Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 19
Quereres


Notas iniciais do capítulo

Opa, cá estou eu de volta. Dessa vez a demora do capítulo se deu por causa da faculdade e do desafio de drabbles. Peço perdão pela demora.

Novamente, nesse capítulo aparecerá uma música, mas diferente do capítulo anterior, a música não aparecerá inteira. O capítulo contém apenas alguns trechos dela. Quer saber o melhor momento do capítulo para dar play na música? Olha, eu nem sei, já que essa música meio que reflete a história como um todo, você pode colocar ela logo quando começar a ler ou quando ela aparecer no capítulo, fica a seu critério.

A música do capítulo é "O Quereres", de Caetano Veloso. Aqui está o link:

https://www.youtube.com/watch?v=h5ruY3Dt10c

Boa leitura!



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Miguel ali, ajoelhado na minha frente, me pedindo em casamento era uma coisa que eu nunca poderia imaginar ser possível de acontecer. Meu Deus… Como responder uma pergunta tão difícil daquelas? O coração dizia sim, porém a razão gritava um estrondoso não. Como decidir num espaço de tempo tão curto?

— Paulo, por favor, diga algo. Eu não posso ficar ajoelhado aqui a noite inteira — disse num tom que misturava brincadeira com súplica.

—  Perdão —  sussurrei enquanto a passos largos deixava a casa.

Sentia-me mal pelo que havia feito com Miguel, ele não merecia ser deixado assim, de joelhos e sem resposta. No entanto, apesar de estar bem intencionado, ele não pensou o quanto poderia pesar uma decisão daquelas para mim. Como eu poderia dizer sim ou não? Aquilo era algo impossível para mim…

Perambulei pelas ruas da cidade para tentar me acalmar e quando percebi já era muito tarde  e eu havia começado a andar em círculos. Para onde iria? Não fazia a menor ideia. Andei mais um pouco e percebi estar nas proximidades da casa do padre Flávio, o melhor seria pedir  abrigo para ele, ao menos para passar a noite. Quando o dia surgisse eu pensaria melhor no que fazer.

Toquei a campainha da casa algumas vezes antes de ser atendido.

— Aconteceu alguma coisa? —  indagou com voz de sono e visível preocupação.

Aquela foi a primeira vez que vi Flávio sem batina. Ele vestia uma camisa azul desgastada e um short preto.Naquele momento, era como se ele não fosse padre, mas sim um homem comum,designação essa que eu já ousava encaixar-me. O sacerdócio às vezes voltava à minha memória, porém eu gostava de imaginar que todas aquelas lembranças eram meras fantasias e não a realidade que de fato vivi antes de abandonar a minha paróquia e entregar-me ao pecado.

— Sim — respondi, mostrando a aliança.

— Meu Deus! — exclamou enquanto abria passagem para eu entrar em sua casa.

— Ele me pediu em casamento — expliquei enquanto ia sentando no simples sofá.

—  E você aceitou?

Flávio mostrava-se curioso e espantado com tudo aquilo. Ele parecia temer pelo meu futuro e o de Miguel. Eu tinha muita pena de Flávio, ele era um padre tão jovem e via-se obrigado a lidar com questões que talvez nem um sacerdote mais velho desse conta.

— Eu não disse nem que sim nem que não, apenas fugi. Eu não poderia dar uma resposta dessas padre…

— Você está nervoso, Paulo. Eu vou pegar uma água com açúcar, isso vai te acalmar um pouco.

— Padre… — disse quase em sussurro.

— O que foi?

— Me deixe passar a noite aqui.

— Claro que sim, Paulo. Eu nunca negaria abrigo a um filho de Deus.

— E será que eu ainda sou filho Dele? — indaguei a Flávio que já estava na cozinha.

Flávio enquanto pousava o copo na bancada de sua cozinha americana, respondeu sem pestanejar:

— Um filho rebelde, mas ainda assim, filho.

O caminho dele de volta para a sala foi feito em silêncio, dali em diante trocamos poucas palavras e em menos de meia hora o padre voltou para os seus aposentos, enquanto que eu fiquei pela sala mesmo e dormi no sofá.

No dia seguinte, logo no início da manhã Flávio e eu fomos surpreendidos pelo toque da campainha. Dentro de instantes fui surpreendido por Miguel no meio da sala.

— Eu vou deixar vocês a vontade — anunciou o dono da casa, enquanto deixava a sua residência.

Miguel e eu ficamos em silêncio por alguns instantes, aquela situação parecia ser absurdamente constrangedora para ambas as partes.

— Como soube que eu estava aqui? — questionei, rompendo a quietude do ambiente.

— Onde mais você poderia estar?

— É… Tem razão.

— Paulo, eu vim te pedir desculpas.

— Por quê? Você não fez nada de errado.

— Fiz sim, eu me precipitei.

Novamente o silêncio fez-se presente e dessa vez foi Miguel quem o rompeu.

— A verdade é que nós sempre tivemos diferenças de quereres. E como diria Caetano: onde queres descanso, sou desejo. E onde sou só desejo, queres não…

E onde não queres nada, nada falta. E onde voas bem alto, eu sou o chão — completei.

Miguel, em silêncio acariciou levemente a minha face, naquele instante percebi que sua mão tremia bastante.

Lembrei de outra parte da música, parte bem oportuna, para falar a verdade.

Onde queres o sim e o não, talvez. E onde vês, eu não vislumbro razão.

Os nossos rostos chegaram a aproximar-se, mas foi como se nenhum de nós quisesse consumar o beijo que estava prestes a acontecer. Permanecemos com as faces próximas porém imóveis.

Dando um salto na letra da música, o meu amante continuou:

Eu queria querer-te amar o amor. Construir-nos dulcíssima prisão. Encontrar a mais justa adequação. Tudo métrica e rima e nunca dor.

Mais uma vez fiz questão de completar o nosso diálogo com mais um trecho da tão bela música.

Mas a vida é real e é de viés. E vê só que cilada o amor me armou. Eu te quero (e não queres) como sou. Não te quero (e não queres) como és…

— Ah, Paulo… Paulo… Como eu te amo, mas a cada dia percebo que isso vem se tornado mais difícil… — declarou, rompendo a magia do momento e se afastando de mim.

Aquele assunto era muito doloroso para mim, todavia eu precisava findar aquilo, precisa tomar um posicionamento.

— Miguel… Meu doce Miguel… Eu… Eu… preciso te devolver isso — falei, retirando a aliança.

— Não, eu não vou aceitar de volta — protestou.

— Mas eu não posso aceitar o seu pedido — expus num tom de voz quase choroso.

— Faça de conta que essa aliança é apenas um símbolo da nossa amizade. Dos tempos bons de seminário, em que algumas vezes fugíamos dos nossos quartos e ficávamos conversando a noite inteira…

Ah, tempos bons aqueles do seminário. Naquele tempo, sob o nome de admiração vivíamos o nosso amor, amor aquele puríssimo, onde no máximo havia um leve tocar de mãos e logo depois uma vergonha imensa por aquilo ter acontecido. Não entendíamos o que se passava em nossos corações, contudo conseguíamos pelo menos aproveitar a companhia um do outro.

— Miguel, eu não acho isso certo.

— Homem, me diga pra que eu quero isso? Eu nunca mais vou amar ninguém! A verdade é que eu vou continuar querendo querer-te sem ter fim. E, querendo-te, aprender o total…  Eu nunca serei capaz de amar outro homem e de propor a outro o que te propus, tampouco aceitarei uma proposta dessas, meu coração será sempre teu — argumentou, elevando o tom de sua voz.

Fiz um esforço imenso para segurar as lágrimas que queriam saltar dos meus olhos. Não poderia chorar naquele momento, precisava ser muito forte para dar seguimento àquela conversa.

— Eu.. Quero te dizer que não voltarei para casa, ficarei aqui ou em outro lugar, mas não… Não voltarei pra lá. Acho que não tem mais clima pra gente viver junto.

— Volte pra casa, aqui não é lugar pra você. As pessoas podem inventar fofocas sobre o Flávio e ele não merece isso. Ele parece seguir direitinho o que a Igreja diz…

— Você tem razão, voltarei pra casa, mas não por muito tempo.

— Tudo bem, eu compreendo… Acabou para nós — declarou em lágrimas.

Após sua última fala, Miguel deixou o recinto e foi a minha vez de chorar, chorei como um bebê que havia sido arrancado da mãe. Nunca antes em minha vida havia sentido dor tamanha, dor que parecia dilacerar o meu peito, era como se eu estivesse sendo esfaqueado por dentro. Tinha vontade de gritar, gritar e gritar. Bradar o mais alto possível, para ver se assim conseguia amenizar tamanha tristeza.

Chorei até ter dor de cabeça e foi num dos momentos mais críticos da minha crise que Flávio chegou, ele aparentemente muito preocupado, veio até mim e tentou me acalmar.

— Eu não sei o que aconteceu, mas tente ficar tranquilo. Vai ficar tudo bem — falou e em seguida me deu um curto abraço.

O padre me pediu para respirar fundo e enquanto eu o obedecia, ele rezava baixinho, pedia a Deus para me ajudar e iluminar o meu caminho, aos poucos fui me acalmando e contei a Flávio tudo o que tinha acontecido.

— Se você quiser ficar aqui, pode ficar. Não se preocupe com fofocas.

— Não, padre. Eu não acho justo o senhor sujar a sua imagem por causa de mim, um sodomita sem valor algum.

— Paulo, não diga isso. Pense direito no que você vai fazer.

— Eu já pensei. Voltarei para casa, porém não por muito tempo.

— Você já sabe para onde irá depois?

— Sim, sei perfeitamente para onde vou.

— Por acaso eu posso saber? — indagou visivelmente curioso.


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Notas finais do capítulo

E aí o que achou do capítulo? Fique a vontade para comentar.

Gostei muito desse negócio de relacionar o capítulo com uma música. Caso vocês conheçam alguma música (nacional, pois é mais fácil pra inserir no capítulo) que combine muito com Paulo e Miguel, podem sugerir.

Muito obrigada por ler ♥



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