Entre o amor e a guerra escrita por Ania Lupin


Capítulo 46
Gritos




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Sábado, 16 de fevereiro.

A mansão estava igual a última vez em que pisara nela: escura, fria e cheirando a morte. Aparataram no gazebo e dois comensais - que ele não se deu o trabalho de tentar reconhecer - o prenderam pelos braços, os quatro andando em direção ao interior da casa, até chegarem na sala de visitas. A sala dele.

Merlin, Draco queria queimar cada centímetro daquela casa.

"Bem em tempo, Bella." respirou fundo ao escutar a voz de cobra que esperava nunca mais ter de ouvir, e por mais nervoso que estivesse, esvaziou a mente de qualquer memória, qualquer pensamento feliz, qualquer lembrança deles. Não, ele não os veria felizes - e até mesmo os dementadores que pairavam ao redor daquele maldito morto vivo recuaram com a falta de alimento. "O filho pródigo a casa torna."

Sabia que precisava ajoelhar-se quando soltaram seus braços, então por que tal ação estava sendo tão difícil?

Ajoelhe-se.

Não pense em nada.

"Meu Lord." Seus joelhos queimavam, mesmo em contato com o mármore frio. Ele inteiro parecia queimar - de ódio. Ódio de todos naquela sala, daquela maldita cobra, dele mesmo, por não ter sido suficiente paranoico e ter saído do maldito perímetro que o protegia de qualquer um que não fosse convidado do fiel. Como fora tão burro? Por que não contara os passos?

Não. Pense na batalha de Hogwarts, pense em Flint.

Não pense em Flint.

Não pense.

"Draco, o que te fez partir?"

Pense na escuridão. Não olhe para os cantos, não veja seus pais - ou a ausência deles. Tire do peito o peso da possível ausência de ambos. Pense no dia da iniciação, e não em como achou que fosse morrer no instante em que descobriu-se traidor. Morrer. Ele iria morrer. Não haveria perdão.

Merda.

"Realmente achou que fosse mata-lo?" Seus olhos pararam no rosto branco e desfigurado de Voldemort antes que pudesse se impedir. Não pense! Não o olhe, olhe para cima, para os lados, não o olhe, caralho! "Tsc, tsc, tsc." Foi involuntário encolher-se ao sentir a mão gelada puxar seu queixo para cima. "Continue olhando para mim, Draco."

Não pense.

Escutou o barulho de uma explosão: era a lembrança da noite em que os comensais invadiram o castelo. Viu-se coberto de sangue, após ser atingido pelo feitiço de Potter - sim, veja isso. Septumsempra. Pense nisso. Dor, havia muita dor.

"Draco, me mostre." Os dedos longos fizeram uma pressão maior, uma das unhas deixando uma marca de meia lua na pele branca do bruxo.

Dor. Havia dor, ele sentia muita dor. Sentia dor numa praia. Sentia dor brigando com Flint. Sentia dor sentado na grama, suas costas cobertas por gnomos de jardim. Não! Não ali, e de repente se via novamente na noite em que ganhara a marca, os olhos de cobra penetrando neles mesmos.

"Não, não são essas memórias que eu quero ver." Que pena, pois era tudo que ele se permitiria revelar. "Me mostre eles." Os olhos escuros tentaram penetrar mais em sua mente, que retornava apenas as mesmas imagens já antes vistas. "Me mostre o que quero, Malfoy!"

Foi sua mãe quem ele escutara arfar ao ser arremessado contra a parede, tinha certeza - certeza confirmada quando achou os olhos azuis vivos da genitora antes da maldição acertá-lo em cheio.

"Crucio!"

Agradeceu por ter sentido há dias atrás a mesma dor: não era aquilo que o faria quebrar, não aquela maldita maldição. Conseguia suportar a agonia, conseguia suportar a sensação de cada osso de seu corpo parecer estar evaporando, enquanto sentia sua pele descolar e seus músculos receberem milhares de picadas - não era real, a dor iria passar.

Ela havia aturado pior há- não. Devia pensar apenas na dor.

Suportou os primeiros cinco minutos sem nem mesmo um grito. Narcisa não parecia tão forte - as mães nunca são quando se trata dos filhos, e agora sabia.

"Meu Lord, desculpe interrompe-lo," Foi a primeira coisa que conseguiu realmente escutar antes de cair no piso de mármore, respirando aliviado ao sentir apenas a exaustão muscular característica que sucedia a maldição. "Mas me atrevo a dizer que seria prudente deixa-lo em condições de reconhecer o moleque." Era seu pai quem dizia, e usou de todo seu esforço para não deixar os olhos subirem até o rosto que tanto lhe dava saudade naqueles últimos meses. Os dois eram apenas parte de sua família agora, mas não haviam se tornado menos importantes - pelo contrário. E sabia de quem seria a culpa de qualquer desgraça que caísse sob aquela parte.

"Você verdadeiramente se atreve, Lucio." Mantenha os olhos no chão, era como um mantra. Deixar os olhos fora do alcance era a melhor forma de não ter a mente invadida - ao menos não tão facilmente. "Traga-o para mim."

Só decifrou aquelas últimas palavras quando escutou uma das portas abrir - era a porta que dava acesso as masmorras da mansão, tinha certeza. Reconhecer que moleque?

Puta que o pariu. Não conseguia mais tirar os olhos do moleque em questão, que estava sendo carregado como ele fora antes, os dois comensais enormes o segurando firme pelos braços - como se fosse necessário, como se fosse possível, mesmo para ele, fugir daquela mansão sem alguma ajuda. Ao menos não era o único suficientemente idiota a ser capturado.

O cicatriz estava no pior estado que já o vira: aquilo era uma azaração, ou alguém havia feito aquilo com a cara dele? Nah, com certeza era a primeira opção, o bruxo não estaria ali parado de pé se tivessem o socado até chegar naquele estado de inchaço. Mal conseguia enxergar os olhos verdes, a cicatriz perdida no meio de uma bola vermelha - até o cabelo parecia estar faltando em algumas partes.

"Olhe bem, Draco." Ele com certeza estava olhando bem. Merda, bem demais: pare de olhar. Ele não sabe quem é essa pessoa. Nem ele, nem ninguém de sua família. Ninguém sabe. "Este é Harry Potter?"

Por um segundo quis olhar para seu pai: ele por um acaso estava de seu lado? Aquilo era um teste para verificar se poderia ou não voltar a fazer parte de tudo aquilo? Ele deveria responder o que?

"Não." Havia apenas um problema. "Não é." Draco realmente não queria mais fazer parte de nada que envolvesse aquele tão seleto grupo de filhos da puta. "Não é Potter." E se eles matassem uma das maiores esperanças da Ordem, qualquer chance da outra parte de sua família sobreviver sem participar daquilo iria ralo abaixo.

Não esperava o soco no queixo, muito menos o que o fez debruçar-se sem ar.

"Levem os dois." escutou quando novamente era preso pelos braços, sendo arrastado antes mesmo de voltar a ter ar para mexer as pernas. Escutou poucas palavras antes da porta fechar. "Vamos precisar de um tempo para trazê-lo de volta. Lucio, você tem dois dias."

Dois dias.

E ele achando que nunca mais estaria tão fodido.

...

Ao chegar no subsolo, o pouco de luz que vinha de uma tocha distante da cela o fez ver que os dois não seriam os únicos a dividir aquele espaço. Foi arremessado contra a parede e sentiu um pequeno corte no supercílio esquerdo antes de virar-se para tentar identificar o terceiro bruxo. Precisou olhar apenas para o cabelo para saber que não fora apenas Potter o capturado do trio.

Realmente, sua maldita sorte se fora, gasta não apanhando do sogro. Tão preferia ter levado uma surra agora.

"Malfoy?"

"Weasley." foi um resmungo enquanto sentava-se contra a parede, observando os comensais sumirem pelo corredor que ficava a direita.

Ele não tinha como fazer algum feitiço, e provavelmente nenhum daqueles dois tinham posse de algo para ajuda-los. As grades eram à prova de trouxas, ou seja, não dava para sair dali sem mágica - e o sonserino ainda não chegara no ponto de conseguir fazer muita coisa que não invadir mentes sem sua maldita varinha.

Será que conseguiria lançar um imperius? Ou precisava de mais apoio para tal maldição além de suas mãos e todo seu desespero?

E quem diabos estava gritando tanto? Era um interrogatório, com certeza - e um dos bons, pelos berros que ecoavam naquele local. Maldita mulher que não calava a boca e interrompia seu raciocínio a cada urro, que merda estavam fazendo com ela afinal?

"Por que não disse que era eu?"

"Quieto."

"Que é você para dar alguma ordem, seu babaca?" Segurou-se para não ir para cima do ruivo quando sentiu no ombro a pequena pedra arremessada pelo mesmo. Sabia o que aconteceria, e sabia que precisava de um plano em menos de quarenta e oito horas se quisesse ver novamente a maldita que o fazia querer continuar vivo.

E Leo. Deuses, como ele queria segurar Leo mais uma vez! Era quase assustador o amor que desenvolvera ao vê-lo, dias atrás.

Era o que o motivava a continuar tentando achar uma saída.

"Eu preciso pensar, Weasley." Devolveu a pedra, sua mira muito mais certeira. "Eles vão nos matar em dois dias."

"Eles vão nos matar em dois dias." o ruivo corrigiu, o fazendo ter a vontade de joga-lo grade afora. Será que o ruivo sabia dele e de sua irmã?

"Nunca vou falar onde está sua família, e isso me torna tão traidor quanto vocês." confessou, não se importando mais em esconder aquela informação. Lembrou vagamente de todos os encontros às escondidas, todas as vezes que sentiram vontade de mostrar para todo o maldito castelo que ambos estavam comprometidos, que havia ali um maldito amor e foda-se o que pudesse ser pensado.

Ele iria desfilar com todo aquele vermelho por todos os cantos da Inglaterra - e do maldito planeta - caso conseguisse escapar com vida dali. Era uma promessa.

O problema vinha junto com o que deveria ser a solução: Draco conhecia cada centímetro dali, sabia cada feitiço que havia naquelas paredes, e assim ele sabia quais eram suas chances de escapar da mansão.

"Merda." Praticamente zero.

"Você está mesmo com a minha irmã?"

"Estava." suspirou, encostando com mais força que o necessário a cabeça na parede. O que a bruxa deveria estar pensando agora?

"Como ela está?" Como estaria se sentindo? Será que já sabia do ocorrido? Será que Arthur vira quem o estuporara, ou ao menos tinha ideia?

Alguém viria?

Provavelmente não se achassem que o único prisioneiro fosse ele. Se é que achariam aquilo. Se é que não cogitariam ele ter voltado por vontade própria.

Que Salazar não a deixasse vir.

"Segura." O olhar do ruivo confessou que esperava mais informações. "Eu não vou falar nada sobre Ginevra aqui, Weasley. Será que nenhum dos dois não sabe pensar sem a terceira perna de vocês?" Onde estava aquela sangue ruim, afinal?

Foi naquele instante que os gritos fizeram todo o sentido: já ouvira aquela voz que gritava antes. Inclusive já quisera matar a dona da voz, de tão irritante.

"Eu não aguento mais escutar isso." Quem bateu a cabeça contra a parede daquela vez foi seu cunhado, a voz já falhando, Draco não sabia se pelo desespero ou por horas gritadas.

Horas. Quanto tempo Granger estaria já fora daquela cela?

"O que vai acontecer?" A voz que saía abafada era do cicatriz - até a língua do imbecil estava inchada. Mas não parecia haver dor alguma, e a ausência do incômodo o fez ver que a desfiguração era obra sim da sangue ruim.

Era bom ter alguém com um raciocínio rápido para ajudar a pensar - se é que a bruxa voltaria em condições de tal.

"Eles vão nos deixar sem comida e água. Mas vão ser só dois dias, então nem vai ser considerado algum sofrimento a privação disso." recebeu um olhar espantado de Ronald e deixou-se xingar alto. "Porra Weasley, você vai acabar nos fodendo se fica surpreso com isso. Nós vamos ser interrogados desse mesmo jeito," falou irritado, apontando para a direção da voz. "Um a um, até alguém resolver quebrar!"

"Eu não vou quebrar, Malfoy." A defensiva veio num tom mais raivoso, os olhos castanhos combinando com a voz.

Quis rir. Quase gargalhou, mas a chance de o acharem louco o limitou a um sorriso sarcástico.

"Se fosse sua irmã gritando, eu já teria falado até o que não sei."

A bruxa grifinória só voltou para a cela horas depois, desacordada. Mesmo de longe, Draco conseguia ver as palavras cravadas no antebraço esquerdo. Aquilo deixaria uma cicatriz, com certeza.

Foi a última vez que usou a palavra sangue ruim, mesmo que apenas em seus pensamentos.

"Está tudo bem." o moreno tentava consolar o amigo. "Está tudo bem agora."

Mais uma vez a risada quase veio.

Não estava absolutamente nada, nada bem.

...

Domingo, 17 de fevereiro.

As masmorras eram mais frias do que se recordava. Acordou tremendo, o frio parecia duplicar no meio de todas as pedras - maldita hora que resolveu sair da casa sem sua capa. Sem sua capa, e se vestindo de um jeito tão trouxa. Sem dúvida ele seria o primeiro a ir. Não sabia porque ainda não haviam começado o interrogatório com ele - influência de seus pais? Eles ainda tinham alguma?

"O feitiço está revertendo." a observação veio do irmão de sua bruxa, que se encolhia num canto da cela junto de Granger, ainda dormindo.

Estava mesmo, e todos conseguiam já ver que aquele sim era Harry Maldito Potter. Dependendo de quem entrasse da próxima vez, não haveriam mais dúvidas - se é que uma confirmação era o que esperavam para matá-lo. Provavelmente não, provavelmente já sabiam. Era a confirmação dele que os comensais esperavam - que seus pais deveriam ter esperado quando Draco abriu a boca. E sua ausência revelou seu lado atual naquela guerra.

"Me soca." Outra vez quis rir com as palavras ouvidas naquele espaço mínimo: nunca se conteve tanto para não gargalhar como nas últimas vinte e quatro horas.

"Se eu te socar até desfigurar você dessa forma é bem capaz que você morra, idiota." As palavras saíram roucas, arranhando a garganta: já eram vinte e quatro horas sem uma gota de água.

Porra, ele estava sedento. Ao menos naquilo o frio ajudava um pouco: fosse verão, com certeza seria pior.

Suspirou, levantando-se da posição que estava há já algumas horas, sentindo os danos do frio junto com a falta de movimentos nas articulações. Já se passara quase um dia desde que vira qualquer comensal por ali. Segundos antes de ver uma sombra se aproximando pelo corredor, pensou quem seria o próximo sortudo em ganhar alguns minutos fora daquela cela.

Gostaria que fosse ele, sim. Talvez conseguisse fazer algum estrago estando a sós com algum maldito bruxo. Naqueles meses, uma das coisas que ocupara seu tempo foi autodefesa trouxa, e se considerava suficiente bom em krav maga para conseguir sair dali caso tivesse a chance. Caso conseguisse tirar a maldita varinha das mãos do bruxo em questão. Era tentar ou morrer sem fazer nada, e sua única alternativa era a primeira.

Tão não esperava ver justo aquele bruxo parar na frente da cela. Assim como também não esperava que ele deixasse sua mente tão aberta, quanto menos ver o que lhe fora mostrado sem precisar fazer qualquer esforço.

"Filho." Era horrível, mas tão horrível, precisar escolher um lado de sua família. E era apenas pior saber que o pai sabia o lado que escolheria - pois Lucio escolheria igual.

Lucio estava escolhendo igual.

E Draco provavelmente faria o mesmo, estando no lugar do pai.

"Vá embora." Queria se afastar da grade, mas uma mão fria segurou a sua. Realmente não queria pegar os frascos que estavam sendo entregues, mesmo daquela forma tão discreta: alguém descobriria, e a culpa sobre seu pai poderia muito bem matá-lo daquela vez. "Por favor vá embora."

Não cogitaria pegar, muito menos abrir as poções, não tivesse visto a mente do pai - não tivesse sentido os sentimentos do pai. Era tão estranho, foi tudo o que não esperava ver: orgulho. O bruxo parado ali na sua frente sentia orgulho das escolhas do filho - ele sabia que havia se juntado com uma Weasley? Sabia do que fora gerado daquela união?

Sabia, claro que sabia. Havia visto o homem descobrir antes dele - a ruiva tão precisava aprender a bloquear aquela maldita mente aberta.

"Beba. Dê para os outros, tem o suficiente para os quatro." Teriam sido aquelas as últimas palavras de seu pai para ele?

Não se moveu até a sombra ir embora por completo pelo corredor das masmorras, sua primeira ação sendo a de tomar o líquido branco, o frasco desfazendo-se assim que se esvaziou.

Ok, conseguiria suportar a sede por mais algum tempo após tomar aquilo. A poção hidratante viera mesmo de seu pai, ou Snape também estava por trás daquilo? Fazia tempo que não via o mestre de poções, mas a potência do líquido o fez ter a certeza que não fora Lucio que o produzira.

"Até parece que vou beber isso." Foi a resposta quando entregou os últimos dois frascos para o ruivo.

"Ao menos dê para a sua namoradinha, Weasley." disse, olhando para o estado da filha de trouxas e mentalmente agradecendo por Ginevra estar a quilômetros dali.

"Beba logo, Rony."

A ruiva, bem distante dali: ao menos era o que ele imaginava.

...

Segunda, 18 de fevereiro.

Foi quando viu os fios vermelhos longos que sua sanidade foi completamente embora, e o desespero que imaginava não poder mais aumentar triplicou.

"Gina!"

"Não." Não, aquilo era impossível. Não era real, aquela bruxa sendo segurada com o rosto pressionada nas grades não era real. "Não, não!"

Mas mesmo não sendo, não demorou mais de um segundo para alcançar as barras de ferro - também não demorou para Ginevra ser afastada das mesmas, um comensal que ele não fazia a menor questão de reconhecer a segurando pelos cabelos. Não precisava saber quem era, pois assim que saísse dali, iria matar todos daquela maldita raça, sem uma dúvida.

"Malditos! Soltem a minha irmã, seus filhos da puta!" Era a primeira vez que o outro ruivo levantava naquela segunda - já era segunda? -, parecendo tão desesperado quanto o próprio sonserino.

Não adiantava gritar, sabia que seria inútil qualquer grito e qualquer forma de ameaça agora. Como eles a capturaram? Merlin, ela havia ido atrás dele, que tipo de família deixa solta justo aquela mulher, que acabara de dar a luz ao-

Agarrou mais forte a grade com o próximo pensamento. Que os deuses a tenham feito vir sozinha. Que não tenham sido capturados os dois, por causa de um descuido tão idiota quanto o dele. Ela ainda não havia falado uma palavra, não dera um grito, parecia tão irritantemente colaborativa: precisava acreditar que Leo estava muito, mas muito distante dali.

"É melhor começar a falar, moleque," Voltou para a realidade ao sentir um pedaço de madeira bater forte o suficiente nos seus dedos a ponto dele perder alguns segundos de ar com a dor aguda. Ao menos não era a mão que usava a varinha. "Ou essa ruivinha vai aprender uma coisa ou outra sobre comensais." A dor foi muito maior ao ver as lágrimas que corriam pelas sardas do rosto.

"Soltem ela!" O irmão ainda tentava arrancar as barras de ferro, tão diferente da reação que o loiro estava tendo.

Draco não conseguia se mexer. E não era por causa de algum feitiço, mas cada músculo de seu corpo parecia ter travado - nem mesmo sabia como ainda estava de pé. Não conseguia se mexer por estar imobilizado pelo maior medo já sentido alguma vez em sua vida. Encontrar-se sozinho com Voldemort nunca mais seria problema após o dia de hoje.

"Como quiser."

Ao escutar o grito abafado e ver a bruxa curvar-se com o soco que recebera no estômago, quis morrer - e até mesmo procurou rapidamente dentro da cela alguma coisa que pudesse ajuda-lo com a tarefa. E não, não queria morrer por sentir-se inútil, ou por ter falhado com a mãe de seu filho. Queria morrer porque sabia que, em algum momento - em minutos, se atrevia a dizer - falaria tudo que lhe perguntassem, em troca da vida da ruiva. Em troca da liberdade dela e do filho, entregaria a própria mãe se necessário.

Era tão contraditório: queria sair dali e matar a todos aqueles malditos, ao mesmo tempo que queria acabar com a vida, pois as sacudidas negativas de cabeça da bruxa só o fez entender uma coisa: não fale nada. Não fale nada.

Eles não estavam com Leo.

"Bruxa, vai ficar tudo bem." achou sua voz no segundo soco, quase não escutada por todos os gritos que vinham dos outros dois bruxos ao seu lado. "Strega, tutto andrá bene!" mentia para ambos. Estariam os olhos dele tão aterrorizados quanto aqueles castanhos?

Foi no terceiro soco que ela caiu, uma das alças do vestido verde rasgando com a queda. O tombo a fez bater a cabeça, e conseguia ver um pequeno filete de sangue escorrer onde havia batido a testa - no mesmo lugar que ele batera ao chegar naquela cela.

"Guardami, strega!" Por que Ginevra não falava nada? "Parlami Strega, come stai?" Por que ela não o olhava e não respondia alguma coisa, qualquer coisa?

Ridículo, na situação que estavam, e ele preocupado em escutar a voz da bruxa.

Mas ela parecia estar aguentando. Não havia se levantado ainda, mas estava aguentando. Foram o que, três socos? Ginevra nunca o perdoaria se ele desse qualquer informação que ela não tivesse dado, que ela tivesse até agora, se recusado a revelar.

"Gin, ha dolori?" Mas não houve resposta além de um olhar confuso.

"Realmente vai continuar bancando o durão, Malfoy? Vai deixar a sua namoradinha apanhar mais?" Respirou fundo, cerrando os punhos apesar da dor na mão direita - viveria com mais aqueles ossos quebrados. "Parece que você não é tão importante quando achávamos que fosse." Mas não viveria se precisasse presenciar aquilo - não, não conseguiria manter a sua sanidade se fosse obrigado a olhar para sua mulher se contorcendo embaixo daquele maldito comensal. "Mas podemos nos divertir um pouquinho antes do grande final, não podemos?"

Fechou os olhos, as mãos limpando duas lágrimas insistentes com raiva. Mas era inútil tentar não ver, pois os gritos no escuro estavam acabando até mais com o que restava de seu controle. Ele abriria os olhos e falaria tudo - quem sabe conseguiria o perdão, ao menos para sua família. Ao menos par a mulher e o filho.

"SAI DE CIMA DELA!"

Falaria qualquer coisa, ele falaria qualquer coisa para aqueles gritos cessarem. E estava prestes a começar a entregar um por um, todos daquela maldita família - era isso que queriam, não? - quando a primeira coisa que viu fez seu coração parar.

Mas era tão óbvio.

"Sai de cima dela, seu animal!"

E foi tão acalentador aquela esperança voltar a invadir seu coração - até mesmo voltou a acreditar que ainda sim beijaria aqueles lábios enquanto acariciaria os fio vermelhos.

Os verdadeiros fios vermelhos.

"Graças a Merlin." agradeceu com uma risada, os olhos enfim deixando a figura que era perturbadoramente parecida com sua bruxa. Ele idolatraria para sempre a marca de nascença que Ginevra tinha no seio esquerdo.

"Malfoy-"

"Não é ela." respondeu já sentando de volta num canto da cela, tentando ver o quão fodida tinha sido sua mão. "Podem mata-la, quem quer que ela seja."

Não se deu ao trabalho de acompanhar as reações dos comensais, muito menos os xingamentos proferidos ou que diabos acontecia ao seu redor por alguns minutos. Fechou os olhos e sorriu apesar de aparentemente dois dedos quebrados, agradecendo a todos os deuses por aquele milagre.

"O que te deu tanta certeza?" a pergunta veio quando novamente eram apenas os quatro.

"Eu conheço cada pedaço da sua irmã." falou, sem se importar com sua sinceridade deixando o bruxo ao seu lado vermelho - foda-se se de vergonha ou raiva. Com a ausência da mancha em formato de coração que ele tanto adorava beijar, fazia sentido a ausência das respostas, o olhar confuso ao ouvir as palavras em outra língua, aquele comportamento tão atípico. "Cada detalhe." Ginevra teria chegado fazendo um escândalo, Ginevra teria tentado reagir. "Precisa de muito mais para me enganar."

...

Terça, 18 de fevereiro.

Jurava que seria apenas dois dias - afinal, a palavra do Lord é sempre tão acurada e acatada -, mas tinha certeza que haviam se passado as quarenta e oito horas. Quarenta e oito horas sem comida, sem água, sem a porra de um banho, deitado no chão duro de pedra. Não fosse pelo seu pai, já teriam morrido de sede. Apesar de que agora, já conseguia sentir os primeiros sinais de desidratação: com a falta de água, os lábios secos rachavam. E o gosto de sangue na boca apenas aumentava a maldita fome.

Os outros três prisioneiros pareciam estar ainda piores que eles, principalmente a única interrogada dos três. Tinha certeza que aquele antebraço estava infeccionado, como o dele teria ficado não recebendo cuidados após quase arranca-lo. A palavra escrita parecia até maior, mais vermelha do que nunca.

"Merlin, eles vão nos matar de fome." Já estava começando a acreditar na reclamação do cicatriz. "Já são três dias, não são?"

Levantou-se do chão duro mais lentamente do que o normal: sim, aquela provavelmente era a manhã do terceiro dia na prisão, e ele precisava comer alguma coisa.

E como por um milagre, alguém lhe passava um pão por entre as grades - e então mais três. E nunca um pedaço de pão teve um gosto tão fantástico em toda sua vida.

"Pai?" Porra. "Não." O bruxo já abria a cela quando Draco percebeu o que estava acontecendo. "Não, eles vão-"

"Matar você primeiro." Sua suposição estava certa, no final. "Não tem ninguém na parte oeste, vocês conseguem aparatar no gazebo." Lucio informou, entregando em suas mãos a própria varinha. Ele vão matar você, queria falar, eles vão matar você e a mamãe mesmo se apenas um de nós fugir. "Use um obliviate, me coloque sobre um Imperius e me faça voltar até Narcisa. Depois disso, daremos um jeito."

Quando se deu conta, o trio já saía da cela, os dois bruxos dando apoio a Granger e olhando para seu pai como se a qualquer momento este pudesse mudar de ideia. Mas ele não mudaria, Draco sabia disso agora. Não mudaria, e outra vez, se pegou pensando que faria igual estando em seu lugar.

Daquela vez, não conseguiu conter o abraço - aquela troca de afeto quase inexistente entre os dois -, talvez o último dado. Não queria abusar da nova sorte e pensar que o veria novamente.

"Você sabe agora que tudo que fiz foi para tentar proteger vocês, não sabe?" Fez que sim com a cabeça, não confiando na própria voz para afirmar que sim, ele sabia. "Faça-a ficar boa em oclumência, por Salazar."

"Fiquem bem." Segurou com força a varinha, fazendo movimentos conhecidos antes de conjurar o feitiço que mais aprendera a odiar. "Obliviate."

Quebrou o abraço e murmurou a maldição, vendo por um instante o olhar confuso do pai antes do bruxo ser dominado pelo imperius. Com o bruxo indo para a direção oposta da qual eles deveriam seguir, Draco agradeceu aos deuses pelos meses sem magia não terem o tornado um total inútil e começou a andar para o corredor à direita.

"Por aqui, em silêncio e rápido."

...

Aparatar o deixou, surpreendentemente, menos enjoado do que a caminhada até o gazebo, os corpos dispostos ao longo do chão fazendo a maior parte do trabalho de deixa-lo com vontade de vomitar o pão recém comido. Os bruxos atrás dele foram fortes até encontrarem alguns pedaços humanos em decomposição - e em sua mente apenas, admitiu que a filha de trouxas era mais forte do que imaginava, nem ao menos parecendo nauseada.

Em um momento estava na mansão que nunca mais conseguiria chamar de casa, em outro, seus pés tocavam a água, e teve que fazer um esforço para não ser derrubado com a onda forte que seguiu - não iria reclamar da precisão, tendo trazido inteiros mais três consigo.

Fazia sol, diferente de onde estava há segundos atrás, e o clima era muito mais agradável apesar do inverno - até mesmo conseguia sentir o sangue novamente correndo pelas veias. Andou muito mais devagar do que os outros três - que correram e desabaram assim que atingiram a areia seca -, aliviando-se ainda mais ao ver o chalé onde estava sua pequena família.

"Harry?" a voz da matriarca foi a primeira a se fazer presente, logo aumentando e trazendo praticamente todos para fora da pequena casa. "Oh meu Merlin, Harry, Rony!"

Ao pisar na areia seca, reconheceu ser o mesmo lugar onde sentou-se com o sogro na manhã daquele sábado: ok, sua precisão fora quase perfeita. Demorou um pouco para enfim perceber estar à salvo, livre, vivo, e talvez só realizara estar em casa quando escutou a voz que tanto, mas tanto quis ouvir naqueles últimos dias de inferno.

"Draco?" Foi a visão da ruiva parada na porta, entregando Leo para a francesa e começando a correr até ele que lhe arrancou aquele primeiro sorriso. "Draco!"

Se não estivesse tão esgotado, teria feito suas pernas obedecerem sua vontade, pois pareceu uma eternidade até a bruxa enfim jogar-se em seus braços, por pouco não fazendo os dois pararem no chão com a ação. Nunca aquele cheiro tão dela foi tão maravilhoso para suas narinas, nunca aquele maldito toque o aqueceu tanto: entre lágrimas, escutava-a dizendo o quanto o amava sem se importar com toda a família ao redor, enquanto suas mãos examinavam os novos cortes em seu rosto e aqueles lábios que queria tanto beijar tentavam sarar cada machucado em sua face.

Com toda a família ao redor.

E ele estava justo onde sentara naquele sábado.

"Pare de chorar, bruxa." disse, segurando com delicadeza as mãos da ruiva, os olhos distraídos na areia perdendo o rosto sorridente se transformar numa carranca, enquanto uma das mãos se libertava e limpava as bochechas molhadas com total irritação.

"Seu maldito!" O soco no peito ele sentiu, e foi o que o fez voltar brevemente os olhos para a mulher. "Sabe o quanto me deixou preocupada, o quanto pensei todos os segundos em você?" Com certeza o mesmo tanto - ou menos - do que ele pensara nela. "Foram três dias de inferno, três dias que rezava todos os minutos para a porra do pai do meu filho estar vivo, porque por Merlin eu não quero que ele cresça sem um! Eu não quero crescer sem você! E a primeira coisa que escuto da sua maldita boca é um pare de chorar? É sério isso, Malfoy?" Quase respondeu um 'então voltamos para o Malfoy, bruxa', mas algo naqueles olhos castanhos o fizeram ficar quieto, e voltar a procurar o maldito anel naquela areia fina foi sua escolha. "Eu realmente deveria ter escolhido melhor, como Fred tanto me disse nesses três dias infernais! Eu deveria ter escolhido melhor, mas o maldito amor que eu sinto por você é tão ridiculamente grande-"

Por um instante achou que ela fosse outra vez soca-lo quando parou de falar, mas não foi isso que o faz se agachar e enfim pegar o que levou todo aquele tempo para entregar a ela.

"Que diabo você está procurando na maldita areia?"

Levantou a cabeça, percebendo que aquele mini escândalo deixara todos os olhos presentes nos dois. Havia Arthur, e o Weasley mais novo, claro. Guilherme estava se aproximando com Fleur, e aqueles eram os gêmeos - um estava sem uma das orelhas? Haviam mais duas cabeças ruivas, uma antes nunca vista tão de perto por ele, outra o antigo monitor grifinório que tanto o irritou nos tempos de Hogwarts. Quatro, cinco, seis-

"Você está contando?" Sete. "Draco?" Os olhos cinzas voltaram para sua melhor pessoa.

"São sete, não são?" perguntou com um sorriso torto, divertindo-se por um instante com o olhar confuso da ruiva. "Tem os dois que não querem mais me matar - eu acho -, mais cinco. Tem mais algum Weasley?" Ainda estava de joelhos quando recebeu a negativa. "Eu não sei você, mas eu lembro do que você me disse há mais de um ano atrás." Pegou a mão esquerda da ruiva com sua mão machucada - que não fosse pelas palavras que seguiram, com certeza Ginevra faria questão de examinar naquele momento. "E eu realmente quero que você tenha certeza, então,"

A confusão dissipou-se segundos depois, e ele viu o entendimento nos olhos castanhos.

"Ginevra Molly Weasley, casa comigo." E os mesmos responderam sim.


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