Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 18
O que Será?


Notas iniciais do capítulo

Opa, cá estou eu novamente e gostaria de pedir duas coisas para vocês:

1- Separem um lencinho, porque esse capítulo tem 99,99% de chances de te fazer chorar.

2- Vai ter um momento (não se preocupe, o próprio capítulo vai te dizer quando) que vai aparecer a música "O que Será (À Flor da Pele)" cantada por Milton Nascimento e Chico Buarque, então acho que será muito interessante vocês ouvirem a música neste momento. Você pode até ouvir a música durante o capítulo inteiro caso queira, mas isso não vai fazer tanto sentido, o ideal é ouvir no momento certo.

Link da música: https://www.youtube.com/watch?v=yIERqgKooiU

Ps: quando eu estava escrevendo não chorei, até porque não escrevi o capítulo todo de vez, mas quando eu tava planejando as coisas que aconteceriam nesse capítulo e pensando em como a música iria se encaixar, eu chorei bastante. Ah, como eu queria que Paulo e Miguel fossem reais...

Boa leitura!



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— Como assim já sabe quem somos? Isso o senhor já sabe há um bom tempo, nós somos Miguel e Paulo. Quem mais poderíamos ser? — questionou Miguel, tentando fugir do assunto.

Flávio respirou fundo e em seguida continuou:

— Padre Miguel e Padre Paulo, eu sei que os dois são sacerdotes como eu — declarou.

Naquele momento senti um arrepio. O meu coração começou a bater de forma acelerada e as mãos tremeram. Estava então instaurado o pânico em mim. Pânico esse, meu acompanhante durante toda a conversa com Flávio.

— E o que vai fazer com nós? — ousei indagar.

— Bom, eu não farei nada — revelou com uma perceptível calma.

Como assim ele não faria nada? Ele apoiava o nosso pecado? Aquilo não fazia o menor sentido para mim.

— Desculpe, mas eu não entendo. O senhor não vai nos entregar para o bispo? — quis saber Miguel.

— Não, mas isso não é porque compactuo com o pecado de vocês, mas sim por questões pessoais.

Questões pessoais? O que ele queria dizer com isso? O padre Flávio também era gay? A cada segundo eu ficava ainda mais confuso e nervoso. Tudo parecia estar ficando completamente desconexo. O que Flávio faria conosco?

— Eu ainda não estou compreendendo — insistiu Miguel.

— O que vou contar aqui, quero que seja guardado como um dos muitos segredos de confissão que vocês devem ter ouvido, pois quase ninguém sabe disso.

Assentimos com a cabeça e Flávio então nos contou algo que jamais poderíamos imaginar.

— Se não os entrego para o bispo Meirelles é porque não o considero puro para julgar padre algum. O bispo… Ele é… É… Um… Um...

Nesse momento Flávio não conseguiu terminar a frase, pois foi tomado por um intenso choro que surgiu do nada.

— Por favor, se acalme. Respire fundo — pedi.

Ele atendeu o meu pedido, respirando fundo algumas vezes e um pouco mais calmo, pode completar a sua última frase.

— Ele é um maldito pedófilo — revelou.

— Um pedófilo? — questionou Miguel incrédulo.

— Sim, quando eu era criança e ele ainda era padre… Eu… Eu… fui seu coroinha e ele abusou de mim dos meus oito anos meus treze anos. Eu sinto tanta raiva dele… — declarou em tom ainda choroso — Não consigo compreender o porquê dele ter feito tamanha maldade. Eu mesmo tenho um coroinha, aquele garoto, que foi chamar vocês, e eu nunca seria capaz de fazer tamanha maldade nem com ele, nem com nenhuma outra criança ou adolescente — completou.

Aquela informação me chocou de uma maneira que não havia palavras em meu vocabulário para descrever. Eu tinha consciência de que na Igreja Católica havia vários religiosos pedófilos, porém nunca soube de algum que fosse próximo a mim.

— Meu Deus… — suspirou Miguel.

— Ele deveria ser preso. Isso é um crime — argumentei.

— Mas ele não vai. O crime dele já prescreveu — lamentou Flávio.

— E se ele tiver abusado de outras crianças? Ou se ainda abusar? — interroguei.

— Nada poderemos fazer. Ele é um bispo e nós apenas padres e vocês ainda têm o agravante de serem fugitivos e sodomitas.

— Sodomitas? Quem lhe disse isso? — perguntou Miguel com uma visível irritação.

— Caro padre, não precisa ser muito inteligente para perceber isso… A cidade inteira comenta… Além do mais a forma como vocês dois se olham já denuncia muita coisa. Vocês têm o olhar carregado de desejo e pecado.

— Padre Flávio, eu sinto muito pelo que aconteceu com o senhor, mas fique tranquilo, pois Deus irá punir esse perverso que é o bispo Meirelles — disse na tentativa de lhe trazer um pouco de conforto e também como uma forma de tirar a mim e Miguel do foco da conversa.

— Sim, eu confio muito na justiça de Deus. Ela não é falha como a dos homens.

— E se o bispo Meirelles lhe perguntar algo sobre nós? O que dirá? — questionou o meu amado.

— O bispo Meirelles vem me perguntado muito sobre os senhores, por isso os chamei aqui, porque sei que já é do conhecimento de ambos as buscas do Meirelles por vocês, pois ele me falou que chegou a falar com parentes dos dois, e queria tranquilizá-los, apesar de não concordar nem um pouco com a postura de vocês, ao menos sei que se cometem esse relacionamento pecaminoso é porque ambos consentem e o que o bispo fazia comigo e deve fazer ainda com outras crianças, é algo completamente sem consentimento, é uma violação completa… Enfim, eu continuarei a dizer que não tenho informações sobre vocês.

— Muito obrigado, padre — agradeci.

— Não agradeça, Paulo. O que todos nós estamos fazendo é errado. Vocês não deveriam pecar dessa forma e eu não deveria mentir, por isso aconselho que vocês se afastem, procurem um retiro espiritual ou algo do tipo, se isolem e reflitam sobre as atitudes inadequadas tomadas até o presente dia.

Ficamos em silêncio, era como se cada um tivesse absorvendo a sua culpa naquele momento. Alguns instantes depois, Flávio rompeu a quietude do ambiente.

— Vocês podem ir agora, porém  pensem no que eu falei e tomem a melhor decisão. Foi uma burrice vocês terem pensado que poderiam largar as suas paróquias sem sofrerem consequência alguma.

Levantamos e nos retiramos da igreja em silêncio. Naquele momento eu me sentia ainda mais pecador. Eu tinha sido revelado frente a um colega padre, meu Deus… Senti uma vergonha imensa.

— E agora, Miguel?

— Esse episódio não abala nem um pouco o meu amor por você. Eu quero continuar sendo o seu homem e quero que você continue sendo o meu também.

— Miguel… Isso é errado. Você ouviu o padre Flávio…

— Paulo, pelo amor de Deus, não seja idiota. Se nós somos assim é porque Deus, nosso Senhor assim nos fez e assim Ele quer que nós sejamos. O Flávio, assim como toda a Igreja Católica é preconceituoso, e, você mesmo viu que o bispo Meirelles é um hipócrita, pois aquele miserável estuprava ou estupra, crianças. Como você ainda pode querer dar ouvidos a uma instituição tão corruptível como a nossa? Não pense que somos os únicos padres gays do mundo.

— Mesmo assim, ainda acho que…

— Não, não ache nada agora — pronunciou-se interrompendo a minha fala.

Caminhamos para casa sem dizer mais uma palavra sequer. Eu estava tomado por pensamentos e inquietudes. O amor que sentia por Miguel era tanto que parecia querer fugir do meu peito, entretanto, as coisas ditas por Flávio ainda me incomodavam bastante. Eu estava, como sempre, sem saber ao certo o que fazer.

Eu já havia ousado pensar que quando entrei naquele ônibus com Miguel a minha vida seria linda, todavia foi completamente ao contrário. Eu não estava nem um pouco preparado para aquilo, aquele passo foi muito maior que a minha perna.

No decorrer do dia, Miguel conversamos apenas o básico e quando voltamos do trabalho ele avisou ter trocado os nossos turnos do dia seguinte e ao invés de trabalharmos pela noite, trabalharíamos à tarde.

— E por que isso? — indaguei.

— Dois colegas perguntaram se podíamos trocar e eu pensei que você não se incomodaria.

— Tudo bem, não me incomodo, mas você podia ter me avisado antes.

— Desculpe, eu esqueci.

— Tudo bem, querido.

Miguel não disse mais nada e ficou me encarando, até que aproximou-se e me roubou um beijo, beijo esse de curta duração, pois eu logo tratei de interromper aquele contato íntimo.

— Acho melhor irmos dormir. Temos muito para pensar.

— Sim, é melhor — concordou de forma hesitante.

No dia seguinte, acordei um pouco mais tarde do que de costume e não encontrei Miguel em casa. Ele passou toda a manhã fora e voltou apenas quando já era quase a hora de irmos trabalhar. Apesar de ter ficado muito curioso para saber onde ele estava não quis perguntar. Não queria ser invasivo e acabar arranjando briga com ele naquele momento tão delicado.

Durante a tarde fomos para o trabalho e eu, ainda muito confuso com todos os últimos acontecimentos, evitei falar com Miguel.

Quando deixamos o trabalho ele me pediu para ir comprar algumas coisas no mercado, até o chamei para ir comigo, porém ele argumentou que prepararia o jantar para nós. Atendi o seu pedido, todavia quase me arrependi, o mercado estava muito cheio e eu quase desisti de fazer aquelas compras.

Assim que cheguei em casa, tive uma surpresa, encontrei o jantar pronto e a mesa já posta. Nela havia pétalas de rosa espalhadas, duas taças e dois pratos vazios, talheres e uma garrafa de champagne.

Miguel, havia preparado um jantar romântico para nós e eu não conseguia saber se aquilo era bom ou ruim.

Ele que estava na cozinha ao perceber a minha presença, veio caminhando em minha direção e pegou um violão encostado na parede, que até então havia passado despercebido por mim e Miguel então começou a cantar a seguinte melodia:

O que será que me dá

Que me bole por dentro, será que me dá

Que brota à flor da pele, será que me dá

E que me sobe às faces e me faz corar

E que me salta aos olhos a me atraiçoar

E que me aperta o peito e me faz confessar

O que não tem mais jeito de dissimular

E que nem é direito ninguém recusar

E que me faz mendigo, me faz suplicar

O que não tem medida, nem nunca terá

O que não tem remédio, nem nunca terá

O que não tem receita

 

O que será que será

Que dá dentro da gente e que não devia

Que desacata a gente, que é revelia

Que é feito uma aguardente que não sacia

Que é feito estar doente duma folia

Que nem dez mandamentos vão conciliar

Nem todos os unguentos vão aliviar

Nem todos os quebrantos, toda alquimia

E nem todos os santos, será que será

O que não tem descanso, nem nunca terá

O que não tem cansaço, nem nunca terá

O que não tem limite

 

Enquanto cantava seus olhos lacrimejavam bastante, Miguel parece ter feito um imenso esforço para não chorar, já eu não fui tão forte assim e caí em lágrimas no meio da música, pois aquela bela canção representava muito o sentimento que nós dois sentíamos. Além do mais eu não ouvia a linda voz do meu amante há um bom tempo, pois devido a sua timidez, ele evitava cantar, mesmo tendo sido abençoada com uma voz angelical.

O que será que me dá

Que me queima por dentro, será que me dá

Que me perturba o sono, será que me dá

Que todos os tremores me veem agitar

Que todos os ardores me veem atiçar

Que todos os suores me veem encharcar

Que todos os meus nervos estão a rogar

Que todos os meus órgãos estão a clamar

E uma aflição medonha me faz implorar

O que não tem vergonha, nem nunca terá

O que não tem governo, nem nunca terá

O que não tem juízo.

Assim que terminou de cantar Miguel ajoelhou-se de frente a mim e eu fiquei completamente sem reação, pois eu já sabia o que ele pretendia. Com a voz um pouco trêmula Miguel começou a falar:

— Quando o Tobias largou o seminário e nós acabamos ficando mais próximos, eu comecei a sentir algo por você e eu sempre ficava me perguntando o que seria aquele sentimento… Aquele sentimento que me tirava do sério e me fazia te querer junto a mim, eu, ainda me sentindo impuro pelo que tinha acontecido com o Tobias, tentava com todas as minhas forças negar aquilo e acabei dando àquele sentimento tão intenso o nome de admiração, porém hoje tenho plena consciência de que o que sinto por você não é admiração, mas sim amor e eu quero Paulo, continuar sentindo essa coisa tão forte pelo resto da minha vida… Eu quero passar o resto dos meus dias com você… Meu amor, por favor, não pense que o que fazemos é pecado… Pois não é… O nome disso que nos corrói o peito é amor… Amor… E é por este amor tomar o meu peito de tal forma...

Nesse momento ele fez uma rápida pausa, pegou uma caixinha que tinha dentro de seu bolso, tirou a aliança que tinha dentro dela, pegou a minha direita que estava tremendo muito, colocou o anel em meu dedo anelar e eu que já sabia a fala seguinte de Miguel me desesperei de tal forma que sentir um turbilhão de coisas… O ar me faltava, as pernas bambeavam e o coração batia de forma tão acelarada que mais parecia que iria saltar do meu peito.

Miguel, após conter as lágrimas que rolavam por sua face, questionou:

— Paulo, você quer casar comigo?


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Notas finais do capítulo

E aí, acharam que a música combinou? Você escolheria outra música para esse casal maravilhoso?

Espero que tenham gostado do capítulo.


Beijinhos e até mais ♥



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