Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 23
Despedida?


Notas iniciais do capítulo

Nesse capítulo acabei me empolgando um pouco e ele ficou bem grandinho. Não acho que isso seja um problema... Não vou nem dizer que está cheio de emoções... Espero que gostem do capítulo.
Feliz Natal!
Tenham uma boa leitura!



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Fiquei em silêncio. O que eu poderia dizer a Ângelo? Não existiam palavras capazes de justificar o meu ato pecaminoso, ato esse, que apesar de ferir o meu voto de castidade e o meu compromisso com Deus, eu cometia de forma insistente e sempre sentia prazer ao cometer.

— Paulinho, você não vai dizer nada? — questionou.

Ele me olhava de forma fixa com seus grandes e belos olhos azuis, olhos esses, única característica física herdada de mamãe. Ele foi o único a ter o privilégio de ganhar aqueles olhos cor de mar, Ângelo, em seu físico, era praticamente uma cópia de papai, felizmente não se podia dizer o mesmo de seu psicológico. Anjinho era um doce de pessoa, já papai, um limão estragado. Ângelo tinha a mesma tonalidade de pele do nosso pai, assim como ele, meu irmão tinha a pele negra em tom escuro, isso fazia eu e Mafê brincarmos que ele era o único de nós com tom de pele definido, meu irmão era facilmente descrito como negro, enquanto eu e ela éramos os pardos ou podíamos ser negros ou até mesmo brancos, a depender de quem nos descrevesse, para nós era difícil saber realmente qual era a nossa cor…

—  Ei, você está aí?!

— Perdão, eu me perdi nos seus olhos — declarei, voltando do meu breve devaneio.

Ângelo soltou um leve riso e em seguida, pediu:

— Não fuja do assunto, irmão.

— Eu pequei, Anjinho. Eu pequei! O que mais posso lhe dizer?! — respondi com uma leve irritação e tom de voz um pouco mais elevado.

— Nunca pensei que lhe ensinaria algo sobre Deus, mas… Mas… Paulinho, pra você Deus considera o amor pecado?

— Anjinho, você já leu a Bíblia? — indaguei ainda em tom irritadiço.

Depois desse questionamento, nós que antes havíamos parado de andar, devido à revelação feita por Ângelo, retomamos a caminhada.

— Paulinho, por favor, não cite Levítico ou qualquer outra parte da Bíblia, onde a homossexualidade é tida como pecado. Esqueça a Bíblia, meu irmão, foque em Deus. Eu acredito em Deus como um Deus de amor.  Um Deus de amor seria capaz de punir o amor?

Naquele momento Ângelo também acabou elevando um pouco o seu tom de voz, meu irmão parecia estar obstinado a me convencer sobre o seu ponto de vista.

— Eu quebrei o meu voto de castidade, isso não poderia ter acontecido de forma alguma — declarei pesaroso.

—  Você não foi o primeiro. A Igreja exige de mais de seus padres, exige até que eles esqueçam do seu caráter humano… Dos seus desejos.... E da sua imperfeição!

— Eu deveria amar somente a Deus, eu falhei como padre, falhei miseravelmente...

— Não, não foi você quem falhou, foi a Igreja e suas normas ridículas. O Papa Pedro, aquele nojento todo dia inventa uma coisa nova para controlar mais e mais o clero, foi ele quem falhou — sentenciou com uma visível raiva.

— Por favor, não fale assim de vossa santidade. Ele é rígido, mas…

— Mas o que, Paulo? Esse homem vive brincando de Deus, ele até parece acreditar ser o próprio Deus… Irmão, você não tem vocação para o sacerdócio, largue isso, por favor — vociferou irritado.

— Anjinho, eu preciso te contar uma coisa…. A minha situação é mais complicada...

Contei ao meu irmão tudo que havia ocorrido entre mim e Miguel até aquele momento e também sobre os meus planos de ir para o Mosteiro do Silêncio.

— Se isolar num lugar desses vai te ajudar?

— Pelo menos poderei pensar um pouco. Eu não consigo me decidir estando perto do Miguel.

— Você vai contar pra ele?

— Não, pois caso eu decida a Igreja, eu quero que Miguel siga em frente, me esqueça e siga sua vida.

— Você acha que ele vai ficar te esperando sem nem saber onde você está?

— Eu pretendo deixar uma carta, explicando mais ou menos.

— Isso é loucura. Esse homem te ama, você está fazendo ele sofrer.

— Eu também o amo, mas…

Antes de completar a frase fui interrompido por Ângelo.

— Não, não tem mais nem menos. Se permita viver o amor.

— Isso não é tão fácil quanto parece. Preciso pensar, está tudo tão confuso… Eu amo ser padre e amo o Miguel também… Ah, isso dói tanto. Não queria ter que escolher...

Ângelo ficou em silêncio, parecia pensativo. Nós continuamos andando e em pouco tempo chegamos até sua casa.

— Escolha o Miguel — disse do nada.

— Por quê?

— Por quê? Você ainda pergunta? Meu irmão, o beijo mais lindo visto por mim não foi nem filme nem em novela, foi hoje, quando vi vocês dois se beijando. Primeiro, fiquei chocado, não imagina ver dois padres vestidos com suas batinas, envoltos em um beijo tão bonito… Vocês transpiravam amor... Por mim, teria assistido a essa demonstração de afeto até o seu fim, porém sabia que o susto de vocês seria muito grande, por isso voltei correndo para o banheiro.

Fiquei em silêncio, novamente estava sem palavras. Ângelo, percebendo a minha fragilidade e confusão, me deu um abraço, um forte abraço.

— Tome a melhor decisão — aconselhou enquanto se soltava do abraço.

Voltei para casa de mamãe pensativo. Deveria mesmo ir para o Mosteiro? Deveria ir e avisar ao Miguel? Ou somente ir? Avisaria mais ou menos? Ah, era tão complexo tomar uma decisão e toda aquela indecisão só me irritava.

[...]

— Você demorou.

— Desculpe, eu acabei devaneiando muito na volta.

— Sobre nós? — quis saber Miguel.

— Onde está minha mãe? — indaguei, fugindo do questionamento dele.

— Está tomando banho. Pouco tempo depois que você e o Ângelo saíram, ela saiu do quarto e nós trocamos algumas palavras. Agora eu a convenci a tomar banho e comer um pouco.

— Muito obrigado, meu amor.

— Não precisa agradecer. Faço tudo isso porque te amo. E bem, querendo ou não, eu ainda sou um padre, é minha obrigação cuidar do bem estar dos cristãos e dar apoio, nas horas ruins, a quem precisar.

[...]

Ficamos na casa de minha mãe por mais três dias. Ela continuava bastante triste e pela vontade dela nunca mais iríamos embora.

Apesar de sua tristeza pela morte de meu pai ainda persistir, naquele momento ela pareceu ter esquecido um pouco aquilo, percebi até uma certa leveza em seu olhar, seus olhos cor de mar pareciam ter recuperado o brilho.

— Volte logo, Paulinho e traga o padre Miguel também, foi um imenso prazer conhecê-lo.

— O prazer foi todo meu, dona Jussara.

— Nós voltaremos aqui, não sei quando, mas voltaremos — assegurei.

— Estarei esperando você, meu filho. E te desejo muita sorte na sua carreira eclesiástica. Quem sabe um dia ainda não te verei bispo? Não, bispo não, bispo é muito pouco, você merece mesmo é ser um cardeal. Vossa eminência Paulo. Não soa bem?

Mamãe havia tido um pouco de dificuldades para dormir e acabou fazendo uso de um medicamento para conseguir pegar no sono. Eu preferi não levar a fala dela a sério, mas sim pensar naquilo como um efeito colateral do remédio. Levar aquilo a sério seria como me dar conta de que eu nunca seria um bispo, tampouco um cardeal, pois a cada dia eu me distanciava mais e mais da Igreja, eu era apenas um padre com as costas cheias de pecados, malditos pecados...

Miguel, ao contrário de mim, riu e em tom descontraído, indagou:

— E eu, dona Jussara? Eu não ficaria bem com uma batina vermelha de cardeal?

— Você ficaria lindo, tão lindo como o meu Paulinho — respondeu mamãe com um leve riso no rosto.

Todos nós rimos das esperanças bobas de minha mãe. Ah, aquele riso me doía tanto, eu me sentia tão mal por saber que estava decepcionando minha mãe.

—  Padre Miguel, posso lhe dar um abraço? — perguntou mamãe.

— Sim, é claro — respondeu Miguel com um largo sorriso no rosto.

Os dois se abraçaram, depois mamãe pediu a benção a Miguel e beijou a mão dele, em seguida ele beijou a mão dela de volta.

— Padre Miguel, muito obrigada por tudo. O senhor foi um anjo pra mim e pro meu Paulinho.

—  Eu não poderia fazer diferente dona Jussara. Seu filho e eu somos amigos desde o seminário, eu não poderia deixar um amigo de tanto tempo sozinho num momento tão difícil. Inclusive, agradeço a senhora por ter botado no mundo um homem tão maravilhoso quanto o meu amado amigo Paulo.

— Não agradeça a mim, o Paulo é assim graças ao falecido padre Joaquim, foi ele quem ensinou com muito mais afinco do que eu, os valores religiosos ao nosso doce Paulinho. Espero que essa amizade cresça mais e mais, faço muito gosto da amizade de vocês dois.

— Enquanto o padre Paulo me quiser, seremos amigos — garantiu.

Fiquei de mero espectador daquela conversa, era bom ver como eles dois se davam bem. Aquilo enchia o meu coração de felicidade, afinal ali estavam as pessoas que eu mais amava na vida.

[...]

Na viagem de volta para casa, Miguel e eu conversamos pouco. Nós que naquele momento já estávamos sem as batinas, éramos novamente homens comuns, quando voltássemos para casa seríamos apenas os garçons que toda a cidade suspeitava serem gays e amantes, entretanto ninguém nunca seria capaz de suspeitar sobre sermos padres.

[...]

— Finalmente em casa — declarou Miguel em tom de alívio.

Chegamos por volta das 20h, super cansados da viagem e o meu maior desejo no momento era somente tomar um banho e ir dormir.

— Sim, depois dessa viagem eu preciso é de um banho.

— Eu também — respondeu Miguel em tom malicioso.

Fui indo em direção ao banheiro enquanto Miguel me seguia, quando me dei conta estávamos nós dois dentro do apertado cômodo. Comecei a desabotoar a minha camisa, porém Miguel segurou a minha mão e começou a beijar e mordiscar a parte descoberta do meu peito, enquanto terminava lentamente, entre um beijo e outro, a tarefa iniciada por mim. Ora ele beijava o meu peito, ora a minha boca e aquilo me excitava de um jeito louco que só aumentava a minha vontade de transar com ele, de ser, mais uma vez dele e dele ser, como sempre, meu.

Após algum tempo eu já estava com o peito nu e com o corpo pegando fogo, eu estava cheio de tesão. Miguel rapidamente tirou sua camisa, depois, ele me ajudou a tirar a calça e a cueca. Quando eu já estava completamente despido, Miguel me presenteou com um ótimo e demorado sexo oral. Talvez o meu amante nunca houvesse se dedicado tanto naquela forma de me dar prazer, naquele dia, ele superou-se e foi capaz de me arrancar altos gemidos, todavia o prazer ainda não acabaria ali. Miguel que estava ajoelhado, levantou, tirou sua calça e então eu entrei no box e liguei o chuveiro. Ele me abraçou por trás e me deu demorados beijos na nuca, o meu corpo arrepiou-se inteiro. Virei-me e comecei a beijar sua boca com paixão.A água fria que caía sobre nossos corpos nos dava mais e mais fogo e a cada segundo nossos beijos ficavam ainda mais intensos e apaixonados.

Quando saímos do banheiro fomos para o quarto e fizemos amor da forma mais apaixonada possível. Ah, eu havia me esquecido de como aquilo era bom. O sexo com Miguel não era apenas sexo, mas sim uma comunhão de almas. A forma como nos entregavamos um ao outro e como sabíamos a forma certa de dar prazer ao outro seria sublime se não fosse tão pecaminosa.

Naquela noite transamos em todas as posições possíveis e nas que pensávamos não ser possíveis também, oscilamos várias vezes entre os estados passivo e ativo, nenhum de nós dois parecia ter predileção em ser o ativo ou o passivo. Afinal o mais importante era fazer o outro sentir prazer, isso para nós era simples, pois mesmo sem o ato sexual, sempre sentíamos prazer apenas por estarmos juntos.

Quando o sexo acabou, tínhamos os corpos suados e os corações batendo a mil.

— Obrigado — sussurrou Miguel.

— Pelo que?

— Por ser meu… Por se entregar assim a mim dessa forma tão intensa… Tão… Tão… Bonita!

Respondi-lhe com um rápido beijo, quando este acabou, Miguel me olhava com pura ternura e eu fiquei triste. Os planos de ir ao Mosteiro vieram à minha mente e conseguiram estragar aquele lindo momento.

— O que foi, Paulo?

— Nada.

— Percebi uma tristeza no seu olhar.

— Minha mãe te adorou — falei, mudando de assunto.

— Eu também gostei muito dela.

— Seria uma pena se…

— Não, não me venha com essa coisa de pecado nem de religião. Nessa cama não se fala de religião — interrompeu aos gritos e de forma grosseira.

— Desculpe.

— Não, desculpe a mim. Eu não deveria ter gritado, me perdoe, meu amor.

Depois disso ele me deu um rápido selinho.

— Tudo bem. Não importa o que aconteça ou onde eu esteja, eu sempre te amarei.

— Por que diz isso? Você pretende me abandonar? Ou vai me trocar pelo padre Flávio? — interrogou, dizendo a última frase com um misto de ciúme e comicidade.

Fiquei quieto. Não queria entrar naquele assunto, felizmente ele também não quis resposta para seus questionamentos e me roubou um beijo, beijo que foi seguido por outros, cada um mais quente que o anterior.

[...]

Miguel acabou pegando no sono, porém eu não consegui dormir. O pecado cometido por nós, reprisava na minha mente, a verdade era que aquela, foi a noite na qual fizemos amor da forma mais gostosa possível e eu me sentia extremamente culpado por aquilo. Meu Deus, onde estava o meu voto de castidade? Onde estava o meu respeito a Deus e à Santa Igreja? Pelo visto eu já havia, há muito tempo jogado toda a minha moral cristã no lixo. Eu era um lixo, desrespeitava a Igreja da forma mais suja possível.

Não daria mais para adiar, já era hora de eu me afastar de Miguel, ao menos por algum tempo. Eu precisava pôr minha cabeça no lugar e decidir de uma vez por todas: Miguel ou a Igreja. Afinal, aqueles eram amores completamente inconciliáveis.

Rapidamente peguei minhas coisas e coloquei numa mochila, iria para o Mosteiro, todavia antes precisava escrever ao menos uma carta de despedida para o meu amante e foi essa bendita carta a responsável pelo meu atraso. Eu não sabia o que escrever, pareciam não haver palavras capazes de explicar tudo o que eu precisava dizer.

Quando já era quase dia finalmente consegui colocar algo no papel.

 

Meu amado Miguel,

Depois de tudo que aconteceu, talvez você não esperasse por isso, mas te digo: essa minha atitude será boa para nós dois. Eu preciso pensar, preciso me afastar um pouco de ti. Cansei, Miguel, eu cansei de ser esse homem dividido em meio santo e meio profano. Eu quero ser uma coisa só. Quero me decidir, escolher entre você e a Igreja. Aqui ao teu lado eu não consigo. Infelizmente eu preciso me afastar de você, porém asseguro que este afastamento será temporário. Por favor me espere, pois talvez eu volte e a gente possa seguir de onde paramos. Juro, no máximo em dois anos, estarei de volta (se escolher a você ao invés da Igreja). Agora pode parecer muito tempo, porém irá passar rápido, se não quiser, não espere. Eu entenderei. Você já foi paciente de mais comigo...

Eu te amo muito. Amo de verdade. E é justamente por te amar tanto que estou me afastando de você, pois você só me merece se eu for inteiro seu.

Sem mais delongas me despeço e espero um dia eu poder voltar e ser seu de fato.

Com todo amor do mundo, Paulo.

 

Ao findar a carta, a coloquei em cima da cama no lugar que deveria estar ocupado por mim, dei um beijo na testa de Miguel e parti. Já era quase dia e o bom disso era que eu poderia me despedir do padre Flávio, felizmente tratava-se de uma quarta, dia no qual ele acordava bem cedo para celebrar a missa.

[...]

— Paulo, você está seguro disso? Lembre-se que caso você se arrependa só poderá deixar o Mosteiro depois de dois anos — lembrou Flávio.


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Notas finais do capítulo

Qual será a decisão final do Paulo? Ele vai mesmo pro Mosteiro? Ou será que vai voltar pra casa e ficar com o Miguel como se nada tivesse acontecido? As respostas para essas e outras perguntas estarão no próximo capítulo que não deve demorar muito a sair.
Muito obrigada por ler ♥



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