bispo, já não seria provavelmente, nem mais considerado membro da Igreja, visto que o seu processo de excomunhão já estava correndo no Vaticano.

— Como você se sente agora, Paulo? Agora que nos desvencilhamos de uma vez da Igreja? — indagou Miguel quando fomos oficialmente dispensados das nossas obrigações de sacerdotes.

— Me doeu muito fazer isso, mas foi o correto. Apesar de nos amarmos não ser pecado, nós fomos desonestos com nós mesmo e com a Igreja, quebramos o nosso voto de castidade, isso foi algo muito sério, não dava pra botar uma pedra em cima dos acontecimentos. A gente precisava finalizar isso da maneira correta. E bom, é como o abade Francisco me falou no dia em que deixei o mosteiro: não existe ex padre. Não dá pra desmanchar uma ordenação, assim como não dá pra desmanchar um batismo. Agora nós ainda somos padres, só não exerceremos mais as nossas funções sacerdotais.

— É, você tem razão… O importante agora é seguirmos em frente. Ainda temos muito para viver.

[...]

Com o passar do tempo a minha relação com Miguel foi se fortalecendo mais e mais. Além de termos recebido a redução ao estado laical nós também fizemos questão de nos casarmos no civil, casamento esse que contou com a ilustre presença do vigário geral.

— Quem diria que o senhor vigário geral viria ao casamento desses dois padres viados e desviados e ainda seria nosso padrinho? — comentou Miguel.

— Como eu poderia perder um acontecimento desses? Não é todo dia que vemos um casal com tanto amor assim — rebateu Flávio.

Após o bispo Meirelles ser preso, outro bispo, muito mais justo e íntegro assumiu a sua posição e Flávio foi honrado com o cargo de vigário geral.

— Flávio, muito obrigado por estar aqui com a gente. Mas eu tenho medo que o povo fique falando de você, você veio pra cá de batina e tudo… Aceitou ser nosso padrinho…

— Paulo, eu não tenho nada a temer. Não estou cometendo nenhum pecado, por mim podem falar o que quiserem, a minha consciência está tranquila. Já é hora do catolicismo enxergar a homossexualidade de maneira mais natural.

— Só espero que isso não te prejudique, enquanto recém vigário geral — observou Miguel.

— Fiquem tranquilos, Dom Sebastião me permitiu vir até aqui. Ele é mais mente aberta do que eu pensei.

— Pelo visto a Igreja está saindo das trevas — observou Miguel.

[...]

O tempo passou e finalmente Miguel e eu conseguimos comprar uma casinha simples num bairro popular da capital. A casa ficava próxima à uma igreja católica, porém, afim de evitar maiores conflitos com Miguel eu nunca fui à tal igreja, apesar de sentir muita vontade de acompanhar as missas e ajudar no que fosse necessário.

A nossa vida seguia de forma pacata, alguns vizinhos nos olhavam estranho, era clara a homofobia deles, isso nos magoava, porém tentávamos não dar muita atenção para essas pessoas. Afinal, não tínhamos porque nos importar com elas, nós dois trabalhávamos duro e sustentávamos a nossa casa de forma honesta.

Havia muito amor entre mim e Miguel, todavia esse sentimento não nos tornava imunes às briguinhas bobas que os casais costumam ter. Briguinhas essas que pareciam aumentar diariamente, Miguel parecia ficar um pouco mais irritadiço a cada dia.

— Paulo, vem cá — bradou da cozinha.

Atendi ao seu pedido a passos rápidos.

— Chamou, meu amor?

— Você ainda pergunta? Você não sabe que eu gosto de guardar os copos na parte de cima do armário? Por que você ainda insiste em colocar esses malditos copos na parte debaixo? — interrogou irritado.

— Miguel, por favor, pare com isso. Você está insuportável, tudo que eu faço é motivo pra você se aborrecer. Eu nunca acerto! — declarei em um tom de voz elevado.

— Pare você! Não grite assim comigo não, eu não sou seus machos da rua.

— Macho de rua?! Agora vai inventar que eu  tô te traindo, pelo amor de Deus, pare com isso.

Antes que eu pudesse responder o meu celular tocou.

— Não disse, deve ser os seus homens ligando.

— Não é homem nenhum, eu nem sei quem é. É um número privado — argumentei, entregando o celular a ele.

— Alô — disse Miguel, atendendo à ligação.

— Ninguém respondeu e ainda por cima desligaram. Como o senhor explica isso?

— Eu não sei — respondi nervoso.

Saí em direção ao nosso quarto e deixei Miguel na cozinha, arrumando os malditos copos que ele tanto gostava. Não demorou muito e o meu celular começou a vibrar, era uma mensagem de Rafael, onde ele dizia sentir saudades e contava sobre o rumo que havia dado à sua vida. Conversei com Rafa por um longo tempo e quando finalmente saí do quarto Miguel já estava mais tranquilo.

— Desculpa por ter gritado contigo.

— Desculpa por botar seus copos no lugar errado.

— A gente não devia brigar por essas coisas, Paulo.

— Você tem um pouco de razão por brigar comigo. Eu preciso ser mais organizado… Eu saio jogando as coisas por tudo quanto é lugar.

— Eu estou muito nervoso, desculpa, mas ainda não me recuperei do dia em que vi o vizinho, o Alberto, flertando contigo… Sei que você me ama e me respeita, mas… Mas… Sei lá, às vezes me dá um medo de te perder, principalmente levando em conta tudo que a gente passou… Eu não deveria estar descontando o meu nervosismo em você, sei que você não tem culpa, mas… — Antes dele continuar o interrompi.

— Miguel, fique calmo. Entendo os seus ciúmes, porém não acho que a nossa briga seja só por ciúme. Eu te conheço e sei que você gosta de manter as coisas arrumadas… Enfim, preciso te contar uma coisa.

— Conte.

— É sobre o Rafael. Lembra dele?

— O seu namoradinho do mosteiro?

— Ele não era meu namoradinho— disse em tom repreensivo.

— Tudo bem, desculpa.

— Eu estava falando com ele, o Flávio deu meu número a ele. Foi ele quem ligou pra mim e depois ele me mandou mensagem. Ele disse que achou a voz diferente e ficou com medo de você atender e fazer confusão com ele...  Enfim, a gente ficou conversando um tempão. O Rafael me contou que conseguiu largar a Igreja de vez, ele disse que chegou até a fazer terapia com um psicólogo lá do Sul, disse que o cara é bom viu?! O tal psicólogo o ajudou a entender melhor a relação dele com a Igreja, era uma relação de culpa e tal. Enfim, o Rafael parece estar feliz agora, ele está dando aulas numa faculdade sem vínculo com a Igreja Católica e está de namoro com outro professor. Fiquei muito feliz de saber de tudo isso, finalmente o Rafa encontrou o caminho dele. Às vezes até me sentia culpado por não corresponder a ele, sabia que estava ferindo os sentimentos dele e eu odiava fazer isso…

— Eu também fico feliz por ele. É bom saber que assim como nós ele conseguiu a redução ao estado laical e que agora está tocando a vida dele. Mas acho que você não deveria ter se sentido culpado por não ter correspondido a ele.

— Por quê?

— Porque você não tem culpa de amar somente a mim — disse em tom brincalhão e em seguida me roubou um beijo.

[...]

— Vamos, Paulo acorde.

— E pra onde nós vamos? São sete horas de um domingo, me deixe dormir, Miguel — reclamei.

— Levante logo, deixe de coisa. Tenho certeza de que você vai gostar do lugar pra onde vamos — disse, abrindo as cortinas.

O clarão insuportável que invadiu o quarto naquele momento me incomodou bastante. Quando os meus olhos se acostumaram com a claridade, pude então reparar na roupa de Miguel. Ele vestia uma camisa social branca, acompanhada de uma calça jeans.

— Você está todo arrumadinho. Pra onde a gente vai?

— Eu já disse que é surpresa. Não faça perguntas, pegue uma roupa bonita e vista — ordenou.

— Ok, meu marido, é o senhor quem manda — declarei de forma meio debochada e com um leve riso no rosto.

Com muita preguiça levantei, fui até o armário e escolhi uma roupa. Tomei um banho rápido e gelado.

Quando cheguei até a cozinha Miguel já havia preparado o café, nós comemos e depois saímos a passos rápidos.

— Acho que nós já estamos atrasados — resmungou Miguel, olhando para o relógio.

— Pra que tanta pressa? Por acaso vamos encontrar com o papa? —  indaguei.

— Quase isso — respondeu com um ar misterioso.

Ao chegarmos a pequena igreja do nosso bairro Miguel parou de andar e eu surpreso e um pouco confuso, perguntei:

— Chegamos?

— Sim.

— Você me trouxe para a igreja? Por quê?

— Paulo, desde quando viemos morar aqui vejo você olhando para essa igreja. Quando a gente passa por aqui e está tendo missa, você só falta entrar na igreja… Mas você nunca falou comigo sobre a sua vontade de vir aqui… Acho que por medo de eu brigar contigo… Mas, meu amor eu não ia brigar com você por causa disso, hoje em dia, principalmente depois da nossa redução ao estado laical, já não tenho mais medo de te perder pra Igreja e tenho plena consciência do quanto a fé, a religião, a Igreja… Deus é importante para você. Não pense que nunca te vi com o terço, rezando o mistério do dia¹…  Nós não somos mais sacerdotes, porém isso não nos obriga a ser ateus. A fé em Deus também é muito importante pra mim e acho que nós deveríamos frequentar a igreja de vez em quando...

Ouvir aquilo de Miguel foi tão bom pra mim, me deu uma paz no coração… Fez eu me sentir mais leve e perceber, mais uma vez, o quanto o amor dele por mim era grande e o quanto o Miguel levava em conta os meus sentimentos, as minhas necessidades… O quanto eu era importante para ele.

— Então vamos entrar, meu amor. A missa já vai começar.

Entramos na igreja de mãos dadas e sentamos num dos primeiros bancos. Ouvimos a missa atentamente e quando a celebração acabou, os meus olhos estavam lacrimejando. Aquela missa foi muito importante para mim, era como se naquele momento Miguel e eu estivéssemos fazendo as pazes com o catolicismo, religião que tanto nos fez sofrer, porém que não conseguíamos nos desvencilhar completamente. Talvez, o nosso sofrimento — especialmente o meu, pois acredito que Miguel lidou com tudo isso de uma forma mais sábia — tenha sido causado justamente por termos tentado nos separar de forma brusca de quem éramos. Realmente nós não servíamos para o sacerdócio, a nossa vocação era inexiste, ao menos levando em conta o celibato exigido pela Igreja, Miguel e eu jamais conseguiríamos ser celibatários. Todavia não dava para negar a importância da fé cristã para nós, tampouco podíamos negar o amor que sentíamos um pelo outro.

Deixamos a igreja de mãos dadas e no meio do caminho para casa, enquanto esperávamos uma sinaleira fechar, Miguel me surpreendeu com um breve beijo.

— Eu te amo — sussurrei para ele.

— Eu também te amo — sussurrou de volta para mim.


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Notas finais do capítulo

Mistério do dia¹: Miguel está se referindo aos mistérios do rosário (terço), mistérios esses que contemplam episódios especiais da vida (mistérios) de Jesus, há dias específicos da semana para cada mistério. Eles dividem-se em três partes, sobre as quais se medita antes de cada terço:

Mistérios Gozosos (segundas e sábados): meditação sobre a vida de Jesus, ajudam-nos a ter um conhecimento mais profundo do amor a Deus e a meditar no grande Mistério da Encarnação.

Mistérios Dolorosos (terças e sextas): meditação sobre a paixão (morte) de Jesus, ajudam-nos a entender melhor os sofrimentos que Deus nos apresenta na nossa própria vida.

Mistérios Gloriosos (domingos e quartas): meditação sobre a glória de Jesus, convidam-nos a viver na esperança dos filhos de Deus, apresentando-nos o grande Mistério da ressurreição de Cristo.

Em 2002, o papa João Paulo II sugeriu uma nova série de mistérios, os luminosos (quintas), estes referem-se à infância de Jesus e a sua vida em Nazaré, fazendo-nos refletir sobre o Reino de Deus manifestado através de Jesus, ao longo da Sua vida.

Muito obrigada por terem acompanhado a história até aqui. Caso queiram deixar a sua opinião sobre esse capítulo, fiquem a vontade. Para mim sempre é bom saber a opinião dos meus leitores.

Beijinhos e até a próxima fic♥



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