Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 21
Como queimar e ser queimado


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, eu quero agradecer o enorme carinho e a paciência de vocês que me esperaram durante todos esses dias. Eu peço desculpas pelo atraso, mas a vida realmente esteve uma loucura e eu sentia que não conseguiria escrever o capítulo que vocês merecem no meio daquilo tudo.
Mas agora creio que consegui. Pelo menos espero.

Boa leitura ♥



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— Eu já sabia que vocês dois ainda seriam um casal. — disse o Min, cruzando os braços sobre a barriga que só ele acreditava ter e com uma expressão de orgulho de si mesmo em seu rosto. Algumas manchas roxeadas ainda estavam presentes ali, mas não era como se Yoongi se importasse com aquilo ou com o que quer que as pessoas estivessem comentando sobre seus machucados repentinos.

Na verdade, a grande maioria dos alunos já havia se acostumado a vê-lo assim.

— Sem ofensas, hyung, mas... — iniciou Jungkook, sentado ao lado do mais velho. — Você está parecendo aqueles idosos que acreditam que já conhecem tudo sobre a vida.

O pequeno sorriso vitorioso de Yoongi logo se fechou ao ouvir a frase, ao passo que os outros três adolescentes sentados à mesa não conseguiram segurar as gargalhadas diante da observação um tanto inocente do mais novo.

— Eu não posso fazer nada se sou o mais experiente daqui. — disse, descruzando os braços com certa má vontade. Ajeitou-se em seu banco e, sem mais dizeres, deferiu um tapa na parte de trás do pescoço de Jungkook que, por sua vez, quase engasgou-se com a própria comida, pego de surpresa. — E isso foi para você aprender a me respeitar, garoto.

Aish, hyung, isso dói... — choramingou feito a criança que realmente aparentava ser, com seu corte de cabelo de franjas atualmente retas e o suéter de lã azul que fazia parte do uniforme, mas que quase ninguém em sã consciência usava.

O Jeon era, com toda certeza, uma peça à parte do mundo da moda, mas nem por isso algumas pessoas deixavam de vê-lo como um belo poço de fofura.

— Coitado do Jungkook-ssi. — foi a vez de Jimin se pronunciar, levando seus curtos dedos até o local estapeado no pescoço do Jeon e os depositando ali com carinho.

Então, Jimin lembrou-se de onde estava. Pigarreou e imediatamente puxou o braço de volta para perto do seu corpo, sentindo as bochechas esquentarem por conta do olhar atento de Yoongi sobre os dois.

Do outro lado da mesa, de frente para aquela cena, Bo Ra não conseguiu decidir se deveria rir da expressão comicamente envergonhada do melhor amigo e a ainda pior de Jungkook, ou se sentia-se mal por Jimin ter que se esconder daquele modo, não podendo sequer acariciar a pessoa da qual tanto gostava por causa de uma escolha própria. Ela sentia uma enorme necessidade de tentar ajudá-lo, mas também tinha consciência de que aquela era uma situação que apenas o Park poderia resolver, o que a colocava estacionada em uma zona de impasse um tanto incômoda; ainda que ela já se encontrasse lá há algum tempo, na verdade.

De repente, a mesa dos cinco adolescentes tornou-se silenciosa e eles passaram a terminar seus respectivos almoços envoltos apenas pelas vozes das dezenas de outros alunos que ocupavam as outras mesas do refeitório.

Mas aquele cenário durou somente até Bo Ra resolver quebrar o silêncio, o que não levou muito tempo.

— Nós cinco comendo juntos normalmente. — comentou vagamente, terminando sua tigela de arroz. — Eu realmente nunca imaginei que isso fosse possível.

De frente para a Kang, Yoongi deixou escapar uma de suas risadas tipicamente sarcásticas.

— Tudo culpa de vocês dois. — disse, apontando para ela e depois para Taehyung, que até então almoçava em silêncio ao lado de Bo Ra. — Vocês não conseguiam sequer ficar na mesma sala, quem diria na mesma mesa.

— Parte da culpa também é sua, hyung. — o Kim rebateu no mesmo instante, erguendo o olhar para fitar o mais velho. — Você também não é uma pessoa muito receptiva, ainda menos comunicativa.

Yah! — Yoongi o repreendeu, ainda que reconhecesse a fala de Taehyung como uma verdade mais do que cientificamente provada sem nenhum problema ou objeção.

O Min seguiu com seus resmungos, e quem via aquela cena de não muito longe jamais poderia afirmar que aqueles dois haviam tido um desentendimento delicado há apenas alguns dias.

Afinal, aquela era a relação deles, sem tirar e nem por.

Jimin fora o último a terminar sua refeição, pois era o que comia mais vagarosamente dos cinco. Impaciente de natureza, Yoongi não esperou o garoto sequer terminar sua caixinha de suco de melancia para se levantar, um aviso nítido de que ele já estava de saco cheio de ficar sentado naquele banco. Ele realmente não era muito receptivo, no fim das contas, e o seu jeito de se comunicar era um tanto peculiar. O Park acabou por ficar sem jeito e passou a tomar goles mais longos e rápidos, ao passo que os outros prendiam o riso diante daquela cena, perguntando-se o quanto mais aquela convivência pacífica poderia durar.

Mas a paz, na verdade, durou apenas mais uma fração de segundo. Bo Ra ainda tentava não rir do desespero do melhor amigo para praticamente engolir seu suco, quando sentiu algo leve acertar o topo de sua cabeça, vindo por trás dela e caindo ao lado da bandeja vermelha onde fora servido seu almoço. A bolinha de papel, aparentemente de folha de caderno, produziu um som quase imperceptível ao encontrar a mesa dura e resistente, mas era inusitada o bastante para atrair a atenção dos cinco.

— O que diabos é isso? — foi Yoongi quem pronunciou, olhando antipaticamente ao redor para tentar encontrar o dono da bolinha amassada.

Na verdade, o Min inusitadamente era o único que enxergava aquilo como um incidente, como se alguém estivesse marotamente atirando bolinhas em algum colega e uma delas tivesse apenas se perdido no caminho — até mesmo Jungkook, o mais novo e inocente, sabia que o tal pedaço de papel tinha um destinatário bem definido.

Alguém sentado naquela mesa.

— Povo mal educado. — Jimin resmungou como se compartilhasse do mesmo pensamento que Yoongi, já alcançando a tal bolinha para jogá-la fora no primeiro lugar que encontrasse.

Não sabia sobre o que aquilo se tratava, mas não lhe cheirava a boa coisa.

— Espera. — Bo Ra o parou, pegando o amassado de papel primeiro.

Ela sabia para quem aquilo era, assim como Taehyung já havia tirado suas próprias conclusões certeiras. Ele pensou em tentar impedir Bo Ra de ler o que quer que com certeza estaria escrito ali, mas sabia que não conseguiria fazê-lo — ninguém impedia Kang Bo Ra e sua determinação induzida pela curiosidade.

A garota tinha os olhos fixos no papel e o desamassou sem pressa, enquanto os outros quatro rapazes a fitavam em níveis diferentes de ansiedade. Ela respirou fundo, desejando firmemente que estivesse errada e apenas sendo negativista demais no que estava esperando.

O pequeno bilhete estava escrito num tom de preto um tanto que borrado, mas ainda era perfeitamente legível. A primeira coisa que Bo Ra notou, antes mesmo de ler as poucas frases que o mesmo continha, fora que não havia um remetente assinado no fim da folha.

Sentiu-se apreensiva.

Você realmente está tentando fisgar todos os quatro, Kang? Ou talvez mais, não é mesmo? Quanta mesquinharia sua! Se estiver tentando agarrar todos os meninos ricos e bonitos do colégio, deixará as outras meninas bem irritadas.

A Kang piscou algumas vezes, enquanto seu cérebro assimilava dizeres tão repentinos. Palavras maldosas escritas em um bilhete covardemente anônimo não deveriam afetar Bo Ra e realmente não o faziam, mas era impossível que as mesmas não trouxessem de volta algumas memórias que ela realmente preferia esquecer. Instantaneamente lembrou-se de quando era mais nova, na época que não sabia como se impor e se defender de ataques infantis como aquele, e do quanto sofrera por isso. Bilhetes assim eram diariamente comuns, contendo palavras ainda piores que não deixavam de fora sequer sua avó.

A órfã que morava de favor.

Um projeto de caridade.

A neta da empregada.

Um bolo ridiculamente incômodo formou-se em sua garganta, enquanto ela fitava o último ponto final da última frase. Não era como se quisesse chorar ou coisas do tipo, mas sentia-se repentinamente desconfortável diante de tantas lembranças nada bem-vindas, mas que pareciam estar virando realidade mais uma vez.

De repente, lembrou-se do porquê detestava tanto aquele colégio e, principalmente, as pessoas que nele estudavam.

Repentinamente, Bo Ra teve o papel amassado tomado de suas mãos, e ela só percebeu a força com a qual o segurava quando um pedaço do mesmo quase rasgou-se e ficou em seus dedos. Ergueu a cabeça, confusa, e deparou-se com um Yoongi de ombros relaxados. O mais velho tornou a fazer do papel uma bolinha, amassando-o bem, e logo depois o ergueu, fechando apenas um olho como se mirasse em algo com toda a sua concentração.

Sem dizer nada ou sem sequer um aviso prévio, Yoongi lançou a bolinha em uma lixeira consideravelmente distante da mesa, o suficiente para quem quer que estivesse em volta deles a enxergasse voando e acertando dentro do cesto preto com perfeição.

Yah, eu sou mesmo demais. Talvez eu devesse voltar para o time de basquete. — vangloriou-se. Em seguida, fitou os outros, que o encaravam surpresos o suficiente para não saberem como se expressar. — O que vocês ainda estão fazendo sentados? Pelos céus, eu não aguento mais esse lugar cheirando a hormônios, vamos embora!

Por um momento, Bo Ra não soube dizer se Yoongi só era extremamente sem noção quanto às suas falas e atitudes, ou se realmente estava fazendo aquilo por ela — ao contrário de Taehyung, que conhecia o mais velho bem o suficiente para saber que ele não era, de fato, a pedra de cimento sem coração que gostava de aparentar ser. O Kim sabia que o breve momento de inocência de Yoongi já havia terminado e, assim que o mais velho percebera sobre o que o tal pedaço de papel se tratava, ele resolveu que estava na hora de acabar com aquela palhaçada. Não era como se Bo Ra estivesse na curta lista de pessoas com as quais o Min realmente se importava, mas seu desprezo por atitudes infantis como aquela era muito maior e mais forte do que a sua neutralidade.

Durante uma breve troca de olhares, Taehyung o compreendeu e agradeceu em silêncio. Foi o primeiro a se levantar, ao passo que Bo Ra fora a última.

Estava ocupada demais refletindo, infelizmente.

Por que as pessoas não podiam simplesmente ignorar as vidas alheias às suas? Chegar feliz ao colégio de mãos dadas com alguém de quem ela gostava era realmente um crime tão grave? Apesar de tantos anos convivendo com pessoas como a que escrevera o bilhete, quem quer que a mesma fosse, a Kang ainda não conseguia se acostumar com tamanha inveja e maldade gratuita.

Era como se vê-la quieta e feliz machucasse o ego deles.

Sentiu vontade de correr de volta para a sua bolha de isolamento, retornando a ver todos com maus olhos novamente, como costumava fazer, ao mesmo tempo que sentiu-se extremamente estúpida por reagir assim diante de um mero bilhete. Era forte o suficiente para não se deixar abalar por conta de uma dúzia de palavras despeitadas, e assim o faria.

Ergueu a cabeça assim que adentrou o corredor, mas acabou trombando em Jimin no meio do processo. Aérea, ela não chegou a notar que Yoongi havia parado de caminhar repentinamente e, por isso, os outros haviam o feito também. Desculpou-se com Jimin e fitou o Min que, apesar de andar à frente de todos, agora parecia procurar algo atrás deles.

— Cadê o Taehyung? — ele indagou e só então os outros três jovens notaram que o Kim não os acompanhava. Entreolharam-se, confusos, enquanto Yoongi assumia uma expressão de quem tinha total certeza do que estava acontecendo. — Droga.

Diante da reação do mais velho, Bo Ra foi a próxima a entender o que se passava em sua mente, e consequentemente o que deveria estar se passando na de Taehyung. Sem dizer nada, ela deu meia volta e fez o caminho de volta para o refeitório — não se surpreendeu quando já não encontrou Taehyung por lá. O Kim conseguia ser tão rápido quanto seu próprio raciocínio, e Bo Ra sabia que só o encontraria se ele quisesse ser encontrado.

E era isso o que mais lhe preocupava.

 

***

 

Apesar de ser algo que fazia parte da cultura de seu povo, assim como também da de outras nações asiáticas, Lee Hee Shin detestava a ideia de ter que trocar seus sapatos todas a manhãs, ao chegar no colégio, por aqueles chinelos pretos cafonas. Era uma regra de todas as escolas que nenhum aluno poderia circular no interior de suas instalações sem ser com os sapatos acolchoados oferecidos logo na entrada, principalmente por questões higiênicas, mas Hee Sin imaginava que seu mundo seria muito melhor se ela pudesse bater seus longos saltos vermelhos pelos corredores do Kobe Suwon.

Perguntava-se a quantidade de pessoas das quais ela atrairia a atenção por conta daquele barulho oco.

Com certeza, mais do que naquele momento, mesmo que seus cabelos estivessem tingidos de um loiro platinado. Quase ninguém a notava caminhando pelos corredores do colégio em direção ao banheiro, onde poderia retocar sua maquiagem exatamente como gostava de fazer em todos os intervalos entre aulas possíveis. Contudo, naquele intervalo em específico, havia alguém prestando mais atenção nela do que a garota imaginava, e quando ela se deparou com a figura alta e imponente escorada na parede ao lado da porta do banheiro feminino, chegou a assustar-se.

Kim Taehyung tinha os braços cruzados sobre o peito, algo que raramente fazia, e encarava o corredor vazio sem nada em sua expressão que denunciasse algo sobre seus pensamentos. Não olhava na direção que Hee Shin vinha, mas virou-se para ela exatamente quando a garota pôs os olhos sobre ele.

— Lee Hee Shin. — pronunciou, se desencostando da parede e colocando-se de frente para ela com certa calma.

Hee Shin parou ao ouvir seu nome dito pelo Kim, com um sorriso consideravelmente grande em seu rosto.

— Sim, TaeTae. — ela disse prontamente, ajeitando uma mecha de seus longos cabelos loiros.

Taehyung respirou fundo antes de continuar, encarando a menina com sua expressão robótica de sempre; e, por já estar acostumada com a mesma, Hee Shin não se importou.

— Nós podemos conversar em algum lugar mais... — pausou, fingindo estar escolhendo a palavra ideal. — privado?

— Claro. — ela respondeu, ainda sorrindo.

Enquanto caminhavam pelos corredores cada vez mais vazios (era sempre assim no horário de almoço, quando os alunos queriam distância das salas de aula), Taehyung pegou-se por um momento comparando o sorriso daquela garota com o de Bo Ra. Tão diferentes, que talvez mais fosse impossível. O sorriso de sua Bo Ra, ainda que não aparecesse com tanta frequência, era pequeno e sincero, e ele achava engraçado o modo como a Kang ainda tentava escondê-lo dele quando ele conseguia fazê-la rir; diferente do de Hee Shin, sempre tão grande e forçado, como se ela estivesse com câimbras nas bochechas.

Os dois caminharam até encontrarem uma sala vazia, o que acabou por ser um auditório menor que fora propositalmente projetado para comportar apenas duas turmas por vez — afinal, algumas palestras não eram dadas a todas as turmas, devido às diferenças de idade e de matérias. Taehyung entrou primeiro e, logo atrás, Hee Shin estava tão animada que mal terminou de fechar a porta atrás de si.

Kim Taehyung raramente procurava por alguém, então ele realmente deveria estar precisando de algo que só ela poderia oferecer.

— Primeiramente. — o Kim iniciou, de pé de frente para Hee Shin. A diferença de altura entre os dois não era muito grande, por pouco não os nivelando. — Eu detesto que me chamem por apelidos, especialmente o de TaeTae.

Hee Shin arregalou os olhos, surpresa. Aquela conversa definitivamente não havia começado como ela esperava, mas, ainda assim, sentiu-se determinada em melhorar o seu rumo.

— Desculpe, eu...

— Segundo. — Taehyung a interrompeu. Tirou algo de dentro do bolso traseiro de sua calça e o estendeu na direção da Lee, que só então viu que se tratava de um papel amassado. — Você perdeu isso agora há pouco. Parecia muito importante, então eu quis devolver pessoalmente.

Hee Shin então entendeu sobre o que aquela conversa realmente se tratava, mas não deixou-se demonstrar isso em momento algum.

— Eu não sei o que é isso. — afirmou, apontando com a cabeça para a bolinha de papel na mão do Kim, desentendida. — Acho que você está se confundido.

— Eu não me confundo, acredite em mim. — ele rebateu. — Como presidente do grêmio estudantil, eu conheço a letra de todos os alunos. Essa é inconfundivelmente a sua.

Por fim, Hee Shin achou aquela situação inacreditável demais para seguir fingindo desentendimento. Riu sarcasticamente e ergueu sua postura, por um breve momento parecendo-se demais com o lado mais sombrio de Yoongi que Taehyung conhecia tão bem.

O que não chegou nem perto de intimidá-lo, como a Lee pretendia fazer.

— Você realmente está disposto a jogar tão baixo por causa daquela garota? — ela indagou descrente, pondo todo o desprezo que conseguia na entonação das últimas duas palavras.

O Kim riu diante da nítida confissão de culpa da garota. Ele sabia que não estava errado em voltar atrás por aquele bilhete e que não teria dificuldades em encontrar seu remetente. Um riso nasalado e frio escapou-lhe com o poder de rebaixar qualquer pessoa, o que incomodou Hee Shin.

— Eu não estou jogando nada, Lee Hee Shin. — respondeu num misto de tranquilidade e sombras que conseguiu assustá-la. — Apenas vim lhe devolver esse bilhete e lhe avisar que não pretendo fazê-lo novamente.

De repente, com o peito inflado, Taehyung parecia ainda maior do que o normal — mas Hee Shin fora mimada demais para se deixar ser diminuída por quem quer que fosse.

— E agora você está me ameaçando. — ela constatou, rindo. — O que pretende fazer comigo? Lembre-se de que eu sou uma garota, Taehyung. Você não pode sequer levantar um dedo na minha direção.

Exatamente. — o Kim concordou com firmeza, o que freou o sorriso debochado dela. — Eu jamais levantaria uma mão para uma mulher, mas essa é também uma das pouquíssimas coisas das quais eu não sou capaz de fazer com que me irrita.

Hee Shin sentiu-se como um soldado ferido na guerra, ainda que jamais fosse admitir isso nem mesmo para si própria. Fechou seu semblante, pronta para uma última frase que seria tão insignificante quanto as outras aos ouvidos do Kim.

— Uau, ela realmente lhe enfeitiçou. — disse, agora sem o sorriso com câimbras em seus lábios.

O Kim deu um passo à frente e curvou-se, aproximando-se dela, que instintivamente deu um passo para trás.

— Você não vai querer descobrir o quanto.

Ele havia prometido para si mesmo que tentaria mudar, deixando de ser daquele jeito. Taehyung sentia-se cada vez pior agindo exatamente como aqueles que tanto evitava e detestava e seu estômago se revirava durante cada ameaça descarada como aquelas, mas agir assim, seguindo seu puro instinto de sobrevivência, ainda era algo com raízes profundas demais no caráter dele. Ele ainda precisava daquilo, mesmo que não tivesse orgulho em admitir isso.

Quando viu a expressão perdida no rosto de Bo Ra, segurando aquele estúpido pedaço de papel como se fosse uma faca extremamente afiada, alguma coisa dentro dele simplesmente pegou fogo. Ele apenas sentiu a necessidade de evitar que algo daquele tipo voltasse a acontecer com ela e, por isso, deixou-se ser consumido pelas chamas.

Tentava apoiar-se nela para conseguir mudar, mas era também por ela que agora dava vários passos obscuros para trás.

De repente, viu-se sozinho. Não havia percebido Hee Shin deixar o auditório com passos irritados, mas não mais do que a sua própria expressão. Apesar do ódio que ele sabia que a garota estava sentindo naquele momento, ele também tinha certeza de que ela não voltaria a fazer nada contra Bo Ra e, consequentemente, acabaria influenciando os outros a não agirem também — por isso, sentiu como se finalmente fosse possível respirar fundo.

Voltou a sentir um profundo enjoo novamente. Sentir-se aliviado logo depois de agir como agira não era em nada agradável, muito pelo contrário: fazia com que ele tivesse ainda mais certeza de que ter feito aquilo tinha sido o certo.

Ele sentia como se estivesse voltando ao seu tempo de criança, quando ainda sofria para aprender a como sobreviver naquele maldito mundo.

— O que você está fazendo aqui?

A voz atrás de si o pegou de surpresa, ainda que ele já conhecesse sua dona muito bem e conseguisse reconhecê-la sem nenhuma dificuldade. Virou-se e se deparou com Bo Ra parada junto da porta do auditório e o encarando. Estava escrito no semblante dela que ela sabia o que tinha acontecido ali, ainda que desconhecesse os detalhes.

Ainda assim, não havia traços de desprezo ou repreensão em seu rosto e voz.

— Eu procurei por você em quase toda a escola, Kim. — ela disse.

Taehyung a encarou durante um par de segundos, em silêncio. Em seguida, permitiu que seus músculos ouvissem a enorme e repentina necessidade que ele sentiu de ir ao encontro dela e assim o fez. Envolveu-a em seus braços e agradeceu mentalmente quando ela não recuou, abraçando-o de volta com calma. Relaxou os ombros e a segurou com um pouco mais de força, como se ela estivesse ameaçando correr para longe dele a qualquer momento.

Queria deixar-se se consumido pelo tipo certo de fogo. Estar com ela não revirava seu estômago, pelo contrário: recarregava suas esperanças de que, apesar de sufocante, aquela jornada com o propósito de ser uma pessoa melhor não era tão impossível quanto parecia.

— Se nós realmente vamos fazer isso, precisamos respeitar o espaço um do outro. — ela iniciou ainda abraçada a ele, sem necessidade de explicar sobre o que estava falando. Taehyung a entendera no mesmo instante. — Posso estar sendo orgulhosa ou até mesmo ingrata, mas você sabe o quanto eu valorizo a minha independência, Taehyung. E se algum dia eu vier a precisar da sua ajuda, eu prometo que pedirei.

Ela não soava rude ou prepotente, pelo contrário: parecia realmente disposta a fazer aquilo dar certo. Bo Ra estava se esforçando para expressar seus sentimentos daquele modo, evitando a todo custo qualquer sinal de desentendimento entre os dois, mas sentia a necessidade de fazer-se clara. Não iria repreender Taehyung pelo o que ele provavelmente havia feito, ou o que ela imaginava que ele fizera, mas, mesmo assim, não queria que nada do tipo voltasse a acontecer.

— Desculpe. — ele finalmente se pronunciou, a voz rouca e embargada por alguma emoção forte que ele desconhecia o nome. — Eu não quis passar por cima de você, nem nada assim.

Bo Ra respirou fundo, exalando o delicioso perfume dele uma última vez antes de terminar o abraço. Fitou o Kim diretamente nos olhos, encontrando ali um misto de confusão e dor que ela sentia que ele se esforçava arduamente para enterrar.

Sentimentos que ela conhecia, mas que ele parecia estar experimentando pela primeira vez.

— Não precisa se desculpar. — ela disse, o mais compreensível que conseguiu. — Eu sei que você fez o que fez com uma boa intenção, ainda que distorcida, e eu, na verdade, sou grata por isso. Só estou lhe pedindo para não o fazer de novo.

De repente, Taehyung perguntou-se qual fora a última coisa grandiosamente bondosa que tinha feito para merecer ter Bo Ra ao seu lado. A Kang também tinha seus próprios defeitos, isso era uma verdade que ele conhecia e admitia, mas ela ainda assim parecia ser boa demais para ele.

Ele não se sentia humano o suficiente e aquilo lhe machucava.

— Ajude-me com isso. — ele pediu, sem a intenção de fazer a frase soar como o suplico que saíra de sua boca. — Por favor.

Vê-lo daquele jeito, tão vulnerável, provocava em Bo Ra ambas as sensações de tristeza e esperança. Doía-lhe perceber o quão perdido ele parecia, mas também lhe parecia algo bom que ele estivesse disposto a mudar para melhor — afinal, ela jamais o pressionaria para mudar por ela, mas estava feliz que ele tivesse tomado aquela iniciativa. Foi inevitável não ver um pouco dela mesma naquela versão dele, quando ela descobrira a verdade sobre seu pai e sentira como se o mundo estivesse desmoronando sob seus pés. Claro que aquelas eram situações bem diferentes, mas a necessidade de encontrar uma boia salva-vidas em plena tempestade em auto mar era a mesma.

Um farol, algum tipo de guia ou porto seguro.

— Você não precisa pedir isso. — ela respondeu, por fim. — Eu o farei.

Assim, Taehyung permitiu-se relaxar mais uma vez e até mesmo exibir um pequeno sorriso para ela, em agradecimento. Segurou-a em seus braços mais uma vez, depositando um beijo terno no topo de sua cabeça exatamente como já havia tomado gosto por fazer, o que na verdade não fora muito difícil para nenhum dos dois.

O enjoo havia passado, e ele sentia que o restante também iria, custasse o quando fosse.

Com Bo Ra ao seu lado, ele conseguiria apagar aquele fogo negro que insistia em queimar dentro de si, consumindo-o junto da brasa que o alimentava.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Me contem!
Mais uma vez, peço desculpas pela demora.

Até ♥