Amem escrita por Liz Setório
Notas iniciais do capítulo
Espero que gostem do capítulo. Boa leitura!
— Também não será um problema — respondeu Miguel.
— Ok, vou procurar toalhas limpas para vocês e depois vou fazer algo pra gente merendar.
— Mãe, não precisa se preocupar tanto, tomamos banho e depois vamos dormir.
— Nada disso, Paulinho. Não é todo dia que tenho dois anjos do Senhor em minha casa, você dois precisam ser bem tratados — declarou, retirando-se.
— Agora vejo de quem puxou tamanha religiosidade — comentou Miguel.
Fiquei em silêncio, eu não tinha sequer o que dizer frente àquele comentário tão verdadeiro e tão incômodo ao mesmo tempo. Às vezes a minha religiosidade mais parecia uma praga da qual era impossível se livrar.
— Ei, não se preocupe eu posso dormir no chão — declarou, mudando de assunto.
— Nada disso, Miguel não vai ser bom você dormir nesse chão frio.
Dentro de alguns instantes mamãe voltou com as toalhas e num gesto impensado, Miguel e eu quase entrávamos no banheiro juntos.
— Acho melhor tirarem par ou ímpar — brincou minha mãe.
Fiquei muito constrangido com aquilo, porém, em realidade, o meu maior desejo naquele momento era entrar naquele banheiro com Miguel. Ah, como queria sentir aquele corpo forte e musculoso junto ao meu… Ah, como seria bom poder voltar aos velhos tempos, mesmo e depois, como quase sempre, uma forte onda de culpa tomasse conta de mim, onde o medo do inferno surgiria e faria eu entrar novamente num estado de indecisão.
— Pode ir — sugeri.
Miguel, aparentando estar um pouco envergonhado, entrou no banheiro sem dizer nada.
— No seminário vocês não tomavam banho juntos não, né?
— Mãe, por favor… — coloquei em tom de censura.
— Sei lá… Eu não gosto muito dessa ideia de seminário em regime de internato... Isso pode favorecer o homossexualismo… Por acaso tinha algum… Algum… Viado no seu seminário?
Como eu responderia a minha mãe que os viados do seminário eram eu e Miguel? Provavelmente ela surtaria no mesmo instante, nos colocaria dali pra fora e daria um jeito de avisar ao bispo sobre nós, ao bispo não, do jeito que minha mãe era, era capaz dela conseguir contato até com o Papa. Mesmo diante do imenso risco, decidi arriscar uma pergunta ousada.
— O que a senhora faria se eu fosse gay?.
— An? Como assim? Que tipo de pergunta é essa, Paulinho? — interrogou com um tom de voz elevado, evidenciando o seu nervosismo.
— É só uma pergunta, mãe. Não precisa ficar nervosa assim.
— Esse seu questionamento é tão… Tão… Esdrúxulo!
— Por quê? A senhora acha impossível existir um padre homossexual?
— Paulinho, meu amor, eu só queria entender o porquê de estarmos falando sobre isso. Como chegamos nessa conversa sem pé nem cabeça?
— A senhora que falou dessa coisa de gays em seminários… Eu só queria saber o seu posicionamento sobre.
— Acho melhor pararmos de falar sobre isso, conversa ruim não se conversa — sentenciou em tom sério.
Não haveria hora melhor para Miguel deixar o banheiro, entrei no recinto sem ao menos olhar para trás.
Diante de toda aquela conversa pude perceber que minha mãe não poderia nem sonhar sobre o meu caso com Miguel. De motivo de orgulho, eu passaria a ser uma vergonha para ela.
Demorei no banho. Enquanto a água quente percorria o meu corpo, não pude deixar de pensar sobre qual rumo tomaria depois de findada a minha viagem até minha cidade natal. Por mais que eu quisesse continuar com Miguel, mais impossível aquilo se tornava. Já era praticamente um fato a minha ida para o Mosteiro, eu só não sabia como contaria aquilo para o meu amante, provavelmente ele sofreria bastante ao saber disso. Em realidade, ambos sofreriam muito, entretanto algumas vezes, sofrimentos são necessários. Afinal, nunca pude de fato me entregar a Miguel, sempre estive dividido, Miguel não merecia um amor assim, com um pé lá e outro cá. Ele merecia alguém inteiro, que pudesse se dedicar completamente a ele. Infelizmente eu não poderia ser aquela pessoa, pois a indecisão e culpa regiam o meu ser. Eu era um fraco, incapaz de tomar as rédeas da própria vida.
Quando saí do banheiro encontrei minha mãe e Miguel conversando. Eles falavam sobre religião, era estranho ver Miguel falando sobre Deus, Bíblia e catolicismo, era como, se ao contrário de mim, ele ainda fosse um homem puro, completamente capaz de exercer o sacerdócio.
— Pensamos que o senhor tivesse descido pelo ralo.
— Não exagere, mãe eu não demorei tanto assim.
— Paulinho, não minta, isso é feio para um padre — repreendeu-me.
Para minha mãe ser padre era igual a ser puro, completamente puro, na verdade. Padres para ela eram anjos incapazes de cometer qualquer tipo de pecado.
— Eu não estou mentindo, só estou dizendo que não demorei tanto… — tentei me justificar.
— Não brigue com o padre Paulo, dona Jussara. Ele deve ter demorado tanto assim, porque estava pensativo… Quando está assim fica horas no banheiro e sequer percebe — pontuou Miguel na tentativa de me defender.
— E sobre o que pensava? — quis saber mamãe.
— Sobre tudo… Ultimamente minha vida está confusa…
— Desculpe, filho. A alegria de te ver aqui, me fez esquecer o motivo da sua visita.
— Tudo bem, mãe. Não precisa pedir desculpa.
— Venha, padre, se junte a nós — sugeriu Miguel.
Sentei à mesa e comi o sanduíche preparado para mim em silêncio, até que a quietude do ambiente foi rompida por Miguel.
— A igreja daqui funciona?
— Não, o padre morreu há alguns meses e até hoje não mandaram um substituto… Bem que o Paulo podia ficar aqui, né.
— É uma pena eu não poder… — declarei quase em sussurro.
— Eu entendo, isso depende de muitas coisas, inclusive do bispo.
— Sim, o bispo Meirelles acabou de nos transferir, ele não iria querer fazer outra transferência agora... — mentiu Miguel.
— Logo devem mandar o novo padre, é uma questão de tempo — disse minha mãe.
[...]
A conversa com mamãe durou bastante tempo e foi bonito ver como Miguel conseguiu cativá-la. Quando fomos para o quarto já era bem tarde, aquela conversa me fez esquecer de tudo. Eu apenas curti o momento, porém depois tudo veio à minha mente e também à minha frente, pois era hora de dormir com Miguel, hora essa capaz de me trazer à memória coisas que talvez fosse melhor esquecer.
— Eu insisto, posso dormir no chão se você quiser. Depois de tudo que aconteceu não sei se ainda sou uma boa companhia para dividir a cama com você.
— Deixe disso, Miguel. Você sempre será uma boa companhia.
Ele e eu estávamos sem batina, vestíamos um pijama, naquele momento éramos homens comuns, homens comuns que se amavam e iriam dormir juntos depois de terem passado por situações conturbadas em seu relacionamento.
— Você se importa se eu dormir sem camisa? Aqui faz muito calor…
— Não, fique a vontade.
Quem acabou ficando com calor fui eu, após ver a bela imagem de Miguel sem camisa.
Sentei na beirada da cama e rezei um Pai-Nosso. Miguel em seguida, sentou-se ao meu lado, me deu um beijo no rosto e deitou.
A princípio deitamos um pouco longe um do outro, mas depois, fomos nos aproximando aos poucos e quando vi já estávamos dormindo de conchinha. Não aconteceu nada além disso durante a noite, nós apenas apreciamos a companhia um do outro, coisa que precisávamos muito, pois nos últimos tempos o nosso relacionamento estava bem abalado e frágil.
No dia seguinte eu fui o primeiro a acordar, entretanto permaneci deitado, olhando Miguel dormir, ele dormia de uma forma tão bela, que mais parecia ser um anjo. Acariciei então sua face, enquanto o olhava profundamente. Dentro de instantes, o meu amante acordou e ao me ver ali em sua frente, me puxou para um beijo, não resisti e me entreguei a tal beijo que foi longo e profundo, arrisco dizer que naquele instante foi como se as nossas almas se reencontrassem depois de muito tempo afastadas.
Findado o beijo Miguel ficou me olhando por um tempo, depois disse com uma voz rouca de quem acaba de acordar:
— Paulo, eu te amo e sempre vou te amar.
Um leve riso brotou da minha face. Eu adorava ouvir Miguel dizer o quanto me amava, fiquei um tempo com esse riso bobo no rosto, em seguida, devolvi aquela pequena declaração de amor.
— Eu também te amo… Amo mesmo. Às vezes parece que não amo, mas amo. Me perdoe pela minha indecisão é que…
Antes que eu eu pudesse completar a minha fala, Miguel iniciou um novo beijo, esse mais curto, porém tão intenso quanto o anterior.
Ficamos um tempinho deitados, olhando para o teto. Eu não tinha a menor vontade de sair da cama, porém era necessário.
— Miguel…
— Oi?!
— Creio que já está na hora de levantarmos. Você vai ficar aqui ou quer ir comigo ao hospital?
— Eu vou junto com você, quero te dar apoio nesse momento.
[...]
No hospital encontramos com Ângelo que nos esperava. Ele pediu a benção a mim e a Miguel, depois fez um comentário maldoso em relação ao nosso pai:
— Eita, o homem é tão cheio de pecados que precisa de dois padres.
— Não fale assim do seu pai — mamãe o repreendeu.
— Eu acho melhor ir fazer o que vim fazer — disse.
— Você quer que alguém vá junto? — indagou mamãe.
— Não, eu prefiro ir sozinho.
[...]
Ver meu pai deitado naquela cama me deu um leve arrepio. O homem que havia me maltratado tanto, estava fraco e sem forças para matar nem sequer uma mosca.
— Pauli… Paulinho, você veio, meu filho — disse ao perceber a minha presença.
De repente uma memória incômoda veio à minha mente. Lembrei-me de minha infância, quando meu pai, por qualquer motivo, apertava o meu pescoço com força e bradava insultos contra mim.
— Por favor, não se esforce.
— Eu… Eu.. Preciso te pedir perdão… Fui um monstro… Fiz tanto mal a você, você era só uma criança — declarou num tom de voz fraco.
— Fique tranquilo — pedi.
— Você me perdoa?
Limitei-me a um balançar de cabeça afirmativo. A verdade, é que eu ainda guardava muita mágoa dele. As surras sem explicação não saíam da minha cabeça, tampouco a negligência dele comigo ou as agressões físicas dele contra a minha mãe.
— Deixe, eu começar o que vim fazer.
Ungi com o óleo de oliveira sua fronte e suas mãos, enquanto dizia as seguintes palavras:
— Por esta santa unção e pela sua infinita misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do espírito santo; para que, liberto dos teus pecados, ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos.
[...]
Ao fim da extrema unção eu estava em lágrimas. Não suportava mais estar naquele quarto com aquele homem, que para mim era a personificação do diabo. Eu me sentia mal por não conseguir perdoá-lo por completo. Contudo, eu rogava, sinceramente a Deus que perdoasse aquele pobre infeliz.
Quando saí do quarto encontrei com mamãe, Miguel e Ângelo, nenhum deles ousou perguntou nada, acredito que a resposta já estava em minha face, os olhos ainda cheios de lágrimas me denunciavam.
— Eu vou entrar para vê-lo — anunciou minha mãe.
Ficamos então apenas eu, meu irmão e Miguel.
— Paulinho eu já vou, preciso dormir um pouco — avisou Ângelo.
— Tudo bem.
Quando ficamos sozinhos, Miguel me deu um abraço.
— Está tudo bem. Deus sabe de todas as coisas — falou enquanto se soltava do meu abraço.
Fomos para a recepção do hospital e esperamos minha mãe para junto com ela voltarmos para casa. Ficamos muito tempo em silêncio, mas depois eu o rompi com uma frase descontextualizada.
— Eu queria matá-lo.
— A quem? — indagou Miguel, aparentando estar confuso com aquela minha frase.
— Ao meu pai.
Miguel encarou-me sem dizer nada.
— Não agora, mas quando eu era menino — continuei — Miguel, eu posso lhe confessar algo? — perguntei com a voz um pouco trêmula, evidenciando o meu nervosismo.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Fiquem à vontade para dizer o que acharam do capítulo. Sempre estarei aberta a críticas construtivas.
Muito obrigada por ler ♥
Beijinhos e até o próximo capítulo ♥