Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 25
Como viajante e morador


Notas iniciais do capítulo

Apareci! Sim, feito a Fênix que ressurge das cinzas, aqui estou eu. Espero que gostem do capítulo, pois ele realmente me custou um baita esforço.

Boa leitura ♥



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 — Eu ainda estou esperando. — o Kim mais velho disse, mantendo a habitual dureza em sua voz e não demonstrando nenhum resquício de sentimento na mesma. — Você sabe como a minha paciência é frágil, por isso, não a teste.  

No mesmo instante no qual os olhos de pai e filho se encontraram, a tensão no ambiente tornou-se palpável o suficiente para sufocar a respiração de Taehyung — na verdade, para ele, ficar diante daquele homem era sempre sufocante. O peito do mais novo subia e descia rispidamente, ao passo que o pai seguia sem esboçar nenhuma reação.  

— O que vocês fazem aqui? — Taehyung indagou e, sem perceber, apertou com um pouco mais de força a mão de Bo Ra. 

Já a Kang, por sua vez, começava a silenciosa e infelizmente entender aquela situação — afinal de contas, não interpretar e compreender a reação brusca de Taehyung à presença dos pais era praticamente impossível para quem já o conhecia tão bem.  

— Foi exatamente o que eu lhe perguntei. — o pai respondeu e, apesar do fato de que aquela frase poderia ter sido dita ironicamente, o tom do mais velho não demonstrava sequer aquilo. 

— Eu disse que estava vindo visitar a minha irmã e nenhum de vocês dois foi contra. — foi a vez do mais novo verbalizar. — Então, o que os trouxe aqui sem nenhum aviso? 

— E quando eu comecei a precisar de avisos para fazer algo? Especialmente para vir até aqui, uma casa que é minha. — o Kim mais velho deu um par de passos para frente, aproximando-se do filho. — Você que deveria ter me avisado sobre isso.  

Taehyung sentiu o sangue ferver quando o pai apontou para Bo Ra com um balançar de cabeça rápido e um olhar de desdém no rosto. Com isso o Sr. Kim se referia à pessoa mais importante na vida de Taehyung e também ao seu relacionamento com a mesma, algo que o pai sequer merecia mencionar.  

O mais novo estava reunindo toda a rispidez que possuía dentro de si para responder o pai, quando teve o campo de visão invadido pela irmã. Parecendo irritada e cansada, Taeyuna se colocou no pouco espaço que separava pai e filho. 

— Já chega. — disse se impondo e, em seguida, virou-se para o pai. — Primeiro, essa casa não é sua. Nada aqui é seu. — fitou o irmão, dessa vez parecendo prestes a fazer uma súplica. — Segundo, por favor, não continue com isso aqui.  

De repente, Taehyung se deu conta sobre o que a irmã falava — e o efeito daquela percepção o atingiu com duas vezes mais força quando ele sentiu a mão de Bo Ra desvencilhar-se lentamente da sua. A Kang não o fitou de volta quando ele levou seus olhos na direção dela, o que deixou nítido o tamanho do erro que ele havia cometido. 

Havia mentido. 

Taehyung dissera que tudo estava resolvido. Ele nunca chegou a deixar claro qual havia sido a reação de seus pais ao descobrir sobre o namoro dos dois, mas deixara implícito que havia ao menos contado a eles. Bo Ra imaginava que o casal Kim não reagiria bem à notícia, mas não que eles sequer haviam sido notificados. Ela confiou que Taehyung tinha cuidado de tudo, mas, no fim das contas, o que ele tinha feito fora acobertar tudo. 

— Eu vou deixar vocês conversarem a sós. — ela disse com a voz embolada, ainda que a sua intenção fosse permanecer firme.  

Sem esperar por uma resposta, a Kang dirigiu-se até a escada do apartamento e subiu os degraus em silêncio. O que quer que estivesse prestes a acontecer — fosse uma conversa ou não — não pertencia ou desrespeitava a ela, então não havia motivos para permanecer ali, sufocando-se naquela tensão. 

Taehyung quis ir atrás dela, mas acabou segurado pelo pulso e impedido por Taeyuna. 

— Deixa que eu vou. — sussurrou para o irmão, parecendo compreensiva. — Você precisa resolver as coisas aqui primeiro se quiser ir atrás dela.  

Mesmo que contra seu gosto, ele admitiu para si mesmo que sua irmã estava certa e, por isso, concordou com ela com um breve aceno positivo de cabeça. A assistiu subindo às escadas pelas quais Bo Ra havia acabado de passar e, antes de virar-se para o pai com os olhos mais negros do que nunca, teve que se controlar para não jogar tudo para os ares e ir atrás da Kang ele mesmo. 

— Você não tinha o direito de ter feito isso. — o mais novo rangeu.  

Pela primeira vez naquela conversa, o Sr. Kim expressou uma reação diante do que o filho havia dito: riu. Uma risada curta, seca e irônica, um sinal de que estava espantado com a audácia do que ouvia. 

— Você já foi mais cuidadoso, Taehyung. Sabe como eu descobri sobre essa sua pequena aventura? — indagou. — Havia duas passagens de avião constando na fatura do seu cartão de crédito e, só com um par de telefonemas, eu descobri que a segunda pertencia à Kang Bo Ra. A neta da governanta. Eu tinha que ver isso com os meus próprios olhos. 

— Bem, você já viu. — o mais novo respondeu. — Já pode ir embora. 

Havia uma dezena de desculpas ou explicações que Taehyung poderia ter dito naquele momento, mas tudo o que ele queria era ver-se livre de seus pais o mais rápido possível e, com isso, poder consertar o que considerava o verdadeiro estrago. A verdade era que não dava a mínima se seus pais aprovavam ou não seu namoro, contato que Bo Ra estivesse ao seu lado sendo o apoio que ele precisava para enfrentá-los — ou para encarar qualquer outra coisa. 

Contudo, aquele não era o pensamento do Kim mais velho. 

— Sim, eu já vou. — o pai concordou, para o estranhamento de Taehyung. — Mas você vem comigo.  

A primeira reação do mais novo teria sido encarar aquilo como uma espécie de brincadeira, mas ele sabia que as únicas coisas que o alcance da personalidade robótica de seu pai permitia era falar sério e dar ordens, nada mais. 

— O que? — ele perguntou, sentindo-se tonto.  

O Sr. Kim respirou fundo. Atrás dele, a mãe de Taehyung soube o que estava por vir, mas não se permitia abrir a boca.  

— Eu confesso que, no começo, eu me irritei por você ter se aventurado com a neta de uma empregada e ainda por cima ter feito isso pelas minhas costas, mas não é como se eu quisesse que você me contasse coisas assim. Então tudo bem, eu entendo o que aconteceu, mas agora acabou. — o mais velho explicava com praticidade, o que deixava o filho ainda mais horrorizado. — Você vai voltar conosco para casa e a relacionar-se com pessoas de nível social coincidente com o nosso. Por isso, suba e arrume as suas malas, o nosso voo é daqui a três horas. 

Taehyung precisou piscar algumas vezes, se perguntando se o que estava acontecendo diante de seus olhos era real. Se era possível a existência de alguém como o seu pai. Sentiu um aperto no peito, como se seu coração estivesse se contorcendo e gradativamente diminuindo, em especial quando viu a mãe abaixar a cabeça e acatar silenciosamente as palavras do marido. 

Como era possível que aquilo fosse uma família? 

— Eu não vou a lugar nenhum. — afirmou, por fim. — Não se eu não quiser e definitivamente não sem a Bo Ra.  

O Sr. Kim arregalou uma sobrancelha. Mesmo que já esperasse aquela reação do filho, não imaginava que o mesmo tentaria resistir com tanta firmeza. 

— E o que faz você pensar que tem escolha? — indagou, dando mais um passo para frente.  

Agora, a distância entre pai e filho era pequena demais para abrigar o ego de um e a determinação do outro.  

— O mesmo que faz você acreditar que eu não tenho. — o mais novo rebateu, sentindo a chama negra do antigo Taehyung começar a queimar seu interior. Ele não queria, mas precisava dela naquele momento. — Qual chantagem você pretendia fazer dessa vez? Mesada? Cartão de crédito? Talvez ameaçar a me mandar para o exterior, não é mesmo?  

— Com quem você pensa que está falando? — seu pai agora já mostrava nítidos sinais de irritação e, por ter que demonstrar tal sentimento, o Sr. Kim mantinha um tom de voz grave e intimidador.  

O problema era que Taehyung já não dava mais a mínima para as ameaças movidas pelos interesses asquerosos do pai.  

— Eu estou falando com quem não tem o menor direito de fazer nenhuma dessas coisas. — retrucou. — Por quanto tempo mais você pretende ameaçar as pessoas com um dinheiro que não é seu

Taehyung sabia que aquela era a maior, se não a única, ferida que insistia em jamais cicatrizar dentro de toda aquela armadura que seu pai carregava. Como o filho, o Sr. Kim não era de demonstrar sentimentos nem nada do tipo, mas acabou dando um passo para trás ao ouvir aquilo. Taehyung havia descoberto aquela ferida há muitos anos, mas até então estava esperando o momento certo para cutucá-la com toda a força que pudesse. 

Aquele era o momento. 

— Já chega, Taehyung. — foi a vez da Sra. Kim finalmente se pronunciar, mesmo que ainda estivesse atrás do marido. Ela parecia apreensiva com a possibilidade do filho saber a verdade e, por isso, queria evitar que ele acabasse dizendo a mesma em voz alta. — Essa garota não pode valer tudo isso para você. Apenas volte conosco e...  

— Como você pode falar sobre valores, mãe? — Taehyung a interrompeu, fitando-a descrente. Em seus olhos começavam a surgir algumas lágrimas involuntárias e ele sentiu também seu estômago se revirar. Aquela ferida pertencia à toda família. — Logo você, que vendeu o próprio pai. 

A Sra. Kim deixou escapar uma exclamação surpresa e, em seguida, levou a mão até a boca.  

— Taehyung, por favor, não faça isso. — ela pediu, com a voz trêmula. 

Mas já era tarde demais. Taehyung vinha guardando aquela verdade repulsiva consigo há muito tempo e, ainda que a irmã também soubesse daquilo, ele não aguentava mais sentir como se carregasse aquele fardo sozinho.  

Não fingiria mais não saber as aberrações que seus pais realmente eram. 

— Eu não fiz nada, vocês fizeram. — ele iniciou, mesmo com a respiração descompassada. — Você fez, mãe, quando descobriu que o meu avô pretendia deixar toda a fortuna dele para a sua irmã, porque você não tinha a menor condição de comandar sequer parte do império da família Kim. Você fez, quando conheceu o meu pai e ele lhe prometeu que daria um jeito nessa situação, mas somente sob a condição de que você se casasse com ele.  

— Taehyung...  

— Vocês fizeram isso! — o mais novo exclamou, ignorando as súplicas da mãe. — Vocês forjaram tudo para interditar o meu avô e mandá-lo para uma clínica psiquiátrica. Foram vocês que roubaram tudo que era dele, não eu.  

Taehyung ainda se lembrava do dia que havia descoberto aquilo. Com algumas lágrimas já escorrendo pelas bochechas, ele se lembrou do dia em sua mãe negara ajuda à irmã e, consequentemente, ao pai de Bo Ra. O dia no qual ele resolvera ir atrás de Seokjin, o irmão da Kang, e descobrira a verdade sobre a origem da garota. 

— Você não ouse procurar a Bo Ra. — ele disse para Seokjin naquela época, ainda que fosse muito mais novo do que o rapaz e, tecnicamente, ainda um pré-adolescente. — Se você contar isso a ela, eu... 

— Quem você pensa que é, Taehyung— o mais velho retrucara, já cansado de ter que carregar todo aquele fardo em suas costas e de culpar-se por algo que seu pai fizera. Ele sentia que não deveria ter continuado, contudo, acabou o fazendo. — A história da sua família tem tantas manchas quanto a da minha. 

De primeiro, Taehyung recusou-se a acreditar no que Seokjin dizia. O asco que sentia na boca de seu estômago o impedia de aceitar o que seus pais haviam feito, mas não havia nada que o impedisse de encontrar a verdade. Taeyuna havia tentado fazer aquilo sem o irmão, pois temia sua reação quando eles começassem a revirar a lama que ela já esperava que existisse no passado dos pais, mas não conseguiu manter Taehyung longe da verdade.  

Ele sequer teve a chance de conhecer o avô. Quando os irmãos descobriram para qual clínica ele fora enviado, já era tarde demais — o homem já havia falecido há alguns anos. Tudo o que Taehyung pode conhecer fora o túmulo do ancestral, e ele ainda se recordava daquele dia como um dos piores de toda a sua vida.  

Por conta disso, o Kim havia se calado durante todos aqueles anos. Era como se tanto ele quanto a irmã não suportassem dizer a verdade em voz alta e, por isso, tivessem feito uma espécie de pacto do silêncio.  

Só agora Taehyung percebia o quão hediondo era aquele pacto. 

De repente, a Sra. Kim soluçou. 

— Quem foi que lhe disse essas coisas? — indagou, pesarosa. 

Ela estava nitidamente mais desesperada com o fato de que o filho sabia a verdade do que com o que havia feito com seu próprio pai no passado. Taehyung quis gritar com ela, mas já não tinha mais forças para aquilo. 

— Ninguém me disse nada. Eu vi. — ele respondeu, cansado. — Cada laudo forjado, cada prova, cada mentira... Eu encontrei tudo.  

O Sr. Kim limpou a garganta. Sua expressão já não era mais a mesma, ainda que a atual continuasse a não denunciar nenhum sentimento em específico além da calma de quem estava cuidadosamente analisando a situação.  

— E eu suponho que você tenha tudo isso guardado consigo. — concluiu o homem em voz alta.  

Taehyung quis sentir-se surpreso e horrorizado com a reação do pai, mas ele infelizmente já esperava pela mesma. Precisou de um par de segundos para se recompor e, fugando algumas vezes, ele endireitou a postura há pouco destruída. 

— Vocês vão estar naquele voo de volta para a Coréia daqui a três horas, enquanto eu só voltarei no dia que havia programado. — foi o que ele respondeu, fitando um ponto qualquer no espaço que havia entre os pais. Não conseguia fitá-los, muito menos admitir que o pai estava certo, então apenas deixou-se fazer entender. Não conseguia admitir que aquele era quem ele realmente era. — Quando eu voltar, esse assunto estará encerrado.  

Um silêncio único tomou conta do ambiente durante breves segundos. Taehyung sentia dificuldade em se manter de pé, pois nunca havia se sentido tão vazio quanto naquele momento, mas estava usando a pouca força que lhe restava para tentar impedir seu corpo de bambear.  

Foi quando, de repente, seu pai deu passos suficientes para alcançar o pé do ouvido do filho. Lado a lado, o Sr. Kim não era tão maior que o filho naquele momento.  

Na verdade, eles eram bem parecidos. 

— Eu estava errado. — sussurrou. — Você ainda é bastante cuidadoso, Taehyung. 

Taehyung não fitava o pai diretamente, mas sentiu quando a figura alta do mesmo passou rente ao seu ombro direito e, em seguida, deixou o apartamento de Taeyuna sem dizer mais nada. A Sra. Kim parecia perdida e demorou alguns segundos para tomar a decisão de seguir o marido, mas não sem antes parar diante do filho. Ela tentou alcançar o rosto do garoto com suas mãos macias e bem cuidadas, mas imediatamente entendeu o recado silencioso dele quando o mesmo desviou do toque da mãe. Parecia triste, mas também partiu sem dizer sequer uma palavra. 

De repente, Taehyung viu-se sozinho naquela sala que antes parecia tão confortável. Somente ele, um silêncio incomum para uma noite em Paris e mais nada. 

Nada. 

Desabou no chão, seus joelhos produzindo um barulho oco ao encontrarem o mesmo. Ele não tinha forças sequer para enxugar as lágrimas que surgiam desesperadamente em seus olhos e logo inundavam seu rosto. Não conseguia fazer nada além de deixar-se ser engolido por aquele silêncio. 

Um silêncio que gritava o quão podre e quebrada era toda aquela família, incluindo o próprio Kim Taehyung. 

 

*** 

 

Taehyung sequer pensara em cronometrar o tempo, mas já havia se passado quase um par de horas desde a partida de seus pais. Sua irmã havia descido as escadas em algum momento para vê-lo e se assustou ao encontrar o mais novo ainda sentado no chão, o qual parecia muito mais frio diante da imagem solitária do garoto. Sem dizer nada, ela gentilmente o ergueu pelo braço e o guiou até o sofá, onde ele se sentou sem nenhuma objeção. Em seguida, Taeyuna sentou-se ao lado dele e segurou ambas as suas mãos frias com firmeza. 

— Eu contei a eles. — foi a primeira coisa que o Kim mais novo disse depois de muito tempo e, por isso, sua voz saía cortada pela rouquidão. — Contei tudo.  

Taeyuna respirou fundo e, em seguida, balançou a cabeça positivamente. Não disse nada, mas seu silêncio deixava implícito que não era aquilo que lhe importava naquele momento.  

— Tudo isso aconteceu muito antes de você nascer, Taehyung. Você precisa parar de carregar uma cruz que não é sua. 

Ainda que Taeyuna lhe dissesse aquelas palavras fitando-o diretamente, o irmão não conseguia encará-la nos olhos; mantinha a cabeça reta, fitando algum ponto qualquer do carpete. 

— Não é tão simples assim. — ele praticamente sussurrou, sentindo o cansaço começar a lhe tomar a voz. 

— Pois deveria ser. — a mais velha rebateu. — Caso contrário, nem mesmo quem está tentando lhe ajudar a carregá-la vai aguentar o peso.  

Dito isso, Taeyuna direcionou seu olhar na direção das escadas, fazendo-se entender perfeitamente pelo irmão. A pessoa a quem ela se referia estava no segundo andar, mas Taehyung ainda não havia tomado coragem para procurá-la — na verdade, não se sentia no direito de fazê-lo. 

Pois ele não conseguiria ir até Bo Ra sem todo aquele peso e ela, por sua vez, com certeza tomaria um pouco para si apenas para aliviá-lo.  

Mesmo assim, depois de sua irmã lhe deixar novamente sozinho, o Kim utilizou da pouca força que lhe restava para colocar-se de pé e subir as escadas, ainda que a passos lentos e arrastados. Não queria fazer aquilo, mas ele precisava vê-la. O corredor do segundo andar estava escuro, porém, ele não precisava de nenhum feixe de luz para encontrar a porta do quarto dela. Tomou coragem e deu duas batidas tímidas na porta. 

Sem resposta. 

Talvez ela já estivesse dormindo, mas também poderia não querer vê-lo naquele momento e, por isso, escolhera ignorar as batidas. Taehyung repetiu o ato, porém continuou sem ouvir nada que indicasse qualquer movimentação do lado de dentro do quarto. Ele deveria ter ido embora e respeitado o espaço dela, como já havia se acostumado a fazer, mas seu corpo não se importava em lhe obedecer mais. Quando percebeu, Taehyung já estava girando a maçaneta da porta e adentrando o quarto escuro mesmo sem permissão.  

A pouca luz do luar que adentrava o cômodo revelava Bo Ra em sua cama, deitada imóvel de costas para a porta. O Kim caminhou silenciosamente até ela, seus olhos buscando algo capaz de romper aquele silêncio que feria seu peito com uma ansiedade e angústia inexplicáveis, mas nada encontrou.  

Então, viu-se sem mais nenhuma força capaz de mantê-lo de pé. 

Aos pés da cama da Kang, ele se sentou. De costas para ela, ele sentiu a parte traseira de seu tronco recostar-se no colchão alto e macio da cama. Esticou as pernas e fitou o breu do quarto. 

— Você se lembra daquele poema que nós estudamos há pouco tempo, na aula de literatura? — ele iniciou vagamente, sem ao menos ter certeza se ela o escutava o não. — O visitante, de Chong Hyon Jong.  

O silêncio permaneceu no quarto, enquanto Taehyung tentava se lembrar com o máximo de exatidão das palavras que ouvira naquele dia. 

— A chegada de uma pessoa é, de fato, um tremendo feito. Porque junto dela vem o seu passado, presente e o seu futuro. Porque a vida inteira dessa pessoa vem junto com ela. E, por ser tão frágil, o coração que vem com ela provavelmente já foi quebrado.  

Aquele era um dos poucos poemas que realmente havia captado a atenção de Taehyung, justamente por ser um dos mais verdadeiros que o garoto já ouvira. Ele recitava seus versos com calma e, em sua voz, havia a certeza de quem acreditava naquelas palavras. 

Respirou fundo. 

— Eu sinto muito por essa ser a vida que me acompanha. — ele disse, por fim, com a voz mareada. — Eu tentei trazer algo melhor comigo, mas isso é tudo que eu tenho a oferecer. Esse coração quebrado foi o que me restou. 

Chorar não era algo que fazia parte dos costumes do Kim, mas, mesmo que contra ao seu gosto, aquilo vinha acontecendo com certa frequência ultimamente. Ele enxugou a primeira lágrima com a manga de seu sobretudo, mas já não deu a mesma importância para a segunda. A pequena gota escorreu solitária pelo seu rosto e até tentou agarrar-se ao seu maxilar, mas acabou caindo e molhando algum ponto em sua camisa.  

— Por isso, eu entendo se você não quiser passar por isso. — continuou. Aquelas palavras lhe doíam e cortava sua garganta dizê-las, mas ele tinha que continuar. — Eu vou entender se a minha vida for muito para você carregar, Bo Ra. Se for necessário, eu posso ser como um visitante que chegou, mas já está de partida. 

Taehyung sabia o que estava oferecendo e, com isso, o risco que estava correndo. Poderia perder Bo Ra. Aquela possibilidade era aterrorizante e ele, até não muito antigamente, preferiria morrer a sugeri-la, mas agora era diferente. O Kim sabia o quanto o simples fato dele ser quem era poderia pesar sobre Bo Ra ao ponto de sufocá-la.  

Por isso, antes que ele a machucasse ou acabasse forçando-a a fugir, ele lhe daria a chance de se afastar livremente. 

 Um coração cujas camadas o vento com certeza conseguiria abraçar. Talvez, se o meu coração conseguisse imitar esse vento, poderia se tornar um lugar acolhedor para esse visitante. — para a surpresa de Taehyung, Bo Ra estava sentada na cama logo atrás dele e calmamente terminava o poema. — Você não recitou até o final, que é também a minha parte preferida do poema. 

A pouca luz que adentrava o quarto fora o suficiente para que Taehyung conseguisse ver a Kang se levantar para sentar-se de frente para ele. O Kim cruzou as pernas, abrindo espaço para que ela se sentasse bem próxima a ele, e assim Bo Ra o fez. As mãos dela eram macias e estavam quentes e, mesmo que não conseguissem envolver por completo as dele, já eram o suficiente para aquecê-las e confortá-las. 

— Quando eu precisei, você estava lá. Você recebeu a mim e a tudo que me acompanhava. — ela iniciou, fitando diretamente os olhos marejados dele. — Você me deixou ficar, Taehyung. Na verdade, me pediu para que eu ficasse. 

— Eu estava errado. — ele respondeu. — Não posso pedir para que você fique somente porque é o que eu preciso. 

— Kim Taehyung, você não é só um visitante. — Bo Ra afirmou, soltando as mãos do Kim para segurar seu rosto. Manteve a cabeça dele erguida, não deixando outra opção para ele além de olhá-la nos olhos. — Você tem em mim um abrigo, assim como eu o tenho em você. Não tenha medo de morar nele, do mesmo jeito que eu não tenho.  

Taehyung não conseguiu responder àquele pedido, apenas manteve-se em silêncio por alguns segundos. Por um momento, ele achou engraçado o fato de que não importava quantas vezes parasse para observar cada detalhe do rosto dela, pois sempre acabava descobrindo algo novo. Mesmo assim, mantinha aquela sua espécie de hábito, como se quisesse gravar todos aqueles detalhes fundo o suficiente em sua mente para jamais esquecê-los.  

E não se tratava só do rosto dela. 

Cada traço de sua personalidade, cada característica interna e externa... Taehyung tinha medo de esquecer até mesmo o menor dos detalhes.  

De não conseguir lembrar o caminho de volta para o seu único abrigo. 

— Se algum dia o peso for demais para carregar, me diga. — o Kim pediu, aproximando-se dela. — Por favor. 

Agora era ele quem a segurava pelo rosto, sempre mantendo a cautela de quem seria incapaz de machucá-lo. Bo Ra, por sua vez, sorriu; um gesto terno e singelo.  

— Eu amo você, Kim Taehyung. — foi o que ela respondeu, ainda sorrindo. 

Aquilo era o suficiente para sanar toda e qualquer dúvida que o Kim ainda tivesse. 

Taehyung se aproximou ainda mais, o bastante para esconder o rosto de medidas perfeitas e igualmente proporcionais ao cansaço exibido pelo mesmo na curva do pescoço dela. Segurou-a pela cintura e, sem que ela pudesse ver, exibiu um tímido sorriso. O sorriso quadrado que ela tanto adorava. Ela retribuiu o gesto, abraçando-o e acariciando seus cabelos cinzentos. 

— Eu amo você, Kang Bo Ra. — ele lhe disse de volta, ainda escondido por entre os cabelos dela feito uma criança assustada.  

Eles ficaram assim por mais algum tempo, imóveis e silenciosamente consolando um ao outro. De repente, quando a respiração de Taehyung já havia se regularizado e ele parecia mais descansado, Bo Ra gentilmente rompeu o abraço e voltou a fitá-lo.  

Acariciou o rosto dele com carinho.  

— Taehyung, tem algo que eu quero lhe pedir. — disse. 

O Kim franziu o cenho, mas sequer pensou em recusar o que quer que ela estivesse prestes a solicitar. 

— Diga. — ele se prontificou. 

Ela respirou fundo, reunindo coragem para dizer em voz alta algo que vinha rondando sua mente já há alguns dias. 

Não era fácil, mas ela sentia necessidade de fazê-lo. 

— Eu quero que você me leve até uma pessoa. 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Foi o nosso penúltimo capítulo, gente! :')

Até!