Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 28
A Viagem


Notas iniciais do capítulo

Opa, cá estou trazendo mais um capítulo muito emocionante para vocês. Espero que gostem. Este é o penúltimo ou antepenúltimo capítulo, isso vai depender de como vou conseguir ir encaixando as coisas e também das vontades dos personagens, porque eles são vivos e fazem o que querem...

Boa leitura!



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Foi uma surpresa imensa ver aquela pessoa ali. Jamais imaginei estar de frente para o meu amado irmão após tanto tempo sem nos vermos.

— Anjinho, você por aqui? — perguntei com um leve sorriso no rosto.

— Podemos conversar? — questionou num tom de voz sério.

Fiquei com medo de qual seria o tema de nossa conversa. Haveria acontecido algo com minha mãe?

— Sim, claro, venha comigo.

Conduzi Ângelo até a sala em que eu dava as orientações. E após um breve tempo em silêncio, ele começou a falar em tom imperativo:

— Essa sua briga com a mamãe tem que acabar. Você precisa ir vê-la.

— E ela quer me ver? Mamãe me maltratou muito pelo telefone, me disse coisas horríveis… Tenho medo dela fazer o mesmo pessoalmente.

— Paulinho, guardar mágoas não é bom pra ninguém.

— Não é mágoa. Eu realmente gostaria de saber se ela deseja me ver, porque ninguém merece ser maltratado…

— Você até parece que não conhece a nossa mãe e o jeito como ela te ama. Direto ela fala de você, às vezes me pergunta se te liguei… Sempre está preocupada.

— Tenho muita saudade dela, sabia? Mas ainda me pergunto se ela vai reagir bem à minha presença. Eu acabei decepcionando ela...

— Não foi proposital, você não tem culpa das idealizações dela em relação a você.

— Verdade…

— Então você vem?

— Me deixe pensar um pouco. Por que não damos um passeio pelo mosteiro? Tudo por aqui é muito bonito, você vai gostar de ver.

— Tudo bem.

Mostrei ao meu irmão todo o mosteiro e Ângelo pareceu gostar do lugar e de toda a sua beleza.

De repente cruzamos com Rafael em um dos corredores, porém o meu amigo passou reto, sem falar comigo. Achei aquilo muito estranho e chamei por ele:

— Rafael, espere um momento. Quero te apresentar alguém — pedi.

Ele olhou para trás e veio até mim, todavia parecia não fazer aquilo com boa vontade.

— Desculpe, eu… Eu… Não te vi.

— Tudo bem, esse daqui é Ângelo, meu irmão e Ângelo, esse daqui é o Rafael, um grande amigo daqui do mosteiro.

Rafael naquele momento pareceu mais aliviado. Ele havia pensado que Ângelo era Miguel? Por isso passou sem falar comigo?

Conversamos por alguns instantes e quando Rafael se afastou, Ângelo em tom meio debochado, perguntou:

— Esse daí é amigo igual ao Miguel?

— Me respeite, meu coração só tem espaço pro Miguel — respondi ofendido e levemente irritado.

[...]

Ao final do longo passeio pelo mosteiro, meu irmão indagou-me sobre a minha decisão.

— Irmão, eu vou contigo. Não sei qual será a reação de mamãe, mas se aprendi uma coisa nessa vida é que precisamos aproveitar os momentos com as pessoas que amamos, porque hoje estamos com elas e amanhã já não se sabe... Eu só preciso falar com o abade.

Ângelo ficou em silêncio, pareceu satisfeito com a minha decisão, porém eu me questionava o porquê dele ir até ali para falar algo que poderia ter sido dito por telefone.

— Por que você veio até aqui? Poderia ter conversado pelo telefone mesmo.

— Eu estava por aqui por perto, precisei viajar a trabalho… E bom, eu tenho mais coisas para falar com você, coisas que prefiro falar pessoalmente.

— Que coisas são essas?

— São em relação ao mosteiro. Quanto tempo você pretende ficar aqui?  

— Provavelmente até o fim dos meus dias.

A minha resposta acabou soando dramática, mesmo eu não desejando aquilo.

— Paulinho, você tem certeza disso? — indagou perplexo.

— Sim. O que irei fazer lá fora? Desde o fim da minha relação com o Miguel nada lá fora parece ter mais sentido, não tenho vontade de exercer nenhuma profissão… Nem mesmo a de sacerdote... E agora, agora está sendo um pouco menos penoso agui. Estou dando orientações espirituais  e me sinto bem por poder ajudar as pessoas.

— Como são essas orientações?

— Geralmente as pessoas têm algum problema. Elas me falam sobre o problema e eu dou conselhos, às vezes elas nem querem conselhos, só querem perdão por seus pecados mesmo.

— Entendi. E você? Você já conseguiu se perdoar?

— Como assim?

— Você parece não ter se perdoado e se pune, se pune ficando aqui. Não era mais fácil pedir um afastamento da Igreja e ir viver a sua vida?

— Eu já te disse as coisas não têm sentido sem o…

Fui interrompido antes de concluir minha fala.

— Sem o Miguel. Tudo na sua vida é esse homem. Pelo amor de Deus, Paulinho, deixe esse homem pra trás, viva a sua vida. Você cultua esse homem como se ele fosse uma espécie de divindade.

— Não diga besteiras, não cultuo Miguel como um deus… Eu o amo e este amor é bem terreno, bem carnal… Pensei que você entendesse isso, entendesse o quanto eu amo o Miguel.

— Eu entendo, mas talvez você nunca mais veja ele de novo. Já está na hora de aceitar essa realidade — argumentou secamente.

As palavras de meu irmão soaram agressivas eu não gostaria de tê-las ouvido.

Fiquei em silêncio. Pensar na possibilidade de deixar o mosteiro, de deixar a Igreja e viver tudo isso sem o meu Miguel era extremamente incômodo. Ângelo tinha razão? Eu estava ali no mosteiro para me punir? Talvez sim, talvez estivesse me punindo por ter sido idiota e ter jogado fora o amor de Miguel.

Respirei fundo e pedi:

— Irmão, vamos deixar essa conversa pra lá. Não quero falar disso. Vamos comigo até a abadia, precisamos falar com o abade para ele me dar autorização para sair.

— Tudo bem. Mas quero que você pense sobre a possibilidade de largar esse mosteiro de vez. Você está jogando a sua juventude fora, Paulinho.

[...]

Eu recebi autorização para ficar até uma semana longe do mosteiro. A viagem com meu irmão foi muito divertida, porém eu não conseguia deixar de pensar na reação de minha mãe quando me visse. Tinha medo dela não gostar de me ver.

— O que foi? Você parece preocupado.

— Anjinho, eu estou, sei lá, com medo… E se mamãe se irritar?

— Deixe disso, ela quer muito te ver.

[...]

Quando chegamos na casa de minha mãe, num primeiro momento foi difícil dizer se ela estava feliz ou não com a minha presença. Mamãe ficou em silêncio, me encarando e depois de um curto tempo me deu um forte abraço.

— Pensei que nunca mais eu fosse te ver — disse se soltando do nosso abraço.

— Eu também… — declarei quase em sussurro.

Saímos da entrada da casa e mamãe me conduziu até o sofá. Ângelo despediu-se e nós ficamos a sós.

— Pelo visto ainda não largou a Igreja de vez... Ou você colocou a batina para me agradar?

—  Eu nunca colocaria uma batina se houvesse largado a Igreja.

— Continua no mosteiro?

Assenti com a cabeça.

— Pensei muito sobre você em todo esse tempo. Todo dia tenho vontade de te ligar, mas tenho vergonha… Eu te disse coisas horríveis e te peço perdão por isso… E também te perdoo… Recentemente, ao me confessar, contei ao padre tudo que tinha acontecido com você e ele me fez ver o quanto fui dura contigo. Você errou, você não deveria ter quebrado o seu voto de castidade, ainda mais da forma como quebrou, porém, apesar de tudo, eu deveria ter sido mais compreensiva… Me perdoe, Paulinho, pra mim é difícil aceitar que padres também pecam.

As palavras de minha mãe fizeram os meus olhos lacrimejarem. Era bom enfim ser perdoado por ela, aquilo aliviava a minha alma imensamente.

— Mãe, fique tranquila. Eu te perdoo e fico feliz por a senhora me perdoar também, o meu coração está muito mais leve agora.

Nos dois dias que seguiram aquele nós não falamos mais de mosteiro nem da minha quebra ao voto de castidade, ignoramos tudo isso e a nossa convivência foi muito feliz, porém na manhã do terceiro dia de minha estada ali, algo horrível aconteceu. Fui acordado por gritos de minha mãe.

— Paulinho, Paulinho vem aqui, meu filho.

Corri até seu quarto, de onde vinha o chamado.

—  Eu não estou bem, meu filho. Eu levantei já tem um tempo, umas duas horas ou mais talvez… Não acordei me sentindo bem, pensei que não fosse nada sério, fiz o café da manhã, coloquei umas roupas na máquina de lavar...  Mas agora, agora parece estar piorando. Não estou enxergando direito, minha visão está estranha… Está tudo meio nebuloso, a minha cabeça está doendo muito, estou com náuseas, o lado esquerdo do meu corpo está formigando… Eu…  Mal consigo ficar em pé, estou com uma fraqueza na perna esquerda… Não sei… não sei o que está acontecendo — explicou com uma fala diferente, meio arrastada.

— Calma, mãe. Calma respire fundo. Tudo vai ficar bem, eu vou chamar o Ângelo  e a gente vai te levar na emergência. Tenha calma, por favor.

Pedi calma a ela, mas em realidade estava muito desesperado e preocupado, não sabia o que estava acontecendo, porém sabia que minha mãe precisava de socorro o quanto antes.

Liguei pro meu irmão e em pouco minutos ele chegou até a casa de minha mãe. Nós a colocamos no carro dele e fomos rapidamente rumo à emergência da cidade. Quando chegamos lá não demorou muito para minha mãe ser atendida — porém para mim aquela curta espera mais pareceu uma eternidade —   Nesse momento veio uma surpresa ainda maior, nos explicaram que mamãe tinha tido um derrame e precisaria ser atendida no hospital da cidade vizinha, pois o hospital de nossa cidade não tinha a menor condição de atender a uma pessoa com AVC.

Naquele momento Ângelo e eu tememos pela vida de nossa mãe. O percurso até a cidade vizinha durava pelo menos quarenta minutos e ainda teria o tempo de espera para sermos atendidos no hospital. Mamãe conseguiria sobreviver?

O nosso caminho até a outra cidade levou mais de uma hora, havia ocorrido um acidente na estrada e estava tudo engarrafado. Ângelo buzinava e gritava, pedindo passagem aos outros carros. No entanto, eles não tinham muito pra onde ir, a pista estava lotada. Eu chorava e rezava ao mesmo tempo, enquanto mamãe parecia estar confusa, tinha o olhar perdido, não dizia nada.

Com muito sacrifício conseguimos chegar até o hospital.

— Infelizmente a mãe de vocês não resistiu.

Foi isso que ouvimos do médico que atendeu minha mãe. Aquela frase soou tão aleatória e imprecisa, parecia ter sido atirada do nada e num primeiro momento não pareceu ter sido direcionada a mim, quis acreditar que não era comigo, todavia era, infelizmente era.

Obviamente a possibilidade da morte de minha mãe havia pairado em minha mente enquanto eu a acompanhava até o hospital, todavia eu não queria acreditar naquilo e repelia aquele pensamento com fortes orações. Deus já não me escutava mais? Ah, Ele não me escutava... Ele havia me abandonado e levado minha mãe. Por que tão cedo? Por que num momento tão delicado?

Ângelo caiu em lágrimas no mesmo instante em que recebeu a notícia, entretanto eu, sempre tão piegas, não chorei. Não consegui chorar. Senti uma tristeza profunda. Contudo não consegui expressar com lágrimas, eu estava em choque. Queria gritar e blasfemar contra Deus, pois era injusto o que Ele vinha fazendo comigo. Primeiro havia me tirado o Miguel e depois mamãe. Como eu poderia viver?

[...]

Durante o velório e o enterro não celebrei as exéquias, quem fez isso foi o padre Bernardo, padre da cidade, pois desde a morte de minha mãe eu entrei em um estado de apatia profunda, mal falava. Eu estava desde o dia de seu falecimento sem comer, a fome havia desaparecido por completo, era como se o mundo, que já não era mais tão colorido desde quando me afastei de Miguel, houvesse perdido de vez a sua cor.

Quando toda a cerimônia fúnebre se encerrou, decidi voltar pro mosteiro, mesmo ainda podendo ficar mais tempo na minha cidade natal.

— Você vai viajar assim tão abatido?  — indagou Mafê.

Minha irmã ainda chorava, porém tentava conservar um pouco de sua força para consolar a mim e Ângelo, eu com o minha languidez e Anjinho com suas lágrimas e brados de dor.

Limitei-me a balançar a cabeça afirmativamente.

— Fique aqui ao menos até amanhã. Você está há um tempão sem comer. E se você se sentir mal? A viagem é longa meu irmão.

Era interessante como a dor unia as pessoas, antes daquele lastimável acontecido Mafê me desprezava, todavia a morte de mamãe havia trazido minha irmã de volta. Ah, como sentia saudades da irmã preocupada e cuidadosa que ela sempre foi para mim..

— Tá bom, eu fico.

Disse tais palavras com uma dificuldade imensa, foi um sofrimento para dizê-las, elas pareciam não querer sair.

[...]

No meu retorno ao mosteiro, apresentei-me à abadia, expliquei ao abade o ocorrido, ele me deu os pêsames e me dispensou do trabalho das orientações.

— Estou te afastando pelo tempo que você precisar. Perder alguém, principalmente uma mãe, é muito difícil — declarou em tom consolador.

Sinceramente, não esperava tanta compreensão da parte do abade Francisco, ele sempre me pareceu um homem duro e sem muitas emoções, entretanto era bom saber que debaixo daquela couraça havia um coração.

[...]

Não demorou muito para Rafael aparecer em meu quarto. Ele ainda não sabia de nada, resumidamente o contei toda a tragédia. Mais uma vez ele se mostrou um bom amigo e cuidou de mim naquele momento tão complicado.

Às vezes eu sentia uma certa pena de Rafael, pois sabia que tamanho cuidado comigo não era simplesmente por amizade, mas sim por paixão e eu jamais poderia correspondê-lo.

[...]

Passou-se quase um ano até o meu coração se acalmar um pouco. Obviamente eu ainda sofria por mamãe e por Miguel, porém eu começava a cogitar deixar o mosteiro. Aquele lugar aos poucos começava a me sufocar cada dia mais. Talvez já fosse a hora de esquecer o Miguel e seguir com a minha vida. Eu não poderia continuar investindo todas as minhas energias num amor fracassado que já estava a praticamente oito anos de distância e a cada dia distanciava-se ainda mais.

[...]

Num dos meus triviais dias andando pelo mosteiro, um homem que andava apressado em direção à sala do abade esbarrou-se comigo. Eu mal havia notado o seu rosto, todavia tive um susto quando o até então estranho foi me pedir desculpas. Nesse momento, reparei em sua face e não pude acreditar no que os meus olhos viam.

—  Desculpe padre, eu... Paulo?!

Ele parecia ter se assustado tanto quanto eu ao reconhecer-me, mas também não era para menos, tínhamos quase oito anos sem nos ver.

— Miguel?!

 


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Notas finais do capítulo

E aí Paulo e Miguel estão realmente frente a frente ou isso não passa de mais um sonho louco do nosso Paulinho? Bom, só lendo o próximo capítulo para descobrir...

Referências para construção do capítulo:

https://drauziovarella.uol.com.br/entrevistas-2/avc-acidente-vascular-cerebral-2/

http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2011/04/avc-provoca-morte-em-25-dos-casos-explica-cardiologista-do-incor.html

https://saude.abril.com.br/medicina/avc-hemorragico-entenda-a-doenca/

https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/76-dos-hospitais-nao-tem-condicoes-de-atender-pacientes-com-avc-relata-pesquisa/

https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/estou-tendo-um-derrame-cerebral-nao-ha-tempo-a-perder/



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