Ode aos desafortunados escrita por Angelina Dourado


Capítulo 7
A Vigia e o Colapso


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Deixando aqui mais um capítulo, boa leitura!



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Havia lugares que era impossível sentirem-se seguros. Na floresta densa havia o perigo dos lobos, enquanto nas estradas a maldade dos homens. Encontrar um refúgio afastado das ameaças não era fácil, Loki sabia muito bem o quão difícil era adormecer tranquilo nos tempos em que viajava sozinho. Costumava dormir escondido nos galhos das árvores, enfiado em um tronco oco ou escondido pela vegetação, não confiando sequer no som do farfalhar das árvores.

O cão ajudava muito nesse quesito, com os ouvidos e faro sempre alertas, o seu uivo era um sinal no caso de qualquer presença estranha. Mas havia situações do qual não dava para se confiar inteiramente no animal, que por vezes podia chamar ainda mais atenção de predadores, fazendo-se necessária a troca de vigia entre os dois andarilhos.

Não é como se estivessem perdidos, Loki tinha quase certeza que na direção leste havia uma estrada em direção a algum feudo menor. Porém, eles acabaram adentrando mais na mata do que o previsto, não conseguindo se escapar da escuridão das copas antes do anoitecer, quando os uivos dos lobos começaram a cantar para a lua. Estavam cansados e famintos demais para continuarem a viagem, por mais desgostoso que fosse eles precisaram parar no meio da floresta coberta por seus pinheiros de trevas.

Conseguiram dias atrás algumas porções de carne seca, sendo que essa estava sendo o cardápio de quase todas as suas manhãs e noites. Já estavam tão acostumados com refeições sem gosto e repetitivas que mal se lembravam do sabor de algo fresco. Aproveitaram acender uma fogueira, apesar da temperatura agradável as chamas podiam espantar diversos animais selvagens que por ali passavam, além de estarem longe demais das estradas onde viviam pessoas que poderiam fazer algum mal se os notassem.

A floresta se tornou rapidamente em completo breu assim que o sol se pôs. O fogo era o único ponto de luz em todo aquele lugar, sem ele nenhum dos dois seria capaz de ver um palmo a sua frente. O ambiente exalava perigo, e nenhum dos dois viu outra escolha melhor a não ser fazerem turnos de vigília, sendo que Loki permaneceria na primeira parte da noite.

Era um trabalho cansativo, não apenas pelo sono que o dominava cada vez mais, mas também pelo próprio comportamento da noite. Sentia-se receoso, os sentidos aguçados pela escuridão, virando os olhos de um lado para o outro com cada som diferente. Uma de suas mãos se posicionava perto da espada, enquanto outra segurava com firmeza uma faca bem afiada. O ócio o exauria e temia que qualquer movimento que fizesse fosse capaz de acordar Friedrich, assim como temia qualquer movimento da própria floresta.

Vez ou outra sua visão se focava em seu companheiro, dormindo a alguns pés de distância. Contudo, controlava-se para focar sua atenção apenas na sua guarda, pois sabia que se o olhasse por muito tempo acabaria esquecendo-se de sua função.

Não tinha uma forma exata de saber as horas, apenas seguindo o próprio instinto e notando a exaustão se apossar de seu corpo, Loki soube o momento certo de trocar a vigília. Levantou-se do lugar que repousava, indo em direção ao local onde Friedrich descansava. Estendeu a mão para acordá-lo, mas parou abruptamente. Havia uma serenidade no rosto adormecido que fazia Loki sentir que seria uma lástima despertá-lo, pois dificilmente via o outro calmo daquela forma.

Friedrich não era uma pessoa nervosa ou agitada, mas parecia estar sempre preocupado com alguma coisa, pensando sobre tudo ao mesmo tempo, como um coelho que mesmo em sua toca sempre espera pela aparição de um predador. Ele poderia estar inerte, mas seus olhos brilhantes sempre demonstravam ansiedade, um temor do qual Loki ainda não compreendia.

Por isso ao ver o companheiro daquela forma desarmou Loki por completo. Durante alguns segundos prendeu até a própria respiração, temeroso que até isso pudesse acordá-lo. Aproveitando a oportunidade para admirá-lo de forma que raramente conseguia, pois por serem tão próximos fazia com que qualquer interesse seu fosse fácil de ser reconhecido, acabando por sempre tentar evitar ser tão óbvio em suas atitudes.

Sentiu um arrepio na boca do estômago, conforme seus olhos passeavam pelo corpo do homem ao seu lado seu rosto esquentava, talvez naquele instante Loki estivesse da mesma cor de seus cabelos. Afastou o olhar, acanhado e soltando o ar que segurava até então. Isso é indecente, pensou enquanto voltava seus olhos lentamente até se fixarem no rosto de Friedrich, sentindo o coração e todas as suas veias pulsarem com mais força.

Por que me amaldiçoam tanto? Questionou para qualquer um dos deuses que estivesse ouvindo. Pois sabia que tudo aquilo se tornara além da amizade e até do desejo carnal. E Loki já estava vivo há tempo o suficiente para saber que não estava destinado a viver qualquer história de amor, pois já era difícil demais ser apenas um pagão, quem dirá tentar viver quaisquer paixões. Nenhum verso das novelas de cavalaria era capaz de exprimir com exatidão suas lamúrias, pois nenhum deles explicava como era amar aos outros homens, quem dirá cobiçar alguém como Friedrich. Sua vida amorosa estava mais para uma fantasia inexistente á uma tragédia grega.

Mas havia algo em Friedrich que Loki havia notado além de seu corpo em si, dominado pelo desejo que tentava estancar. Com os dias mais quentes, nenhum dos dois usava mais chausses para cobrirem as pernas e as mangas das túnicas estavam quase sempre arregaçadas. Por conta disso Loki notara em Friedrich alguns hematomas e cicatrizes pelo seu corpo, que antes mal conseguia ver nas trocas de roupa ligeiras que ambos faziam. Podia notar que não eram novos, mas recordava que vez ou outra percebia a presença desses machucados, mostrando que ele se feria com certa frequência.

Tinha a sensação do peito se despedaçar ao tentar compreender aquilo, não ficando aliviado com nenhuma justificativa que sua mente criava. Almejava poder entender o que se passava com Friedrich, porém com o comportamento esquivo do outro não parecia haver grandes esperanças nisso.

Com cuidado para não acordar o outro, Loki afagou seus cabelos loiros, que talvez pelo costume ele sempre os deixava sempre curtos, sentindo os fios pinicarem sua palma. Em dado momento levou sua mão até o rosto de Friedrich, sentindo sua pele macia e a barba por fazer enquanto o acariciava com carinho. Sua alma enchia-se de júbilo com aquele contato, mas a preocupação não se esvaia. Queria ajudar Friedrich, compreender as suas angústias e protege-lo de quaisquer que fossem seus inimigos. Não se importava se jamais fosse correspondido pelos seus sentimentos, na realidade não ousava brotar qualquer tipo de esperanças quanto a isso, apenas queria conseguir livrar Friedrich de seus tormentos.

Sentia o coração descompassado enquanto continuava a passear com seus dedos pela face repleta de candura de Friedrich. Imaginava que poderia passar a noite inteira assim, e o faria se não soubesse que ele poderia acordar a qualquer momento. Suspirou pesaroso, sabendo que já era hora.

Afastou a mão do rosto de Friedrich e tocou seu ombro, dizendo que estava na hora de sua vigília.

Aquela era uma noite infeliz.

                                                                   ***

O tempo abafado começava a voltar a respirar com leveza mais uma vez depois de uma tortuosa chuva. Com as botas molhadas e de cabelos úmidos, os dois viajantes se refugiaram em uma pequena gruta escondida na floresta próxima da estrada.

Havia pequenos sinais que ali era um lugar constante de refúgio, como os restos de uma fogueira e cinzas de um cachimbo, dando a impressão de estarem invadindo o local. Mas ali não passava de uma das maravilhas da natureza, e no meio daquele dilúvio ambos agradeciam pelo teto ancião em suas cabeças.

As túnicas ensopadas estavam estendidas no chão de pedra. Ambos os viajantes estremeciam encolhidos nos cantos, vestidos só com os calções e as camisas de linho. Estavam há tantos meses viajando juntos que mal se importavam em verem um ao outro só com as roupas de baixo, contudo, naquele momento não se sentiam a vontade em trocarem uma única palavra, em parte pelo frio e parte pelo breve constrangimento. Vez ou outra espiavam um ao outro com o canto dos olhos, os desviando logo em seguida. Friedrich pedia misericórdia em sua cabeça, enquanto Loki apenas brigava consigo mesmo.

Aquele tipo de situação era um dos infortúnios de viverem como peregrinos, sem haver um lugar pelo qual pudessem se refugiar nos dias ruins. Naquele dia ainda tiveram sorte de encontrarem refúgio, entretanto nem sempre a vida os oferecia essa bonança.

Passado algum tempo, a chuva tornou-se branda e Friedrich se levantou. Vestindo a túnica ainda úmida e as botas pesadas de água. Seu olhar estava apático, de um jeito que Loki já conhecia, porém não compreendia.

— Já retorno. Apenas vou aliviar-me. – Disse saindo da caverna, com Loki podendo ouvir seus passos agitarem as poças formadas na terra. Observou sua caminhada, estranhando o fato de Friedrich se distanciar mais do que o necessário, desaparecendo em meio à vegetação. Tinha um mau pressentimento, porém Loki não sabia se sequer deveria fazer algo.

Resolveu ocupar a mente com suas poções e remédios. Na primavera muitas flores emergiam, sementes eram distribuídas e flores desabrochavam, era o momento perfeito para refazer todo seu sustento. Havia separado diferentes folhas, grãos e tudo mais que pode encontrar na floresta ou á venda em bancas de comerciantes, do qual não teve tempo para colocá-los em ordem ainda. Separou os frascos, diluiu em água, amassou até virar o pó, queimou até que o cheiro arbóreo dominasse todo o ambiente. Misturou com água, com o resto da cerveja que carregavam, ou deixava da forma que a natureza criou. As receitas mudavam conforme o resultado que a poção fornecia.

Naquele momento Loki sentia-se desconectado do resto do mundo, apenas ele e seu conhecimento. As plantas o inebriavam de uma maneira nostálgica, reparando cicatrizes em seu amago à medida que se sentia satisfeito com o próprio trabalho. Seus olhos de esmeralda percorriam de maneira meticulosa cada detalhe, separando cada composto em seu respectivo recipiente. Enquanto trabalhava o vento inclinava as árvores em sua direção, quase como se espiassem curiosas o trabalho do druida.

Loki sentia-se leve conforme ia fazendo suas receitas, sorrindo para si mesmo sem que notasse, pois amava o que fazia. Entretanto, conforme ia preenchendo os frascos ele acabava se dando conta do tempo que se passava sem o retorno de Friedrich. Em um ponto, Loki ficou por alguns segundos pensando, olhando das poções para a garoa, dividido entre a ideia de deixá-lo ou ir atrás.

Levantou-se de maneira firme, rumando para a floresta.

Percorreu o caminho sinuoso das árvores como um labirinto, mas não procurava por uma saída e sim por alguém. Conforme contornava os troncos e pedras, uma preocupação latente e um medo doloroso o dominava cada vez mais. Aquela não era a primeira vez que Friedrich sumia daquela forma, mas era a primeira vez que Loki resolveu enfrentá-lo quanto a isso. Por mais que dissera para o companheiro que teria paciência, não conseguia mais suportar todo aquele suspense, preocupava-se com a integridade de Friedrich e sabia que não se perdoaria caso algo de grave ocorresse com ele.

Não soube por quanto tempo explorou a região, mas enfim descobriu onde o companheiro estava escondido. Ele estava sentado em um tronco situado em uma clareira, o cão repousava aos seus pés o fitando com olhos tão aflitos quanto os de Loki. Friedrich estava com as costas curvadas, segurando as têmporas com as mãos, como se algum pensamento o perturbasse ou sua cabeça estivesse dolorida. Assim que ouviu os passos de Loki ele levantou o rosto lentamente, parecendo descrente com o que via.

— O que faz aqui Loki? – Questionou alarmado com os olhos quase saltando das órbitas, naquele momento Friedrich não tinha mais certeza se estremecia pelo frio ou pelo pânico. Afinal, poderia acontecer a qualquer momento com Loki estando ali por perto.

— Eu que pergunto! O que tu fazes aqui Friedrich? – Loki aproximou-se, estranhando a forma como o outro se encolhia como um animal assustado. Friedrich permaneceu em silêncio, parecia não saber o que responder. – Por que sempre se escondes dessa forma? Indo até as sombras e retornando taciturno, como se não houvesse amigo para quem recorrer.

— Apenas vá Loki, não há nada para você encontrar aqui. – Disse rudemente, como uma última alternativa de defesa. Contudo, Loki era teimoso demais para desistir com simples palavras e Friedrich sabia muito bem disso. Pensava que deveria ter se preparado melhor para aquela situação onde seria enfrentado por Loki, mas sabia que havia falhado miseravelmente.

Sentiu um gosto metálico na boca, um arrepio subiu por sua espinha, não havia mais o que ser feito.

— Claro que há! Importo-me contigo, tolo! O que eu faria agora, caso algo lhe ocorresse? Pela Mãe e todos os deuses, eu sou um druida Friedrich! Eu ajudo a todos que me pedem auxílio, mas que tipo de homem seria se não sou capaz de ajudar a quem amo?!  – Auferiu com os punhos cerrados, não conseguindo controlar o peito acelerado ao dizer aquilo.

Friedrich pareceu encolher-se mais ainda ao ouvir aquilo, a melancolia o abateu por provocar tais preocupações no companheiro. Por um lado se arrependia por não ter explicado antes sua história para Loki, contudo havia grandes motivos para todo o seu medo. Não conseguiria ser deixado na mingua mais uma vez, ainda mais por alguém que lhe é tão querido.

O maldito gosto de ferro não saía de sua língua.

— Eu lhe disse que esperaria até o momento que estivesse pronto para me contar, que seria paciente. E afirmo-te Friedrich que sou um homem de palavra, mas temo que este dia não chegue e que o pior lhe aconteça sem que eu possa impedir. Sempre o vejo tão aflito e não consigo me sentir íntegro, pois sou incapaz de ignorar tua angústia. Por isso lhe imploro que ponha alguma luz sobre meus olhos. – Havia grande persistência e inquietação na voz de Loki, seus olhos verde folha estremeciam dentro dos orbes e sua respiração estava inquieta. Tratava-se de dois desesperados no mesmo recinto.

— A melhor coisa que pode fazer por mim neste momento Loki, é deixar-me. – Friedrich levantou-se, sentindo-se aturdido. Sabia que em outra situação jamais daria as costas de forma tão fria para o amigo, contudo tinha a ciência máxima de que não havia nada do qual pudesse ser revelado. Era uma jornada da qual sempre fora melhor enfrentar sozinho.

Que Deus tivesse a piedade de lhe dar tempo.

— Não ouse dar as costas para mim agora Friedrich! – Loki esbravejou, não sabendo se de raiva ou desespero, provavelmente um misto dos dois. Friedrich apenas continuou seu caminho, tentando manter o olhar firme, mas sua mente lentamente se apagava. As pernas cambaleavam e seus passos se tornavam cada vez mais desiquilibrados. Notando isso, Loki foi ao seu auxílio. – Pelos deuses Friedrich, que há de errado?

Não ouve resposta, pois Friedrich não estava mais ali. Era tarde demais.

Loki segurou seu peso, sentindo todo seu corpo tremer. Não, debater-se. Na realidade o druida não conseguia assimilar tudo o que acontecia, não era capaz de segurar Friedrich por conta de seus movimentos impetuosos.  Tentou pô-lo no chão com o máximo de zelo possível, mas Friedrich caiu feito um baque de qualquer maneira, sem controle algum do próprio corpo.

Tentava chamar pelo seu nome, entender o que acontecia, mas ao olhar para seu rosto notou que não havia consciência. Seus olhos se reviravam até sumir com suas íris, os dentes batiam e sua boca espumava, com saliva escorrendo pelo seu queixo. Grunhidos dolorosos saíam de sua garganta, a respiração parecia sofrida e escassa.

Loki tentava inutilmente fazer com que Friedrich parasse de se mexer daquela forma incontrolável e dolorida. Mas seus membros batiam-se uns nos outros, o corpo inteiro agitava-se sem sentido algum. Por mais que tentasse segurar seus braços e pernas, acabava apenas levando tabefes de Friedrich sem intenção. No final Loki apenas ficou paralisado, os olhos arregalados e confusos, assustado com o estado do companheiro. O cão mantinha-se em pé ao seu lado, os olhos atentos no dono, parecendo já familiarizado com a situação.

Aqueles segundos tortuosos foram como séculos passados no Inferno, tendo que observar Friedrich sofrer de forma agonizante, sem poder fazer nada. Em toda sua vida tratando de enfermidades, Loki jamais tinha visto algo assim, e isso era o que mais o assustava. Sentia-se inútil ao ver que não sabia fórmula alguma de impedir a dor de Friedrich, formando um nó em sua garganta conforme o via revirar-se nas pedras lacerantes.

O corpo de Friedrich parou de repente, permitindo um descanso daquela batalha contra si mesmo. Loki correu trôpego ao seu encontro, puxando-o para seus braços e passando as mãos em seus cabelos, revelando sangue advento de um corte feito na queda. Estava desacordado e por mais que o ruivo chamasse pelo seu nome e o sacudisse, Friedrich não despertava de forma alguma.

Ele não pensou duas vezes, ergueu-o em seus braços e rumou até a caverna que estavam abrigados. Imaginando que no meio de suas próprias coisas surgiria alguma ideia para o problema de Friedrich, seja lá o que aquilo fosse. Seria loucura? Doença? Algo talvez pior que a própria Peste. Veneno? Feitiçaria? Não se surpreenderia com os deuses realmente lhe amaldiçoando. Milhares de ideias vinham em sua mente, uma pior do que a outra para sua infelicidade e sem quaisquer chances de soluções.

Retirou de Friedrich a túnica encharcada e coberta de lama, não era um momento que exigia pudores. Sua cabeça de druida apenas pensava no o que, por que e o que fazer. Nem sempre tinha resposta para todas essas questões, mas este era o primeiro caso onde não sabia nenhuma delas.

O cobriu com seu manto, que estava um pouco mais seco que o restante das roupas. Mas Friedrich suava e ficava cada vez mais gelado, perdendo a temperatura de forma preocupante. Loki sabia controlar isso, mas o que o angustiava era não conseguir compreender o que havia se passado.

Suas mãos estremeciam enquanto tentava acender o fogo, que naquele momento não era o seu maior temor. Havia muitas perguntas em sua mente da qual temia a resposta. Seriam os deuses cruéis ao ponto de tirar mais pessoas de si? Não queria pensar em Friedrich como alguém prestes a perecer, contudo não havia quaisquer sinais favoráveis ao seu redor. Nunca vira alguém colapsar daquela forma, sendo impossível não imaginar qualquer trágico destino.

— Por favor, não o levem... Faço o que for preciso, mas eu imploro que não o tirem de mim. Não compreendo que tipo de sina vós e o mundo possuem comigo, só não arranquem sua vida apenas para meu sofrimento. – Sussurrava para deuses do qual não sabia o nome, enquanto segurava em seus braços o corpo desfalecido de Friedrich. Sentia a garganta doer pelos soluços enclausurados, mas Loki se recusava a dar o gosto de sua dor para aquela vida cruel.

Se a crise de alguns segundos assombrara Loki, as horas de espera pelo despertar de Friedrich foram mais dolorosas ainda. Tentava procurar a solução em algum dos seus diversos remédios, praguejava a todos os deuses e andava de um lado para o outro pensando no que fazer. Todavia, Loki sabia que no fundo a melhor coisa que podia fazer era esperar. Assim grande parte do tempo apenas segurou o companheiro em seus braços, acariciando seus cabelos e esperando com o resto de paciência que ainda tinha.

Pois o coração de Friedrich ainda batia e Loki sentia sua respiração. Dois simples detalhes, mas tão importantes e vitais que faziam com que o druida não desistisse de tudo naquele momento. Friedrich aos poucos voltava a se aquecer novamente, preenchendo os braços de Loki com o calor de seu corpo.

Apenas nas primeiras horas do anoitecer as pálpebras de Friedrich começaram a estremecer em busca de um despertar. Loki sentiu seu coração falhar uma batida e um sorriso involuntário preencheu sua face quando pode ver mais uma vez os olhos da cor do dia.

— Graças aos deuses! Sabia que não seriam atrozes a este ponto! – Loki ajudou Friedrich a se reerguer, endireitando suas costas enquanto o loiro percorria os olhos de um lado para o outro, tentando fazer alguma conexão com sua mente ainda turbulenta. – Como se sentes? Eu estava prestes a enlouquecer de preocupação por conta do que aconteceu.

Friedrich precisou de tempo para compreender o que havia acontecido. Os olhos de Loki logo acima de si o tirava a pouca concentração que tinha, mas sua razão ainda não estava adormecida. Quando Loki começou a se questionar se Friedrich realmente estava consciente, o alquimista o empurrou para longe de si, os olhos denotando imenso pavor.

— Não, não me digas que e-eu... O que você viu Loki? Oh Deus, n-não pode ser... – Friedrich gaguejava enquanto falava, parte por conta do pânico, mas também por sua mandíbula ainda amortecida. Tremia e olhava para Loki com os olhos estremecendo nas órbitas, ameaçando ficarem marejados enquanto se afastava lentamente arrastando-se para trás.

— O que há de errado Friedrich? Eu não compreendo. – Questionou, o sorriso havia se desvanecido e o medo do outro parecia alimentar seus próprios temores. – Eu me senti tão assustado por você naquele momento, temendo por sua vida ser ceifada. Preciso que me ajude a compreender o que se passa.

— Não deverias ter visto, oh Deus eu não podia ter deixado isso acontecer... O que tu deves pensar agora? O que serás de mim? – Friedrich pareceu não dar ouvidos ao que dissera, apenas murmurando para si, segurando sua cabeça com as próprias mãos em desespero. Loki observava a cena com o coração na mão, começando a entender em partes o que se passava na mente do amigo. Ficara tão assustado com a crise do outro, que pouco refletira do por que Friedrich querer esconder tanto aquele segredo.

Loki se aproximou de Friedrich, que ao notar seus movimentos se retesou mais ainda contra a parede de pedra. O ruivo não pestanejou, pegando seu rosto com as duas mãos, fazendo com que seus olhos se encontrassem. Sua feição era dura, mas ainda sim seus olhos denotavam zelo para com o outro. Apenas com um olhar pode sentir Friedrich relaxar um pouco, como se entendesse o que queria dizer mesmo sem palavras.

— Escuta-me. – Disse firmemente, mas sem levantar a voz. – Eu não sei que eventos terríveis lhe ocorreram e que atitudes cruéis o cercaram para que nos encontrássemos naquela manhã. Mas ainda assim Friedrich, juro-te que não há nada para se temer se estiver comigo. Eu o prezo demais para ser capaz de lhe depreciar de qualquer maneira, e tu me conheces há tempo o suficiente para saber que não faço isso com qualquer outra criatura. Tudo o que lhe peço nesse momento é que divida seu fardo comigo, pois quero entender o que se passa e assim conseguir ajudar-te.

Uma lágrima solitária brotou do olho esquerdo de Friedrich, descendo seu rosto até tocar na mão de Loki. Apesar disso, era possível notar que ele voltava a refletir com calma mais uma vez. E mesmo lembrando-se de todos aqueles que lhe deram as costas, via-se incapaz de não confiar no olhar gentil e sincero de Loki.

— É uma longa e dolorosa história, da qual nunca contei a alguém. Jamais pensei se algum dia a compreenderiam. Até de meus falecidos entes chego a duvidar alguma compreensão. – Disse com pesar, desviando o olhar por alguns segundos quando começava a lembrar.

— Sou um bom ouvinte. – Loki disse e Friedrich voltou os olhos para ele, perseverante em continuar.

Com a música tocada pela chuva, as árvores escutaram com atenção todos os lamentos do antigo frade beneditino.


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Notas finais do capítulo

Epilepsia podia ser algo bem assustador em uma época em que a medicina andava rastejando.
Infelizmente o próximo capítulo provavelmente vai demorar mais tempo do que o normal para ser postado, mas é por um bom motivo! Como o próprio Friedrich disse, trata-se de uma LONGA história.
Comentem o que acharam e nos vemos no próximo capítulo! ^-^



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