Deidade escrita por KarelSan


Capítulo 2
Capítulo II: Eu


Notas iniciais do capítulo

Então finalmente aparece nosso protagonista!
Ian é um jovem humano adolescente bem... único, mas nem tanto quanto ele pensa que é. Espero que gostem dele tanto quanto eu gosto.



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Capítulo II: Eu

 

             

            No dia em que Boh apareceu, foi um choque muito grande em minha vida, eu tinha uma prova na faculdade e depois iria sair com uma garota interessante que conheci voltando para casa na semana anterior. Mas deixei tudo de lado para assistir televisão e pesquisar na internet tudo que eu pudesse sobre o que estava acontecendo. E fora assim por umas duas semanas.

            O mundo parecia estar acompanhando bem os acontecimentos, mas eu não. Duas semanas depois, Boh se encontrou com líderes mundiais da ONU, UNESCO e boa parte dessas siglas até então importantes. A Coréia do Norte, a única remanescente, e a China foram contra isso e acharam que era um plano dos Estados Unidos para dominar o mundo ou algo do tipo. Depois da Guerra todos estavam paranoicos.

            Juntas, elas nem pestanejaram em lançar bombas atômicas no que restou dos EUA. Enquanto os mísseis voavam em direção aos escombros do país, Boh apareceu no céu novamente. O tempo literalmente parou aquele instante. Os relógios pararam de girar e eu pude sentir como se o próprio universo tivesse parado em um instante. O vento não balançava a grama, os animais não corriam, nem os seres humanos respiravam, mas era possível ver tudo, sentir tudo, como se o tempo dentro de cada um estivesse passando à sua própria maneira e a minha foi como uma eternidade. O que me deu muito, mas muito tempo mesmo pra pensar no que estava acontecendo.

Tinha um maldito deus tomando conta do nosso mundo! Um deus que permaneceu omisso durante sabe-se lá ele mesmo quanto tempo e que agora, depois que a merda já bateu no ventilador, decide intervir. Isso me deixou muito puto.

Ainda com o “tempo parado” Boh discursou novamente, o que parecia ser um vício dele. Falou algo sobre a Terra estar morrendo e a culpa ser dos humanos e dele também por não ter feito nada antes. Pura idiotice, se me perguntar.

            No meio disso tudo estava eu, apenas observando e sentindo um ódio que jamais sentira antes. Meu nome é Ian, eu tenho 22 anos e não estudo ou tenho qualquer ocupação ou faço qualquer coisa útil com minha vida. Eu tive um emprego e uma vida. Estava na faculdade de Filosofia, costumava sair dois fins de semana no mês com alguns amigos da faculdade pra alguma balada, rave ou show. Tive vários namorados e namoradas, mas agora não saio com mais ninguém pra lugar nenhum. Não porque eles não querem, mas porque eu não sinto mais vontade de nada disso. Dá pra pensar que uma utopia é a forma ideal de se viver, com todos felizes e vivendo suas vidas à sua maneira. Não é bem assim. A paz é horrível.

            Seus primeiros anos parecem ser ótimos, sem guerras, sem intrigas, sem diferenças, todos felizes e vários arcos-íris no céu. Mas aí é quando começa a doer. A individualidade de cada um vai se esvaindo lentamente e de repente você é parte de um todo que não agrega, mas que funde. Esse é o pior tipo de sociedade pra uma pessoa como eu. Diria que é culpa do meu signo de escorpião se eu acreditasse nisso, mas eu fui criado para duvidar, para estar fora do meio e ser diferente, não sei ser de outra forma e também não quero.

            Um tempo depois de sua aparição, em mais um de seus discursos, Boh nos disse que poderíamos viver como bem entendêssemos, desde que não afetasse a vida de outrem. Decidi testar até onde isso iria já hoje de maneira simples e individual. Fiz tudo que faria normalmente no café da manhã, morando sozinho, deixei tudo desarrumado e saí. Fui a uma loja de cosméticos no shopping mais próximo. Levei um pouco de dinheiro e o cartão de crédito caso não fosse o suficiente. Na loja, procurei a cor mais rosa que pude achar, encontrei uma tal de Rose Impossível e foi essa que comprei. Andei em direção ao caixa, apenas pra ver que não tinha ninguém lá. Em nenhum dos guichês, chamei algumas vezes, até que uma mulher alta e loira, obviamente tingido, afinal ela trabalhava numa loja de cosméticos, veio em minha em direção.

            — São 36 reais, não é? — Perguntei, apontando o dedo para a caixa de tinta que carregava na mão. Era um preço alto, mas necessário.

            — O quê? — A mulher indagou com um sorriso largo no rosto. Seus olhos não acompanharam meu dedo, então achei que ela sequer tinha entendido minha pergunta.

            — O preço dessa tinta aqui. Custa 36 reais, não é? — Dessa vez levantei a tinta até a altura dos seus olhos. A mulher deu uma risadinha debochada. Quase pude ver um vilão de desenho pondo os dedos na altura do queixo me dando um olhar de cima.

            — Não, meu amor — “Meu amor”? — Não cobramos mais pelas coisas aqui. E duvido que alguém vá receber o seu dinheiro atualmente.

            — Isso tem a ver com o que aconteceu nos últimos tempos, né? — Pra mim estava claro, eu devo ter deixado passar alguma notícia sobre isso na internet, ou talvez isso fosse uma escolha das pessoas.

            — O que mais poderia ser? Fomos todos salvos. Deus ouviu as preces das pessoas que temiam outra guerra e nos salvou. A partir de agora, não há porque usar de dinheiro ou bens, nada nos faltará.

            Senti minha garganta travar e minha respiração falhar por um instante. Só tinha alguns meses desde que Boh reapareceu e as pessoas já estavam dessa forma? Só podia ser lavagem cerebral ou algo do tipo. Nenhum ser humano aceita mudanças com tanta facilidade. Algo parece errado. Meses não era o suficiente pra mudar todo um sistema.

            — Ah, então é isso, né? Tudo bem, obrigado. — Eu simplesmente a cumprimentei com um sorriso e um aceno com a cabeça. Caminhei até a saída da loja e me senti frustrado. Não exatamente frustrado, mas compelido a me acostumar com aquilo. Parecia que todos estavam acompanhando aqueles acontecimentos com facilidade e ninguém se questionava em nada. Isso me irritava demais!

            Assim que cheguei em casa decidi testar a tinta. Fiz tudo que estava nas instruções. Como meu cabelo é de um tom claro não precisei seguir tudo à risca. No fim, fiz errado e meu cabelo ficou parte rosa e parte loiro.

            Eu não gosto de minha casa. Ela tem o necessário pra minha sobrevivência, mas ela é estranha. No verão fica úmido devido às infiltrações e no inverno fica ainda mais. A janela não tem grades, então meio que sou obrigado a mantê-la fechada o tempo inteiro (talvez não mais), os móveis são velhos e eu poderia facilmente trocá-los, mas tenho preguiça demais pra isso. Se ventar muito, o telhado balança e parece que vai voar junto com o vento. A cozinha é dividida com a sala e isso meio que me incomoda. Mas apesar de todas essas coisas que detesto nela, ainda é o único lugar que me sinto seguro, o único lugar que acho que ninguém vai me atrapalhar ou me julgar. Sei que é uma bobagem, mas é assim que me sinto.


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Notas finais do capítulo

Então, não deixem de me dizer o que acharam do Ian e do próprio capítulo.
Até o próximo~



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