Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 16
Excomungados


Notas iniciais do capítulo

Curiosidade: Eu finalizei esse capítulo no laboratório de informática da minha faculdade e a moça que toma conta do laboratório estava ouvindo música gospel. Fico imaginando que cara ela faria ao saber o que eu estava escrevendo...

Boa leitura!



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— Vamos para casa?! Acho que agora é o melhor a se fazer — disse um pouco agoniado.

Miguel não disse nada, apenas consentiu e fomos caminhando em silêncio. No meio do caminho fui surpreendido por uma ligação de Michele.

— Alô?!

— Tio, eu estou com medo que as coisas deem errado para o senhor e para o Miguel — declarou num tom de voz que denunciava a sua aflição.

— Por que você está dizendo isso? — questionei preocupado.

Como assim as coisas poderiam dar errado para nós? A Igreja estaria nos procurando?

— Hoje veio aqui em casa o bispo, acho que nome dele era Fe… Fernando... Meirelles, sim, tenho quase certeza de que o sobrenome era esse, ele fez um monte de perguntas sobre o senhor e o Miguel.

Naquele momento entrei praticamente em choque e parei de andar. Miguel, percebendo a minha pausa repentina perguntou o que houve.

— O bispo Meirelles foi na casa da Michele — expliquei.

Fernando Meirelles era conhecido por todos os membros do clero por ser um homem muito rígido e um fiel seguidor das determinações de vossa santidade, o Papa. Alguns padres até tremiam ao ouvir o nome do bispo e algo me dizia que logo, eu seria um desses.

— O que? Ela ainda está na casa que você ficava? Na casa da Igreja? — interrogou Miguel.

Aparentemente ele estava tão preocupado quanto eu. Na verdade,  estranho seria se ele não esboçasse um mínimo sinal de preocupação, pois por mais que Miguel se fizesse de forte e desapegado do sacerdócio e das coisas relativas a ele, a batina embaixo de nosso colchão dizia exatamente o oposto.

— Não, não. A mãe dela alugou outro lugar pra ela ficar.

— Tio?! O senhor ainda está aí? — questionou ao perceber a minha conversa paralela com Miguel.

— Sim, estou. Só um momento, vou colocar o celular no viva voz, pro Miguel poder ouvir também.

— Ok.

— Pronto, pode falar.

— Esse bispo ficou perguntando o que tinha acontecido com o senhor e qual era a sua relação com o padre Miguel.

— E você disse o que? — indagou Miguel.

— Eu disse que o meu tio tinha viajado por problemas familiares e que ele e o senhor eram amigos. O problema disso tudo foi eu ter dito pro povo da vizinhança que vocês dois tinham sido transferidos e o bispo acabou me questionando sobre isso. Disse que eu estava me contradizendo e mentindo para ele, pois ele sendo o bispo saberia caso vocês tivessem sido transferidos.

Maldita fofoqueira! Por que ela não poderia considerar o que a Michele tinha dito como verdade? Se não fosse por ela, o bispo jamais teria inventado de nos procurar.

— Meu Deus... E você disse o que? Você conseguiu dar alguma explicação? — interroguei.

— Eu disse que já era hora dele me dar licença, pois eu tinha coisas a fazer.

— E ele foi embora? — Quis saber Miguel.

— Foi, mas ficou resmungando, dizendo que os jovens não respeitam mais a Igreja nem os mais velhos e blá blá. Eu também ouvi ele dizer que investigaria a situação de vocês, pois não achava nada certo dois padres abandonarem suas paróquias assim. E ainda chegou a desejar que “Deus queira que esse dois não sejam sodomitas…”

Se o bispo nos pegasse juntos e tivesse a certeza de que tínhamos um relacionamento amoroso, provavelmente nos excomungaria e seríamos expostos a todos. Viraríamos, com quase toda certeza, matéria dos mais diversos telejornais do país e ficaríamos na boca de Deus e o mundo…

— Que maldição! Você sabe como a Mariana encontrou com o Meirelles? Por que ela falou sobre nós para ele? — perguntei tão nervoso que mal conseguia segurar o celular.

— Não, eu não sei de nada. Vocês querem que eu pergunte alguma coisa para a Mariana?

— Não, é melhor não. Você precisa se mudar, ir pra outro bairro, se você ficar aí vai dar espaço para as pessoas fofocarem e quererem fazer perguntas… O mesmo serve pro Lucas — falou Miguel.

— Tudo bem, darei um jeito de ir embora daqui.

— Eu preciso desligar agora, Michele. Vou ter que conversar com o Miguel — avisei.

— Tudo bem, tchau.

— Tchau!

— E agora, Miguel? Será que o bispo Meirelles vai mandar gente pra cá pra vim procurar a gente?

— Calma, Paulo. Vamos terminar de conversar em casa, com calma. Antes que o seu amiguinho de batina apareça novamente aqui.

Miguel com certeza estava nervoso, porém ao contrário de mim ele tentava fingir calma.

Quando chegamos em casa, sentamos no sofá e ele pediu:

— Por favor, fique calmo. É quase impossível que o bispo Meirelles descubra que estamos aqui.

— Mas e se ele pressionar a Michele ou o Lucas? Ou se alguém nos viu na rodoviária? — perguntei inteiramente entregue ao desespero.

Meu coração batia em descompasso e as minhas mãos trêmulas suavam frio. Eu estava completamente angustiado com a ideia de ser encontrado pela Igreja.

— Paulo, por favor, seja coerente. O Lucas e a Michele não vão nos entregar e eu também não acho que alguém tenha nos visto na rodoviária. Lembre-se que nós não somos fugitivos da polícia, não precisamos temer.

— Se eu fosse fugitivo da polícia teria menos medo.

— Não seja ridículo, homem — disse num tom repressor.

Comecei a chorar. A aflição tinha tomado conta de mim. Eu nunca suportaria a vergonha de receber uma visita do bispo na minha casa com o Miguel. Ele saberia na hora que nós éramos sodomitas.

— Paulo, não chore. Tudo vai ficar bem, eu te garanto — disse enquanto me envolvia em um delicado abraço.

— Eu acho que não vou mais me confessar. Isso seria como me autoexcomungar — disse enquanto me soltava de seus braços.

— Pela lógica nós já somos excomungados, mas concordo que você não deve se confessar. Você não cometeu pecado algum.

Fiquei em silêncio, de nada adiantaria expor a minha opinião que era tão divergente da dele, isso só resultaria em mais uma briga e eu já não suportava mais brigar com o homem que eu amava.

— Paulo, será que um dia você vai me compreender? — indagou enquanto alisava suavemente a minha face.

Permaneci em silêncio e acariciei a mão com que Miguel fazia carinho em mim. Naquele momento era melhor não dizer nada, eu não queria novamente estragar tudo com ele, entretanto, precisava decidir o que fazer. Já não podia mais querer Miguel e a Igreja ao mesmo tempo.

Ah, como eu queria que uma solução mágica caísse do céu. Pensar que isso não aconteceria me deixava ainda mais agoniado, aquela decisão só cabia a mim, só eu poderia decidir o melhor. Mas como faria isso? Estava imerso em dúvidas e questionamentos.

O fato de o bispo estar atrás de nós fazia com que eu começasse a pensar que não teria nem a Igreja, nem Miguel, porque se o bispo Meirelles descobrisse a nossa homossexualidade, seríamos excomungados e impedidos de ser padres, obviamente, e com tudo isso eu ficaria com mais raiva ainda da minha orientação sexual, pois a vergonha que passaria diante do bispo seria imensa. De forma que eu não conseguiria mais me relacionar com Miguel, nem com nenhum outro homem.

— Paulo?! Paulo?! Você está aí, homem?

A voz de Miguel me tirou de meus devaneios e me trouxe de volta à realidade.

— Sim, pode falar.

— Eu estava lhe pedindo calma. Nós não cometemos nenhum assassinato.

Não respondi nada, talvez a minha expressão, que muito possivelmente era de medo e insegurança, já falasse tudo.

— Eu te amo, meu amor. Eu te garanto que tudo vai ficar bem — assegurou Miguel enquanto me dava um rápido abraço e em seguida um breve beijo na testa.

Eu queria muito acreditar nele, mas não conseguia. O bispo Meirelles era um homem poderoso, ele poderia muito bem nos encontrar se assim desejasse.

— Eu vou me deitar um pouco — avisei.

Miguel não fez objeções e eu então fui para a cama. Deitado, fiquei imaginando mil situações em que seria possível o Meirelles nos encontrar, uma era pior do que a outra. A vergonha era cada vez maior, cada vez mais eu me sentia mais impuro e pecador.

Fiquei deitado até dar a hora de ir para o trabalho. Naquele dia, quase deixei a bandeja cair por diversas vezes. Concentrar-me em meu trabalho parecia ser uma tarefa impossível.

[...]

Não consegui dormir e fiquei rolando na cama a noite inteira. No dia seguinte, fui à feira bem cedo e lá encontrei com o padre Flávio.

Depois de dar a benção a ele, Flávio me fez o seguinte questionamento:

— Por que nem o senhor, nem o seu amigo apareceram lá na igreja?

— Desculpe, padre, nós estávamos ocupados de mais.

— Ah, entendo. Como é mesmo o nome dele, do rapaz que vive com você?

— Miguel.

— Hum… Paulo e Miguel. O apóstolo e o anjo vivendo juntos, que propício — afirmou em tom de brincadeira.

Ri da afirmação dele. Nunca tinha visto por esse lado. Éramos tão pecadores que nem merecíamos os nomes que tínhamos...

— Os dois vivem juntos desde quando?

Foi possível perceber a curiosidade que havia nessa pergunta. Por que ele havia feito tal pergunta? Será que o Meirelles já desconfiava do nosso paradeiro e havia mandado o Flávio investigar quem nós éramos? Meu Deus… Eu estaria a um passo de formalizar a minha excomunhão?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capítulo. Peço que se possível, comentem a opinião de vocês é muito importante para mim :)


Querem saber se Paulo e Miguel serão excomungados? Não deixe de acompanhar essa história recheada de paixão e pecado.

Beijinhos e até mais ♥



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