Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 17
Como dúvida e decisão


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos! Mais uma vez, obrigada pela espera paciente e por serem leitores maravilhosos que me dão um feedback maravilhoso ♥

Boa leitura.



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Quanto tempo dura uma vida?

Bo Ra recordava-se daquela pergunta feita pelo seu professor de Filosofia logo na primeira aula que tivera com o mesmo, há quase três anos, por conta da forma inusitada com que ela fora feita antes mesmo do homem dar um bom dia à turma. A reação imediata dos seus colegas de classe fora questionar o professor, atualmente já no auge dos seus cabelos grisalhos, em sobre qual vida ele falava. E, então, a resposta veio praticamente no mesmo instante:

"Não interessa se estou falando sobre um réptil em específico ou sobre a expectativa de vida humana, porque não me refiro a idades biológicas. A vida, na verdade, dura o tempo entre uma dúvida e uma decisão. Aquele instante no qual o coração acelera e a respiração pesa; aquilo é a vida."

 As reações que se seguiram após aquela afirmação foram as mais diversas possíveis, porém todas possuíam a mesma essência tediosa. Filosofia era considerada uma matéria de difícil entendimento e, quando a turma se deparou com um professor extremamente capaz de entendê-la e disposto a explicá-la, um sentimento geral de negação tomou conta dos alunos.

Mas não de todos.

Quando o homem respondera à sua própria pergunta, Bo Ra sentiu-se incomodada e até mesmo desafiada. Era como se entender o que ele dizia fosse simplesmente possível, mas também como se ela ainda não tivesse experiência o suficiente para fazê-lo — como ir a um show de uma banda que ela nunca ouvira falar e acabar gostando das músicas, mas não saber cantá-las em meio a euforia. Por isso, naquela mesma aula, Bo Ra prometera para si mesma que continuaria relembrando aquela frase até que a mesma fizesse sentido.

E, depois de quase três anos, o dia havia chegado. Naquele momento, fitando os olhos intensos e inquietos de Taehyung, ela encontrou-se no exato instante entre uma dúvida e uma decisão. Viu-se viva, apesar da sensação não ser tão boa quanto esperava. O olhar de Taehyung queimava sobre a Kang, como se ele implorasse silenciosamente para que ela lhe demonstrasse alguma reação ou, no mínimo, lesse o que ele tinha escrito sobre ela naquelas folhas. Ela pigarreou, a postura rígida e defensiva, e apertou ainda mais os papéis contra suas mãos. A dúvida quanto aos seus sentimentos e pensamentos em relação ao Kim lhe impedia de tomar a simples decisão de saber, finalmente, o que se passava na cabeça dele.

Se o professor de Filosofia lhe fizesse aquela mesma pergunta novamente, ela teria uma resposta preparada na ponta da língua: uma vida dura o mesmo tempo que uma hesitação.

— Não vai ler?

Taehyung estava ansioso e não fazia questão de esconder isso, nem mesmo em sua voz, ainda que não quisesse pressioná-la. Estava longe de sentir-se no direito de cobrar qualquer coisa da Kang, até porque sabia que poderia afastá-la caso o fizesse, mas não conseguia evitar querer captar mais do que um olhar oscilante no rosto dela.

Ela, que sempre fora tão direta e cheia de convicções, vacilava descaradamente e sem nenhum orgulho disso.

Por fim, Bo Ra irritou-se consigo mesma. Por que tanta indecisão para ler alguns malditos papéis? O que quer que estivesse escrito naquelas folhas, era a verdade a qual ela tanto prezava e defendia, então estava agindo feito uma criança assustada em não querer lê-las.

— Vou. — respondeu, endireitando-se na cadeira.

A capa do trabalho era simples e não havia nada para ser lido nela além do tema, o nome do professor e o de Taehyung em letras grandes e pretas. Ela passou a folha, chegando diretamente ao conteúdo que interessava. Pelo colégio exigir uma formatação padrão para todos os trabalhos entregues pelos alunos, Bo Ra, por um instante, teve a impressão de estar lendo suas próprias palavras — tudo parecia visivelmente familiar.

Exceto pelos tópicos escolhidos por Taehyung.

Ela tinha os olhos no primeiro deles, quando um barulho alto e contínuo roubou-lhe toda a atenção, assim como a dos outros alunos.

— Isso é o alarme de incêndio? —um garoto alto indagou confuso, no fundo da sala.

Todos se entreolhavam, a grande maioria perguntando-se o porquê de uma simulação de incêndio sem aviso prévio ou data marcada, até uma garota de longos cabelos negros erguer-se no meio da sala. Ela parecia surpresa e, quando ergueu a mão pequena e apontou na direção das enormes janelas de vidro da sala, todos seguiram seu indicador.

— Não é uma simulação! — a mesma aluna exclamou.

E ela estava certa.

A praça de alimentação separava o prédio do ensino médio, onde estavam os alunos e o professor Do, de um outro prédio, no qual no térreo ficava a administração do colégio, no primeiro andar guardavam-se os materiais esportivos e, no segundo, havia um enorme laboratório de química — e era desse último que saíam chamas vermelhas e alaranjadas, cobertas por uma fumaça negra densa e aparentemente sufocante.

De repente, todos na sala de aula estavam de pé e afastavam-se o máximo possível dos vidros das janelas. Mesmo que o lugar em chamas estivesse consideravelmente distante das outras salas de aula, o andar de onde saía o fogo era o mesmo do das salas de terceiro ano do outro prédio, o que dava a impressão de que ambos estavam assustadoramente próximos.

— Acalmem-se, gente! — o professor Do pedia, tendo que dobrar seu tom de voz para conseguir ser ouvido em meio ao constante ressoar do alarme de incêndio. — Vocês só precisam seguir os procedimentos que aprenderam e tudo ficará bem.

O homem apressou-se na direção da porta e exclamou para que os alunos deixassem suas coisas onde estavam e formassem o mais próximo que conseguissem de uma fila. Já havia alunos de outras salas pelos corredores e, mesmo que cada turma estivesse sendo guiada pelo seu próprio professor e não houvesse um real motivo para pânico naquele prédio, as coisas ficariam confusas quando mais aquela turma se juntasse ao amontoado de alunos.

Quando o professor Do abriu a porta da sala, em meio a confusão de corpos assustados e apressados, Bo Ra sentiu uma mão segurar firmemente a sua. Pega de surpresa, só então ela reparou na silhueta alta de Taehyung colocando-se na frente da sua. Estava tão impressionada por nunca ter visto um incêndio tão de perto, que não chegou a reparar que o Kim estivera instintivamente usando seu próprio corpo para defender o dela há algum tempo.

— Não solte a minha mão. — ele disse sério, olhando-a por cima do ombro.

Tudo acontecia rápido demais e, no calor do momento, Bo Ra não cogitou sequer respondê-lo. Era inevitável que alguns alunos mais afobados acabassem por empurrar os outros e, sempre que aquilo acontecia com Bo Ra, ela sentia-se sendo puxada de volta para a fila e para cada vez mais perto de Taehyung; justamente pela mão grande e muito bem fechada em volta da dela do rapaz. Os professores guiaram os alunos pelas escadas e, logo, todos já estavam reunidos no gramado da frente do Kobe Suwon sãos e salvos.

Ou aparentemente todos.

Por já estarem longe do foco do incêndio e devidamente seguros, tudo que os alunos conseguiam ver era a fumaça negra que surgia por trás do prédio onde eles mesmos estavam há pouco e cada vez mais adolescentes juntando-se a eles, esvaziando por completo as salas de aula. E foi exatamente naquele momento, no qual poderia sentir-se tranquila, que Bo Ra passou a correr os olhos por entre os alunos, nervosa à procura das madeixas loiras e bem penteadas que conhecia mais do que bem.

E, quando não conseguiu encontrá-las, seu coração começou a acelerar num ritmo desgovernado.

— Jiminie?! — ela exclamou por entre os alunos, mas não obteve resposta. — Jimin?! Park Jimin!

De repente, Bo Ra sentiu alguém tocar sua mão livre (pois Taehyung ainda não havia soltado a outra) e virou-se ansiosa para fitar quem ela esperava que fosse Jimin. Estava pronta para beliscá-lo por tê-la feito passar por aquela aflição, contudo, quando deparou-se com a mesma menina de sua turma que havia apontado para o incêndio, sentiu o ápice da frustração e uma pontada bônus de preocupação.

— Eu ouvi o Jimin dizendo ao professor Do que iria para a enfermaria.

Foi a única coisa que a garota disse, porém fora o suficiente para acender um alerta refletivo na cabeça de Bo Ra.

A enfermaria, no andar logo acima do laboratório de química.

— E ele não voltou? — a Kang indagou, nervosa.

A garota respondeu com um aceno negativo de cabeça e, a partir daquele momento, o lado racional de Bo Ra começou a falhar. Sem entender como, ela não pensou duas vezes em se desvencilhar do aperto que Taehyung exercia em sua mão o mais rapidamente que conseguia e começar a percorrer o caminho oposto ao dos demais alunos, indo de volta para o prédio de onde acabara de vir. Já sozinha no corredor térreo e com seus sentidos embolados uns nos outros, Bo Ra passou a correr.

Não conseguia sequer imaginar onde Jimin estava, ou queria, mas tinha que procurar.

De repente encontrou-se na praça de alimentação do colégio e, encarando ainda de longe o incêndio que já se alastrava por todo o segundo andar, viu diversos alunos usando jalecos brancos vindo ao seu encontro. Os alunos que deveriam estar no laboratório quando o fogo começou, pensou automaticamente. Passou a procurar por entre eles, vez ou outra esbarrando em alguém e perguntando sobre Jimin com um tom de voz engasgado, não obtendo nenhuma resposta útil em meio a lágrimas e sentenças apavoradas dos alunos.

O barulho de vidros se quebrando e explodindo vindo do laboratório dava àquela cena um ar ainda mais assustador, assim como a voz estrangulada da diretora do colégio tentando guiar os alunos até o gramado onde estavam os demais. Bo Ra já estava prestes a desistir daquela multidão e seguir o rumo das escadas do prédio em chamas, quando ouviu a voz mais doce que conhecia.

— Espaguete?

Aquela voz era inconfundível aos ouvidos de Bo Ra, assim como o apelido que seu dono havia lhe dado. A poucos metros a frente dela, Jimin a encarava com um misto de confusão e alívio em seus pequenos olhos. Ele parecia fisicamente bem e, apesar de ter seu cabelo e uniforme cobertos de fuligem, vinha caminhando sem apoio logo atrás do último estudante de jaleco.

Bo Ra sentiu como se finalmente pudesse respirar de novo e, sem dizer nada, lançou-se nos braços do amigo num abraço aliviado assim que alcançaram um ao outro. Jimin retribuiu a ação também com um silêncio significativo, apertando a Kang contra si durante alguns segundos.

— Você está bem? — eles perguntaram ao mesmo tempo, separando-se. Ambos concordaram com um aceno positivo de cabeça e, quando viu-se tranquila, Bo Ra acertou o braço do amigo com um breve tapa repreensivo.

Nunca mais me dê um susto desses, Park Jimin; era o significado implícito naquela ação.

— Vamos sair logo daqui.

As sirenes chamaram a atenção dos dois e, enquanto seguiam os outros alunos de volta para o gramado do colégio, passaram por bombeiros apressados que iam na direção do foco do incêndio. O corredor do prédio do ensino médio havia se transformado numa rota caótica de grossas mangueiras e homens uniformizados, que corriam e exclamavam para que os alunos que ainda restavam ali se adiantassem em se juntar aos outros — e, no final do mesmo, um deles precisava ser segurado por dois dos diversos bombeiros que haviam ocupado o colégio.

Taehyung tentava se soltar de todas as maneiras possíveis, mas os homens se esforçavam para impedi-lo de correr na direção da área que haviam acabado de isolar. Bo Ra escorava Jimin, que tossia bastante por conta da fumaça, e, quando os dois se aproximaram de onde estava o Kim, ela se assustou ao notar o estado dele. Era como se alguém tivesse desligado toda a civilização que ele conhecia e, no lugar, ligado seu estado mais selvagem. Certificou-se de que Jimin poderia caminhar sozinho e então o soltou, seguindo na frente na direção de Taehyung.

— Saiam da frente! Eu preciso passar! — era o que ele rugia, entre outras coisas. — Vocês têm que fazer alguma coisa!

— Taehyung?

O garoto havia ficado tão cego quando sentiu Bo Ra soltar-se dele e, depois, a perdeu de vista quando ela sumiu pelo corredor térreo, que sequer havia notado que ela estava de volta. Parou de lutar contra os dois homens e a fitou, o rosto vermelho e o uniforme completamente bagunçado, enquanto ela caminhava impressionada na direção dele.

Era ela o motivo dele estar daquele jeito?

Ele não precisava responder, pelo menos não com palavras. Num piscar de olhos, driblou os dois bombeiros e correu os poucos passos que ainda separavam os dois, em seguida envolvendo-a no abraço mais desesperado que já havia dado em alguém. Desejou ter todos os braços do mundo naquele momento, apenas para nunca mais falhar em protegê-la. Uma mão sua estava nas costas da Kang e a outra apoiava a parte de trás da cabeça dela, enquanto ela, surpresa demais, não soube o que fazer com as suas a não ser deixá-las pendendo no ar, próximas a ele mas sem encostá-lo.

Taehyung respirou fundo algumas vezes, acalmando-se. Depois de um bom tempo, afastou-se de Bo Ra e segurou em seus braços para analisá-la com cuidado.

— Você está bem? — ele indagou, um resquício de preocupação nitidamente presente em sua voz.

— Sim. — ela respondeu num murmúrio, fitando o rosto dele como se quisesse gravá-lo em sua mente feito um quadro.

Bo Ra conhecia aquele olhar e sabia muito bem o que significava: nunca mais me dê um susto desses, Kang Bo Ra. Quando Jimin finalmente alcançou os dois, acompanhado de um bombeiro, Taehyung a soltou ainda que contra sua vontade.

— Vamos sair logo daqui.

O Kim foi na frente e Bo Ra fitou suas costas por um momento antes de realmente segui-lo, ao lado de Jimin. Em meio a todo aquele caos, preocupações e alívios, lembrou-se da frase do seu professor de Filosofia.

O tempo entre uma dúvida e uma decisão.  

Mas, depois de ver Taehyung daquele jeito, a pergunta que realmente lhe restava era: por que ainda tinha uma maldita dúvida?

 

***

 

Taehyung respirou fundo antes de erguer o indicador para tocar a campainha diante de si. Não é como se não estivesse decidido ou lhe faltasse coragem, mas, ainda assim, sentiu a necessidade de inspirar um pouco de ar puro antes de se sufocar de vez. A bela e imponente porta branca não tardou a ser aberta e, detrás dela, uma mulher por volta dos quarenta anos surgiu sem um sorriso no rosto.

Antes que qualquer um dos dois pudesse dizer alguma coisa, uma voz feminina veio exclamando autoritária do interior da mansão.

— Quem é, Sun Young?

Por trás da empregada, Yoon Hee apareceu sem muita boa vontade em sua expressão. Ela ainda usava o uniforme do Kobe Suwon, assim como ele, e quando deparou-se com Taehyung exibiu um sorriso sarcástico de quem já o esperava.

— Pode ir, Sun Young. Eu cuido disso. — a garota disse e a mulher não tardou a desaparecer, sempre fitando o chão. Yoon Hee deu alguns passos para frente, colocando-se de frente para o Kim. — Vocês dois são estranhos, sabia?

Taehyung não entendeu a fala da mais nova mas, sendo sincero, não chegou a se esforçar para fazê-lo.

Não era por ela que ele estava ali, na porta da mansão dos Min.

— Seu irmão está?

— Sim. Ele não tinha muitos lugares para ir, depois dos socos que levou ontem. — ela respondeu, sem precisar mencionar que Yoongi sequer havia saído para ir ao colégio naquele dia. De repente, voltou a rir. — Ele disse que você viria.

De repente, o Kim se surpreendeu. Sua relação com Yoongi era de fato estranha e sinuosa, contudo, ele não imaginava que o mais velho estivesse esperando por ele — até porque, até aquela manhã, nem mesmo Taehyung planejava procurá-lo.

Mas algo fora maior e mais forte do que o Kim, e talvez fosse por isso que Yoongi já esperasse. Depois que os bombeiros conseguiram controlar o incêndio no laboratório de química e a diretora se certificou de que ninguém, felizmente, havia se ferido, ela fez questão de que os alunos afetados pela fumaça fossem levados para o hospital e, os demais, liberados para voltarem para casa — as secretárias telefonaram para os pais e as aulas foram suspensas por dois dias. Taehyung fez questão de levar Bo Ra até em casa e, durante o caminho silencioso, ele tomou aquela decisão. Percebeu que a Kang estranhou quando ele não desembarcou do carro, mas Taehyung lhe disse que precisava resolver algo e, por fim, pediu que ela descansasse.

E assim seguiu para a casa de Yoongi, sem saber ao certo o porquê. Talvez o Min soubesse lhe dizer, já que, aparentemente, conhecia Taehyung melhor do que o garoto imaginava.

A mansão estava silenciosa, assim como a dos Kim costumava ser. Yoon Hee permitiu que Taehyung entrasse e, assim como da última vez que se viram, ela indicou que o irmão estava na área dos fundos. Ele seguiu sozinho e, assim que correu a única porta que ainda o separava de Yoongi, deparou-se com o mais velho descansando sobre uma espreguiçadeira de beira de piscina, na sombra. Mesmo que a casa não tivesse de fato uma piscina, a família ainda mantinha três daquela cadeira. Talvez fosse uma espécie de lembrança amarga do ano em que Yoongi, ainda criança, quase morrera afogado ao cair na piscina quando não sabia nadar, mas Taehyung nunca havia se atrevido a perguntar.

Na verdade, ele achava suficiente o fato do Min ter lhe contado sobre seu afogamento, numa noite quente do verão retrasado. Yoongi nunca contava a própria história.

— Você veio. — foi a primeira coisa que Yoongi disse, a voz neutra e rouca por ter ficado muito tempo calado. Fitava Taehyung de escanteio, sem desviar a cabeça do horizonte. — Sente-se.

Por um momento, o mais novo permaneceu de pé e apenas analisou Yoongi. O garoto usava uma calça de moletom preta e uma camisa da mesma cor, estava descalço e segurava com tranquilidade uma lata de refrigerante. Os olhos pequenos que fitavam o pouco Sol que havia naquele dia já estavam desinchados, contudo, ainda havia uma mancha roxa ao redor de um deles; assim como alguns cortes nos lábios finos do garoto.

— Você está chocado que eu pareço melhor do que você esperava, eu sei. — o mais velho disse com seu habitual sarcasmo. — Senta aí.

Taehyung estranhou a tranquilidade com que Yoongi falava, ainda que já estivesse acostumado com a mesma. Os humores de Yoongi eram os mais variados e inesperados possíveis, mas Taehyung já havia se habituado o suficiente a essa característica peculiar do outro. Sentou-se na espreguiçadeira ao lado do Min, mas manteve-se ereto e não recostou.

— Você soube do incêndio no laboratório do colégio? — Taehyung iniciou, como se aquele fosse o melhor jeito de iniciar a conversa que os dois precisavam ter.

Yoongi, por sua vez, riu.

— Claro. — respondeu. — Ainda não acredito que eu não estava lá para ver isso.

Humor peculiar. Taehyung não se incomodou com a fala do mais velho e fitou o extenso gramado, assim como Yoongi fazia. Permaneceu em silêncio, pensando nas muitas coisas que poderia e deveria dizer, assim como na dificuldade que ele ainda tinha de fazer aquilo.

Conversar. Chegava a ser ridículo o modo como ele era incapaz de fazer algo tão banal e simples.

— Eu não sei o que vim fazer aqui. — admitiu, por fim, e deixou os ombros caírem. — Como se eu fosse capaz de compensar pela presença vazia que sempre fui.

— Eu nunca pedi para você compensar nada. — Yoongi emendou. — Eu nunca lhe pedi nada, Taehyung, e esse é o problema. — pausou e, finalmente, fitou o mais novo. — Você não sabe como lidar com gente que não quer ou espera nada de você.

Retribuindo o olhar do mais velho e refletindo sobre aquilo, Taehyung se lembrou da frase que o mesmo havia lhe dito antes e que lhe fizera perder a linha de vez.

— Mas esse não é o tipo de gente que eu consigo atrair.

De repente, Yoongi não conseguiu conter uma risada nasalada e amarga, descrente consigo mesmo.

— Eu sou um babaca, Kim. — disse, deixando o outro confuso. — Eu tenho o costume de falar a verdade, isso é certo, mas nem tudo que sai da minha boca é uma verdade universal. Muito menos quando eu estou bêbado e com raiva.

— Não é como se você tivesse mentido.

— Nem como se estivesse certo. — Yoongi ajeitou-se na espreguiçadeira, voltando a encarar o horizonte. — Você sabe por que eu lhe mantenho por perto?

Aquela era uma pergunta que Taehyung nunca havia pensado em fazer. Tinha seus motivos e convicções para ser próximo de Yoongi, mas, ao parar para pensar sobre isso, não conseguiu entender os do Min ou sequer imaginar algum.

— Você é singular. — Yoongi respondeu, ignorando o fato de que Taehyung não havia o feito. — É raro encontrar alguém capaz de observar sem ser observado como você faz. Você nunca notou que ninguém sabe quem você realmente é, mesmo que você conheça por ordem alfabética os defeitos e qualidades de todo mundo? — deu um gole no seu refrigerante, chegando na metade da lata. — Eu acho interessante o jeito como você lida com isso.

— Então o seu motivo é por que eu sou um bom observador? — Taehyung indagou, irônico.

— Não. É porque você não sabe o que fazer com toda essa observação. — o Min afirmou. — No fim das contas, não é que você só consiga atrair a corja da sociedade, mas é isso que você escolhe por fazer parte da sua zona de conforto.  

Na verdade, era novo e estranho para Taehyung ouvir aquele tipo de filosofia vindo de Yoongi (ou qualquer outra), mas não era como se ele não tivesse razão. O Kim não convivia com as pessoas que atraía, mas sim com as que escolhia manter por perto por puro costume. Havia aprendido a lidar com falhas de caráter como falsidade e soberba e, quando encontrava alguém que não as possuía, simplesmente não sabia como manter a convivência com aquela pessoa. Escolhera o pior do ser humano e, depois de tanto tempo enxergando apenas aquilo, havia se tornado cego para com o resto.

— Eu não pretendo lhe pedir desculpas. Não faço esse tipo de coisa. — Yoongi disse, depois de uma breve pausa. — E também não sou do tipo que passa a borracha nas coisas, você sabe.

— Você é rancoroso. — Taehyung o interrompeu, recebendo em troca um olhar torto e uma sobrancelha erguida. — Cada um com suas características.

— Exatamente. — o outro concordou. — Portanto, se você não estiver satisfeito com isso, pode sair pela porta da frente e a gente passa a fingir que nunca se conheceu. — pausou, dando meio segundo para o mais novo pensar. — Mas, se o meu rancor e o meu interesse peculiar forem o suficiente, pegue um refrigerante na geladeira e fique à vontade.

Taehyung fitou o mais velho e, em seguida, lembrou-se de algo importante: aquela era a relação deles. Contrastando com todas as complicações que o próprio Kim criava em sua vida, Yoongi era um ser humano extremamente simples e que não hesitava em tomar decisões de proporcional simplicidade. Ele sabia que, caso fosse embora (de vez), o Min poderia até sentir falta da sua presença ou algo do tipo, mas não teria dificuldade em se adaptar a uma vida sem Taehyung. No quesito adaptável, Yoongi tinha uma maior afinidade com mudanças e costumava simplesmente dar de ombros diante das mesmas.

Por isso, Taehyung se levantou. A diferença de altura entre ele de pé e Yoongi deitado era tremenda, mas nada que ele já não tivesse reparado antes. Sem cerimônia ou despedidas, deu as costas para Yoongi e voltou a correr a porta da varanda. O Min, por sua vez, observou de escanteio os movimentos do mais novo, especialmente quando ele fechou a porta atrás de si e deixou o mais velho para trás, sozinho como estivera durante toda a manhã para apreciar o céu, agora, nublado.

Ele havia ido embora. Apesar de ter lhe dado essa opção, Yoongi sinceramente não esperava que Taehyung fosse escolhê-la. Talvez, ele tivesse sido prepotente demais ao julgar que conhecia o Kim, agindo como se fosse diferente das outras pessoas que não conseguiam sequer distinguir a sombra de Taehyung.

E, então, a porta foi aberta novamente. Taehyung tinha afrouxado o nó da gravata do uniforme e trazia consigo uma lata de refrigerante em mãos, mais especificamente do sabor que Yoongi mais detestava. Em silêncio, abriu a mesma enquanto sentava-se na espreguiçadeira e, ao se recostar, tomou o primeiro gole. Yoongi riu diante da audácia do mais novo e do projeto de sorriso travesso que ele exibia no canto dos lábios.

Aquele idiota não havia ido embora.

— Eu fiquei pelo seu interesse peculiar. — o Kim admitiu, tomando mais um gole de refrigerante. — Não é todo dia que eu encontro alguém que me escolhe por conta da minha incapacidade de lidar com pessoas normais.

E, assim, nada mais foi dito. Não era como se os dois tivessem resolvido os próprios problemas ou, ainda, as desavenças que ainda existiam e continuariam existindo entre ambos, mas também não se privariam da presença um do outro. Não eram grandes amigos, assim como não se consideravam apenas conhecidos. Juntos, habitavam alguma área neutra e incomum entre os rótulos dados às amizade normais, e não viam problema nenhum nisso.

Ficaram ali por horas, apenas observando o estranho contraste entre o verde vivo da grama e o cinza escuro que dominava o céu — o que talvez fosse pudesse ser considerada uma metáfora ridícula para a relação dos dois — quando, de repente, Taehyung sentiu o celular vibrar no bolso de sua calça. Sacou o aparelho e, quando leu o nome no visor do mesmo, endireitou-se repentinamente sobre a espreguiçadeira.

Franziu o cenho, sem saber se deveria sentir preocupação ou euforia.

— Bo Ra? — foi como atendeu, pois não conseguira pensar em outro jeito.

Segurava sua terceira lata de refrigerante, quando a Kang respirou fundo do outro lado da linha.

Taehyung. — ele estava começando a gostar do jeito como ela pronunciava seu nome, mesmo que o assunto parecesse sério. — Nós precisamos conversar.

O instante entre uma dúvida e uma decisão.

Taehyung ainda não sabia, mas Bo Ra já havia se decidido.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Aposto que estão pensando algo do tipo "mas gente, essa autora é maluca! Joga várias informações no capítulo, deixa a gente com mais dúvida que a senhora Big Hit e ainda taca fogo no parquinho (literalmente, desculpem a piada)!".
Vamos interagir para eu poder descobrir se estou certa ou não!

Até mais ♥