Avatar: A lenda de Mira - Livro 4 - Fogo escrita por Sah


Capítulo 10
Pai Sho




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Iroh

Eu tenho segredos, isso não é novidade. A grande questão é que meus segredos de alguma forma refletem o que eu sou. Eu minto a todos a minha volta. Todos acham que eu sou um simples metalúrgico, pobre e sem devida instrução.  E é nisso que eu me agarro.

Sou um prisioneiro, nesse momento. Mas, creio que minha condição esta prestes a mudar. Dois guardas se aproximam e pedem que eu me levante. Kento olha desconfiado. O chefe da policia nunca esteve tão vulnerável.

— Senhor Iroh, você pode ir agora.

Eu olho para Kento.

— E ele? – Eu pergunto.

— Ele continuará aqui, até nos dizer o que precisamos.

Meu improvável amigo apenas acena, e pede que eu vá.

— Não se preocupe, Chefe Beifong, você é o próximo. - Me despeço

Sou libertado sem nenhuma explicação. E isso me deixa preocupado. Eles a encontraram? É a única coisa que passa pela a minha mente. Não, isso demoraria.

Deixo o prédio sem um destino exato. Não acho que a casa cedida pelo governo é um bom local, muito menos a minha casa na cidade da fuligem. 

Enquanto penso, vago sem destino. Tentando observar o que acontece nessa cidade caótica. É dia ainda, mas não tenho noção de horas. As pessoas a minha volta se movem de cabeça baixa, elas sabem que alguma coisa aconteceu.

Paro em frente a uma loja de eletrônicos, todas as televisões estão estáticas. A banca de jornal também não abriu. Suspiro e coço a cabeça. Para onde eu devo ir?

Penso em ir para um hospital. Minha perna está doendo. Creio que não está quebrada, mas não conseguirei ir muito longe com ela desse jeito. Ando em passos vagarosos para o lugar mais caótico de Republic City.

Eu deveria saber que depois de tudo o que aconteceu,  minha perna seria o menor dos problemas.

O grande Hospital, que um dia já foi referência em ortopedia está lotado. Há pessoas em todos os lugares.  Em macas improvisadas no chão, em cadeiras de rodas espalhadas até no estacionamento. Todas feridas e abaladas. Um cheiro acre pesteia o lugar.

Vários enfermeiros passam correndo por mim, eles carregam bandagens e ataduras de um lado para o outro.  E se agacham em frente às macas e trocam os curativos dos pacientes. Me sinto culpado. Minha perna luxada não é nada perto daquilo.  Estou pronto para ir embora, quando me dou de frente com uma figura conhecida.

Trombo nele sem querer.

— Senhor Iroh? – Ele me reconhece.

Tento puxar da memória aquele rosto conhecido. Da onde eu conheço esse senhor?

Ele é velho. Seu cabelo é cheio, porém é branco como algodão, as marcas da idade estão presentes em todo o seu rosto e seus olhos são azuis.

— Sou Toht. Não sei se o senhor lembra-se de mim.

Ele estende a mão em minha direção.

Faço uma cara de dúvida, mas, retribuo seu cumprimento.

— Eu sou médico. O senhor me chamou para atender a sua filha, ano passado.

Ah, sim. Eu me lembro. Quando a Mira ficou queimando de febre, ele a ajudou.

— O senhor se lembra disso?

— Claro, não tem como esquecer, ela é uma pessoa especial.

Então ele sabia.

— Podemos conversar?

Eu dei de ombros. Eu não sabia para onde ir.

— E os pacientes? Você já terminou de atendê-los.

— Não há muito mais o que fazer senhor Iroh, a maioria dos nossos recursos acabaram de madrugada. Só podemos esperar agora.  E eu também não sou tão necessário. Todas as vitimas de queimadura já estão tratadas.

— Então aonde podemos?

O doutor Toht me levou até o subsolo do hospital. Tinham pessoas espalhadas até na escada.

— Só há um lugar que podemos conversar em paz.

Ele me levou até uma grande porta de metal. Na placa dizia Necrotério.

— Espero que não se importe. É o único lugar que poderemos ficar sozinhos.

— Isso não é um problema.

A sala era totalmente refrigerada e haviam vários sacos pretos empilhados nos cantos.

— São tempos difíceis. – Ele me diz

Ele se aproxima do interruptor e acende todas as luzes da sala. E é bem pior do que eu imaginava.

— A grande maioria está no hospital geral esperando liberação. Isso não é um terço das vítimas. Mas, você sabe disso. Por que você como eu, está envolvido até a cabeça.

Ele suspira e limpa o suor que começa a forma na sua testa.

— Eu tentei entrar em contato com a Mira, depois do festival, só que muitas coisas aconteceram de lá para cá.

Ele fica tentando arranjar desculpas, mesmo não tendo para onde ir após, eu me sinto ansioso torcendo para que ele termine logo de falar.

— E o que é que você queria me falar?

— Você pode me dizer aonde ela está? Eu preciso falar com ela.

Um  sorriso se forma em meu rosto.

— Eu passei dias na prisão, sendo coagido e torturado, e eu não disse nada, por que você acha que eu direi? Logo para uma pessoa que eu mal conheço.

Ele suspira.

— Em entendo.  Vou ser franco com o senhor. Eu quero que o senhor a deixe bem escondida, por que não é só Haru que está atrás dela.

Isso não me deixa surpreso.

— Eu faço parte de uma ordem Chamada Lótus Branca. Já fomos grandes e influentes, mas perdemos parte desse poder através dos anos. Vários membros desertaram e fundaram suas próprias organizações. E é através disso que ainda sobrevivemos. Somos uma  rede de informação e conhecimento.  

Eu estou impaciente. Respiro profundamente várias vezes.

— E é por isso que soubemos do senhor. General Iroh, do quinto comando naval da União.

Tenho um impulso. Sou mais alto que esse médico, o pego pela gola e o jogo contra a parede.

— Como você sabe disso? – Eu pergunto secamente.

Seus olhos se arregalam por alguns segundos.

— Sua impulsividade é lendária. Eu realmente não sabia quem era o senhor da primeira vez que eu o vi.  Mas, esse é nosso trabalho. Todas essas informações, todo esse conhecimento, é bem mais valioso que todo o ouro do mundo.

Eu o solto.

Ele tosse por algumas vezes.

— É como no Pai Sho, você não pode jogar sem saber as regras, sem saber a função de cada peça.

Ele retira do bolso do jaleco uma espécie de botão e me entrega.

— Uma flor?—Eu pergunto.

— Não uma flor qualquer, a lótus. E como no jogo, a única que pode derrotar o Avatar. 

— Eu não entendo.

— Não precisa. Só saiba que estamos aqui para ajudar, e precisamos do senhor. Ele já começou a ganhar nossas peças.

Eu sai de lá com mais dúvidas do que respostas. Toht no final me entregou um cartão, e disse que entraria em contato.

Pelo menos ele me deu um norte, eu sabia o que deveria fazer a seguir.

 

Fei Wal Ira

Eu sou famoso entre os meus. Meu nome é lendário entre os escondidos. Mas, ver o meu nome estampado na página policial me deixou incomodado.

— Você deve estar vivendo um sonho. – Sohee me diz.

— Não é esse tipo de fama que quero carregar. – Eu respondo a ela.

Eu fecho o jornal e me concentro nela.

Sohee está sóbria e isso é novidade. Muito se deve ao estado de Kitten, ele precisa de cuidados constantes, e Sohee quer estar sempre a sua disposição.  A campainha toca novamente e ela vai atrás dele.

Eu suspiro, já faz muitos dias que tudo aconteceu. Por pouco não conseguimos nos livrar de toda aquela confusão e salvar Kitten, que apesar de estar com vários ossos quebrados, ainda sobreviveu em meio a tragédia.

— Fei! – Ouço Sohee gritar o meu nome.

Me levanto e vou ao seu encontro.

O inchaço do rosto de Kitten diminuiu bastante. Porém ele ainda não consegue falar.

Sohee corre de um lado para o outro com ataduras nas mãos.

— Kitten está com dor de cabeça, você pode aliviar para ele? – Ela me diz entre tropeços.

Eu me sento ao seu lado, há uma jarra de água no criado mudo.

Respiro fundo antes de fazer isso. Depois de ontem, tudo ficou estranho. Dobrar a água requer mais esforço e concentração, além de que tudo está instável.

Faço a água envolver minhas mãos e me aproximo de Kitten. Por várias vezes tudo quase de desfaz.  

— Você está perdendo a prática? – Sohee me pergunta ao ver minha dificuldade.

Eu já expliquei para ela mais de dez vezes. E tenho a necessidade de explicar de novo.

— Não sou eu.  Eu já te disse, dobrar a água está diferente, desde ontem.

De novo, ela não presta atenção.

Eu suspiro. Demoro mais que o habitual, mas sinto que aliviei a dor de Kitten.

Isso sugou a minha energia mais que o necessário. Sinto muito sono. Bocejo alto.

— Vou cochilar um pouco.

Eu digo para os dois.

— De novo? Por que você quer dormir sempre que faz isso? – Sohee pergunta.

E como eu já expliquei isso para ela diversas vezes, eu a ignoro e vou para o outro cômodo, sento na minha poltrona e apago.

Não sonho, meu corpo estava tão cansado que quando eu acordo, parece que dormir por dias.

— Fei! – Sohee me acorda aos gritos.

— O que foi? – Eu digo de mau humor.

— Precisamos de ataduras!

Eu resmungo.

— E você quer que eu vá buscar?

— Claro. Alguém tem que ficar e cuidar de Kitten.

Não há muito o que fazer. Apesar de ter o rosto estampado por ai, eu ainda sou mais confiável que Sohee.

— Eu vou. – Eu digo me espreguiçando.

Despeço-me dos dois, mas antes examino Kitten novamente.

— O inchaço está diminuindo ainda mais. Continue a fazer as compressas, e o deixe bem hidratado.

Saio do nosso esconderijo, mantendo meu rosto escondido.

Já é dia, é difícil ter noção do tempo naquele buraco. O sol está brilhando forte, e não há uma nuvem no céu. Depois daqueles dias de tempestade, parece que finalmente o tempo está ao nosso favor.

Amanhã é lua cheia, eu chego a conclusão automaticamente. E esse fato que sempre me deixa empolgado, hoje me deixou apreensivo.

Ataduras, eu tenho que pensar nisso. Kitten precisa de mim.

Era de se esperar o caos na cidade, porém tudo está estranhamente calmo. Ando pelas avenidas, sem cruzar com qualquer rosto conhecido. Meu objetivo está em uma loja hospitalar que fica no centro.  A tragédia não atingiu a esse lado da cidade,  mas mesmo assim o clima é o mesmo, pessoas andando de cabeça baixa,  há poucos carros nas ruas e a maioria das lojas estão fechadas.

Demoro cinco minutos para perceber que estou sendo seguido. São duas pessoas, um homem alto e magro, e uma mulher baixa. Eles estão vestidos como qualquer um, mas percebo o movimento ordenado deles.  Não são da polícia, talvez do exército.  Me apresso , e vou por ruas paralelas,  eles fazem o mesmo.

Odeio ser perseguido, isso normalmente não acontece, mas quando sim, eu logo resolvo isso de uma maneira hostil, só que com a minha dobra instável, vai ser difícil enfrentar qualquer um, ainda mais soldados treinados.

Fico tão aflito, que quando percebo que estou perdido já é tarde demais.

— Fei Wal Ira? – A mulher diz quando está mais próxima.

É claro que eu não respondo.

— Você está preso, por conspiração e participação na queda do palácio presidencial. 

Ela diz alto. Todas as pessoas em nossa volta olham. Elas ficam assustadas e se afastam.

Eu descubro o meu rosto, já que não adiantava mais nada.

Viro para a mulher e falo.

— Acho que a senhorita me confundiu com alguém.

— Estamos no seu rastro  desde que vocês deixaram o desmoronamento. Coloque as mão para o alto e não se mexa.

Eu suspiro, e não faço o que ela diz.

— Nós não tivemos nada haver com aquilo.

A mulher tira uma espécie de distintivo do bolso, e em seguida retira uma pistola de dardos.  O homem não faz nada apenas observa,  mas, eu consigo ver suas intenções.

Eu não sou o líder dos escondidos por mero acaso. Eu não sou o melhor na cura com a dobra por acaso. Eu vivi no submundo por mais de 10 anos, sem ser preso ou detido. Mesmo com todo esse problema, ainda sou o melhor dobrador de água que eu conheço, e olha que eu conheço muita gente. 

Ergo lentamente minhas mãos. Os canos que passam embaixo da calçada soam como se fossem explodir a qualquer momento. Eu sei que o alto percebeu.  Ele está esperando que eu ataque.

— Eu disse para o chão!  -- A mulher grita.

Eu faço o que ela pede. Deito de barriga para baixo. E quando eu faço isso, o concreto cede, e um cano estoura. Vapor quente invade a minha frente, e o faz desaparecer por alguns segundos. Me levanto e tento achar um ponto cego. 

Estou preparado para correr quando alguma coisa atinge minha panturrilha. Sinto como se pregos estivessem sendo cravados.

Seguro um grito de dor.

— Você está preso. Não ouviu a mocinha? – O homem diz com uma voz grave.

Agora que ele fala, eu consigo perceber pequenas sutilezas no seu sotaque.

— Clã do metal, eu deveria saber.

Agora que o vapor se dissipou eu vejo o sangue escorrendo para o meu sapato, e duas hastes de metal na minha panturrilha esquerda.

— Isso doeu. – Eu digo simplesmente.

Acho que isso assustou mais as pessoas em volta do que eu.  As poucas que ainda observam, olham horrorizadas.

— Se eu fosse vocês, eu sairia correndo daqui. – Eu digo em direção a elas, que prontamente me obedecem.

Eu estralo o meu pescoço, e me espreguiço.

— Não existe outra forma de evitar isso? Claro, sem eu me render?

— Junini, por favor se afaste. – O homem diz para ela.

Eu percebo que ele usa uma espécie de cota de malha debaixo da roupa, lugar da onde ele tirou essas hastes.

Me abaixo e puxo a primeira haste.

— Apesar de sangrar bastante, não pegou em nenhum lugar importante. – Eu digo para quem quiser ouvir.  – Você não conhece muito a anatomia humana – Me viro para ele.— É apenas um soldado burro e alienado.

Eu não preciso de muito, talvez 2 minutos. Esse homem é grande e suas partes vitais estão quase a mostra.

Muitas pessoas temem dobradores medicinais. Somos amados e odiados ao mesmo tempo. Curamos na maior parte das vezes, porém, como a pessoa que me ensinou me disse uma vez. “Você não pode ir a guerra sem saber se defender, se não, você será apenas um cadáver ambulante.”

Tiro a outra haste, e passo dois dedos na minha boca.  Selo a as feridas com um pouco de saliva.  

— Acho que agora eu estou pronto.

É instável, quase incontrolável. Porém amanhã ainda é lua cheia.  Isso vai cobrir minhas deficiências.

Antes que o homem grande perceba, eu já estou com uma espécie de agulha fina apontada para ele.  

Ao mesmo tempo em que eu a jogo em direção ao seu pescoço, ele faz com que as hastes que eu acabei de retirar, envolvam os meus tornozelos.

Eu caio de joelhos no chão, porém  eu também ouço o seu grande corpo atingi-lo.

Não tem erro essa técnica funciona na maioria das vezes, é só barrar a passagem de oxigênio para o cérebro que até os maiores caem.

Forço os meus pés, eu estou preso. Mais preso do que deveria. A mulher olha aflita porém, ela ainda aponta aquela maldita arma de dardos para mim. Esse último ataque sugou mais energia do que deveria.

Respiro. Kitten ainda precisa das ataduras, mais que isso, todos eles ainda precisam de mim.

Quando acho que está tudo acabado, alguém, um pedestre, não consigo ver direito .  Se aproxima da mulher.  Quase como o que eu fiz, ele passa o braço ao redor do seu pescoço.  E a derruba facilmente.

É um homem alto, com a barbar por fazer, ele possui o cabelo curto e escuro, e olhos dourados.  

— Acho que conheço você. – Ele me diz.

— Ah, todos me conhecem. Meu rosto sequer está estampado em casa centímetro da cidade. – Digo com mais ironia do que deveria .

— Ah, sim. Você. Você ajudou a Mira?

Mira? A sim, a amiga da Suni, um dos principais motivos dessa confusão. A garota bonita e nervosinha.

— Ah, ajudei. – Digo simplesmente.

Ele se aproxima com cuidado, e me ajuda a levantar.

— Temos que sair daqui logo. – Ele diz o óbvio.

Eu não consigo me mover muito bem. O metal quase se fundiu com a minha pele.  Ele se aproxima e me ergue com muita facilidade.

Devagar, nós saímos do meio de tudo aquilo, ele me ajuda a andar até um beco distante.

— Eu sou Fei Wal Ira. – Falo quando paramos.

— E eu sou Iroh.

Olhando melhor, vejo como ele está acabado, parece que ele não dorme a dias, além de que percebi que ele está mancando.

Ele se abaixa e toca o metal dos meus pés.

— Ele fez um bom trabalho, é um arco perfeito, sem nenhuma marca de fundição.  Apesar de tudo, o metal é fino, e não parece ser um liga forte. Vai ser fácil.

Ele parecia entender de metal.

— Eu também já fui um metalúrgico. – Ele diz como se lesse meus pensamentos.

— Isso é ótimo. – Eu só consigo concordar.

— Eu vou te ajudar, porém precisarei que você pague essa ajuda.

Eu não tinha como negar, apenas acenei.

— E que ajuda é essa?

— Precisarei que você seja uma das minhas peças.

E ele me disse aquilo com convicção, e eu não entendi nada.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por acompanharem, mesmo com essa demora de um capítulo para o outro. Tento escrever o máximo que posso. E pretendo terminar essa história nesse livro.