Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 7
Como desfecho e recomeço


Notas iniciais do capítulo

Vamos lá, muita calma nessa hora. Sim, a irresponsável da autora sumiu por quase 20 dias (quando prometeu voltar em uma semana) e tem um punhado de motivos para isso, mas se eu contasse só encheria o saco de vocês e não levaria a lugar nenhum. Então, eu peço mil desculpas pelo atraso e que não se preocupem, pois agora está tudo mais do que bem e eu estou de volta à ativa com força total.
Espero que gostem, meus amores.
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754564/chapter/7

— Toma. — Jimin disse carinhosamente, estendendo na direção da amiga uma grande caneca amarela que continha um líquido marrom e espesso, de aroma agradável. Sorriu amigavelmente, sentando-se ao lado dela no sofá de camurça. — Eu não sei o que lhe aconteceu, mas sei que um bom chocolate quente sempre é de ajuda.

Bo Ra abriu um sorriso quase invisível em agradecimento e, se não estivesse passando por tudo aquilo, teria sentindo-se acolhida e confortável. A verdade era que Jimin estava fazendo por ela muito mais do que ela poderia pedir, desde o momento em que aparecera na porta da casa do garoto ensopada pela forte cerração que cobrira a cidade, por conta do cair da noite, com um olhar perdido e tremendo de frio. Sem pensar duas vezes, ele a colocara para dentro, a enrolara em quase meia dúzia de cobertores e lhe oferecera sua bebida favorita sem fazer nenhum questionamento.

— Tem certeza de que não quer tomar um banho quente e trocar suas roupas por algo seco? — insistiu mais uma vez, perguntando-se quanto tempo demoraria para que Bo Ra ficasse doente sob aquela roupa que, além de pouca, ainda estava molhada.  

— Não. — ela respondeu, fitando a vasta sala cor de marfim da casa de Jimin. Como não dizia nada há muito tempo, sua voz saiu rouca e arranhada. — Não tenho certeza.

Bo Ra não precisava fitar o amigo naquele momento, para saber que as suas feições estavam cobertas de pena. Depois de incontáveis horas simplesmente sentada no gramado do parque, esperando até que a última lágrima escorresse pelos seus olhos inchados, ela levantou-se para pegar o ônibus de volta para a sua cidade. Nem tentou dormir durante a longa viagem, pois sabia que sua mente não lhe deixaria pregar os olhos — por isso, deveria estar com a mais acabada das expressões naquele momento. Qualquer um que a visse assim, conhecendo-a ou não, sentiria pena; então, por mais que ela detestasse receber aquele tipo de olhar, jamais se irritaria com aquilo no momento, muito menos da parte de Jimin.

— Você está bem? — indagou devagar, analisando-a com cuidado. — Digo, fisicamente.

— Não estou machucada. — respondeu, fazendo um esforço para fitá-lo e tentar transmitir alguma segurança para reforçar sua fala.

Afinal, aquela era a única verdade. Estava ferida emocionalmente, psicologicamente e de todos os jeitos possíveis, com a única exceção do seu exterior. Apesar da péssima aparência, era verdade que não possuía nenhum machucado físico e, se aquilo tranquilizava Jimin, ela o deixaria o mais claro possível.

— Olha, espaguete, você não precisa me contar o que aconteceu, ou está acontecendo, se não quiser. Você sabe disso. — disse, acariciando os cabelos úmidos da amiga. — Mas isso não significa que eu não vou me preocupar com você, então, pode contar comigo para qualquer coisa que precisar, está bem?

Era difícil sustentar o olhar preocupado e prestativo de Jimin naquele momento, contudo, ela esforçou-se para fazê-lo. Sentiu-se tão agradecida ao ponto de querer chorar novamente, mas seu estoque de lágrimas escasso não lhe permitiu. A verdade era que, na amizade dos dois, Bo Ra sabia que dependia de Jimin muito mais do que ele dela. O garoto era uma pessoa dócil e sociável e, justamente por conta de sua personalidade fácil de se conviver, tinha muitos outros amigos. Ele nunca estava sozinho. Ela sabia que ele poderia se sentir solitário às vezes, mas jamais deixava aquilo transparecer em seu sorriso fofo ou afetá-lo, diferente de como Bo Ra inconscientemente o fazia. Por isso, por mais que ela não gostasse de reconhecer essa dependência de sua parte, tinha de admitir o quanto Jimin era bom e importante para ela.

Deixou sua caneca amarela no chão, ao lado dos seus pés, e não hesitou em envolver o tronco do rapaz com seus braços trêmulos. Era um abraço um pouco desconsertado, porém capaz de transmitir todas as coisas que Bo Ra queria lhe dizer naquele momento, mas não tinha forças para fazê-lo — por isso, ele lhe retribuiu carinhosamente e apoiou seu queixo sobre o topo da cabeça da amiga, num gesto de quem havia entendido tudo o que precisava.

— Meus pais não estarão em casa pelos próximos dias. — conforme ele falava, Bo Ra ouvia o coração do rapaz bater calmamente sob seu ouvido esquerdo; o que, por consequência, lhe acalmava também. — Se você quiser, pode ficar aqui.

Mesmo contra seu gosto, Bo Ra separou-se daquele abraço acolhedor para fitar o amigo.

— Tem certeza? — indagou, receosa.

Ele não tinha ideia do refúgio que estava oferecendo a ela.

— Claro, oras. — respondeu, nitidamente fazendo graça para tentar melhorar o humor dela. — Até porque, eu morro de medo de ficar sozinho nessa casa grande e mal assombrada.

Bo Ra o encarou séria e, pela primeira vez naquele dia, sentiu vontade de rir.

— Você sabe que dizer que sua casa é mal assombrada não ajuda a me convencer a ficar aqui, não é? — indagou, pegando de volta seu chocolate quente.

— Sei. — respondeu, dando de ombros. — Mas isso não significa que você não vai ficar.

Jimin tinha razão. Apesar da breve brincadeira, Bo Ra ainda não tinha ideia do que faria dali para frente, o que a levava diretamente para seu nebuloso ponto de partida. Era óbvio que, em algum momento, ela teria de voltar para casa e enfrentar todo o mar tempestuoso que ainda lhe esperava (ou, no mínimo, dar algum sinal de vida para sua avó), mas ainda estava longe de se sentir pronta e forte o suficiente para fazê-lo. Na verdade, ela havia acabado de atravessar, ou tentar, pelo menos, um verdadeiro colapso mental. Sentia-se frágil, cansada e impotente — além de extremamente fraca fisicamente, por ter ingerido algo sólido pela última vez há mais de um dia. Se fosse para encarar de frente toda aquela verdade horrenda que agora fazia parte de quem ela era, o faria com o cabeça o mais erguida possível, o que ainda demoraria algum tempo para acontecer.

— Você tem razão. — Bo Ra disse, por fim. — Eu já tenho meus próprios fantasmas, então mais um ou dois não farão diferença.

Aquela não era a resposta que Jimin esperava, contudo, lhe foi suficiente. Saber que poderia cuidar de Bo Ra e tentar ajudá-la no que quer que estivesse acontecendo, mesmo estando às cegas, bastava para tranquilizá-lo. A partir daquele momento, ele faria o que precisasse para fazê-la sentir-se melhor e acolhida. Sabia que eram raras as vezes que ela permitia que alguém cuidasse dela.

— Então, isso significa que está na hora de você tirar essas roupas encharcadas. — afirmou, levantando-se. — Vou buscar um moletom meu ou algumas roupas da minha mãe, o que for mais quentinho e confortável. Não saia daí.

— Jimin, não precisa pegar...

Antes que pudesse completar sua fala, Bo Ra foi interrompida pelo toque simples, porém alto, do celular de Jimin. O garoto sacou o aparelho do bolso traseiro de sua calça, agradecendo aos céus pelo mesmo ter interrompido a amiga.

Mas esse breve momento só durou até que ele lesse o nome na tela do aparelho.

— É o Taehyung. — anunciou, revezando seu olhar confuso entre o celular e Bo Ra.

Ela, por sua vez, assumiu sua postura defensiva de costume, mesmo que ainda estivesse fraca. Contudo, no segundo seguinte, deixou os ombros caírem e os olhos diminuírem, vencida pelo cansaço e por seu atual estado de confusão mental.

— Não conte que eu estou aqui, por favor. — foi a única coisa que disse, sem saber explicar o porquê de tê-lo feito em um fio de voz.

Jimin entendeu que, de algum jeito, Taehyung poderia ter alguma coisa haver com o estado de Bo Ra; e esse foi mais um motivo para ele tentar atender ao pedido da amiga.

— Alô? — atendeu à chamada, antes que a mesma caísse na caixa postal, num tom inevitavelmente desconfiado.

Jimin, me diga que você sabe onde a Kang está. — foi a primeira coisa que Taehyung disse, sem tempo para rodeios desnecessários ou preocupado com o fato de como sua voz soava tensa. Ele já tivera um enorme trabalho para conseguir o número do garoto, acabando por praticamente arrancá-lo de Jungkook, e não estava disposto a continuar naquela situação de ansiedade a qual ele ainda não entendia.

Jimin, por sua vez, não conseguiu responder. Apesar de viver uma mentira diariamente, escondendo sua verdadeira sexualidade de tudo e todos, ele ainda era um péssimo mentiroso. Mentiras repentinas como aquela o faziam sair de sua zona de conforto, e isso não era exatamente algo fácil de se fazer. Encarou Bo Ra e, quando estava prestes a conseguir responder Taehyung, o outro foi mais rápido.

Só responda se ela está bem. — exigiu, sabendo que a resposta para a sua primeira pergunta era positiva.

Na verdade, Taehyung não tinha ideia de que estava sendo rude, como fazia intencionalmente na maioria das vezes — ele só estava nervoso, o que consequentemente o deixava irritadiço e não muito simpático. Mesmo assim, percebendo que dependia da boa vontade de Jimin, soube reconhecer que precisaria se esforçar um pouco mais. Respirou fundo, emendando:

Por favor.

Jimin suspirou, encarando a expressão desconfiada e inquieta de Bo Ra.

— Está tudo bem. — respondeu, dando-se por vencido e acreditando ter agradado ambas as partes.

Do outro lado da linha, sentado no meio de seu gramado e iluminado por nada além da luz provinda do luar, Taehyung inexplicavelmente sentiu-se mais aliviado. Talvez estivesse sentindo um pouco de culpa por Bo Ra ter descoberto sobre seus pais, ou até mesmo pelo marido de sua tia ter causado aquilo tudo, e uma das coisas que mais odiava era sentir-se culpado por algo. Mas agora ele se sentiria melhor, com certeza, pois sabia que não era responsável pelo sumiço da Kang.

Ou pelo menos era isso que ele dizia a si próprio.

Só diga a ela para ligar para a avó, que está quase doente de preocupação. — pediu, pois realmente se importava com a senhora e não gostava de vê-la naquele estado. Com um murmúrio, Jimin concordou. — Obrigado, Jimin.

Jimin não teve tempo de dizer mais nada, mesmo que quisesse, já que Taehyung rapidamente encerrou a ligação. Fitou Bo Ra, que já não aguentava mais de curiosidade, mesmo que imaginasse que Taehyung já sabia onde ela estava.

— O que ele queria? — indagou, apertando o cobertor mais grosso contra si. Já tinha terminado seu chocolate quente àquela altura.

— Você deveria ligar para a sua avó, espaguete. — respondeu, ignorando a pergunta da amiga, que já sabia a resposta. — Ele disse que ela está muito preocupada.

Jimin estava curioso para saber há quanto tempo Bo Ra não dava notícias em casa ou por onde estivera, porém, quando viu a expressão de remorso no rosto dela, soube que tudo que precisava fazer era calar-se e dar a ela tempo. Aproximou-se, estendendo seu celular na direção dela, já que não sabia se ela estava com o dela ou não.

— Eu vou procurar algo para você vestir. — disse, compreensivo. — Leve o tempo que precisar.

Bo Ra o encarou e, em seguida, o celular cinza em suas mãos. Ela tinha o dela no bolso, desligado há muitas horas, mas preferiu aceitar o dele de qualquer jeito. Não estava pronta para ser atingida por uma enxurrada de notificações, perguntas e chamadas perdidas. Esperou que Jimin sumisse escadas acima e encarou o aparelho, desbloqueando-o lentamente com a senha que já tinha gravado há tempos. Digitou o número de sua avó, ponderando um par de segundos antes de realmente ligar.

No terceiro toque, a senhora atendeu. Sua voz estava cansada, mais do que o normal, e o coração de Bo Ra apertou-se ao ouvi-la.

— Sou eu. — foi a primeira coisa que ela disse, sem saber como começar.

Bo Ra?! — exclamou. — Onde você está, minha neta? Está tudo bem? Você está machucada?

— Eu estou bem, vovó. — respondeu rapidamente, tentando acalmar a senhora. Completou, apenas mentalmente, com um "dentro da medida do possível". — Não estou machucada e estou na casa do Jimin agora. Ele está cuidando de mim. — como sua avó já sabia sobre a amizade dos dois, sentiu-se um pouco mais aliviada. Bo Ra sentiu a voz começando a estremecer, porém, decidiu continuar mesmo assim.— Desculpe. Perdoe-me por tê-la deixado tão preocupada, vovó.

Tudo bem, querida. Eu me sinto melhor só em saber que você está bem. — disse, mais calma. Na verdade, sentia como se ela quem deveria estar dizendo aquelas palavras. — Eu é que devo me desculpar. Perdão, minha neta, eu...

— Nada disso é culpa sua. — interrompeu, tentando evitar que sua avó continuasse se martirizando com aquilo. Não era o tipo de conversa que poderiam ter pelo telefone, porém, o momento exigia aquilo de Bo Ra mesmo que ela não se sentisse preparada. — Eu... acho que entendo o porquê da senhora ter escondido tudo isso de mim. Eu só preciso de mais tempo para... céus, há tanta coisa na minha cabeça nesse momento! Eu só preciso pensar um pouco.

Suas palavras eram pobres e vagas, porém, era o máximo que ela conseguia reproduzir. O caos dentro de si ainda era muito recente e doloroso, por isso, ainda relutava em reconhecê-lo e expressar o mesmo.

— Eu estive na cidade do cartão postal hoje. — contou, vagamente. — Fui ao parque da foto.

Um longo silêncio instaurou-se entre as duas, perdidas em seus próprios pensamentos e preposições. Por fim, a avó de Bo Ra manifestou-se:

Você procurou pela sua mãe?

— Não. Eu não sei que tipo de pessoa ela é hoje, ou já foi um dia, mas isso não me dá o direito de fazer isso com ela. — afirmou, encolhendo-se no sofá. — Sabe, talvez ela esteja feliz, e encontrá-la seria prejudicial para nós duas.

Bo Ra, você seria incapaz de fazer mal à sua mãe. — sua avó a repreendeu, mesmo que soasse doce. — Nada disso é culpa sua.

— Você é a minha mãe, e isso é tudo o que eu preciso.

A idosa precisou segurar algumas lágrimas ao ouvir aquela frase, mesmo que a neta não pudesse vê-la, ao passo que Bo Ra reuniu toda a coragem que lhe restava para dizê-la. A verdade era que, apesar de tudo, das mentiras e da sujeira, aquela era a única realidade que deveria ficar: a avó de Bo Ra era a sua verdadeira mãe, a mulher quem a criara com toda a dificuldade do mundo, e ela era extremamente agradecida por isso — portanto, o deixaria claro a partir daquele momento.

— Eu ficarei na casa do Jimin por alguns dias. — continuou, mais firme. — Acho que ainda preciso encontrar um desfecho para essa história, e só então poderei voltar para casa e começar de novo.

Eu entendo. Ficarei com o coração apertado, mas sei que você precisa de algum tempo sozinha. — a idosa afirmou, sendo mais compreensiva do que Bo Ra realmente esperava. — Eu posso preparar uma bolsa de roupas e levar para você...

— Não precisa, vovó. — disse. Não gostava da decisão que estava prestes a tomar, contudo, ainda era melhor do que dar mais trabalho à sua avó. — Eu irei até aí amanhã.

Sem contrariá-la, a avó de Bo Ra apenas aceitou a ideia da neta. Na verdade, Bo Ra sentia que já começara a enfrentar seus demônios, mesmo que não se estivesse preparada para fazê-lo, e torceu para que conseguisse apenas buscar uma muda de roupas no dia seguinte, sem mais batalhas ou conflitos mentais.

Ela sabia que deveria recomeçar, mas ainda não tinha ideia de como terminaria aquele tempestuoso ciclo.

 

***

 

Por causa do cansaço extremo, Bo Ra havia apagado na noite anterior e dormira direto até a manhã seguinte, ainda que isso não significasse que tivera um sono tranquilo. Mesmo assim, acordou algumas horas depois que Jimin havia saído para o colégio,  depois de muito lutar na noite anterior para ficar em casa com ela. Dando-se por vencido, ele foi para a aula, mas não sem antes deixar diversas instruções para a governante de como cuidar da hóspede e mais um punhado de roupas sobre a cama para que ela escolhesse o que usaria. Era um exagero, mas fez com que Bo Ra se sentisse um pouco mais próxima de estar em casa.

Por fim, ela acabou optando por uma calça jeans, que deveria estar no armário da mãe de Jimin há quase uma década, e um moletom preto do próprio. Como eles eram basicamente da mesma altura e fazia frio naquele dia, ela podia sentir-se confortável naquela roupa. A governanta era uma senhora na casa dos quarenta, simpática, e que insistiu para que Bo Ra se alimentasse bem antes de sair de casa. Talvez por tê-lo feito, a garota sentiu-se mais disposta naquele dia, e até mesmo pronta para dirigir-se até a mansão dos Kim.

Pelo menos ela esperava que estivesse.

 Agora, parada na calçada do outro lado da rua, ela encarava a estrondosa mansão. Depois de tantos anos vivendo ali, mesmo que na casa anexa, ela havia acostumado-se com a construção; mas agora ela parecia diferente. A possibilidade de ter se acostumado com o meio em que vivia, cercada por pessoas mesquinhas e gananciosas, e talvez até tornado-se uma delas, fez Bo Ra paralisar onde estava. Agora, fitando aquele nítido retrato do quão imponente a família Kim era, Bo Ra se perguntou se, depois de tanto criticar os outros ao seu redor, não começou a esquecer como era olhar para si própria.

Sacudiu a cabeça, tentando afastar os pensamentos paranóicos. Inflou os pulmões com ar e ordenou que suas pernas começassem a trabalhar. Entrou sem ser notada e, quando passou em frente ao quarto de sua avó, viu pela porta entreaberta que a mesma ainda dormia. Os Kim provavelmente tinham lhe dado o dia de folga. Enquanto recolhia algumas roupas e alguns outros itens, Bo Ra tentou imaginar o quão preocupada e nervosa tinha deixado a sua avó, para que a mesma finalmente aceitasse passar todo um dia sem trabalhar, depois de anos sem descanso. Sentiu que o mínimo que poderia fazer, era deixar um bilhete sobre a cama dizendo que estava bem e que a idosa não deveria ser preocupar mais, já que ainda não tinha coragem suficiente para encará-la.

Quando pôs os pés no gramado dos fundos, a poucos passos de se ver livre daquela mansão que lhe lembrava dos fantasmas do seu passado, Bo Ra tomou um susto ao se deparar com uma silhueta bem familiar. Mesmo que estivesse frio demais para isso, Taehyung tinha a calça bege erguida até a altura dos joelhos e os pés desnudos dentro da piscina, sentado sobre a borda de mármore e encarando a água gélida. Quando viu Bo Ra do outro lado do jardim, deixando a casa anexa com uma bolsa de viagem aparentemente cheia, não conseguiu esconder o espanto. A água da piscina fez barulho quando ele recolheu seus pés, levantando-se, enquanto ela decidiu que tentaria simplesmente ignorar a presença do rapaz — não como o de costume, mas sim por não saber o que sentir em relação a ele e sua mentira.

Quando Taehyung colocou-se na frente dela, impedindo sua passagem como uma parede que não quebraria facilmente, sua tentativa mostrou-se falha.

— O que você está fazendo aqui? — ela indagou, fitando o gramado úmido.

Na verdade, aquela era uma pergunta bem ampla. Taehyung morava ali, então era um pouco óbvio encontrá-lo em casa, mas Bo Ra fizera a maldita pergunta sem pensar.

— Eu recebi alta do hospital ontem. Porque eu fui socorrido rapidamente, o médico disse que a reação alérgica não foi tão séria. — respondeu, preferindo acreditar que era sobre isso que Bo Ra havia indagado. Também esperava que ela tivesse entendido que ele estava, tecnicamente, a agradecendo por ter sido a pessoa quem lhe socorreu. — Mas preferi ficar em casa hoje, de qualquer jeito. E você?

Na verdade, Taehyung esperava que a Kang tivesse criado juízo e voltado para casa, mas a mala em suas mãos dizia claramente o oposto. Ele queria saber o motivo daquilo, mas não sentiu-se no direito de perguntar — estava confuso com o que deveria dizer e fazer, algo que raramente acontecia e o deixava desconfortável.

— Vim buscar algumas coisas. — respondeu, simplesmente.

Ele queria se segurar, mas algo não o deixava fazê-lo.

— Vai a algum lugar? — insistiu, e ela comprou o discurso neutro e distante que a expressão facial dele lhe oferecia.

— Sim.

Bo Ra, nitidamente, não estava disposta a falar. Taehyung sabia que não podia exigir nada da garota, mas as frases curtas e cortantes estavam começando a irritá-lo. Ele sentiu o temperamento explosivo que tanto tentava enterrar voltando à tona, e precisou respirar fundo para controlá-lo.

— E quanto à escola? — indagou. — Hoje é o último dia da sua suspensão.

— Vou continuar indo à escola. — ela afirmou, sentindo-se incomodada com aquele interrogatório repentino. — Não se preocupe, não vou desperdiçar o dinheiro da sua família.

Pela primeira vez em sua vida, Bo Ra realmente arrependeu-se de ter alfinetado Taehyung. O momento era sensível e tenso demais para tal ato, o que fez com que ela não sentisse seu prazer habitual em contrariá-lo. Já Taehyung, por sua vez, voltou a sentir aquela culpa que o enjoava e incomodava, o que foi o estopim para romper a válvula que guardava às sete chaves a sua versão instável.

— O que você queria que eu tivesse feito? — indagou frustrado, entre os dente. — Quando eu descobri a verdade, nós não tínhamos nem quatorze anos. Eu deveria ter corrido até você e contado tudo? Além desse assunto não ser da minha conta, eu teria lhe destruído. Era isso que eu deveria ter feito?

Foi só quando percebeu as palavras que havia cuspido, que Taehyung sentiu a respiração acelerada e o queixo rígido. Ele sabia que não deveria ter feito isso. Contudo, palavras ditas não poderiam ser retiradas, e agora ele só poderia esperar e aguentar a reação de Bo Ra.

— Você não era ruim o suficiente? — ela rebateu, fitando os olhos do garoto pela primeira vez na conversa. — Teve pena de mim e, por isso, resolveu que aquela ainda não era a hora para me destruir?

Taehyung a encarou. Nos olhos cor de ébano de Bo Ra, ele viu toda uma dor e um ressentimento sem destino que, por algum motivo, o fez dizer a verdade de uma vez.

— Não. Eu nunca fui ruim o suficiente. — confirmou, sério. — Você tem todo o direito de me odiar por ter escondido a verdade, ou até mesmo por causa da minha família, mas eu fiz o que acreditava ser o certo.

Bo Ra tirou um momento para pensar e acalmar sua própria respiração, ainda que continuasse sustentando o olhar de Taehyung. Ela estava tendo dificuldade em admitir que, na verdade, teria feito o mesmo que ele. Eles não eram amigos, nem mesmo próximos, então, que maldito motivo ele teria para contar algo tão grande e pesado para ela, sobre ela mesma? Talvez ambos estivessem errados, mas a verdade era que, nem tão no fundo, eles pensavam igual.

Por fim, ela apenas respirou fundo. A possibilidade de ter atitudes iguais as de Taehyung era nova demais para ela, e entraria no fim da lista de coisas as quais ela ainda precisaria digerir. Por fim, acabou tendo uma ideia que, no calor do momento, expôs sem pensar duas vezes.

— Você sabe onde ele está? — indagou, tão repentinamente que conseguiu assustá-lo. Vendo que Taehyung não tinha entendido onde ela queria chegar, precisou reunir todas as forças que lhe restavam para proferir as duas próximas palavras. — Meu pai.

Seu estômago se revirou, mas ela conseguiu conter a terrível sensação que tomou conta de seu corpo. Taehyung, por sua vez, hesitou.

Ele não sabia se podia contar, mesmo que sentisse que deveria.

Vendo que ele não estava exatamente disposto a falar, Bo Ra resolveu insistir.

Dependia daquilo.

Sentia que aquele era o caminho que procurava para tentar dar um desfecho àquele passado e enterrá-lo de vez, e Taehyung, sem se esforçar muito, sabia claramente que aquela era a intenção da garota.

— Por favor. — disse, provavelmente sendo educada com o Kim pela primeira vez na vida. — Se você realmente não é tão ruim como disse, vai me dizer onde ele está.

Por fim, Taehyung a encarou. Não importava que todos os seus sentidos e pressentimentos gritassem para que ele fosse firme ao negar o pedido de Bo Ra, ele sabia que, infelizmente, era o mínimo que devia a ela.

Suspirou. Talvez, se arrependeria de sua resposta em um futuro não muito distante, mas obrigou-se a admitir que não cabia a ele continuar tomando decisões sobre a vida de Bo Ra por ela.

Tinha mania de controle, mas vez ou outra reconhecia o significado da palavra limite.

— Eu posso levá-la até ele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Aguardo ansiosa as opiniões de vocês!
Voltarei o mais rápido que puder, dessa vez eu prometo real oficial.
Até ♥ ♥