Entre o amor e a guerra escrita por Ania Lupin


Capítulo 21
Canivete, firewhisky e explicações




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Sexta, 20 de outubro.

Provavelmente não deveria estar ali sozinha - tinha total consciência disso, ainda mais depois do encontro no campo de quadribol. Mas então, Ginevra Weasley comia quando ficava nervosa, e naqueles últimos dias estava uma pilha de nervos: nada de novo ela acabar na cozinha, mendigando comida para os elfos domésticos do castelo, já acostumados com as visitas noturnas da bruxa.

Voltaria para o salão comunal correndo - o que poderia acontecer de errado da cozinha até a Grifinória? Não era como se estivesse voltando das masmorras. Mas algo no meio do caminho, mais precisamente no Hall de Entrada, logo no começo da escada, a fez diminuir a velocidade dos passos. Era Colin? Quem ele estava levantando do chão, junto com o sonserino-

"Draco?"

Tinha tanto sangue naqueles degraus. Ela ia em direção aos bruxos antes mesmo de pensar, o coração acelerando ao ver o estado do loiro: olhos fechados, expressão de dor, a camisa branca tingida de vermelho, alguns dos fios platinados no mesmo estado.

"Meu Merlin, o que houve?" Da onde tinha saído tanto sangue?

Foi quando chegou mais perto que reparou a bagunça que estava o antebraço do sonserino, cheio de marcas vermelho-escuras e sangue coagulado. Via por cima de tudo aquilo alguns traços pretos, e ficou nauseada ao reconhecer um canivete sujo no chão, junto de uma garrafa vazia de firewhisky.

"O que aconteceu?" Chegara ao lado do bruxo, mas estava hesitante em toca-lo. Não conseguia nem falar baixo, queria gritar com aquela visão, queria gritar com o jovem por ser tão ridiculamente estúpido. "O que aconteceu com ele, por que tem tanto sangue?" Perguntava somente para ter certeza: era óbvio que ele havia feito aquilo com o próprio braço.

"Calma Gin, o Malfoy tá bem." Colin que a respondia, os dois bruxos apoiando novamente o sonserino sentado na escada. "Ele  tentou tirar uma marca mágica do braço e acabou com uma garrafa de álcool no processo, mas te garanto, ele vai viver."

"E vai querer estar morto amanhã." completou Zabini.

"Idiota." disse, se ajoelhando em frente ao bruxo e fazendo um esforço tremendo para não desabar na frente de todos. "Idiota, eu odeio você seu sonserino estúpido," continuou, as mãos inutilmente tentando colocar alguma ordem naqueles cabelos loiros, já compridos demais, bagunçados demais para serem dele. "Meu Merlin, o que você fez com o seu braço? O que você fez, Draco?"

"Tira daqui." A mão direita do bruxo afastou a dela, seus olhos finalmente abrindo e encarando os da ruiva: estavam vermelhos, e tinham uma expressão totalmente diferente das quais Ginevra já havia se acostumado a ver. Cansado, parecia tão cansado, e ao mesmo tempo tão indiferente ao seu redor. "Tira ela daqui, Zabini." ele pedia, sua voz arrastada.

"Deixa eu pegar ele, ruiva." Blaise se pôs entre os dois no segundo seguinte, colocando o braço não ferido do outro sonserino por cima de seu ombro. "Vai cara, colabora, temos que chegar na Sonserina."

"Essa grifinória é problema." ainda o ouviu falar, enquanto o bruxo se apoiava com dificuldade em Zabini, os olhos cinzas já longe dos dela. "Flint estava certo." Viu aqueles lábios finos se curvarem num sorriso amargo. "Não dá pra não gostar. Não da pra ficar com ela e não gostar." E viu os olhos fecharem novamente, apertando-se ao começar a andar, a boca se abrindo num grito silencioso.

"Colin, leva ela pra casa de vocês. Eu dou um jeito nesse aqui, ok?"

Foi quando os viu sumir pela porta que dava acesso as masmorras que se deixou chorar na frente do amigo. Ela não havia sido responsável por aquilo, havia? Sentiu os braços de Colin a envolverem e só soluçou mais forte dentro daquele abraço.

Até ver aquela marca, não havia passado por sua cabeça todos os problemas que aquela paixonite poderia trazer: passara uma sombra perto de tudo que passava agora. Mas porquê aquele sentimento se negava a ir embora depois de ver tudo aquilo, depois de saber que estava alimentando sentimentos tão impossíveis?

Ela deveria ir embora. Deveria pedir para Colin faze-la esquecer de tudo aquilo e voltar para sua vidinha de antes, de - por Merlin - dias atrás. Como até dias atrás não havia nenhum dos sentimentos de agora? Quando tudo aquilo havia começado? Quando ele deixou escapar que Potter não sabia o que estava perdendo? Quando lhe encheu de doces? Quando a fez esquecer do mundo ao seu redor com um beijo no meio de uma tempestade? Quando, contrariando todas as suas expectativas, a levou até a entrada de sua casa, naquela sexta feira à noite? Desde aquele primeiro beijo os lábios dele eram gelados, mas lhe transmitiam tanto calor.

Ridícula. Aquela era uma situação ridícula.

"Eu gosto," Nem mesmo pensava em tentar controlar o choro, nem mesmo lembrava que já havia dado meia noite e todo aquele barulho poderia coloca-los em maus lençóis. "Eu gosto dele, Cols." A única coisa que conseguia ter na cabeça era o quão injusto era ter se apaixonado justo por um sonserino. "Eu gosto tanto, mas que merda!" Justo pelo bruxo com ideais tão diferentes dos dela. "O que eu faço?" Justo por um comensal. "O que eu faço agora?" Justo por Malfoy.

...

A primeira coisa que aconteceu quando abriu os olhos foi voltar a fecha-los, graças a enorme dor que sentia na cabeça. A segunda foi levantar o braço errado, e duplicar - senão triplicar - a dor inicial. Virou-se, tentando achar uma posição onde a dor fosse um pouco mais suportável, e sentiu suas costelas. Virou-se de novo, e de novo, até enfim desistir e colocar a mão que não doía tanto em cima dos olhos, tateando o criado-mudo em busca de sua varinha.

Realmente, Merlin não estava a favor dele naquela semana. Era sexta-feira, haviam aulas nas quais ele não poderia pensar em faltar, e ali estava ele, Draco Lucio Malfoy, inutilizado na cama com a maior ressaca de sua vida, refletindo sobre sua maldita sorte. Por que tudo parecia estar contra ele naquela semana?

"Lumos." murmurou com a voz rouca quando enfim encontrou o pedaço de madeira. No relógio viu que já tinha passado das onze, e xingou mais ao lembrar do quanto estaria agora atrasado naquelas matérias.

Sentou-se, jogando a varinha sobre os lençóis negros de seda. Depois de muito esforço, e do seu estômago também ter começado a dar sinais de dor - quando mesmo havia comido pela última vez? -, conseguiu se arrastar até o Salão Principal, onde já era servido o almoço.

"Não achei que fosse te ver tão cedo hoje." Foi a primeira coisa que ouviu de Zabini, ao sentar-se ao lado deste. "Cara, isso não foi legal. Não foi legal mesmo." Os olhos azuis céu o reprovavam tanto quanto a voz. "Você quase me matou de susto, seu filho da mãe."

"A intenção não era essa, definitivamente." respondeu, frustrando-se ao não achar uma gota de café na mesa - eles deveriam servir aquela bebida o dia todo, maldição. "Foi você quem me levou de volta, não foi?"

"Depois que Colin deu um jeito na sua obra de arte, sim. Provavelmente vai deixar uma cicatriz." Com certeza deixaria, e com certeza ele iria sentir aquela dor por algum tempo. "E a marca continua ali, então por favor, tente não repetir, ok?" o amigo mais ordenou do que pediu, o olhar totalmente sério.

Seus olhos procuraram uma cabeça ruiva na mesa dos leões e acharam em segundos Ginevra ao lado de um dos bruxos que mais detestava.

"Ela apareceu mesmo, ontem?" Quis arrancar aquelas mãos ao ver Potter entregar algo para sua bruxa. Quem ele achava que era?

"A grifinória gosta de você, Malfoy, e você gosta dela. E parece que não tem jeito mesmo, então se entendam antes que você suceda em arrancar esse braço."

...

Era o segundo dia que Ginevra dormia menos de cinco horas. Era o segundo dia que não encontrava um pingo de chocolate no desjejum. Era o segundo dia que não conseguia prestar atenção nas aulas durante toda a manhã. E era o segundo dia que Draco Malfoy não saía nem por um segundo de sua cabeça.

Odiava sentir o que sentia por aquele bruxo. Odiava se preocupar com ele. Odiava fechar os olhos e lembrar do antebraço ensanguentado. Odiava querer aqueles olhos cinzas a olhando novamente, e aqueles lábios cinzas nos seus. Odiava que não conseguia odiá-lo, mesmo ele sendo um sonserino, mesmo ele sendo Malfoy, mesmo ele estando marcado para a vida.

Ela poderia mata-lo naquele minuto, do jeito que matava esmigalhando com a faca tudo que havia no seu prato.

"Ei Gina! Bom dia!" a voz que a trouxe de volta a realidade era do garoto que sobreviveu, que Ginevra via abandonar Neville e Ronald e ir sentar-se ao seu lado.

"Oi Harry." Tentou fazer a voz soar animada, mas falhou miseravelmente. Estava tão exausta que nem o que masterizara durante todos aqueles anos conseguia fazer, será que aquilo era perceptível?

"Você está com uma cara péssima." o moreno comentou, e Ginevra confirmou o quanto suas olheiras deveriam estar aparentes naquele dia. Não havia nem ao menos penteado o cabelo - preso num coque desajeitado - quanto mais se olhado no espelho. Não conseguiu evitar o pensamento ao se lembrar das palavras do amigo: se ele gostava mesmo dela, não estava com a melhor das estratégias.

"Escutei o mesmo ontem." disse, inconscientemente copiando o sorriso amargo visto ontem no sonserino. "Ando dormindo mal."

"Pesadelos?" Poderia considerar um pesadelo tudo que estava acontecendo na semana?

"Pode se dizer que sim."

Poderia ser apenas aquilo: um pesadelo. Ginevra bem que poderia acordar e descobrir que tudo não passara de um sonho ruim. Que não havia marca alguma, que não havia ninguém atrás dela. Melhor, que não havia nenhum Draco Malfoy em sua vida, além da doninha saltitante que sempre detestou. Que ela, quando olhava para os olhos verdes sentados à sua frente, sentia tudo que uma vez já sentira, e não a irritação que crescia naquele momento.

"Você quer conversar sobre isso?" Poderia acordar, e responde-lo de uma forma doce.

"Você nunca foi assim solícito, Harry." E não do jeito que respondia agora.

"Outch."

"Desculpe." Suspirou, seus olhos achando o par de cinzas. Será que alguém percebia o quanto eles se olhavam naqueles últimos dias? Seu irmão percebia, Harry via aquilo, agora? "Meu humor está péssimo com essa falta de sono." Sacudiu a cabeça, voltando a focar no moreno antes que este pudesse perceber algo. "Melhor, com esse excesso de sono, agora."

Surpreendeu-se com o gesto seguinte: Harry tirava do bolso um saco com quadradinhos de chocolate, e empurrava-os para ela.

"Guardei para mais tarde, mas acho que você precisa mais do que eu." Sorriu, este saindo agora mais verdadeiro, enquanto colocava os doces em um dos bolsos internos de sua capa.

"Obrigada."

"Posso fazer uma pergunta, Gina?" Sentiu seu estômago revirar com as possibilidades. Por que você não para de olhar para a mesa das cobras? Por que você estava usando uma capa sonserina? Por que você gosta de Malfoy? Mas o que veio, antes mesmo dela consentir, não teve nada a ver com o rival de Harry, no entanto a deixou tão desconcertada quanto. "Você quer ir ao baile de dia das bruxas comigo?"

...

Ele estava esperando já fazia meia hora. No fundo, sabia que esperaria o dia inteiro se isso fosse faze-la o escutar, mas naquela tarde chuvosa, meia hora dentro da estufa já bem visitada pelos dois já era o suficiente para deixa-lo quase louco. A ruiva ia aparecer, não ia? Ela tinha que aparecer. Por que se preocupara com ele ontem, afinal?

Porque ela tem um coração, talvez. E se preocuparia com qualquer um que estivesse no estado lamentável em que eu me encontrava.

Tinha que admitir que estava nervoso. Sim, beirava o ridículo, ele, Draco Malfoy, nervoso por causa de um garota. Uma garota Weasley. Pensar na cara que Lúcio faria se algum dia descobrisse aquilo era quase o suficiente para faze-lo rir. Foi perdido nesses pensamentos que ele não a viu entrar, seus olhos só se voltando para a porta quando escutou a mesma fazendo um barulho baixo ao ser fechada.

Ginevra entrou e encostou-se na parede, tão como a primeira vez ali. As olheiras embaixo dos olhos inchados estavam aparentes - talvez tanto quanto as dele, não fosse pela camada de sardas cor ferrugem que ajudavam a encoberta-las. Nenhum dos dois falou nada por alguns minutos, que estavam parecendo uma eternidade. Estaria a bruxa tão nervosa com tudo aquilo quanto ele?

"Como está seu braço?" Pelo menos a ruiva começou com uma pergunta fácil de ser respondida.

"Melhor do que minha cabeça." continuou, se aproximando alguns passos. "Melhor do que a sua cabeça, com certeza!" E mais uma vez seu nervosismo se transformara numa quase raiva. "O que você está fazendo aqui, Weasley?" quase gritou enquanto ia para cima da grifinória. "Que diabos você veio fazer aqui?"

"Colin está lá fora." Ela não deixar-se afetar pela ansiedade do bruxo apenas o frustrou mais. Por que não gritava de volta, como sempre fazia? "Blaise também. Vão ficar por alguns minutos, como foi combinado, então se você quiser que eu vá embora, melhor falar agora."

Como sempre fazia. Era como se ela sempre tivesse estado ali, presente, apesar de conviverem juntos há tão poucos dias. Era o que ele provavelmente queria, a bruxa ao seu lado, não por uma semana, nem por um mês - naquele exato momento, a queria para sempre. Então por que diabos ele se esforçava para afasta-la?

"Por que você continua vindo pra mim?"

Novamente se fez silêncio, a grifinória claramente desconfortável. O que Draco mais queria era ir até ela e adiar mais uma vez a conversa. Mais alguns dias tentando fingir que tudo estava bem, que sua preocupação era apenas a de 'ganhar uma aposta', ou conseguir beija-la sem que ninguém visse. Mais alguns dias se enganando. Até mesmo preocupar-se com Flint atrás de Ginevra era mais fácil do que conversar e dar todos aqueles detalhes.

Porque depois de dar todos aqueles detalhes ele tinha uma certeza: a bruxa, sem dúvida, iria embora.

"Eu prometo que não vou sair correndo. Mas eu preciso de uma explicação." Foram as palavras dela que vieram após mais alguns minutos de quietude. Não, Draco não conseguiria mais adiar a verdade. "Alguma." Não deveria ter adiado nunca. "Qualquer uma." Deveria ter mostrado seu antebraço no dia que a tirara das masmorras, antes dela tornar sua vida um inferno. "Por favor." Antes dele considerar ir atrás de alguma ajuda, antes dele desenvolver alguma esperança em se livrar de sua tarefa e sair vivo com a negação. Antes de coloca-la no meio daquela bagunça que era sua vida.

Como começar a história da marca? Como contar de uma forma que a grifinória fosse, de alguma forma, entender que aquilo havia sido vital à sua sobrevivência? De uma forma que ela tivesse ideia do que aquilo era, do que aquilo representava, e como o fazia sentir. Pensou em ir até a bruxa e tentar cala-la novamente, mas os olhos castanhos não pareciam estar receptivos àquilo naquele dia.

"Senta, Ginevra." pediu, apontando para um dos bancos mais próximos, mas a ruiva ignorou o pedido, continuando encostada na parede de madeira. "Ok, então." Não insistiu mais, sentando-se sozinho. "O que você quer saber?"

"Tudo."

Respirou fundo. Seria uma maldita longa história.

"Sabe, meu pai sempre foi um exemplo para mim." Ouviu uma risada cínica naquele começo, uma risada que não combinava em nada com a bruxa. "Porque todos os pais, quase todos, são um exemplo para os filhos, ou pelo menos é o que os filhos crescem achando." continuou, ignorando aquele comportamento atípico. "Lúcio sempre foi carinhoso com minha mãe, me deu tudo que precisei, foi presente sempre que pôde. Ele tinha suas crenças que não pareciam erradas no meio em que eu cresci. E as crenças eram só palavras até anos atrás. E eu acreditava que palavras não machucavam-"

"Palavras machucam." a ruiva o interrompeu, franzindo o cenho.

"Eu sei." Mais uma vez só percebeu que era a mão do braço machucado que levava até os cabelos quando sentiu a pontada. "Agora eu sei, pelo menos. Assim como sei agora que nunca foram apenas palavras." Pela primeira vez, estava sendo difícil manter seus olhos na bruxa. "Quando meu pai falou, ano passado, que o Lord havia me convidado para receber a marca, não vou mentir para você: eu senti orgulho. Eu seria como meu pai, e não tinha por que me envergonhar daquilo. E então comecei a participar ativamente do grupo, comecei a ouvir os reais feitos, assim como as histórias e planos. Só que com dezesseis anos, eu não era mais uma criança sem opinião, e as coisas não eram mais certas apenas porque me falavam que era certo. Na verdade, é só quando você tem que cumprir uma tarefa que percebe o quanto algo pode ser errado."

Como precisar matar um ser humano. Como precisar matar o diretor de Hogwarts. Os olhos cinzas foram se interessar por um pedaço do chão de terra, mais fácil do que se manter nos que pareciam julga-lo.

"Recebi a marca no dia trinta de agosto. Fisicamente, doeu quase tanto quanto talhar meu braço. Eu já sabia que não a queria, mas não havia escolha: Lúcio tinha falhado em sua missão e estava em Azkaban, e o Lord precisava de um Malfoy para um novo serviço." Outra vez o sorriso amargo. "Basicamente eles queriam castigar a família me marcando, e me dando um serviço que achavam que eu não teria capacidade de completar. Minha tia disse que nunca sentiu tanto orgulho, e meu pai com certeza falaria o mesmo, se estivesse ao meu lado naquele momento. Eu consigo cumprir o serviço. O problema é que eu não quero cumprir o serviço."

Parou de falar e focou bem na bruxa à sua frente. O que havia naqueles olhos agora? Dor? Pena? Sabia que sua história não era agradável, mas era assim tão terrível para a grifinória estar outra vez às lágrimas? Levantou-se e desviou os olhos para um ponto no fundo da estufa, as mãos indo parar nos bolsos da calça. Sim, era. Era assim terrível a história, e por um momento preferiu voltar a não ter consciência do quão horrível era seu lado da iminente guerra.

Ela ainda não havia escutado nem a pior parte.

"No dia em que eu recebi a marca, no dia da minha dita iniciação, os comensais deram uma festa. Então os homens deram outra festa, pois a primeira não havia bastado." continuou, esperando que a bruxa entendesse o que ele estava dizendo. "Fico me perguntando se Lúcio participaria, se já participou daquilo alguma vez. A trouxa que eles sequestraram não deveria ser muito mais velha do que você, Ginevra. Um, dois anos, deveria estar no máximo nos seus dezessete. Eu não toquei em nada, em ninguém, nela - e acho que nunca senti tanto medo na vida, e Ele estava lá, e Ele sabia que eu estava com medo." Não tinha coragem de encara-la outra vez, temendo encontrar o pior em seu olhar. "Não fazer nada não me torna menos cúmplice, eu sei. Ela tinha seu cabelo, suas sardas - poderia ser sua parente, por toda a semelhança ridícula. Naquela sexta feira, quando vi que Flint estava atrás de você, a única coisa que pensei foi que não poderia deixar esse maníaco tocar em um fio do seu cabelo sem que você consentisse. Você sabe o resto da história."

Passaram mais alguns minutos em total silêncio antes que a coragem de olha-la voltasse. Ginevra continuava parada no mesmo lugar, os olhos ainda refletindo os sentimentos de repulsa e medo que tinha visto na tarde de terça. Não, ele não poderia se aproximar. Talvez não pudesse se aproximar nunca mais. Talvez o melhor que poderia fazer - dado que tinha praticado tanto o feitiço - era força-la a esquecer de tudo. A bruxa não teria memória alguma e ele estaria livre para viver no seu próprio inferno, até chegar - se vivesse até lá - o final do ano letivo. Sua mão estava na varinha antes de ter um segundo pensamento, e ele estava pronto para saca-la - seria tão rápido, um obliviate e poderia então estupora-la e entrega-la ao Creevey.

E Draco deveria ter feito aquilo, deveria ter pensado na dona dos cabelos ruivos, e não apenas nele, e em como tinha ficado ridiculamente feliz quando viu Ginevra praticamente correr em sua direção, quando a sentiu se jogar nos seus braços. Deveria ter pensado em quão difícil seria mante-la escondida ao invés de deixar-se levar pelo cheiro de baunilha. Em todos os riscos que a grifinória correria sendo associada a ele: ela, uma Weasley, uma traidora de sangue. Lúcio o mataria. Pelo que conhecera de seu pai nos últimos meses, Lúcio a mataria, literalmente, para garantir a sobrevivência de sua família.

Mas a escolha passou longe do que considerava o certo para a situação. A escolha foi a de fazer promessas difíceis de serem cumpridas enquanto a abraçava de volta, encostando seu queixo na cabeça cor de fogo.

"Eu prometo que ele não vai encostar um dedo em você, Gin. Se Flint fizer qualquer coisa com você, se ele tocar em você, eu rasgo a garganta dele." confessou, sentindo a bruxa tensionar por um segundo. "Eu não sou uma boa pessoa, não se engane. A única coisa que nego é a vontade de matar qualquer ser humano, só que isso não me torna diferente do que você conhece, Ginevra. Eu sou egoísta, eu sou individualista, eu sou rancoroso, e pode inserir aí mais algumas ótimas qualidades. Mas eu me importo com você." Draco a afastou um pouco, mais uma vez achando aquele par de olhos tão expressivos. "Eu não sei explicar porquê." E realmente não sabia. Era por ela ser tão parecida com a trouxa? Pela companhia ser tão agradável, tão fácil de lidar? Era culpa de sua maldita risada, daqueles malditos olhos castanhos? "Mas eu me importo muito com você, bruxa."

Talvez fosse o sorriso que via naqueles lábios. Sim, aquilo era definitivamente uma das coisas que deixava seu coração mais leve.

"Você também é teimoso, rude com pessoas que eu gosto, é egocêntrico, mimado, provavelmente se acha melhor do que todos, sabe por algum motivo que eu gosto de margaridas e está se arriscando por mim. Você se importa comigo. Você, Draco Malfoy, de todos os malditos bruxos, se importa comigo." Era o sorriso mais lindo do mundo, com certeza. "Você sabe o quão absurdo é isso, não sabe?"

"Sei melhor do que você pensa, Weasley." falava, usando sua mão boa para tirar alguns fios vermelhos do rosto da bruxa, sua machucada nunca deixando a cintura da jovem. "Você sabe que tem algo de muito errado com a sua cabeça, não sabe?" Se divertiu com o olhar confuso que recebeu com aquelas palavras. "Era para você estar há quilômetros daqui, correndo assustada do grande e malvado comensal, como uma boa grifinóriazinha deve fazer."

"O grande e malvado comensal não é muito assustador, e sabe que eu provavelmente escolhi a casa errada."

"Eu vou te perguntar uma vez." ele disse, levando a jovem para sentar-se no banco onde antes estava. "Sabendo que eu tenho a marca, que por mais que não queira participar eu estou sim nesse meio, e que não posso dar garantia de nunca te machucar com minhas ações no futuro." voltou a falar quando Ginevra acomodou-se em seu colo, os braços envolvendo seu pescoço. "Sabendo de tudo isso, você quer continuar? Comigo?" Se sentiu ridículo ao ver que fazia uma prece silenciosa por um sim: já não queria perde-la para nenhum outro.

"Eu quero continuar, Draco."

O beijo que seguiu foi suave, diferente de todos os últimos. Era irritante como mesmo sem a pressa, sem a urgência das vezes passadas, ainda conseguia ser melhor do que qualquer outro que ele já experimentara. Era ridículo como o sonserino retribuía com a mesma delicadeza as mãos carinhosas que passavam pelos seus cabelos, cuidadosas ao tocar o antebraço estraçalhado pelo canivete na noite anterior.

"Cacete." Foi a primeira coisa que saiu dos lábios de Draco quando se afastaram dos dela. Como ela conseguia fazer aquilo ser tão bom?

"Tenho a mesma opinião." Como ela conseguia faze-lo se sentir assim?

Ginevra o fazia sentir. Ao lado daqueles cabelos vermelhos, Draco Malfoy experimentava tudo que não se deixara ter durante todos os últimos anos. Durante os últimos meses. Fechou novamente os olhos quando a mão quente da jovem tocou seu rosto, os lábios voltando para os dele com a mesma suavidade de antes. Quem diria, justo o bruxo, beijando justo aquela garota com tamanha doçura e um sorriso no rosto. As pessoas só acreditariam vendo.

E para seu desespero, alguém estava vendo aquilo.

"Gina?"


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Notas finais do capítulo

Queridos, obrigada por estarem acompanhando e comentando! Espero que tenham gostado ;)



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