Avatar: A lenda de Mira - Livro 4 - Fogo escrita por Sah


Capítulo 9
Covalentes


Notas iniciais do capítulo

Fiquei três semanas sem computador, e perdi todo o progresso desse capítulo. Tive que reescrevê-lo algumas vezes, e finalmente consegui finalizá-lo



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Riku

Eu comecei a me sentir sufocado naquele espaço. Eu odiava trens. Ainda mais aqueles que passavam no meio do oceano.

Eu cogitei subir em uma dessas vacursas durante toda a viagem, só que cada vez que eu olhava para algum desses animais, Sina me olhava com desaprovação.  E eu não queria ouvir nenhum sermão dele então desistia, e me deitava em um monte de palha.

Quase todos dormiram depois de um tempo. Menos, eu, claro e a Mira.

— Quando você diz que o oceano morreu. É da forma literal? Alguém o matou?  -- Eu pergunto

Ela olha para mim. Seu olhar está mais indiferente que antes.

— É estranho. É como se eu percebesse que ouvia um som que agora acabou. Ele sempre esteve lá, só que, eu só percebi quando ele desapareceu. Entende?

— Não.

— Eu imaginei que não. Mas, pense.  Como é a sua conexão com o fogo?

— Minha  conexão? É só uma coisa que me persegue desde que eu me lembre. Um calor, uma agitação, que me deixa levemente perturbado. Mesmo com os inibidores, eu sentia, distante, mas sentia.

— E exatamente isso. O que aconteceria se isso sumisse?

— Provavelmente eu seria uma pessoa melhor – Eu digo sem rodeios.

Mira, fechou a cara.

— Não diga isso. Apesar de tudo, você é uma boa pessoa.

Sinto que um sorriso escapar do meu rosto.

— Você não me conhece a tanto tempo assim. Eu já fiz coisas horríveis, coisas condenáveis, que nem ele sabe. – Eu aponto para Sina.  Eu não sou uma boa pessoa Mira, e eu gosto de ser assim.

Ela fica emburrada.

— Acho que é você que não percebeu que mudou.

Mudei? Eu ouço a aquela típica voz martelar na minha cabeça. Sim, eu mudei, mas é só questão de tempo para eu voltar a ser o que eu era.  

Eu suspiro, eu não gosto do andamento dessa conversa.  Me levanto,  tirando a palha que grudou na minha roupa.

— Você vai a algum lugar?  -- Ela me pergunta

Estou pronto para receber a bronca dela, porém ela se levanta também.

— Preciso esticar a pernas. Me leve com você.

Não há como não sorrir. Quase vi um vislumbre da garota de antes. Aquela sem preocupações.

Com cuidado, nós vamos até a porta de metal que separa aquele vagão do outro.  Obviamente ela está trancado. Eu forço até minhas mãos ficarem vermelhas.  Fico frustrado.

— Me deixa tentar! – Ela diz se pondo na minha frente.

— Se eu não consegui, você acha que tem chance? – Eu falo contendo a irritação que se formava.

— Nem sempre as coisas se resolvem com a força. As vezes tudo só precisa de um jeitinho.

Ela força a tranca para cima e depois para baixo, ouvimos uns estalos e a porta se abre devagar.

— Viu?

Eu respiro profundamente, e tiro ela da minha frente.

Não faço cerimonia e quase escancaro a porta.  É escuro. Uma chama azul envolve meu indicador e finalmente eu posso enxergar o que está a minha frente.  O vagão a frente está com a porta fechada. Olho para baixo e vejo uma pequena passarela que separa um vagão do outro.  Não é possível ver os trilhos, somente a água que os envolve.

Dou passagem para a Mira.

— O que foi? – Ela pergunta.

— Faça aquilo de novo.

— Aquilo o que?

— Não vou perguntar de novo.

Ela ri e se aproxima, e passa pela passarela com cuidado e abre a outra porta.

O outro vagão é bem menos iluminado que o nosso.

— Imagino que aqui seja o compartimento de carga.  – Ela diz

Há várias caixas de madeira,  além de malas e bolsas.

Chato, ainda mais chato que onde estávamos.

— Vamos para o próximo. – Eu digo avançando

Antes de abrir a porta. Mira parou. Colocou o dedo entre os lábios e pediu para que eu fizesse silêncio.

Ela abriu a porta devagar, surgiu uma luz fraca e o som de cochichos. Aquele era um vagão de passageiros.

Ainda era madrugada, a maioria estava dormindo.

As paredes do vagão eram forradas por uma camurça marrom e surrada, o que combinava muito com as pessoas que viajavam ali. Nada muito diferente das pessoas da capital, a maioria  com a roupa parecida.

Passamos com cuidado entre os bancos. Poucos foram aquele que sequer nos perceberam. Mas, um ou outro nos encaram com curiosidade, olhavam principalmente para Mira.

Quando abrimos a porta do outro vagão nos demos de cara com um homem alto. Ele usava uniforme azul escuro, nas cores do emblema preso em seu peito. Era um funcionário do trem sem dúvida nenhuma. Ele nos olhou de cima abaixo.  Um sorriso falso surgiu no meio da barba negra que cobria quase todo o seu rosto.

— Vocês não podem mudar de classe sem um bilhete.

— Mudar de classe? Nós só estávamos dando uma volta. – Mira se fez de desentendida.

Ele levou a mão a testa.

— Voltem para o seus lugares.

Nós íamos voltar para trás, porém o homem nos parou novamente.

— Para a sua classe, senhorita.

Ele pegou o braço da Mira e a puxou para frente. 

Eram as roupas que ela usava. Roupas aqui tinham esse efeito.

— Me solta. – Ela falou alto, acordando algumas pessoas próximas.

Naquele momento eu fiz um esforço,  um dos maiores dos últimos tempos. Eu sentia a raiva subir pelo meu pescoço, esquentando o meu nariz e orelhas. Até estar quase  inundado por ele. Porém eu fiquei parado. Como o covarde que eu era quando tomava os remédios.

Mira me olhou assustado, porém seu olhar se suavizou quando viu que eu estava sob controle.

— Eu exijo que você me solte. Meu pai, que é general, não ficará nada feliz com isso.

Ao ouvir a palavra general o homem a soltou imediatamente.

— Agora nos deixe continuar.

Mira estendeu a mão para mim, e eu a peguei em um reflexo.

Nos continuamos andando, até chegarmos ao outro vagão. Eu só percebi depois que ainda continuávamos de mãos dadas.  Eu a soltei tão rápido quanto eu havia a pego.

Eu senti aquela sensação estranha no meu estômago.

— Isso é inútil. Só mais vagões e vagões. – Eu disse.

— Mas, então iremos voltar?

— Não ainda.

Entre os vagões que estávamos além da passarela também havia uma escada.

— Vamos para cima.

Ela não hesitou em me seguir.

Subi os degraus com cuidado. O vento estava forte, porém o trem não estava tão rápido.

Quando cheguei ao topo, eu dei a mão para Mira e a ajudei.

— Uau. – Ela disse quando viu o céu.

É quase de manhã, mas ainda havia estrelas no céu. Coisas que não conseguimos ver em Republic City.

O céu e o mar quase se transformavam em um. Só as estrelas e o amanhecer no horizonte se destacavam.

Era uma coisa que me acalmava. Sempre foi assim. Desde antes.

Nos sentamos na lataria do trem, e com o vento contra o rosto eu tentava por os pensamento que eu tinha no lugar.

— Você realmente fez coisas tão ruins assim? – Ela me perguntou.

Fiquei um pouco surpreso com essa pergunta.  Não por que era difícil de responder, mas, por que de todos, acho que ela era a única que me entendia, mesmo que superficialmente.

Eu só confirmei.

— Você poderia me contar?

Eu suspirei. Eu não sou bom em conversar, em contar histórias e em nada que requer um pouco de sensatez.

— Eu não sou uma pessoa boa para conversar. Nunca fui, nem sequer com os inibidores.

Ela baixou a cabeça. Parecia que ela queria ouvir qualquer coisa que a tirasse dessa realidade, só que por mais cruel que isso parecesse, essa realidade ainda é melhor que a que eu vim. Só que por algum motivo. Eu senti a necessidade de contar a ela, a minha versão, uma história que eu nunca contei para ninguém.

— Isso é chato, e desnecessário. Mas, irei te contar mesmo assim. Depois não reclame. E não venha com lições de moral. E saiba que arrependimento é um sentimento que eu não sinto. Tudo o que eu fiz, provavelmente eu faria de novo.

Ela levantou a cabeça.

— Estou ouvindo.

— A minha mais antiga memória é com o fogo. Não o meu fogo azul, mas um incêndio  que consumiu tudo aonde eu estava. Eu consigo lembrar do calor, e da luz, mas nada antes disso. Não consigo me lembrar de quantos anos eu tinha, ou sequer da minha aparência. E foi assim que eu comecei a ser desse jeito. É como se esse incêndio existisse ainda dentro da minha cabeça. Eu consigo ouvir os estalos do fogo na madeira, do vento que faz o fogo aumentar e no fim minha própria voz que me diz o que fazer.

Mira estava concentrada. A brisa marítima era gelada, porém isso não parecia afetá-la.

— Dizem que meus pais morreram naquele incêndio, só que não tenho nenhuma lembrança disso, só sei que depois eu fui acolhido por um casal que dizia ser parentes dos meus pais. Eles eram pobres e possuíam mais cinco filhos.  Eu claramente era um estorvo, isso nunca foi segredo.  Vivi 3 anos com eles, dos meus 5 aos 8. É de se esperar que eu fosse maltratado, que eu fosse explorado, porém, essa é a vida para quase todos que vivem nas cidades perto da fronteira.

Eu me ajeito e firmo as minhas mãos em um dos vão no teto do trem.

— Eu sou uma pessoa difícil, sempre fui. Arrumava brigas e confusões aonde quer que eu fosse, tudo se intensificou quando eu dobrei pela primeira vez.   Queria dizer que isso aconteceu em um ataque de fúria, que eu incendiei tudo a minha volta, mas não foi assim. Foi a coisa mais normal do mundo, era como se meu corpo já soubesse dessa capacidade, e quando aconteceu, um pouco da loucura que já existia se intensificou.  Como eu disse eu não sou uma boa pessoa, as brigas nas quais eu me envolvia ficaram mais violentas, as pessoas a minha volta se afastaram e se cobriram de pavor.  A família que me acolheu começou ameaçar os outros, me usando como  uma espécie de capanga. Porém isso não durou muito. Eu tinha oito anos quando eles morreram.  Todos eles, o casal e seus cinco filhos,  e um deles tinha a minha idade todos eles pereceram em um incêndio que eu provoquei.  Eu podia ter os ajudado, podia ter evitado tudo isso, mas, eu não fiz, eles não valiam a pena, e assim eu os deixei queimar, e eu quase senti prazer com isso.  Foi nessa ocasião que eu ironicamente aprendi a controlar eletricidade.

Mira desvia o olhar por um momento. Depois suspira e pede para que eu continue.

— Demorou um ano para que Sina me encontrasse. Nesse meio tempo eu vivi quase como um animal ferido, preso em uma fúria infinita, que só acabava quando eu dormia. Eu não sei dizer quantas pessoas eu machuquei nessa época, só sei que foram muitas.  Muitos vieram me enfrentar Mira. Porém o último deles era um rapaz do governo. Com uma presença tão assustadora quanto a minha.

— Sina...

— Todos temos uma primeira impressão ruim dele. Pois ele é assim, chato, metódico e frio. Porém, naquele tempo, foi a única pessoa que conseguiu com que eu me tratasse, que me ajudou a me inserir nesse mundo.

Desse vez ela olha para mim com um sorriso.

— Viu, você mudou. Mesmo que nada do que você fez seja apagado.

Eu ri.

— Eu resumi a minha  vida para você, e é essa a sua conclusão?

— Todos temos uma historia triste, o que importa é o que faremos com ela.

Isso me faz gargalhar.

— Que frase ruim. Você anda passando muito tempo com o Meelo.

Isso também a faz rir.

—Mas, eu não disse que minha história é triste Mira, na verdade eu não mudaria nada nela. – Eu continuo, o que a faz parar de rir.

Ela se levanta, tentando se equilibrar.

— Então me deixe muda-la para você.

Foi nesse momento que eu realmente senti que eu estava mudando. Na verdade eu só percebi que tudo se modificou quando essa garota se aproximou de mim. Da primeira vez em que eu a vi, que mesmo com os efeitos dos inibidores, eu senti uma espécie de energia, que eu nunca havia  sentido antes, que só se intensificou  nesse momento.


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