Iguais, porém opostos escrita por Cellis


Capítulo 12
Como confiar e desconfiar


Notas iniciais do capítulo

Eu voltei, agora pra ficaaar, com um capítulo novo, cheio de bombas e... bem, perdi o fio da meada. Sou péssima com rimas.
Meus queridos, antes de tudo, eu quero agradecer imensamente a cada um de vocês que me esperou pacientemente. Para recompensá-los, estou de volta, com a cabeça fresca e criatividade correndo pelas minhas veias.
De verdade, muito obrigada por tudo.
Espero que gostem do "comeback".

Boa leitura ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754564/chapter/12

Quando queria e lhe era conveniente, Park Jimin conseguia ser uma pessoa extremamente discreta e reservada, um dos principais motivos pelos quais Bo Ra apreciava tanto a sua amizade.

O problema era que ele só o fazia quando queria, realmente.

— Como assim parque de diversões?! — exclamou no meio da extensa quadra de basquete, uma das muitas e luxuosas quadras esportivas que faziam parte da estrutura do Kobe Suwon. Alguns alunos, especialmente as meninas mais próximas, passaram a prestar um pouco mais de atenção nos dois pelo canto dos olhos. — Sabe, espaguete, me magoa você não ter me contado algo tão importante no exato momento em que aconteceu.

Bo Ra não conseguiu conter um suspiro frustrado. Puxou o amigo pelo braço até o canto mais próximo que conseguiu encontrar, longe dos olhos e ouvidos curiosos, e o encarou.

— Primeiramente, seria preferível se a escola inteira não soubesse disso. — ela iniciou, fazendo-o perceber a facilidade com qual seu tom de voz surpreso atraía a atenção alheia. — Segundo, nem foi algo tão grandioso assim. Eu já disse que foi só o modo que eu encontrei na hora de tentar arrancar alguma sinceridade do Taehyung.

Jimin a encarou com uma sobrancelha extremamente erguida. Para a sua sorte, Bo Ra não tinha o poder de ler mentes e, consequentemente, jamais descobriria o que o melhor amigo pensava sobre aquele assunto.

— Por que você se importa tanto se ele diz a verdade ou não? — ele indagou. Seu plano de que Bo Ra não percebesse suas conclusões mal intencionadas não era, exatamente, muito bom, porque ele era péssimo em disfarces. — Você sempre o chamou de frio e calculista. Já deveria estar acostumada com as mentiras, não?

Bo Ra encarou as madeixas loiras do amigo, que refletiam a luz da manhã tão belamente como se existissem apenas para isso. Mais uma vez, seu hábito de tomar decisões impulsivas não a deixou formular uma resposta imediata. Quando capturou parte da discussão entre Taehyung e Hoseok, ela simplesmente sentiu a necessidade de ouvir a verdade diretamente da boca do primeiro.

Mas, se passara toda sua vida desconfiando de qualquer ato ou palavra do Kim, então por que diabos quis ouvi-lo?

Ou, ainda pior: tinha realmente acreditado no que ele lhe dissera sobre o Jung, como se tudo que precisasse para tirar suas próprias conclusões fosse a palavra final de Taehyung.

— Não se trata disso. — ela respondeu, por fim. — Eu queria ter certeza de que o Hoseok era realmente quem eu ouvi discutindo com o Taehyung. Você sabe como eu raramente confio nas pessoas desse colégio, mas, mesmo assim, eu abri uma exceção para o Hoseok.

Bo Ra quis continuar mas, por algum motivo, não soube mais o que dizer. Também, não era como se precisasse ficar explicando suas atitudes, ainda que Jimin fosse seu melhor amigo. O garoto, por sua vez, abriu a boca para lhe responder algo, porém a fechou assim que deparou-se com a figura da qual os dois falavam.

— E por falar no diabo, lá vem os cabelos de fogo. — disse, olhando para o lado oposto ao deles na quadra. Saindo sozinho do vestiário, Jung Hoseok tinha o traje de educação física vestindo seu corpo impecavelmente, ao passo que analisava os grupos de alunos com olhos cuidados. — Yah, ele parecia uma pessoa tão legal...

— As aparências enganam. — Bo Ra logo rebateu, ainda que aquela fosse uma frase de efeito das quais ela detestava. — Ainda mais no Kobe Suwon.

Ela observou Hoseok durante algum tempo, em silêncio. Agora, fitando-o com olhos que sabiam a verdade, o garoto parecia planejar cada passo como se a quadra de madeira extremamente bem encerada fosse um tabuleiro de xadrez e, ele, um rei. Todas as turmas de formandos daquele ano estavam reunidas, já que as aulas de educação física eram as únicas em conjunto, então Hoseok misturava-se na multidão com certa facilidade. Bo Ra acompanhou seus cabelos vermelhos até os mesmos encontrarem os fios negros de Park Bo Gum, o que ela estranhou no mesmo momento.

Nunca tinha visto o garoto e o atleta, atual dupla de Jimin no trabalho pedido pelo professor Do, juntos.

Hoseok cumprimentou o rapaz com um sorriso simpático, assim como fizera com Bo Ra há alguns dias. De primeira, o mesmo pareceu não entender o motivo da aproximação repentina do ruivo — era uma daquelas pessoas que tinham um grupo de amigos extremamente fechado e, por isso, qualquer novato era automaticamente rebaixado e rejeitado — mas Hoseok tinha o dom da fala, o que logo capturou a atenção de Bo Gum. Depois de alguns minutos de conversa, Hoseok aproximou-se do mais alto, cochichando algo em seu ouvido. Bo Ra não sabia ao certo o porquê de ainda estar observando os dois, contudo, quando um olhar mal intencionado de Bo Gum voltou-se justamente para a direção dela e de Jimin, ela sentiu um frio repentino percorrer sua espinha dorsal.

— O que eles estão fazendo? — Bo Ra sussurrou para si mesma, sem perceber ou ser ouvida por Jimin. Continuou fitando os dois rapazes, ao passo que eles faziam o mesmo. Com um sorriso tão perverso quanto o do primo Yoongi, Hoseok logo afastou-se de Bo Gum, que manteve os olhos na direção dela por mais alguns instantes.

Um sentimento ruim apertou o coração de Bo Ra, o que raramente lhe acontecia. Geralmente, não dava a mínima para os olhares dos outros alunos sobre ela, mesmo depois de ter se envolvido em uma briga com a irmã de Yoongi. Todavia, naquele momento, sentiu que ambos aqueles olhares, ainda que não transmitissem a mesma mensagem, eram diferentes dos demais. Não sabia o que diabos Hoseok havia sussurrado para Bo Gum, mas ele conseguira mudar a expressão facial do atleta no mesmo instante, o que acendeu um sinal de alerta na cabeça de Bo Ra.

— Espaguete, umas meninas estão lhe chamando. — Jimin interrompeu o pensamento relativamente aflito de Bo Ra, apontando para um canto qualquer da quadra. — Acho que é a vez do seu time de jogar.

Uma garota baixinha e de pele bem alva chamava por Bo Ra como se ela estivesse descumprindo uma obrigação. O professor havia decidido que as meninas jogariam vôlei e os meninos futebol, o que obrigou Bo Ra a juntar-se a um time feminino, ainda que vôlei não fosse exatamente seu esporte preferido. Ela apressou-se na direção do seu time, sem dizer nada a Jimin. Em sua cabeça, o olhar de Park Bo Gum ainda lhe preocupava — claro, poderia não ser nada demais ou, ainda, apenas uma mera coincidência, mas Bo Ra não costumava ser o tipo de pessoa que pagava para ver as coisas acontecerem.

Prestaria mais atenção naqueles dois, daquele momento em diante.

E foi o que fez pelo resto da aula, mas não conseguiu capturar nada de diferente. Bo Gum ainda era o mesmo exibicionista de sempre, gritando para metade do colégio ouvir cada vez que seu time marcava um gol, enquanto Hoseok parecia entretido demais com o jogo e em conversar com qualquer ser humano que parasse ao seu lado. Tudo parecia normal, mas ela ainda tinha aquele sentimento pesado e apreensivo dentro de si.

Talvez estivesse dando atenção demais a algo pequeno e sem significado.

Quando seu time finalmente perdeu, com algumas das meninas a culpando por isso, Bo Ra procurou desesperadamente pelo bebedouro mais próximo.

— Pelos céus, onde estava a sua cabeça durante o jogo? — Jimin a surpreendeu, esperando-a desocupar o bebedouro e sendo a única pessoa com coragem suficiente para dizer aquilo diretamente para Bo Ra. — Você perdeu bolas que geralmente receberia de olhos fechados.

O pior era que aquilo era a mais pura verdade, e Bo Ra sabia disso. Apesar de não gostar muito de vôlei, era extremamente boa no esporte e raramente jogava em um time que perdia. Bufou, engolindo toda a água em suas bochechas de uma vez e abrindo espaço para o amigo utilizar o bebedouro.

— Você vai ficar até tarde no colégio hoje, não vai? — indagou, lembrando-se de que ele havia lhe contado algo do tipo mais cedo e, consequentemente, mudando de assunto.

Jimin secou o pouco de água que escorria pelo canto de sua boca e a encarou.

— Sim. Preciso organizar algumas coisas na sala do clube de dança para a reunião de amanhã. — respondeu, sem muito ânimo. Apesar de ser o presidente do clube e extremamente apaixonado pela atividade, além de um ótimo dançarino, ser organizado era um dos pontos fracos de Jimin. — Por quê?

— Quer ajuda? — ela lhe respondeu com outra pergunta, mesmo que não gostasse quando alguém fazia isso. — Acho que eu estou precisando ocupar a minha mente.

— Kang Bo Ra oferecendo sua preciosa ajuda a algum clube?! —Jimin indagou, atônito. —Não creio que vivi o suficiente para ver isso.

O Kobe Suwon possuía esse sistema opcional de clubes para integrar os alunos e permitir com que aumentassem suas notas com atividades extra curriculares, mas, mesmo assim, Bo Ra nunca cogitou participar de nenhum deles. Claro, alguns agradavam os seus gostos (como o de dança, por exemplo), mas ainda assim nada fazia valer a pena ter de integrar-se com pessoas das quais não gostava; além disso, não fazia questão dos pontos extras, um dos principais motivos pelos quais estava sempre em segundo lugar nos rankings do colégio. O primeiro habitualmente era Taehyung, com seus pontos extras por ser o presidente do grêmio estudantil e de mais um par de clubes.

— Isso foi um não? — ela concluiu impaciente, sem interesse nas piadas de Jimin.

— Claro que não, oras! — ele negou imediatamente, o tom de voz quase implorando para que ela não desistisse de ajudá-lo. — Credo, nem posso fazer uma brincadeira que já atinjo o seu lado sensível.

— Tudo bem, agora sim isso foi um não. — respondeu, dando as costas para o amigo e tomando o caminho do vestiário feminino. 

— Não, espaguete! — Jimin correu para alcançá-la, agarrando-se ao seu braço como se sua vida dependesse daquilo. — Eu estava fazendo uma piada sem graça, está bem? A sua ajuda seria maravilhosamente bem vinda.

Bo Ra o encarou, franzindo o cenho. Jimin tinha muita sorte por ela estar realmente disposta a fazê-lo, pelo menos naquele dia.

— Eu sei. — afirmou, permitindo-se rir da expressão desesperada do amigo.

Gostava de gastar seu tempo ao lado dele e, de bônus, tentaria ocupar sua mente com outras coisas que não fossem o olhar malicioso de Bo Gum ou, ainda, o sorriso mal intencionado de Hoseok.

 

***

 

As horas passaram mais rapidamente do que Bo Ra esperava e, com isso, a bela manhã ensolarada daquele dia logo deu lugar à brisa fria da estação. Para a sua sorte, Bo Ra havia carregado cadeiras demais para lados demais na sala do clube de dança, para sentir qualquer queda na temperatura — na verdade, algumas gotículas de suor haviam tomado conta do topo de sua testa. Estava feliz por ter se oferecido para ajudar Jimin pois, se ele fosse fazer todo aquele trabalho sozinho, provavelmente terminaria apenas no começo da madrugada. Esgotados, ambos passaram pelos portões do Kobe Suwon mais ou menos no horário em que as famílias do bairro estariam jantando, quando Jimin encarou a amiga.

— Você tem certeza de que não quer que eu lhe acompanhe até em casa? — ele perguntou, lá pela quarta vez nos últimos dez minutos.

Bo Ra sorriu, negando com a cabeça.

— Não precisa, de verdade. — respondeu. — O ponto de ônibus não é muito longe daqui e, além disso, não está tão tarde.

Na verdade, Jimin morava há poucas quadras do colégio, um dos motivos pelos quais fazia tranquilamente seu trajeto de ia e volta a pé, todos os dias. Fazê-lo pegar um ônibus, ir até a outra metade da cidade e voltar para o mesmo lugar de onde saíra logo em seguida seria, no mínimo, um tanto maldoso da parte de Bo Ra. Por isso, ela o convenceu de que já estava grandinha o suficiente para voltar para casa sozinha, despediu-se do amigo e os dois se separaram ali mesmo, nos portões do Kobe Suwon, seguindo caminhos opostos.

Depois de alguns passos, Bo Ra finalmente sentiu-se atingida pelo vento gelado que balançava seus cabelos. Encolheu-se, com frio, e olhou para atrás, um hábito rotineiro que tinha quando caminhava sozinha, vendo os muros do colégio quase desaparecerem em seu campo de visão, assim como Jimin já não estava mais lá. Faróis claros vindo na sua direção lhe chamaram a atenção e, quando ela voltou a fitar  o que vinha à sua frente, deparou-se com um veículo que reconhecia mesmo no escuro da noite. Percorrendo o caminho oposto ao dela, o carro particular de Kim Taehyung dirigia-se na direção do colégio. Então, Taehyung ainda estava lá? Pensando melhor, Bo Ra não se lembrava de tê-lo visto muitas vezes ao longo do dia — talvez, estivesse perdida demais em seus próprios pensamentos para fazê-lo.

Deu de ombros. Tinha um ônibus para pegar e nenhum tempo para tentar adivinhar o que o Kim estivera fazendo, então logo voltou a prestar atenção no seu percurso. Sentiu que algo estava lhe faltando e, quando finalmente deu-se conta de que não estava ouvindo música como sempre fazia no caminho de casa para a escola e vice-versa, tateou os bolsos da saia em busca do celular. Não o encontrou e, ainda caminhando, abriu a mochila, parando de andar apenas quando não achou o aparelho por lá também.

— Onde foi que eu...

Interrompeu-se, ainda parada no meio da larga calçada de pedras. Lembrou-se de Jimin pegando seu celular para fotografar algo sem muita importância, mas que aos seus olhos estava sob a luz perfeita naquele momento, mas não do amigo lhe devolvendo o objeto.

— Eu não acredito nisso, Park Jimin. — afirmou para si mesma, sem se importar em estar falando sozinha no meio da rua.

Àquela altura, o aparelho prateado provavelmente estaria sendo bem aquecido pelos bolsos de Jimin ou, ainda, perdido pela mochila do garoto. Não era como se Bo Ra fosse viciada ou dependente do aparelho, mas, ainda assim, gostava de tê-lo consigo. Como obviamente não podia ligar para o amigo, só encontrou uma solução: correr o caminho de volta até conseguir alcançá-lo, ou pelo menos tentar fazê-lo.

Odiava correr. Sentia-se desesperada enquanto o fazia, o que era uma sensação devastadora para alguém que gostava de ter as coisas sob seu controle, contudo, ainda assim estava o fazendo. Os mesmos faróis que haviam passado por ela há poucos minutos agora retornavam, e ela sentiu-se um pouco patética por ter sido flagrada correndo pelo meio da rua pelo Kim mais novo, mas seguiu sua tradição de ignorá-lo. Os portões do Kobe Suwon ficaram para trás novamente, mas dessa vez na direção oposta da qual ela deveria estar seguindo.

Como diabos Jimin, com aquelas pernas curtas e grossas, poderia andar rápido o suficiente ao ponto de Bo Ra não conseguir encontrá-lo pelas ruas?

Era o que ela se perguntava. Parou, ofegando. Já havia percorrido uma distância considerável e não encontrara nenhum sinal de Jimin, por isso, achou melhor voltar para casa e resolver aquilo no dia seguinte.

E era o que ela teria feito, se algo não tivesse capturado sua atenção. Barulhos ocos, acompanhados de alguns murmúrios, vinham de um beco mal iluminado, algo raro de se encontrar em uma vizinhança de classe tão alta e aparentemente segura. Ela deveria seguir seu caminho para casa, mas algo simplesmente não lhe permitiu. A passos curtos e curiosos, ela caminhou na direção do espaço apertado, inclinando a cabeça para o lado esquerdo.

E, então, sob a luz fraca de um único poste, ela viu uma cena que lhe pegou completamente desprevenida e lhe paralisou por alguns segundos: caído no chão, curvando-se como se quisesse encostar a própria testa no abdômen, estava Jimin. Ele tossia e gemia, contorcendo-se cada vez mais, e aquela era a única coisa que Bo Ra conseguia enxergar. Quando a constatação de que ele provavelmente estaria machucado cruzou sua mente, Bo Ra não pensou sequer uma vez antes de correr até o amigo.

— Jimin! — ela exclamou, fazendo com que ele notasse a sua presença. Escorregando pelo chão úmido, ela não se importou quando os joelhos desnudos encostaram no cimento e ergueu a cabeça do garoto na sua direção. Ele tinha um corte no supercílio, lágrimas nos olhos e um filete de sangue escorrendo de seu lábio inferior. — O que aconteceu? Você está bem?

Jimin engasgou antes de dar-se conta de que Bo Ra estava realmente ali e, quando o fez, agarrou um braço da menina com certa força.

Espaguete, vá embora. — ele pediu com a voz fraca e desesperada. — Por favor.

Bo Ra não entendeu absolutamente nada do que estava acontecendo, mas, quando Jimin transferiu seu olhar do rosto dela para algum lugar à frente deles, ela o seguiu. E lá estava a explicação para tudo aquilo, com a respiração acelerada e a jaqueta de algum time do colégio Kobe Suwon: Park Bo Gum. Com os punhos cerrados, ele encarava Bo Ra com o rosto vermelho, contudo, parecia espantado por ela ter aparecido. A garota imediatamente fitou os nós dos dedos das mãos dele e, quando notou machucados de quem tinha acabado de usá-los para atingir algo — ou alguém — ela colocou-se de pé no mesmo instante.

Se antes ela sequer havia notado a presença do garoto, agora todo o ódio que tinha guardado dentro de si estava direcionado justamente, e somente, para ele.

— O que diabos você fez?! — ela exclamou, sem se importar se ele era alguns bons centímetros mais altos do que ela. — Seu desgraçado! Quem você pensa que é?!

O rapaz deu um passo para trás, parecendo levemente perdido.

— Eu... — iniciou, porém, não conseguiu concluir. Fitou Bo Ra, parecendo mais sério. — Não chegue perto de mim.

Amarga, Bo Ra soltou uma risada nasalada e repleta de sarcasmos.

— Não chegar perto? — indagou. — Isso é só o começo.

Se ele era atleta ou não, mais alto ou mais baixo, homem ou mulher, não importava para Bo Ra. Ele agredira o seu melhor amigo, um dos seres humanos mais preciosos para ela, o que era mais do que suficiente para cegá-la e fazer seu punho ascender em ódio. Ela estava prestes a fazer com o garoto o mesmo que fizera com a irmã de Yoongi, contudo, ele conseguiu ser rápido o suficiente para segurar o braço de Bo Ra no ar a não muitos centímetros de distância do seu rosto. A garota praguejou-se mentalmente por ter se assustado com o aperto, mas não mais do que quando a mão livre de Bo Gum ergueu-se na direção dela.

Bo Ra estava disposta a levar o baque, quando o corpo de Bo Gum foi subitamente lançado para o lado. Ela se desequilibrou com o ato brusco, contudo, manteve-se de pé — diferente do garoto, que agora encontrava-se caído ao lado de uma grande lata de lixo de metal. Olhando na direção oposta a dele, Bo Ra surpreendeu-se quando os cabelos acinzentados de Taehyung foram a primeira coisa que ela conseguiu ver sob a luz fraca e, em seguida, o pé que atingira Bo Gum retornando ao chão. O garoto não disse uma palavra sequer, mas não impediu-se de examinar com certa cautela a figura de Bo Ra, procurando pelo menor arranhão que fosse. Quando, felizmente, não encontrou nada, voltou-se para Bo Gum novamente, que já se erguia do chão, ainda que levemente desnorteado.

— Você enlouqueceu, Kim Taehyung? — indagou com ódio, já dando os primeiros passos na direção do Kim.

— Eu não faria isso, se fosse você. — Taehyung poderia ser menor e definitivamente menos atlético do que Bo Gum, contudo, sua voz profunda e assustadora fez o outro desacelerar. — A menos que você queira que todo mundo descubra o porquê de você ter, novamente, agredido um aluno do sexo masculino.

Bo Gum pareceu congelar. Taehyung tinha plena consciência de que, em uma disputa física, seria massacrado pelo atleta; mas o seu alvo não eram os músculos ou os ossos do garoto, mas sim o seu psicológico. Era a arma mais cruel e desumana que o Kim aprendera a utilizar ao longo de sua vida, contudo, mostrava-se igualmente a mais útil na grande maioria das vezes.

— Como você sabe? — Bo Gum indagou, repentinamente ansioso.

— Não foi tão difícil de notar, Park Bo Gum. — Taehyung respondeu, mantendo uma calma que, pela primeira vez, realmente assustou Bo Ra. — E se você continuar fazendo isso, eu não serei o único.

— Eu não queria fazer isso. — o garoto respondeu, com a voz trêmula e o olhar perdido. — Eu não queria me interessar por garotos. — prosseguiu, os olhos sendo embaçados por lágrimas. — E eu estava bem, estava controlando... até ele me contar que o Jimin é gay. Eu achei que deveria tentar alguma coisa, mas...

— Ele não quis. — Taehyung completou. Em sua voz, o nítido desprezo que sentia por Bo Gum. — Então, você tentou forçá-lo a fazer o que você queria. E ele continuou negando. — conforme proferia as palavras, Bo Gum encolhia-se e tremia cada vez mais. Taehyung deu alguns passos na direção do garoto e, no ápice do seu nojo, finalizou. — Exatamente como o Jungkook negou.

Bo Gum pareceu atônito com o fato de Taehyung saber sobre aquilo, mas não mais do que Bo Ra estava com toda aquela cena. Sem perceber, ela tinha uma das mãos cobrindo a boca. Fitou o amigo no chão, agora já recostado em uma parede, e só então notou que havia tantas lágrimas em seus olhos quanto nos dele.

Na época, há um par de anos, Jungkook nem era muito próximo de Yoongi e Taehyung quando tudo aconteceu. O atleta passara dias observando o novato e, quando finalmente viu-se sozinho com ele, tentou forçar-se nele exatamente como fizera com Jimin. Desesperado, Jungkook gritou por ajuda, e foi justamente Jimin a pessoa a lhe ouvir. Bo Gum fugira assustado e, sem saber direito o que fazer, Jimin recorreu aos únicos dois garotos que sempre via ao redor de Jungkook. As coisas nunca foram exatamente esclarecidas entre os três amigos, mas não era como se eles precisassem ou sequer gostassem disso — o que, ainda assim, não impediu Yoongi de esperar pacientemente até o horário da saída e devolver a Bo Gum os socos dos quais ele merecia.

Depois disso, Jungkook e Jimin se envolveram em uma bolha de constrangimento que impediu que se falasse, ou apenas se cumprimentassem, pelos próximos dois anos. E foi assim, até Jungkook finalmente decidir colocar um ponto final naquela situação, aproximar-se de Jimin e lhe agradecer pela ajuda de muitos meses atrás. Com alguns dias de contato, eles tornaram-se amigos.

E, depois de mais alguns, um pouco mais do que isso.

— Vá embora, Park Bo Gum. — Taehyung praticamente ordenou, surpreendendo Bo Ra. — O que é seu está muito bem guardado e você deveria se preocupar com isso.

— O que? — Bo Ra deixou seu choque escapar por entre os seus lábios com o fato de que Taehyung estava simplesmente deixando Bo Gum ir.

— Bo Ra. — a voz fragilizada de Jimin capturou a sua atenção, fazendo com que todo o seu mundo se voltasse para ele. — Por favor.

Ela não entendia. Até mesmo Jimin estava disposto a deixar o garoto sair impune daquela situação e ela estava horrorizada com aquilo.

— Antes de você ir, me responda uma coisa. — a voz de Taehyung se fez presente novamente, e só então Bo Ra percebeu que Bo Gum já estava praticamente sumindo do campo de visão deles. — Quem lhe contou sobre o Jimin foi Jung Hoseok, não foi?

O esportista não pensou duas vezes antes de balançar a cabeça positivamente e, quando percebeu pelo olhar de Taehyung que aquele era o momento para que ele desaparecesse, logo o fez.

E, então, a cena de horas atrás voltou à cabeça de Bo Ra como um filme em alta definição: o sorriso de Hoseok, o olhar de Bo Gum, os sussurros dos dois. Nada daquilo era relacionado a ela, mas sim a Jimin. De repente, ela sentiu uma súbita vontade de correr até o amigo, abraçá-lo e se desculpar por não ter percebido nada antes, mas a raiva era maior e mais sufocante.

— Por que ele...

— Você sabe o porquê. — Taehyung logo a interrompeu, tendo certeza absoluta do que Bo Ra estava prestes a perguntar.

Vingança. De algum modo, na cabeça doentia de Jung Hoseok, aquele seria um ótimo jeito de se vingar contra as ameaças do Kim. Eles não sabiam como Hoseok havia descoberto sobre Jimin, mas, assim como Taehyung só precisou observar com um pouco mais de atenção Jungkook para perceber, não deveria ter sido muito diferente para o Jung. Os outros alunos só não notavam também, porque a grande maioria estava ocupada demais com os próprios universos e futilidades.

— Eu vou matá-lo. — Bo Ra sussurrou, o ódio transbordando junto com cada sílaba.

— Não. — disse Taehyung, sem fitá-la. Ele não conseguia fazê-lo. — Eu deveria ter acabado com isso há anos, mas não tive coragem suficiente para fazê-lo. Eu permiti que o Hoseok voltasse, mas isso não vai acontecer de novo.

Bo Ra o encarou, ainda que ele não a olhasse de volta. Viu, ali, uma versão tão obscura de Kim Taehyung como nunca tinha visto antes; porém, mesmo com toda a áurea negra que lhe rodeava e estando nitidamente afetado pelo o que acabara de acontecer, Bo Ra não se assustou com o que viu.

— O que você vai fazer? — ela não conseguiu, porém, evitar a pergunta.

Pela primeira vez, Taehyung a fitou. Ela esperava uma resposta, mas o olhar pesado logo dirigiu-se para além dela, na direção de Jimin.

— Você consegue andar? — indagou, pegando o garoto desprevenido com a pergunta.

Jimin se remexeu no frio chão de cimento, soltando um gemido dolorido.

— Acho que sim.

Taehyung passou por Bo Ra e, em seguida, estendeu uma mão na direção do Park.

— Venha, eu vou levá-lo para casa. — disse, mas o garoto não se moveu.

— Eu... não quero ir para casa. — respondeu, sem jeito e nitidamente triste. — Não tem ninguém lá.

Enquanto o Kim formulava uma resposta, viu a silhueta de Bo Ra ocupar o espaço entre ele e Jimin.

— Então você vem comigo. — ela disse, determinada. Estendeu a mão exatamente como Taehyung o fazia, apesar do garoto não acreditar que ela conseguiria suportar o peso de Jimin.

Mas ela não lhe dava motivos para duvidar, na verdade. Jimin levou alguns segundos para, finalmente, deixar-se ser erguido única e exclusivamente pela força de Bo Ra, que ainda prontificou-se a escorar o amigo. Tomando o braço livre  de Jimin, Taehyung logo apoiou a outra metade do corpo do garoto no seu próprio; o que, mais uma vez, surpreendeu o loiro.

— O carro não está longe daqui. — foi a última coisa que o Kim disse, antes dos três seguirem silenciosamente pelo beco mal iluminado.

E o caminho até a mansão dos Kim não fora muito diferente. Vez ou outra, o motorista de Taehyung fitava o rosto machucado de Jimin pelo espelho interior do carro, mas jamais ousava perguntar ou dizer algo. Bo Ra passou todo o trajeto acariciando a mão pequena do melhor amigo e, quando o carro finalmente estacionou de frente para a mansão, ela o ajudou a sair do mesmo com todo o cuidado. Taehyung os acompanhou em silêncio até a casa anexa, sempre também ajudando Jimin a caminhar, e só retornou a falar quando a senhora Kang atendeu a porta assustada. Ele pediu que ela fizesse perguntas mais tarde e que, por hora, apenas cuidasse dos machucados de Jimin e lhe preparasse algo para comer. Claro, ele realmente usava o tom de voz de quem estava pedindo um favor que sabia que não deveria pedir, mas também não era como se a idosa pudesse negar ou, ainda, quisesse fazê-lo.

Taehyung seguiu apoiando Jimin até que o mesmo pudesse se sentar no sofá da sala e, assim que o garoto o fez, ele rapidamente deu as costas para todos e sumiu porta da frente a fora. Bo Ra estava roendo-se de curiosidade, mas estava preocupada demais com Jimin para pensar naquilo.

O Kim subiu as escadas de mármore numa velocidade tão alta e determinada, que os empregados viram apenas o seu vulto o fazendo. Já no seu quarto, ele não se importou em bagunçar suas gavetas extremamente bem organizadas, até encontrar o que estava procurando. Seguiu caminho pelo corredor comprido e bem decorado do segundo andar, até deparar-se com uma porta de madeira imponente e bem lustrada. Respirou fundo, bateu duas vezes e, assim que recebeu a confirmação de que poderia entrar, o fez.

Era óbvio que seu pai estaria trabalhando. Pelo horário, com certeza seria no escritório particular em casa, motivo pelo qual Taehyung tinha certeza de que o encontraria lá. O homem só desviou o olhar da tela do computador para ver de quem se tratava e, quando deparou-se com o filho mais novo, voltou a trabalhar. O garoto, por sua vez, não se deu ao trabalho de abaixar a cabeça ou fazer qualquer outro tipo de reverência — apenas caminhou com passos decididos até a mesa do pai. Depositou sobre a mesma um pequeno pen drive preto, aparentemente sem graça e inofensivo, mas que continha a filmagem que começara toda aquela história com Jung Hoseok.

O homem parou de digitar, fitando o objeto colocado ao lado da sua mão. Os dedos compridos de Taehyung ainda estavam sobre o mesmo, segurando-o firme.

— Eu não sei o que você vai fazer com isso e, sinceramente, não me importo nem um pouco. — o garoto iniciou, com a voz mais grave do que o normal. — Porém, em troca, em só lhe peço uma coisa: que a família Jung desapareça dessa cidade para sempre.

O homem franziu o cenho e, pela primeira vez, fitou o rosto do filho diretamente.

— Eu posso fazer isso. — afirmou, antes de tudo. Sua voz era tão profundo e penetrante quanto a do filho. — Mas, o que tem aqui?

Taehyung fitou o pai exatamente como ele o fazia. Apesar de tudo, a guerra de egos entre os dois prevalecia no ambiente ao ponto de ser palpável.

— Uma filmagem do dia em que você terminaria arruinado, assim como a nossa família, se eu não tivesse impedido. — o mais novo respondeu. — Assista. É interessante.

Sem esperar por uma resposta — até porque, sabia que não receberia uma — Taehyung afrouxou o aperto que exercia no pen drive e deixou o escritório do pai. O mais velho poderia ser o que fosse, mas, se dissera que poderia sumir com a família Jung da cidade, Taehyung sabia que ele o faria. Pela manhã, quando despertasse, já não haveria mais traços de Jung Hoseok em nenhum lugar se quer, e esse pensamento lhe permitiu deitar-se ainda de uniforme em sua cama, com as pernas para baixo e encarando o teto marfim do quarto. Fechou os olhos por alguns segundos, mas o vibrar de seu celular em seu bolso logo lhe trouxe de volta para a realidade.

Pela primeira vez na vida, o nome de Bo Ra aparecia na tela ao lado do ícone de mensagens. O garoto chegou a sentar-se na cama, um tanto inquieto, e correu a tela para o lado para desbloqueá-la.

"Jimin está bem. Comeu, tomou um banho e logo pegou no sono. Disse que tinha coisas para me contar, mas que o faria amanhã.

De qualquer modo, obrigada por tudo."

Taehyung releu a mensagem mais algumas vezes, até sentir-se finalmente aliviado.

"Eu fiz o que prometi que faria. Não se preocupe, Jung Hoseok não voltará a incomodar e, amanhã, cuidarei do Bo Gum."

Do outro lado da conversa, sentada próxima ao corpo cansado de Jimin, Bo Ra quis muito tornar mais claro o que Taehyung fizera — mas, ao invés disso, preferiu não fazê-lo. Conhecia o temperamento sensível Kim quando era questionado e, estranhamente, confiava no que ele dizia. Se ele prometera que Hoseok não seria mais um problema, então ela poderia dormir mais calma sabendo que aquela era a verdade.

Mas, ainda assim, havia uma última coisa lhe incomodando.

"Por que você voltou?"

Taehyung sabia sobre o que ela estava perguntando. Por que diabos ele, ao invés de seguir seu caminho para casa, fizera seu motorista frear o carro bruscamente e saltara apressado atrás de Bo Ra?

"Você estava correndo."

Foi a única coisa que ele respondeu, sem se preocupar se aquilo faria ou não sentido para ela. A verdade — a mais estranha possível e que vinha tirando o sossego do Kim nos últimos dias — era que, ao vê-la correndo daquele jeito no meio da noite, ele não conseguia fazer nada além de se preocupar. Era como se alguém desligasse o mundo ao seu redor e, diante dele, houvessem centenas de coisas das quais Bo Ra precisava ser protegida; inclusive um atleta brutamontes que poderia facilmente parti-lo em dois, mas que, ainda assim, ele enfrentara.

Do outro lado, Bo Ra não soube o que responder, então bloqueou a tela do celular e deitou-se ao lado de Jimin. Mesmo assim, antes de fechar os olhos, pela primeira vez em toda a sua vida, sentiu-se extremamente agradecida por ter Kim Taehyung ao seu lado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Muita informação? Tudo bem, respirem um pouco antes de nós iniciarmos nossas conversas (estou com saudades disso, a propósito).
Caaaalma lá! Tem só uma coisinha que eu preciso esclarecer, antes de tudo. Gente, que já me conhece de outros carnavais sabe que eu adoro mocinhas fortes e que não precisam do mocinho para absolutamente nada, mas, se olharmos com os olhos da lógica, a Bo Ra realmente não teria chances contra o Bo Gum, então a aparição do Taehyung foi necessária.
Bem, era isso. Fim do textão.

Até a próxima ♥