30 Dias, 30 Contos escrita por kunquat


Capítulo 8
Dia Oito - A Morte.




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É estranho como o tempo altera nossa percepção de realidade. Em um momento nós estamos bem e no outro, sem indicação prévia da nova verdade, tudo munda, tudo termina em um lapso de segundo e nós somos forçados a navegar pela mais nova fato que se apresenta diante de nós.

Era sábado de manhã quando me acordaram. Uma notícia cega, sem ânimo, como se minha atual percepção, degradada pela noite mal dormida, resolveria todos os problemas que seriam apresentados. Sete horas, eu senti o celular vibrar, mas não dei bola. Oito horas, me acordaram.

Confuso, atordoado, ainda dormindo, eu fui golpeado pela voz de minha mãe que explosiva entrou em meus ouvidos de forma avassaladora. Eu não entendi. Ela repetiu. “Teu avô morreu.”

Eu tinha iniciado minha adolescência naquele ano. Tudo estava ruim. O ano escolar, a relação com meus pais, e falta de motivação de fazer o que fazia, a intolerância perante os desafios do cotidiano. Ansiedade e depressão, duas amigas que eu carregaria comigo pelo resto da vida haviam se apresentado naquele ano. E agora, eu teria de lidar com minha primeira morte.

A notícia de que alguém morreu não te afeta no primeiro momento. Parece algo distante, que acontece com seus amigos, mas que contigo não aconteceria. Nossa única certeza parece nunca chegar diante de nós, apenas dos outros.

Naqueles três próximos dias eu vivi viagens insuportáveis, passando horas dentro de carros para me movimentar entre cidades e momentos agoniantes em que tinha de conviver com a tristeza de parentes e desconhecidos. O velório foi ruim, eu não queria estar próximo a todos e me afastara para próximo de uma fonte seca, onde folhas amareladas ocupavam o lugar que deveria pertencer a água.

As pessoas vinham até mim, provavelmente para ver se eu estava bem, mas elas não estavam. Usado como apoio, na minha própria batalha interna eu servi de bengala para aqueles que me procuraram. Pais, tios, tias e primos. Todos eles sentindo alguma coisa que eu não conseguia sentir.

No dia seguinte, outra viagem, o enterro. Ao som de uma música romântica as cortinas abaixaram e o caixão deslizou para o crematório. Todos choraram. Eu também, foi bonito.

Anos mais tarde, já em minha adultez, eu entendi tudo o que acontecera naquele final de semana. Hoje entendo a saudade sentida pelos outros, o remorso de não ter dito ou vivido aquilo que desejava viver junto de quem falecera. Entendi que a tristeza não estava na morte, mas em chegar na casa, agora de minha avó, apenas, e não encontrar meu avô lendo seu jornal na sacada, ao lado de seu copo de cerveja; em me despedir e abraçar apenas ela; em ir para a praia e encontrar apenas ela, quando na verdade, durante anos, encontrava os dois, sempre juntos, caminhando lado a lado.

Hoje, eu sinto saudade do tempo que não vivi. Sinto falta de um futuro que poderia ter vivido, de conversas que poderia ter tido e conhecimentos que poderia ter adquirido.

Ele era um homem sensacional. Eu, uma criança.

Hoje eu tenho conhecimento e penso nas conversas que poderia ter com aquele senhor, escritor, professor de universidade, doutor, pai, avô.


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