Amem escrita por Liz Setório


Capítulo 14
Batina da Discórdia


Notas iniciais do capítulo

Depois de quase um mês sem atualizar a fic cá estou eu, postando um capítulo novinho em folha para vocês. Espero que todo mundo goste ♥

Boa leitura!



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— Boa tarde, esse é um lar católico? — perguntou o jovem padre.

Sem saber o que responder, fiquei um certo tempo em silêncio até que disse:

— Sim… Sim… Esse é um lar católico.

Se Miguel me ouvisse dizer uma coisa dessas com certeza me mataria.

— Então, o senhor deve saber o que eu vim fazer aqui. Correto?

O que padre, que por sinal aparentava ser muito jovem, ele não deveria ter mais de vinte e cinco anos, estava fazendo ali era um dos protocolos da Igreja, uma das várias modificações feitas pelo Papa Pedro. Um padre ao assumir uma paróquia deveria bater em todas as casas da cidade ou do bairro, em caso de cidades grandes e questionar se ali viviam católicos, em caso afirmativo ele se apresentaria brevemente.

—  Sim, sei… A minha benção, vossa reverendíssima — disse e depois beijei uma de sua mãos — Entre um pouco — sugeri.

— Deus te abençoe — respondeu enquanto entrava na casa.

— Pode sentar naquela cadeira — falei, apontando para o móvel.

Eu estava tão sem jeito com aquela situação que mal sabia como me comportar. Tinha medo que Miguel pudesse voltar e me ver com aquele padre…

— O senhor aceita um café? Uma água? Um biscoitinho? — interroguei.

— Vou aceitar uma água, já caminhei muito e estou bem cansado.

— Sei bem como é.

— Perdão, mas como sabe?

Meu Deus eu tinha deixado escapar algo que não deveria. Quando comecei a exercer o sacerdócio tive que fazer a mesma coisa que aquele padre, porém como eu vinha de uma capital só precisei ir nas casas do bairro em que ficava a minha paróquia.

— Eu tenho alguns amigos padres e eles já comentaram comigo o quão cansativas são essas visitas, mas deixa eu ir buscar a sua água.

Chegando na cozinha antes de pegar a água do padre enchi um copo para mim e bebi a água em um só gole. Eu estava muito nervoso, qualquer besteira que eu falasse poderia me entregar.

— Aqui está — disse ao chegar na sala e entregar a água para ele.

— Obrigado.

Após beber a água, finalmente ele se apresentou.

— Bom, eu sou o padre Flávio e a partir desse domingo serei o responsável pela paróquia de São Sebastião, que como o senhor deve saber ficou meses fechada depois da morte do padre Francisco. Foi bem complicado achar um padre que quisesse vir pra cá… A maioria não gosta de se separar das famílias e acabam ficando em suas cidades.

— Eu também sou novo na cidade, padre. Cheguei aqui a poucos meses e ainda não sabia o que tinha acontecido com o antigo padre e nem porquê a igreja só vivia fechada.

— Ah, o senhor, seu…

— Paulo — completei.

—  Também é novo por aqui? Interessante… Vive com a sua família?

Eu precisava ser bem cuidadoso com as palavras. Não poderia deixar escapar algo que desse a entender que Miguel e eu éramos um casal. Por que aquela visita não acabava logo?

— Não, não os meus parentes moram em outra cidade. Estou aqui com um amigo, pra dividir as despesas, sabe.

— Entendo. Bom, já está na hora de eu ir… Ainda tenho mais algumas casas para visitar. Surpreendentemente ainda têm muitos católicos nessa cidade.

— Graças a Deus, é bom ver que a nossa fé ainda resiste.

Antes que eu pudesse enfim me despedir do Flávio, Miguel chegou em casa e quando abriu a porta deu de cara com nós dois.

O meu amado não conseguiu esconder a sua cara de surpresa e eu fui logo o explicando do que se tratava.

— Miguel, esse é o padre Flávio, novo padre da cidade. Ele veio aqui fazer uma visita de apresentação.

— Ah, sim — disse meio desconfiado — Sua benção padre.

Miguel pediu a benção de longe como se estivesse com medo de Flávio.

— O senhor também é católico?

— Não praticante, padre. Estou a muito tempo afastado da Igreja — rebateu em tom seco.

— Esse pode ser um bom momento para se aproximar novamente. Estamos precisando de voluntários para ajudar com a igreja. Os senhores querem ir?

Eu até tive uma certa vontade de ir, porém Miguel se adiantou e respondeu por nós dois.

— Não, obrigado. Trabalhamos muito e não temos tempo para nada.

— Tudo bem, mas conto com a presença de vocês no domingo para a minha primeira missa. Agora preciso ir. Que Deus fique com vocês.

— Amém — respondemos em coro.

Quando o padre Flávio saiu, Miguel mostrou-se muito nervoso, tão nervoso que tive medo dele me agredir.

— Você é louco? Por que colocou esse homem aqui dentro de casa? — interrogou aos berros.

— Calma, eu fiquei confuso e sem saber direito como agir.

— Era só dizer que aqui não era um lar católico e ele ia embora, simples assim — respondeu ainda muito irritado e em tom de voz elevado.

Eu acabei deixando Miguel sozinho na sala, pois não queria brigar com ele. Toda vez que brigávamos eu ficava muito mal.

Fui pro quarto e fiquei lá sentado na cama, chorando. Para mim ainda era muito difícil ter que lidar com tudo isso.

No resto daquele dia nós conversamos apenas o necessário, o clima entre nós dois ficou bem estranho. E eu fiquei me sentindo bastante culpado, talvez tivesse sido melhor que eu tivesse despachado o tal padre Flávio, porém para mim aquela visita era uma chance de eu estar novamente próximo a Igreja, coisa que sentia bastante falta. O meu amor por Miguel parecia não ser tão forte a ponto de fazer eu me afastar completamente da Igreja. Na verdade, eu tinha a vontade de viver o amor por Miguel e pela Igreja de maneira simultânea, mesmo sabendo da impossibilidade disso de fato ocorrer.

Naquele dia acabamos ficando com o turno da noite no restaurante e durante o caminho resolvi quebrar o silêncio com uma pergunta que desagradou muito Miguel.

— Podemos ir na igreja domingo?

— Você andou se drogando? — respondeu em um tom de voz raivoso.

—  Miguel, o padre Flávio foi tão gentil… Não quero fazer desfeita com ele.

— Isso é mais por você do que por ele. Não minta pra mim.

— Você não sente falta da Igreja? Nem um pouquinho? — interroguei com uma visível curiosidade.

— Eu tenho você, larguei tudo porque te amo. Você me basta e eu deveria bastar a você.

— Então nós não vamos?

— Paulo, não é o ideal irmos à igreja. Eu não vou me sentir bem… Mas também não quero que o nosso relacionamento se transforme em algo abusivo, onde um proíbe o outro de fazer as coisas… Então, se você quer ir vá, mas não conte comigo.

— É melhor eu não ir, né?

Eu queria muito ir para a missa, todavia sabia que por mais que Miguel dissesse que eu podia ir, já estava claro que ele não se agradava nem um pouco com isso e eu não queria dar mais motivos para brigarmos.

— Faça o que achar melhor.

Depois disso seguimos o caminho em completo silêncio e no restaurante percebi que Miguel me evitou. Pensei direito e acabei decidindo não ir naquela missa que muito provavelmente seria a causadora de conflitos futuros.

No dia seguinte quando estava arrumando o nosso quarto, resolvi virar o lado do colchão. Lembro que minha mãe falava que isso fazia o colchão durar mais. Ao fazer isso encontrei nas madeirinhas da cama um saco plástico com algo dentro. Assim que abri o saco vi que dentro dele havia uma batina. Aquela batina só poderia ser de Miguel, pois eu não havia levado nenhuma das minhas.

Olhar para aquela batina fez eu sentir uma enorme vontade de vesti-lá e eu acabei cedendo a essa vontade. Vestido com ela fiquei me olhando durante um tempo diante do espelho e senti uma leve saudade do tempo do sacerdócio.

— O que você está fazendo vestido com isso? — questionou Miguel que havia voltado para casa sem eu perceber.

— Você chegou rápido! O mercado estava vazio? Nossa, nem te vi chegar... — desconversei, pois nem eu mesmo sabia ao certo o porquê de ter colocado aquela batina.

— Responda, Paulo. O que está fazendo com essa batina? Por que trouxe isso pra cá?

Miguel tinha esquecido que a batina era dele ou ele só estava querendo me incriminar? Provavelmente a primeira opção, pois era muito mais a minha cara do que a dele levar uma batina consigo. Eu nunca poderia imaginar que o meu amado ainda tinha um certo apego pela religião.

— Essa batina não é minha, Miguel. Foi você quem trouxe essa batina pra cá. Mas por quê?


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