Deidade escrita por KarelSan


Capítulo 3
Capítulo III: Nós


Notas iniciais do capítulo

Oie~ Turubom? Nesse capítulo começa a real saga de Ian, espero que estejam tão entusiasmados quanto eu para acompanhá-lo.
Sem mais delongas, espero que gostem~



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Capítulo III: Nós

 

            Alguns dias se passaram. Passaram lentamente. Fiquei completamente trancado em casa, como se o apocalipse tivesse acontecido e eu estivesse em um abrigo nuclear.

E o apocalipse realmente tinha acontecido.

Meus amigos não me ligaram. Imaginei que estavam bem, e por isso não me importei em ir visitá-los. Fiquei em casa trancafiado com meus DVDs de desenhos animados dos mais diversos sobrevivendo à base de macarrão instantâneo.

Quase não saí da cama. Parecia confortável, ainda que não fosse de fato. Ou talvez ela fosse confortável, mas não era isso que me fazia ficar nela. Era um peso. Peso de ver algo que não ia me agradar lá fora. Um tipo de peso que não é físico, mas que vai direto na sua alma e a puxa pra baixo.

Semanas se passaram. Eu continuei enfurnado em casa. Até que o absurdo aconteceu.

Numa manhã, em que eu estava jogando Poquémon no sofá, eu ouvi alguém bater na porta. Com muito esforço me levantei pra ir atender. Era um jovem negro bem apessoado. Possuía cabelos de um lindo castanho escuro que deitavam sobre seus ombros. Seu olhar possuía um dourado intenso, que contrastava com sua inexpressividade e pele negra.

Ele estava vestido casualmente, com uma camiseta branca estampada com um “7 is for me” no meio. Usava uma bermuda de cor vinho, com poucos bolsos e um par de sapatos de uma cor difícil de descrever.

Fosse quem fosse, era bonito.

O que mais me chamava atenção era seu olhar, firme e vazio. Literalmente não passava nenhum sentimento ou pensamento. Parecia estar observando minha alma, ou além disso.

— Bom dia? — Cumprimentei-o casualmente. Apenas com a cabeça pra fora na porta. Eu estava completamente pelado, como de costume quando fico em casa sozinho e às vezes com algumas companhias.

— Bom dia. Estou aqui pra entregar seus suprimentos semanais. Notamos que você não foi ao Centro de Colheita busca-lo, então trouxemos pra você em casa, supondo que era o mais conveniente. — Sua voz era forte e ribombante, mas tal como seu olhar, não possuía nenhuma expressão. Não dava nem pra dizer que era robótica. Era muito além. Era como se ele não estivesse falando comigo. Era como se ele não estivesse sequer falando, como se nada existisse. Eu, ele, a casa, o mundo, o próprio universo. Senti um enorme calafrio ao ouvi-lo falar.

— Desculpa. O quê? — Questionei, duvidando da sanidade dele.

— Seus suprimentos semanais.

— Quem pediu isso?

— Todos. — A resposta soou como um ponto final à conversa.

— Desculpa, não vi os jornais nos últimos dias. Então não sabia do que se tratava. — Dei meu melhor sorriso cansado pra ele que retribuiu com um olhar frio. — Obrigado por me trazer...

— Seus suprimentos semanais. Não queremos que sequer uma pessoa passe fome, por isso estamos disponibilizando comida grátis, criada por Boh para suprir as necessidades das pessoas. — Se eu fosse outra pessoa além de um maluco observador, não teria notado a diferença na forma com que ele falou o nome de Boh.

— Ok. Obrigado, senhor... — Apontei a mão pra frente, na esperança de que me dissesse seu nome.

— Por nada. — Ele entregou em minha mão uma sacola, pôs as outras aos meus pés e saiu andando normalmente.

Por um momento fiquei sem reação, mas logo pus as coisas pra dentro com um furor quase irracional. Ele tinha agido de forma egoísta mais uma vez. “Todos”?! Todos quem?!

Depois de chutar alguns dos móveis e os dedos começarem a doer por conta disso, procurei em minhas coisas algo que pudesse me acalmar. Cheguei a ouvir todo o álbum de Beneath the Skin, mas nada parecia adiantar.

Eu era puro ódio e naquele momento provavelmente só me movia por conta disso.

Depois de alguns outros minutos, a fome começou a apertar e eu realmente já estava ficando sem comida devido ao isolamento. Tive que dar o braço a torcer e ir ver o que tinha nas sacolas. Só coisa saudável. Tudo que eu não precisava. Quem comia isso em pleno século XXII?

Dei o braço a torcer novamente. Liguei a televisão no canal de sempre e peguei algumas frutas, maçãs e bananas. Sentei no sofá esperando pra ver qual era a bomba do dia.

O mundo acordou pacífico novamente. A Central confirmou as mudanças na geografia do planeta. Houve o que os cientistas chamam de “terraformação”. Um processo onde o planeta inteiro é modificado através de interferências. Desde sua atmosfera até sua topologia.

No caso de Danahs, Boh admitiu ter feito tudo durante seu primeiro dia como regente. Sem que ninguém sentisse os efeitos de uma terraformação comum. Não há mais dúvidas de que ele realmente é Deus e de que seus poderes são absolutos.

Desliguei a televisão no mesmo instante. Um asco entorpecedor subiu pela minha garganta. Senti todo meu corpo tremer e um grito se projetar pela minha boca.

— FILHO DA PUTAAAA!!! — gritei tão alto que minha garganta doeu e eu levantei num pulo. Chutei o sofá com força, tirando-o do lugar e machucando o dedo, mas a raiva me impedia de sentir dor.

Me recompus passando as mãos nos cabelos, olhei pra maçã mordida em minha mão e a comi rapidamente. Fui tomar um merecido banho.

Assim que terminei meu rápido banho, vesti uma roupa e liguei o notebook. Pesquisei na internet onde ficava a Central. Vi que haviam sido construídas novas vias pra chegar lá. Aparentemente a terraformação havia sido mais que perfeita e estava tudo absurdamente conectado, sem quaisquer efeitos negativos. Maldito.

A raiva só aumentou. E agora me consumia friamente. Larguei as explosões e tomei uma postura doentia de raiva controlada.

Me arrumei, me olhei no espelho e estava tudo ok. Eu era uma pessoa normal, apenas furioso por dentro.

Saí de casa às pressas. Tinha um trem a pegar.

Demorei mais que o planejado para chegar à estação. Me cansei no meio do caminho e parei pra tomar sorvete e alisar um gato branco que dei o nome de Gato.

            Segui correndo, o Sol estava queimando forte, então eu procurava sempre andar na calçada que tivesse sombra. Depois de quase uma hora e meia eu finalmente cheguei à estação. Várias pessoas circulavam por lá felizes. Por fora era um prédio grande, feito quase inteiramente de janelas e áreas livres com árvores ao redor. Ao lado, no primeiro andar, havia uma enorme sacada com algumas árvores e cadeiras com pequenas mesinhas brancas. Ainda mais pessoas circulavam por lá.

            Adentrei o edifício pronto para procurar informação e me surpreendi com a primeira pessoa que vi. Era o cara que tinha ido na minha casa entregar comida mais cedo. Ele estava parado num canto perto do balcão de informações, que era o lugar que eu estava indo.

            Me aproximei lentamente do balcão, procurando evitar o contato visual e bati na sineta. Ele rapidamente se moveu para de trás do balcão e disse com o mesmo tom vazio, mas poderoso de voz:

            — O que deseja?

            — Então você também trabalha aqui? Deve ser bem devoto, não é? — Falei com o tom mais irônico que pude puxar de minha garganta e me apoiei sobre o balcão despretensiosamente.

            Houve um silêncio que parecia aquele momento em que o professor analisa seu dever de casa. E então veio a resposta:

            — Creio que sim.

            — Que conveniente, não é? Você também é membro número um do fã clube dele?

            — Dele quem? — Mesmo numa pergunta, não havia expressão em seu rosto, que sequer passava serenidade ou paz, mas todo o tipo de indiferença possível.

            — É, do carinha lá de cima.

            Ele me olhou dos pés a cabeça calmamente. Levou apenas alguns segundos pra que ele continuasse a conversa.

            — Creio que você tenha uma dúvida, estou certo?

            — Ah, mas é claro que sim, não estaria aqui se não tivesse, não é? — Me desencostei do balcão para ficar o mais ereto que podia, ainda assim ele era maior que eu em alguns dedinhos. E observando bem, seu porte físico era forte e definitivamente “apalpável”.

            Ele não respondeu. O que me frustrou e tirou meu largo sorriso, transformando todo meu semblante em algo tão apático quanto o dele.

            — Tá — continuei — eu quero saber qual trem eu pego pra ir pra porra da Central.

            — Raiva parece ser um sentimento válido, e eu aceito isso, mas, por favor, olhe a língua.

            — Foda-se.

            O jovem olhou profundamente para mim mais uma vez e então pegou, embaixo do balcão, um papel com muita, mas muita coisa escrita nele.

            — Aqui neste papel estão todas as rotas que o trem que parte daqui passa, bem como todas as novas nomenclaturas dos lugares. Para evitar confusões. Boa sorte e boa viagem. — Falou apontando para o papel com uma mão enquanto o estendia com a outra.

            Aceitei relutantemente o panfleto e os observei com atenção. O garoto continuava neutro, o papel continuava cheio de informações úteis e notei que eu continuava parado em frente ao balcão mesmo tendo um objetivo, uma missão a cumprir.

            Agradeci de mau gosto o garoto e saí o mais rápido possível, seguindo as direções que o panfleto me dava. Esquerda, esquerda, direita, direita de novo. Que inferno de lugar gigante, pensei. Mas era o lugar eu tinha que estar, independente do que acontecesse.


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Notas finais do capítulo

E aí? Será que o Ian consegue chegar lá? Me deixem saber o que acharam do capítulo e das atitudes de Boh e Ian, isso me ajuda a melhorar! Quem será esse garoto misterioso?

Talvez esse capítulo tenha terminado de maneira abrupta, me desculpem. Tive problemas com a criação dele porque ficou com cerca de 10 mil palavras e tive que dividir para não causar cansaço em vocês, leitores.

Ah, no próximo capítulo tem personagem nova! Quem será?!



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