Mas se for com vocês eu vou escrita por Luna


Capítulo 1
É que eu sou fraco, frágil, estúpido pra falar de




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/753519/chapter/1

Todas as tardes eu fugia com pressa depois do almoço carregando minha mochila com alguma porcaria encontrada na cozinha e ia no nosso lugar, um terreno baldio próximo da escola onde nossa amizade realmente acontecia. Depois de seis anos assim, minha mãe já nem se esquentava mais com isso, contanto que voltasse com as tarefas feitas e as notas alcançassem media. E eu caprichava nesse quesito.
No caminho, passava na casa dela; Marcela era a garota mais incrível que eu já tive a sorte de conhecer. Provavelmente ele já estava lá, paciente como sempre; Gabriel era o cara mais alegre que já tive a sorte de conhecer. E caminhávamos juntos, comentando sobre o tédio escolar.

Aquela tarde não deveria ser diferente.

Porém Gabriel não estava agachado em frente ao portão de Marcela, olhando para o céu. O que era inusitado. Liguei para ele rapidamente e apertei a campainha chamando-a.

No terceiro toque fui atendido.

— Se atrasou? – Perguntei o obvio.

— Só vou deixar a Vi em casa primeiro e depois já to indo pro nosso lugar. – Ouvi reclamações da “Vi”, mas já estava acostumado com essa encheção de saco da parte dela. Era um nojo essa guria. – Eu já disse que vou sim, mais tarde passo na sua casa. – Falou mais com ela do que comigo. – Sei que a gente tá namorando, já entendi. Mas eu te falei que as tardes eu tenho compromisso. Tás ouvindo isso Jão? Ela não para.

— Larga ela. – Respondi seco.

Desliguei o celular, não tinha paciência para o mimo alheio. Principalmente daquela garota que parecia comer a vitalidade e alegria do Gabriel. A minha própria vitalidade e alegria também.

Marcela pulou nas minhas costas, sem aviso prévio, quase me derrubando. Depois que nos equilibramos, olhou para ambos os lados, procurando Gabriel.

— Tá levando a “Vi” em casa. – Disse sarcástico.

— Ah, bom. Podia deixa-la lá pra sempre.

— Ótima ideia. – Saí caminhando, com ela nas costas. – Não sei o que ele viu nela.

— Peitos. Bunda. Uma boa maquiagem.

Rimos, mesmo sabendo que era o ciúme que fazia com que a gente visse ela assim. Porém tem vezes que só precisamos extravasar esse ciúme mesmo, para não ficar doentio.  

— Jão, tu podia me ensinar a dirigir hoje né?

— Pra você detonar ainda mais nosso carro detonado? – Questionei. A gente encontrou um carro quando mais novos, no terreno baldio, e ele se tornou nosso. A princípio só nos protegia da chuva, porém quando crescemos um pouco ele tornou-se nossa Auto escola particular.

— Vamos, vamos. – Me dava vários beijos nos ombros e mirava minha bochecha sem muito sucesso. – Vamosss.

— Ok, ok. Mas dessa vez você vai me ouvir e não extrapolar a velocidade. O terreno não é tão grande assim para a abusada ficar exagerando.

— Beleza Jão! – Vibrou.

Passamos a tarde bem, era engraçado ver Marcela se esforçando de verdade naquilo e mesmo assim ser péssima. Eu e Gabriel já dirigíamos tranquilamente, mas ela demorou para ter a coragem de tentar e ainda mais para conseguir entender como a coisa funcionava. Quando começava a dar certo, ela se empolgava e exagerava.

A tarde só foi estranha pois ele não tinha aparecido. E a gente esperou. Dando mais uma volta e outra e outra, porém desistimos. E claro, ele não estava atendendo o celular. Vivian tinha ganho a discussão, provavelmente. Isso era absurdo.

Levei Marcela em casa e quando estava pegando meu rumo, uma dor no peito fez eu revisar novamente o celular. A vagabundiane finalmente tinha respondido, com vários pedidos de desculpa. Perguntei se ele estava em casa agora, Gabriel disse que sim. Então mudei meu trajeto.

Ele veio abrir o portão, com um sorriso despojado, perguntando se a saudade era tanta. Minha cara nada contente deveria o ter parado, mas não o fez. Ele era sorridente em todos os momentos.

— A Marcela tá sabendo dirigir legal. – Segui até o quarto dele.

— Mentira. – Arregalou os olhos.

— Mentira. Mas ela está se esforçando. Ano que vem faz 18, acho que vai tentar pra valer.

— Seria bom, pois eu não tenho dinheiro para tirar carta agora.

— Nem eu. Meus pais tão contadinhos para pagar o aluguel no final do mês.

— A gente pode conhecer o mundo, heim.

— Ou o nosso estado, já estaria bom. – Comentei mais realista. – Isso se a Vi deixar você desbravar Santa Catarina com a gente.

— Ah, não leva ela tão a mal. Só está com ciúme da nossa amizade. – Tentou defende-la.

— E deveria, a gente já se conhece faz anos. Ela está contigo a apenas seis meses.

— Acho que com o tempo isso melhora. Deve ser só porque ela não está acostumada com amigos tão próximos assim. Principalmente tendo uma garota no meio, ela cisma com a Ma de um jeito.

Minhas sobrancelha se curvaram. Já não gostava dela, ela “cismando” com a Ma me fez a odiar ainda mais.

— O que ela não gosta na Marcela?

Gabriel dá de ombros, como se nem tentasse entender. Depois de um tempo porém ele responde.

— Ela pensa que sou apaixonado pela Ma. – Diz constrangido. Arregalei os olhos. Isso nunca tinha passado pela minha cabeça.

— E você é? – Questionei.

— Eu gosto de vocês dois igual. Então acho que não. E você? É apaixonado por ela?

— Sabe que nunca pensei nisso? – Me ajeitei. – A gente é amigo a tanto tempo... Não consigo ver só dois de nós.

— Também penso assim. – Ele se encostou do meu lado, se apoiando na cama. Sua cabeça se encaixava no meu pescoço, como sempre foi natural. – Como você pensa que a gente vai ser no futuro?

— Muitas perguntas difíceis hoje heim? – Ele sorriu, eu também me entreguei a isso. – Não sei, a gente vai para faculdades... Você está namorando, vai ter menos tempo. Vou começar a trabalhar logo, minha família tá meio apertada. A Ma vai começar a dirigir. Vai ser estranho.

— Eu não acho que a Vi vai dar certo. – Questionei, fazendo ele continuar. – Vai ter uma hora que vou ter que escolher entre vocês e ela, e não existe possibilidade de não ser vocês. Só vou aproveitar até lá.

Deitei a minha cabeça mais sobre a dele. Era saudável saber que ele pensava assim, pois se não minha cabeça se encheria de dúvidas sobre a questão.

— E por que não termina agora? – ri.

— Ah, ela é legal.

— E vocês transam.

— Também por isso. – sorriu. – Você não tem vontade de achar uma garota?

— Nem.

— Nenhuma curiosidade?

— Um pouco, mas os prós não compensam os contras.

— Nem a Ma? – Falou rindo.

— Não sei. Você já quis ficar com ela?

— Acho que sim.

— Então eu também acho que sim.

— Você já quis me beijar? – Gabriel perguntou. Não soube como responder.

Ele passou a mão sobre a minha, fez algum carinho sobre ela, depois pareceu que ia falar alguma coisa e parou. Segurou a minha mão com a dele.

Por um impulso virei meu corpo, fui até os seus lábios e os beijei. O beijo foi saboroso. Eu já tinha beijado algumas garotas antes, mas nunca com tanto nervosismo e desejo. Fui acometido com algo além do que imaginava sentir. Minhas mãos se afundavam em seus cabelos e minha língua descobria seu pescoço. O respirar de Gabriel estava sôfrego quando ele chamou meu nome. E aquilo era muito excitante. Mas as mãos dele me empurraram, me fazendo sair do transe.

Ele estava corado, tão desinquieto quanto eu. Mas suas palavras foram laminas que me cortaram.

— Jão, eu não posso trair a Vi. É- é errado. – Pisquei algumas vezes, tentando assimilar o que ele dizia.

—Sim, é bem errado. – Levantei. – Esquece isso viu. Só esquece.

Levantei de súbito e sai. Gabriel falou algo, mas eu não consegui ouvir. Meus olhos estavam cheios d’água. Em instantes eu percebi que queria muito uma coisa e logo vi o tanto que corria risco de perder com aquilo.

A amizade dele não era algo que valia apena perder.

A noite foi repleta de pensamentos, mal dormida e com várias séries. A solução para tudo é maratonar séries. Não foi uma completa surpresa quando acordei morto da fome, passando meio dia. Minha mãe me contou como ela se esforçou em me chamar de manhã, mas eu parecia uma pedra. Comentei que estava com uma dor de cabeça ferrada e que provavelmente estava ficando doente, então voltei para a cama. Não estava pronto para expor ao mundo minha cara nesse dia.

Porém ao ouvir aquela voz exageradamente alta, chamando no portão pela “Tia Lu”, eu sorri. Marcela tinha brotado ali, deixando as coisas mais calmas. Tia Lu explicou para ela que eu estava doente, que deveria descansar, mas apareci na janela e a chamei. Ela entrou sem cerimônia e veio até mim.  

— Você me deixou sozinha com o casalzinho mais chato do planeta, se você não estiver morrendo eu não sei se terá como te perdoar.

— Eu to morrendo. – Fingi uma tosse. – Você chegou bem em tempo de me despedir.

Ela revirou os olhos e me abraçou.

— Vá em paz. Siga para a luz.

— E eu achando que você gostava de mim. – Brinquei amuado.

— Veja Deus, olhe bem ele. Xinga ele por mim, diz para devolver minha cachorra. – A cadelinha dela tinha morrido a pouco tempo.

— Devolve a Lady! Senhor!

— Isso ae, devolve ela! – Fiz carinho na cabeça dela, parece que ainda não tinha superado essa perda. Mari me olhou com um sorriso grande, como se compreendesse que deveria seguir em frente. Foi até a cama, jogou a mochila do lado dela e se tacou. Fiz o mesmo, usando seu braço como travesseiro.

— Eu passei a noite vendo série, daí dormi demais.

— Qual série?

— Nenhuma que valesse a pena. – Respondi com sinceridade. Ela fazia carinho nos meus cabelos.

— E por que assistiu?

Me virei para ela. Seus olhos curiosos tentavam me entender. Eu tinha medo que conseguissem.
Deitei minha cabeça sobre seu corpo, nossa intimidade era tão grande. Ela, ele. Eu sempre pude me jogar neles sem medo. O que era toda essa dúvida agora?

— Eu beijei o Gabriel. -  Contei.

Ela parou o carinho. Processou a informação por um momento e depois questionou.

— Ele não está namorando? A Vi tava grudada nele hoje, mal me deixou chegar perto.

— Sim, está.

— Então foi por isso que você viu séries ruins a noite toda? – Concordei. – Você gosta dele assim?

— Eu estava em dúvida, mas depois do beijo eu sei que sim.

Ela tentou se levantar. Esse movimento me assustou, também me sentei temeroso pela reação dela.

— Eu tenho que te contar uma coisa. – Confessou. – O Gabriel já me beijou, ano passado. Foi bom, foi mágico, mas faltava algo. Eu acabei voltando atrás e disse que não daria certo, que não era para ele pensar assim sobre mim. Eu meio que levo muito a sério nossa amizade.

Ela respirou, depois voltou a falar.

— Acho que por isso ele procurou uma namorada. Eu o mandei seguir em frente, e ele seguiu. Mas eu detestei isso. Ele namorar está sendo péssimo para mim.

Concordei com a cabeça.

— Mas eu não podia ficar com ele assim. Eu gosto de você do mesmo jeito que gosto do Gabriel.

— Eu também. – Consenti.

— Não queria te deixar de fora. Pois namorar com ele na época estragaria o que temos. Mas... Depois disso eu me iludi muito com a gente. Sempre fomos tão íntimos, tão próximos. Eu acho que me apaixonei por vocês. Você poderia me beijar também para ver se algo mágico acontece? – Falou tudo aos tropeços.

Mari era direta, quando achava que precisava ser. Porém ficava envergonhada logo em seguida, como agora. Suas bochechas avermelharam e ela esperava ansiosa por alguma atitude da minha parte. Eu a tomei. Lentamente meus lábios se encostaram nos seus. Minha língua procurou pela sua, minha mão pela sua pele. A puxei pela cintura aprofundando o beijo e tive a certeza de que tudo estava certo. Beijos são ótimas respostas, junto com séries.

Quando ficamos satisfeitos desse primeiro contato, sorrimos. A beijei levemente nos lábios, na bochecha e perto da orelha. Ela parecia uma criança que ganhou seu presente de natal, estava boba, feliz, sorria lindamente. Depois de um selinho mais demorado, Mari levantou-se até a sua mochila, abrindo e pegando o celular que estava jogado em meio aos matérias.

— O que você está fazendo? – Questionei.

— Mandando uma mensagem para o Gabriel. – Sentou no meu colo, a segurei pela cintura, encarando a tela do celular.

“Acabei de beijar o João.”

Tirou uma selfie e enviou logo em seguida.

Ela era direta. Direta até demais para o meu gosto. A beijei no pescoço, fazendo cócegas, enquanto esperávamos alguma resposta. Ela logo veio, juntamente com uma fotinha.

“Terminei com a Vivian.”

Na foto ele mostrava a mão sem aliança. Marcela decidiu que agora era um bom momento para um áudio.

— ÓTIMO. – Disse gritando. – Ela era insuportável, criatura chata do caral... – Cortei ela.

— Vamos para o nosso lugar conversar?

A resposta foi apenas um joinha. Eu sorri para a Marcela, que correspondeu. Animadamente levantamos e demos tchau a Tia Ju, minha mãe, e corremos para onde erramos livres. Para nós.

Mas se for com você eu vou. – Imaturo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mas se for com vocês eu vou" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.