Ode aos desafortunados escrita por Angelina Dourado


Capítulo 2
Os Ratos e a Peste


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Aqui estou eu com mais um capítulo. Fiquei muito animada ao ver os comentários e acompanhamentos que recebi logo no primeiro capítulo, pensei que ia passar batido aqui no site, isso me animou muito e agradeço a todos vocês!
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754466/chapter/2

 

Quando Loki acordou no dia seguinte, assustou-se com a fogueira á poucos metros de si. O fogo era algo que ainda o apavorava vez ou outra, por mais que precisasse dele em sua vida nômade, ainda assim sempre sentia uma dor em seu âmago. Pois o trauma era latente mesmo depois de tantos anos.

Imaginando que Friedrich ainda não estivesse pronto para seguir viagem, levantou-se com calma, sentindo o ar fresco da manhã em seu rosto sonolento. Era uma manhã silenciosa e nublada, nem os pássaros ousavam cantar.

— Peguei emprestada uma navalha que encontrei em suas coisas, espero que não se importe. – Foi como Friedrich iniciou aquela manhã, fazendo com que Loki se surpreendesse ao ver a nova aparência do outro. Seus fios loiros haviam desaparecido por completo, deixando a cabeça completamente raspada, com alguns cortes aqui e ali provocados pela lâmina sem fio.

— Nova tendência entre os monges? – Perguntou com um riso abafado, sendo respondido com um meio sorriso do outro que tinha consciência que não tinha ficado muito bom.

— Cortamos o cabelo daquela forma para nos diferenciarmos. Mas agora não preciso mais disso. – Explicou fechando o cenho, ficando com o olhar perdido, como se pensasse em algo que gostaria de esquecer. Era óbvio para Loki, observador como sempre, perceber que seja lá o que tinha feito Friedrich andar sozinho pela floresta não era algo bom. Por isso tratou de desviar do assunto.

— Melhor que sua família consiga te reconhecer assim. – Comentou e pode ver o esboço de um sorriso surgindo de Friedrich, o que o alegrou de certa forma.

— Mesmo com a cabeça de um frade eu tenho minhas dúvidas se conseguiriam saber ao certo que sou eu, não os vejo fazem mais de dez anos. Entrei no mosteiro aos quinze, desde então nunca mais os revi. – Friedrich contou com um olhar nostálgico no rosto, era latente sua ansiedade para rever seus entes queridos.

— Tenho certeza que irão te receber de braços abertos.

— Espero que sim. – Friedrich jogou um pedaço de graveto na fogueira, fazendo as chamas crepitarem com mais intensidade. Loki olhou para o fogo por vários segundos, quase que hipnotizado. – Alguma sorte com a caça?

— Sequer os ossos. – Bufou descontente ao lembrar-se da armadilha vazia em todas as vezes que foi checá-la.

— Talvez possamos encontrar algo melhor quando chegarmos à vila, não é uma boa época, mas sempre se consegue alguma coisa por uns florins ou pence. – Comentou começando a se levantar, com dificuldade, apoiando-se em um tronco até que se sentisse firme o suficiente para permanecer em pé. – Alguma previsão de partida?

— Não com você neste estado. – Loki o repreendeu se levantando na hora para ajudá-lo a se por em pé, mas assim que chegou Friedrich já parecia estável, quase podendo enganar quem o visse.

— Posso andar, ademais terei tempo para me recuperar quando estiver em casa. Não falta muito e quanto antes chegarmos será melhor para ambos. – Tentou se explicar, mas tudo o que recebeu foi um olhar de censura do druida, os olhos verdes parecendo ficar mais escuros por conta de seu humor. Friedrich sentiu um arrepio subir por sua espinha, pois para ele aquele homem estava com a face do diabo. – Tudo o que mais anseio agora é voltar para casa, não sei como poderei me sentir melhor sem isso.

— Não mais me responsabilizarei se algo acontecer á você. – Em outras palavras Loki queria dizer ‘’Dá próxima vez eu deixo que morra’’. Porém até um eremita como ele sabia se portar.

— Admitirei toda a culpa, mas não será preciso. – Disse confiante e viu o sorriso de Loki se transformar em algo sacana, como a imagem da perversidade. Não sabia ao certo por que, mas sentiu que deveria pedir perdão para Deus naquele momento.

— Só o acompanharei pela estrada se me deixar tratar de suas feridas á minha maneira.

Loki não tinha noção o quanto a ideia incomodava Friedrich, mas o druida achava a ideia cabível. Era mais seguro deixar o ferido da melhor maneira possível, sem que houvesse riscos de maiores infecções ou que os pontos abrissem. Se acabasse tendo febre, infecção, ou dor o suficiente para nocauteá-lo, não poderiam prosseguir com o caminho.

Mas Friedrich era muito mais que um homem desconfiado, era um homem que seguia a palavra de Deus e as leis da igreja. Se misturar com um pagão como Loki era muito mais do que a danação do purgatório, era uma ofensa para si mesmo. Praticar seus sortilégios era uma afronta ao homem por ser a própria imagem e semelhança do Divino.

Acreditava que Loki poderia ser um homem de boas intenções, mas perdido nos braços do demônio. Mas também tinha a ideia de que o homem de cabelos infernais fosse algum tipo de teste á sua fé, o que o amedrontava, pois não via outro tipo de escapatória que não fosse o auxílio de Loki.

— Friedrich? – Loki indagou depois do frei não dizer nada, o despertando de seus dilemas morais.   

Pai, perdoe-me por passar pelo vale das trevas. Que eu possa ser forte o bastante para desviar das mentiras de Satanás.

— Como um homem que sequer consegue fazer uma sutura pode ajudar na medicina? – Questionou desconfiado, numa tentativa de tirar aquela ideia da cabeça de Loki. Mas tudo o que o druida fez foi apenas alargar o sorriso de malícia, como se já esperasse aquela pergunta.

— Admito que pouco sei de anatomia, gostaria de aprender de alguma forma com alguém experiente no assunto. Mas durante toda a minha vida aprendi sobre a cura através da natureza, e posso lhe garantir que já salvei e ajudei muita gente com o meu conhecimento. – Disse num tom de orgulho que foi respondido com os olhos da cor do desdém de Friedrich.

— Sem magia. – Friedrich afirmou, como se caso ele mesmo falasse talvez se tornasse verdade. Loki pensou por um momento, dando de ombros.

— Em minha opinião, a natureza é mágica e cheia de vida. Mas pense o que quiser com isso.

Aquela não era a resposta que Friedrich queria ouvir, era a certeza que estaria se metendo num caso de bruxaria. Viu-se em uma incógnita, mas tinha consciência que precisava ultrapassá-la de algum jeito.

Além do mais, queria muito estar em casa. Era o único jeito de por um fim em toda aquela jornada pelos círculos do Inferno. Quando é que Deus lhe daria um descanso?

Na morte. Pensou, assombrando-se com a própria ideia em seguida.

— Vamos partir ao meio dia. – Disse e na hora Loki percebeu que aquilo era um sim.

Friedrich foi o paciente mais difícil de Loki. Não era um caso complicado, o problema era ele próprio, muito mais que suas crenças era a sua petulância, um ar de superioridade que irritava o ruivo. Enquanto manipulava a ferida, ele ficava estático feito uma pedra, como se caso respirasse iria ser levado automaticamente para as profundezas do Inferno. Murmurava diversas palavras em latim, mas a única do qual Loki compreendia era Deus, que hora ou outra sempre aparecia nas orações.

Eu deveria cobrar dez libras só pelo trabalho que está me causando.

— Se beber isso até a última gota, partimos imediatamente. – Falou oferecendo um líquido de cor e consistência estranha. Naquele ponto Friedrich já havia parado de perguntar do que era feito, pois era sempre respondido com o nome de plantas de tantos nomes que chegava a desconhecer alguns. Pegou o frasco com mais confiança do que seu âmago realmente sentia, o que fez com que Loki desse um risinho de alegria.

In nomine Patris, et Fili, et Spiritus Sancti. — Proferiu antes de beber tudo em um único gole, fazendo uma careta devido ao gosto terrível do líquido que parecia regado a álcool. – Amem.

— Pronto para seguir viagem? – Loki questionou com uma expressão de orgulho, como de uma mãe ao ver o filho dar os primeiros passos. Friedrich não gostou muito daquilo, mas estava mais interessado na estrada do que contestar o feiticeiro.

Friedrich sentia-se ansioso e culpado por não ajudar Loki a organizar as coisas. Apesar de não haver muita coisa a se guardar, além de algumas cobertas de peles, vidros vazios e apagar o fogo, o monge se sentia inútil ao não fazer nada. Teve que se conter para não se oferecer a dividir o peso da mochila, mas naquele momento mal conseguia segurar o próprio peso. Sentiu-se mais embaraçado ainda quando Loki passou seu braço esquerdo para apoiar em seus ombros.  Queria ir para casa, mas gostaria de fazer este feito individualmente.

Loki sofria com o peso da mochila nas costas, e ainda mais com o corpo de Friedrich apoiado no seu. Mas decidiu sem questionar muito a si mesmo que era melhor assim, pois o frade avançaria muito lentamente sem ajuda e a caminhada de meio dia acabaria virando mais de uma noite. A posição não favorecia muito, visto a diferença de altura entre os dois, mas ao menos Friedrich era muito mais leve do que aparentava.

O dia não estava tão bonito quanto o anterior, nuvens cinzentas cobriam grande parte do céu, mas Loki sentia que não era sinal de chuva, era como se o Sol estivesse de mau humor ou mais tímido do que de costume. Um vento cortante fazia seus cabelos cor de fogo esvoaçarem, e arrepiar a pele não protegida pelo frio. Friedrich tinha roupas mais quentes que as suas, mas estremecia igual, pois o rasgo em suas vestes que foi feito no dia anterior deixava que o inverno entrasse. Era como se a natureza tivesse alguma coisa contra eles naquele dia.

Apesar de tudo conseguiam avançar em uma velocidade considerável, Friedrich tentava se esquecer da dor e o cansaço, se distraindo com sua própria cabeça. Fazia orações, recitava salmos, pensava no futuro da alquimia, relembrava de seus pais, admirava o manto colorido e bem bordado de Loki... Onde ele teria conseguido algo assim?

Era uma peça exótica, do tipo que se via apenas no corpo de nobres que tinham dinheiro o suficiente para pagar por tecidos de cores tão diversas, com um trabalho de bordado feito por mãos habilidosas, com mosaicos vermelhos, azuis e verdes que formavam caminhos pelo tecido. Loki usava o manto por cima de roupas simples e surradas, quase podendo esconder a sua miséria.

— Onde conseguiu este manto? – Perguntou depois de muito tempo em que os dois caminhavam em silêncio, apenas com a conversa das folhas das árvores balançando pelo vento.

 – Herança de família, do lado de minha mãe.  Ela gostaria de ter tido um para cada filho, mas só havia cinco mantos para nove crianças. Ela não queria que os outros ficassem sem, por isso economizou por uma vida inteira para todos terem a mesma peça.

Comprou as tintas em Lancaster, pintou, costurou e bordou cada detalhe. Eu fui o primeiro a receber um dos mantos novos. Ela dizia que dessa forma eu poderia contar minha própria história. – Loki contou animado, com um sorriso do tamanho do mundo. Era evidente que ele sentia um enorme carinho pela peça, algo que ia muito além do puro ego.

— É realmente uma bela roupa. – Elogiou e se sentiu bem ao ver os olhos verdes de Loki brilharem de alegria, era mais do que um obrigado.

Depois dessa curta conversa Friedrich não pode evitar pensar na própria família, coisa que sempre evitava fazer no mosteiro para não se lamuriar. Contudo, agora tinha todo o direito em fazê-lo.

Vinha de um lugar pobre, miserável era a palavra adequada, mas de alguma forma conseguira sobreviver aquele lugar carente de dignidade. Dividira uma casa de um cômodo só com oito pessoas durante grande parte de sua infância, com seus pais, uma avó doente e os cinco irmãos mais novos. Em meio à sujeira, o campo e pão de aveia.

O primeiro filho de Marie, sua mãe, foi um menininho doente que não sobreviveu muitas horas depois de seu nascimento. Ele foi batizado as pressas como Adam, para que não fosse parar no Limbo junto com todos os não batizados. Para uma garota de apenas quinze anos, traumatizada e desconsolada, acabou por prometer á Santa Virgem que o próximo filho que nascesse com vida teria sua vida dedicada á Deus e a Igreja.

Friedrich foi o próximo filho.

Por causa disso Friedrich lembra que desde muito novo já sabia que seguiria a vida religiosa. Sua mãe sempre dizia isso com orgulho, e todo mundo da vizinhança sabia que ele seria mandado para um mosteiro quando maior. Friedrich nunca contestou, ou se importou, por vezes ele próprio se sentia pleno ao pensar sobre, afinal era o seu destino desde o dia em que nasceu.  Muitas vezes se sentia até grandioso por isso, mas não significava que não temesse o dia que teria de se despedir de sua família para sempre.

Lembrava-se das brincadeiras entre ele e os irmãos, que apesar de raras por conta do trabalho, eram uma das melhores lembranças que tinha. Nunca se esqueceria do rosto e do nome de cada um deles, congelados em sua memória ainda como meras crianças.

Recordava dos olhos serenos no rosto bruto e calejado de seu pai, a voz doce de sua mãe cantando no meio do trabalho pesado, as frases delirantes vindas do leito de sua avó. Eram memórias que Friedrich sempre guardou com carinho. Mesmo no meio de tanta dor, ainda conseguia ver um pouco de ternura no seu lugar de origem.

Eram raros os momentos de recordação que tinha no mosteiro, quando os fazia nunca se deixara levar pelas lembranças por tanto tempo, ou começaria a se sentir melancólico e repleto de saudades. Mas naquele momento, prestes a revê-los depois de tanto tempo, Friedrich deixou-se levar pelo prazer da nostalgia.

Os dois viajantes paravam para descansar a cada duas horas em média, mas não permaneciam muito tempo parados para que seus corpos não perdessem o ritmo. Não falavam muito um com o outro, na realidade não viam o porquê, afinal logo seus caminhos se desvencilhariam e provavelmente nunca mais se encontrariam novamente.

Era o que eles pensavam, não questionem o narrador.

Quando conversavam era apenas sobre assuntos banais. O tempo, a colheita da época e o preço do linho. Talvez a discussão tenha se aprofundado em algum momento quando comentaram sobre o reinado de Eduardo III e as guerras contra a França, mas não demorou muito tempo para ambos caírem no silêncio. Não era uma quietude desconfortável, longe disso, apenas estavam concentrados demais em permanecerem inteiros durante a jornada.

— Uma pena que provavelmente não nos encontraremos mais. Adoraria aprender o que você sabe. Afinal, Friedrich, conseguiu fazer uma excelente sutura mesmo sendo o próprio paciente. – Loki disse depois de muito tempo calado, com o crepúsculo atrás de seus olhos da cor de esmeralda. Friedrich afogou-se no meio daquelas cores exóticas por um momento antes de começar a raciocinar.

— Não hei de duvidar os acasos que o destino reserva para nós. Ademais, quem sabe não encontre mais algum frade em apuros para resgatar? – Friedrich disse com um leve sorriso, provavelmente derivado de seus pensamentos acerca de sua família. Loki por outro lado que já tinha o bom humor por natureza, deu uma bela gargalhada ao ouvir aquilo.

— Deve saber muito mais do que apenas fazer pontos, estou certo?

— Sei uma que outra coisa a mais, mas não sou nenhum médico formado. Apenas li muito do que havia nos arquivos do mosteiro. Santos, clérigos, filósofos, alquimistas, médicos, coisas antigas que derivam até dos romanos. Há muito conhecimento a ser adquirido em simples páginas. – Explicou e Loki parecia encantado por cada palavra que lhe era dita, como uma criança a escutar uma fábula.

— Gostaria de saber ler, mesmo não vendo o que isso me traria de útil. Não tenho acesso a qualquer tipo de literatura de qualquer forma. – Refletiu em voz alta, o que fez com que Friedrich apenas observasse seu olhar reflexivo sem saber o que seria certo dizer. Escolheu permanecer calado, a brisa do inverno era toda a resposta que precisava.

A viagem se seguiu arrastada por mais um quarto de hora, até Friedrich apontar para algo que Loki não conseguia ver de tão longe.

— Reconheço aquela ponte! – A pequena ponte de pedra poderia ser igual a qualquer outra ponte, mas não para aqueles que conheciam o lugar. Friedrich reconheceu na hora que aquela era a trilha que levaria para seu vilarejo, inclusive um mastro estava erguido do outro lado do rio, com uma bandeira já gasta pelo tempo. Era a bandeira de Lorde Harold Farley II, o dono daquelas terras.

A dor e o cansaço sumiram de repente, em função de toda a ansiedade e adrenalina que sentia. Friedrich deixou de se apoiar em Loki, e começou a andar mesmo que cambaleante em direção ao lugar que havia crescido. Loki suspirou aliviado, em parte pelo peso que havia saído de seus ombros, mas também ao ver um pouco de civilização depois de tantos dias.

Loki deixou Friedrich ir à frente para mostrar o caminho que era repleto de curvas e vegetação, quase que uma armadilha para viajantes desavisados. Naquele labirinto, observou as árvores secas pelo inverno, balançando com o vento gélido que arrepiava os pelos atrás da nuca. Seus galhos carecas de folhas tocavam uns nos outros como dedos esqueléticos, a brisa assoviava em suas tocas afastando até os animais mais reclusos. Apenas os corvos permaneciam nos galhos mais altos, grasnando uns para os outros. Loki se permitiu escutar as árvores por um momento, contudo não gostou do que ouviu.

Quando criança seu pai costumava dizer que as árvores tinham muito a falar, mas era preciso estar atento o suficiente para notar o que sua natureza entorpecida conseguia soletrar. Raras as vezes que Loki realmente pode sentir e compreender o que aqueles seres tão misteriosos diziam, mas quando possível era uma experiência única.

Naquele momento Loki pode compreender o que as árvores diziam, se tivessem faces elas estariam retorcidas em caretas de horror, as mandíbulas estendidas de tanto gritar. Pois elas falavam de morte.

— Loki? Está tudo bem? – Friedrich indagou preocupado alguns passos á frente. O ruivo despertou de seus devaneios como um sonho, encarando o monge tal qual uma assombração. Por um momento pensou em dizer o que havia presenciado, entretanto sabia que dificilmente seria levado a sério.

Talvez elas estejam erradas.

— Claro, apenas pensei ter visto um cervo. – Mentiu, voltando a caminhar normalmente.

A trilha se tornou mais esparsa, dando lugar na paisagem para uma pequena fortaleza. Trepadeiras se agarravam no muro e nos vãos das pedras, uma grande porta de madeira com trancas de ferro emoldurava o meio da construção como um assustador convite de boas vindas. Era um feudo que começara pequeno e acabou por se estender mais do que esperava, por conta disso algumas extensões do muro eram feitas de madeira ou ainda em estado de construção. Havia apenas duas torres de vigia, mas na parte norte da fortaleza havia mais uma sendo construída para conter os invasores com eficiência. Bandeiras eram espalhadas aqui e ali pelo forte, algumas esvoaçando magistralmente pelo vento, outras apenas despedaçadas pelo tempo.

Mas havia algo de errado, o silêncio dedurava. Uma vila daquela extensão deveria ser tomada pelo tumulto, mas não havia uma única fumaça para sinalizar o fogo, nenhuma ordem dos guardas, não havia o brado dos comerciantes, as conversas dos moradores, nenhuma música sendo tocada. Era como uma reles pintura em um corredor vazio.

— Olá...? – Friedrich tentou bater na grande porta de carvalho, suas batidas saíram surdas pelo material robusto. Todavia o movimento ínfimo perto da grandiosa construção foi capaz de fazer Friedrich sentir uma movimentação diferente na madeira. – Parece estar aberta, mas sempre esteve fechada para estranhos. Eu deveria dizer meu nome, talvez pagar um pedágio. Mas não parece haver viva alma para nos receber.

Loki estremeceu ao ouvir aquilo, era como se pudesse prever o que estava prestes a acontecer. Não conseguia dizer nada, sequer sabia se deveria.

— Pode ter sido uma invasão, o povo deve ter se refugiado em algum outro lugar e abandonado a vila. – Friedrich deduzia com uma expressão de nervosismo, enquanto tentava mover a porta que apesar de destrancada ela se recusava a abrir. – Ajuda-me a empurrar? Parece que algo está bloqueando a passagem.

— Claro. – Loki afirmou saindo de seu transe, como se acordasse abruptamente. Apoiou suas palmas na madeira ao lado de Friedrich. Juntos começaram a forçar a entrada, erguendo o barro aos seus pés, fazendo as dobradiças enferrujadas rangerem com um canto desafinado. Quanto mais a fresta aumentava, um cheiro nauseabundo adentrava em suas narinas.

Quando a abertura estava do tamanho de um homem, Loki foi o primeiro a adentrar, como se assim pudesse evitar que Friedrich encontrasse o terrível destino. Logo ao seu lado, a primeira coisa que Loki notou foi o cadáver do soldado que um dia guardou aquela fortaleza, com o corpo ainda tentando miseravelmente barrar a entrada de pessoas como ele.

Friedrich adentrou o feudo aos tropeços e pode ver com seus próprios olhos que era muito mais que uma invasão. Naquele momento os céus caíram em sua cabeça e o chão desapareceu aos seus pés, para ele não existia mais nada que pudesse o apoiar.

Tudo aquilo começou com um bando de crianças.

Algo que Friedrich nunca soube, foi que sua irmã Anna havia morrido ao dar á luz de sua primeira criança. A menina batizada de Eilonwy foi acolhida por sua avó que a criava com carinho em memória da filha. Órfã e sendo a mais jovem da família, Eilonwy muitas vezes se via sozinha quando todos iam trabalhar nos campos de trigo. Quando não havia mais roupa a ser lavada ou chão para ser varrido, ela se via na maior parte das vezes completamente sozinha.

A solução para a solidão era se juntar á outros órfãos e não vigiados. Seja caçando pequenos animais para vender, roubando comida do batente das janelas, ou criando brincadeiras apenas com a imaginação de criança. E foi em um desses dias de ócio e negligência que tudo começou.

— Eu encontrei o corpo de um demônio na floresta. – Disse um dos órfãos num entardecer quando todos os outros descansavam no prado.

— Mentiroso!

— Pagará com a língua!

— Quem está querendo enganar?!

Apesar das injúrias, todos seguiram os passos do pequeno, inclusive Eilonwy que era a menor integrante do grupo. O que eles encontraram foi uma carroça parada no meio da estrada, repleta de itens para serem furtados. Todavia acabaram deixando a ganância para mais tarde, se dirigindo ao corpo caído na frente.

O cadáver já estava em estado de decomposição avançado, mas o que chamava a atenção das crianças eram as bolhas negras que tomavam parte de seu corpo. O sangue coagulado e podre saindo das feridas em erupção os fazia torcer o nariz ao se deparar com aquilo. Os ratos perambulavam aos arredores da carroça, passando por baixo dos pés das crianças.

— É apenas o corpo de um vagabundo! – Bradou um dos mais velhos, chutando a cabeça do morto que quase se desprendeu do resto do corpo. O garoto que descobrira aquilo se encolhia num canto, até ser salvo pela ganância dos outros:

— Um vagabundo com uma carroça, cheia de tecidos!

— Vamos roubar!

— Podemos vender!

— Ficaremos ricos! – Havia dito Eilonwy já imaginando vestir um belo vestido para poder usar nos domingos de manhã.

Naquela noite as crianças levaram para casa toda a quinquilharia que havia na carroça abandonada. Algumas famílias ficaram felizes com tudo, mas outras estavam desconfiadas sobre a origem de tudo aquilo. Por conta disso logo foi tudo confiscado por Lorde Harold, que pouco achou de útil naquele monte de lixo coberto por ratos e pulgas.

Em dois dias houve os primeiros doentes, em menos de uma semana começaram os mortos. Parecia uma maldição, a febre, a dor, os bubões. Era uma doença dolorosa e mortal, fazendo com que uma família inteira perecesse em poucos dias. Logo ninguém mais apareceu nas plantações, morreram os que cuidavam dos animais, o poço ficou solitário. Lentamente todo o lugar ia falecendo mais rápido do que era capaz de se recuperar.

Até Lorde Harold adoeceu, havia chamado um médico de longe, mas quando ele chegou já era tarde demais. Em seguida todos os portões foram fechados, ninguém mais saía ou entrava. Houve uma revolta, arrombaram os portões e mataram os guardas, mas foram poucos os sadios que conseguiram escapar daquele pandemônio, a maior parte já estava morta ou definhando em seus leitos.

Chegou ao ponto que não havia mais lugar para tantas lápides, os corpos começaram a ser queimados, e no final apenas abandonados no mesmo lugar em que morreram, pois não havia mais ninguém que pudesse recolhê-los.

A pequena Eilonwy foi a primeira da família a falecer, causando tanta dor á sua avó que ninguém soube ao certo se foi pela doença ou pela tristeza que ela morreu depois. Logo foram os irmãos de Friedrich junto aos seus filhos e conjugues. Os ratos se tornaram suas últimas visitas.

Se alguém se lembrou do parente distante em um mosteiro? É provável que Marie em seu leito tenha delirado sobre o garotinho em seus braços, como se fosse ainda uma jovem de dezesseis anos. Sua irmã Ruth questionou enquanto segurava os filhos doentes nos braços se a praga havia chegado até o irmão. Mas quem mais pensou em Friedrich havia sido seu pai, Jeremiah, o último da família a ser pego pela doença, que desejou em todo o seu âmago que ao menos o mais velho estivesse vivo, pois não tinha certeza se suportaria um fim terrível como aquele para mais um de seus filhos.

E ali estava Friedrich agora, encarando os mortos espalhados por toda a parte, com os ratos passeando por cima. O lugar inteiro fedia á podridão, os corvos se banqueteavam, os abutres apenas observavam de longe em busca da carne mais intragável.

Friedrich não foi capaz de dizer uma única palavra ao ver aquele pedaço do Inferno. A dor em sua alma era grande demais para conseguir voltar à realidade tão cedo assim. Afinal, tudo aquilo que havia conhecido além do mosteiro havia desabado de forma brutal e inesperada, tomado de si o lugar e as pessoas que por anos lhe trouxeram conforto e segurança. Seria aquilo um castigo de Deus por conta de sua desobediência? Por um momento sentiu culpa e revolta, os dois fundidos igual ferro que dilacerava seu coração.

— Tem que haver um jeito... Um jeito de eles estarem bem, certo? – Questionou, mas não foi para Loki, ou para Deus, era para si mesmo. Mas foi o druida quem respondeu assustado ao se dar conta que se tratava da peste, aquela do qual diziam que de apenas ver poderia ser infectado.

— Temos que sair daqui. Agora! – Disse puxando Friedrich que relutou por alguns segundos, não conseguindo desviar os olhos do lugar amaldiçoado, porém estava tão atônito que se deixou levar por Loki que correu com ele na direção contrária.

Pela adrenalina e o instinto de sobrevivência, Loki só parou de correr quando uma hora Friedrich desabou no chão. Ali voltou a raciocinar direito, indo apavorado socorrer o frei que acabou tropeçando por conta da dor em seu peito. A ferida se abriu, fazendo suas vestes se tingirem de vermelho mais uma vez.

 – Pelos deuses Friedrich, perdão, mil perdões. Merda, não deveria tê-lo forçado tanto assim! – Praguejou enquanto ajudava o outro a se levantar. Mas Friedrich sequer esboçava alguma reação, sua face estava congelada pelo trauma. – É melhor sairmos da estrada, acho que a floresta é segura o suficiente.

Loki levou Friedrich para lá e para cá como se fosse um boneco de pano, até finalmente pararem embaixo dos longos galhos de um carvalho. Arrumou os pontos com a ajuda do monge, que ainda não falava nada ou esboçava qualquer expressão, e ao ver que o estrago não era tão ruim assim e que pode ser revertido Loki suspirou aliviado.

— Eu estava sentindo que não era o momento de viajar, olha para você agora. Além do mais nos deparamos com a peste! Eu havia ouvido conversas sobre ela pela região, mas não imaginava ver assim tão cedo! Que os deuses nos protejam. – Disse alarmado, mas assim que virou seu olhar para o rosto desconsolado de Friedrich arrependeu-se de cada palavra que havia dito no calor do momento. Ao contrário dele que aspirava encontrar a vila apenas por passagem, o monge esperava encontrar seus familiares, amigos e seu lar. Mas tudo o que lhe foi mostrado foi a destruição.

Você é a pessoa mais estúpida desse mundo Loki!

E realmente naquele momento, por alguns míseros segundos, Loki realmente foi a pessoa mais estúpida do mundo. Ao menos o narrador não conseguiu enxergar ninguém tão estúpido quanto ele naquela hora. Claro que o posto não demorou muito para ser roubado, pois uma hora ou outra todos nos tornamos os mais estúpidos do mundo.

— Oh Friedrich, eu sinto muito, muito mesmo! Minha nossa, como fui rude e insensível agora. Peço seu perdão e cedo minhas condolências pela perda. – Tentou se redimir, olhando fixamente para Friedrich ansioso por alguma reação. Ele virou o rosto em sua direção lentamente, com a dor estampada em seus olhos marejados.

— Está tudo bem Loki, você teve medo e eu também tive. Afinal, trata-se da peste. – Friedrich disse sério enquanto segurava a cruz de ouro em seu pescoço, enrolando a corrente em seus dedos. – Eles eram tudo o que eu tinha. Tudo o que havia sobrado de mim estava na minha família, mas todos se foram dessa forma cruel e repentina.

Loki tinha suas suspeitas, mas foi naquela hora que se deu conta o quão perdido Friedrich estava. Muito mais do que matar a saudade, o monge estava em busca de refúgio, contudo agora não havia lugar algum para ele. Foi inevitável não se ver no lugar do outro, lembrando-se dos eventos que o fizeram permanecer para sempre na estrada, podia compreender grande parte da dor que Friedrich sentia.

— Sabe, desde cedo tive que me acostumar com a ideia de que uma hora jamais os veria novamente. Porém, isso é completamente diferente. – Friedrich estava com a voz embargada, e Loki notou seu rosto começando a ficar úmido com as lágrimas que caíam uma a uma. – Toda noite eu rezava por eles, imaginando que apenas continuavam com suas vidas, trabalhando, envelhecendo, respirando. Mas o que hei de fazer agora que não poderei mais pensar sobre?

Loki nada disse, sentia que deveria deixar Friedrich quieto naquela hora, apenas com sua própria introspecção. Era o seu momento de luto, não havia remédio capaz de melhorar aquele sintoma senão o tempo. Por isso, Loki apenas colocou sua mão no ombro do outro, apenas para mostrar que estava ali, enquanto permitia que Friedrich derramasse toda a dor de sua alma.

— Eles estão em um lugar melhor agora Friedrich. – Foi tudo o que se permitiu dizer naquele momento, fazendo com que os olhos azuis encontrassem os verdes.

Ao menos naquilo ambos concordavam.                                                                        

                        ***

Loki tinha medo de se aproximar da fortaleza, mas durante a noite quando o druida pegou no sono, Friedrich se levantou. Não conseguia dormir sem saber com certeza o que havia acontecido. Retirou o hábito, ficando apenas com a velha túnica e usou seu cachecol para tapar o nariz e sua boca. Rumou sozinho até a cidade murada, passando por cima dos corpos e do sangue, até chegar ao lugar que sabia ter sido sua casa um dia.

Por um momento não reconheceu de quem eram aqueles corpos deformados pela peste. Contudo, ao aproximar o fogo que tinha em uma tocha, pode ver com clareza o rosto de todos os seus familiares. Envelhecidos, crescidos, algumas crianças que nunca teve a oportunidade de conhecer. Apesar de tudo sabia que eram eles, isso era o que mais lhe doía.

Pediu a Deus para que suas almas recebessem a paz eterna.

Ao voltar para o acampamento, queimou a túnica, as meias e o cachecol. Ao colocar novamente o hábito sentiu falta das roupas extras, mas não podia arriscar fazer mais vítimas com a doença.

Friedrich imaginava que nunca mais conseguiria dormir depois do acontecido, mas foi só se deitar por alguns segundos que o cansaço de seu corpo tomou conta de si. Sonhou com sua família, da forma que gostaria de tê-los encontrado.

Não havia sentido nos sonhos, por isso os via da mesma forma que os deixara, talvez sua mente se recusasse a visualizar mais uma vez os rostos que estavam naqueles corpos. Os viu da mesma forma que estavam no dia que os deixara e ele mesmo era novamente um menino de quinze anos.

 – Voltou para me ensinar a pescar? – Timóteo foi o primeiro a surgir, correndo com linha e anzol na mão. Os cabelos castanhos bagunçados e oleosos quase tapavam seus olhos negros iguais o de seu pai.

Ainda bem, nem tive tempo de entregar o presente que estava fazendo. – Ruth apareceu também graciosa como sempre, passando um cachecol por seu pescoço enquanto saltitava ao seu redor, a lã pinicava a sua pele assim como tudo que a irmã costumava fazer.

Para sua surpresa, duas menininhas loiras começaram a correr ao seu redor, rindo e lhe cutucando. Quando tentou apanhá-las, elas correram dando gritinhos de alegrias.

Por que está aqui Friedrich? — Ouviu a voz de sua mãe nas suas costas, quando se virou viu seus longos cabelos loiros caídos nos ombros ao invés de presos por um véu como costumava, emoldurando o rosto que apesar de muito belo mostrava grande exaustão. Friedrich estremeceu, não se sentindo mais jovial como seus irmãos. – Por que não está seguindo os planos de Deus?

— Eu tive que fugir! Posso explicar. – Tentou dizer, mas a expressão de decepção não saiu da face de sua mãe.

O que nossos vizinhos dirão? — Seu pai questionou, sentado em uma pedra afiando uma faca. – E o padre? O Lorde? Como iremos explicar sua presença? Percebe a vergonha que nos trás?!

Por que desobedecestes Friedrich? Se a morte era seu destino, por que mesmo assim insiste em enfrentá-la? Não se questiona a vontade de Deus! Você está amaldiçoado!  — Sua mãe clamava enquanto seu corpo era tomado por manchas negras e sangrentas. Friedrich olhou para sua família, todos tomados pela peste lhe encarando com lágrimas de sangue.

Você nos matou! Matou a todos nós! – Friedrich não entendeu quem disse aquilo, mas soou em sua mente como um coro, cada vez mais alto, igual aos sinos das igrejas no domingo de manhã. Ouvia gritos e choros enquanto a imagem de sua família se desfigurava, com a peste tomando conta de tudo, como raízes de um carvalho na terra. Até que tudo o que sobrou foi a escuridão, o devorando enquanto as vozes martelavam sua cabeça com culpa.

Despertou de forma brusca, com o ar entrando com dificuldade em seus pulmões. Mesmo com o frescor do inverno estava suando, ainda sentindo a adrenalina. Seu peito estava pesado em decorrência do sonho que descontrolou seus sentimentos.

Mea Culpa. Mea maxima culpa. — Sussurrou para si, segurando a cruz de seu pescoço com força. Não havia lágrimas em seu rosto, mas sentia como se estivesse chorando em um terrível desalento.

— O que significa?  – A voz rouca fez com que Friedrich sobressalta-se, como se ouvisse o sussurro de um fantasma. Ao se virar para trás se deparou com os olhos esmeralda brilhando na escuridão iguais aos de um predador no meio da noite. Além das brasas tentando sobreviver na fogueira quase extinta, os orbes de Loki eram a única coisa que iluminava a escuridão. Havia um misticismo impregnado naquele homem que apavorava e acalentava Friedrich na mesma medida, de uma forma que o fazia questionar se aqueles olhos realmente eram daquele mundo.

— Falha, culpa. – Respondeu sentindo a garganta se apertar. Afinal, imaginava que estava destinado a viver em meio ao sofrimento, pois realmente se tratava de um estorvo amaldiçoado. – Eu os levei para a morte, tudo não passa de um castigo Dele pelas minhas atitudes. 

Friedrich falava com o olhar perdido, quase que não vendo mais sentido na própria vida. Dizer aquelas palavras em voz alta destruíram o que já estava em ruínas em sua alma. Por isso não notou em que momento Loki se pôs a sentar ao seu lado, os olhos verdes não eram mais capazes de prender sua atenção.

— Não, você está errado. – Loki disse aquilo colocando sua mão em cima da de Friedrich. O loiro voltou a olhar mais uma vez para o druida, mas havia um vazio em sua face que era muito familiar para o andarilho. – Não cometa o erro de se flagelar por algo assim.

— Você não compreende, sequer é capaz. – Retrucou com certo rancor no tom, contudo não foi o suficiente para abalar o outro que ficou com a pose mais rígida ainda.

— Não possuímos a mesma espiritualidade, mas lidamos com a mesma dor Friedrich.

Quando Friedrich olhou para os olhos de Loki novamente, pode ver a si mesmo ali. As esmeraldas não mais brilhavam, estavam foscas e da cor do luto. Poderiam ter encerrado a discussão ali mesmo, pois ao perceberem a perda um do outro notaram que já era o suficiente.

— Por muito tempo pensei que poderia ter feito alguma coisa por todos eles. – Loki dificilmente falava sobre sua perda com alguém, na realidade não se recordava de ter conversado sobre desde que começara a andar sem rumo pelo reino. Provavelmente por que nunca tivera um bom motivo até aquele momento. – Fiquei por anos sofrendo em silêncio, remoendo meus pensamentos como se devorasse minhas próprias entranhas. Foi só depois de muito tempo que cheguei à conclusão que eles jamais pensariam isso de mim, de que não sou o culpado por suas mortes. Foram anos desperdiçados por um vão sofrimento ao invés de eu me dedicar verdadeiramente ao que minha família gostaria que eu tivesse sido.

— Como pode ter tanta certeza? – Friedrich questionou com voz sofrida e Loki precisou respirar fundo para conseguir responder.

— Pois foi o fogo que os matou Friedrich, não eu. E foi a peste que levou sua família, o que você fez ou deixou de fazer não poderia ter alterado seja lá qual fosse o destino de todos. – Friedrich sentiu a mão de Loki apertar a sua e não pode conter um soluço que estava entalado em sua garganta.

E foi neste momento que esses dois espíritos despedaçados pelo sofrimento encontraram pela primeira vez conforto nos braços miseráveis um do outro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*Deus tanto em latim como em português se escreve da mesma forma.
Não sei se o título pode ter sido uma espécie de spoiler, mas acho que já era de se imaginar que algo assim ia acontecer.
Haverá várias frases e referências em latim ao longo da história, por isso gostaria de saber se vocês gostariam que eu trouxesse suas traduções, talvez aqui mesmo nas notas da história. Digam o que acham sobre isso, pra eu saber o que é melhor.
Comentários são sempre bem vindos! Até a próxima pessoal! ^-^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ode aos desafortunados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.