Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 9
Salvador




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Ponto de vista de Isabella

"Eu consegui!" Falava animada no celular, me apressando para fora do bar onde tinha feito o teste. Alice, do outro lado da linha, queria saber de tudo, e quase não me deixava falar, me atropelando a cada coisa nova que contava.

Quem me atendeu e avaliou foi um homem simpático, que aparentava já beirar os setenta anos. Agradeci aos céus por ter treinado as músicas certas – três músicas, respectivamente dos anos 70, 80 e 90 foram o suficiente para conquistar minha vaga no palco. Charles preencheu uma folha com minhas informações de contato e deu um cartão, explicando um pouco mais sobre o evento em que precisaria de mim, e que tipo de música gostaria que eu ensaiasse para o dia.

"Ele disse que vai precisar de mim uma sextas-feira por mês a partir do ano que vem, mas que minha primeira apresentação vai ser na quinta feira de ano novo, acredita isso?" Pendurei o violão nas costas, e comecei a apressar meu passo ao olhar para o céu: parecia que iria cair um mundo de água em cima de mim a qualquer momento agora.

"Sabia que conseguiria, Izzy!" Alice falava empolgada, do outro lado da linha. "Jantar de comemoração essa noite! Vamos no mexicano que passamos sempre no caminho da escola, o que acha?"

"Acho ótimo!" Senti a primeira gota no meu rosto e pensei em correr, mas decidi não arriscar tanto minha sorte. "Al, vai chover, preciso me apressar aqui, tudo bem?"

Despedi-me de minha irmã, jogando de volta na bolsa o celular e rumando ao ponto do ônibus que teria que pegar para voltar. Apressei o passo quando senti as gotas ficarem mais pesadas e ouvi o primeiro trovão. Maldição, teria que dar a volta no quarteirão que já era gigante para chegar no ponto - a não ser que eu entrasse nessa ruela e tentasse cortar o caminho. Entre correr e entrar na ruela, eu decidi o que achava, claro, menos perigoso: a ruela.

Era um espaço estreito entre dois prédios, sem muita iluminação, ainda mais naquele tempo de tempestade. Mas era curto, não teria problema algum cortar caminho por aqui. Eu já tinha andado até quase metade, de todo jeito. Acelerei um pouco mais meu caminhar quando senti mais gotas pingarem na minha pele - qual estava sendo meu problema com guarda chuvas aquele mês? - até sentir alguma coisa prender minha mão. Um grito saiu de meus lábios antes mesmo de eu ouvir alguma palavra.

"Ei princesa, porque tão assustada?"

Definitivamente não conhecia aquela voz rouca, e definitivamente, ele me puxando para tão perto não era nem um pouco bom. Merda, eu vou ser assaltada. Merda, não tinha ninguém ao meu redor, ninguém para me escutar. Merda, merda, merda.

"Você pode levar o violão, sério." disse com pesar - era a única recordação material que guardava de mamãe -, tentando tirar o violão das costas. "Só não me-" Mas uma mão que cheirava a cigarro e bebida tapou minha boca, e o homem me empurrou contra uma das paredes.

"Só não o que?" Ele disse numa voz rouca, e senti meu estômago revirar, queimando com o desespero que começava a tomar conta de mim. Merda, eu não vou ser assaltada.

Tentei me mexer, mas ele era muito forte para eu empurrá-lo e tentar correr até a rua mais clara. A chuva começou a aumentar e as gotas que pingavam em meu rosto começaram a se misturar com as lágrimas que agora rolavam. A sensação de impotência que sentia só aumentou quando senti uma mão passando pelo meu corpo. Por favor, tudo menos isso. Por que ele não tirava logo a mão da minha boca?

"Mmmmmm!" Mesmo sentindo uma lâmina na garganta eu continuava tentando fazer algum barulho, mesmo sabendo que seria inútil gritar agora. A chuva caía tão forte que o pouco barulho que eu estava conseguindo fazer era anulado por todo o barulho da tempestade. Fechei os olhos quando senti a mão armada da faca ir para minha cintura, e já me preparava para o pior quando seu movimento repentinamente parou.

Mas definitivamente não estava preparada para o grito que seguiu.

Por um instante, podia jurar ter ouvido um rosnado. De repente, não tinha nada mais me forçando contra a parede, e minhas pernas trêmulas não aguentaram meu peso de volta, me fazendo cair de joelhos no chão molhado. Quando voltei a abrir meus olhos, o homem que antes me prendia estava sento empurrado contra os tijolos, uma de suas mãos contorcida de um jeito anormal. Ele ainda não tinha parado de gritar e o cheiro de sangue que surgia no ar era enjoativo. Agora conseguia perceber o que estava errado com aquele membro: ele estava virado do lado errado.

"Se algum dia você chegar perto dela outra vez, eu acabo de quebrar o resto do seu corpo." A ameaça vinha do rapaz que surgira do nada. "Corre agora!" Em segundos, eu mal via meu agressor.

Vi meu violão ser levantado do chão - nem mesmo percebi que ele havia caído - e logo depois eu era forçada para cima por um par de braços fortes. Quando enfim olhei para seu rosto, reconheci aquelas feições no mesmo instante.

O garoto da cafeteria.

Meu salvador.

"Você está bem?" Acenei que sim com a cabeça, ainda absorta em seus olhos negros, tão escuros quanto o céu naquele momento. Seus olhos eram castanhos escuros, então? Eram lindos, ainda mais com aquela pele tão branca. "Segure no meu pescoço. Tente segurar com força." A voz era séria, e fiz sem pestanejar o que me foi pedido.

De repente, estávamos andando em direção à rua movimentada, parando em frente a um Volvo preto, tão escuro quanto aqueles olhos. Ele abriu a porta do carro, que reparei que parecia ter sido largado de qualquer jeito entre a calçada e a rua, e me colocou no banco de passageiro, jogando meu violão no banco de trás antes de dar a volta e sentar-se no lugar do motorista, fechando ruidosamente a porta.

O vi agarrar o volante como se isso o estivesse impedindo de fazer alguma coisa. Haviam marcas naquele volante, mas não conseguia pensar no que poderia ter feito aquilo no momento. Antes que me desse conta, uma de minhas mãos tocou seu braço, coberto pelo casaco molhado, e seus olhos se voltaram para mim novamente, olhando os meus castanhos intensamente.

Estava hipnotizada por aqueles olhos. Ou talvez um pouco em choque, e meu cérebro estava arranjando jeitos de me distrair.

"Meu Deus, você está tremendo." ele falou, parecendo preocupado, e começou a tirar seu casaco no mesmo segundo.

"Não-" Mas ele nem ao menos me deixou começar a falar: antes mesmo de eu começar, o agasalho grosso, grande demais, já era posto por cima do meu.

"Pronto." As mãos ajeitaram com habilidade o casaco ao meu redor, dobrando as mangas e fechando o zíper da frente. "Vai começar a esquentar em pouco tempo."

Assenti com a cabeça, só então quebrando o contato visual. Ele continuava me observando, mas de algum jeito minha mente começou a vagar pelo que poderia ter acontecido comigo minutos atrás. Estava quente, mas simplesmente não conseguia parar de tremer – só percebi que as lágrimas haviam voltado quando senti um toque gelado no rosto.

"Fale comigo." Mas não conseguia pronunciar nenhuma palavra, por mais que abrisse a boca. Parecia que todos os meus músculos estavam doloridos, e o pulsar da minha cabeça começava a ficar rapidamente insuportável.

Queria agradecê-lo por ter me salvado de uma situação que poderia muito bem ter acabado com minha vida, mas meus pensamentos estavam confusos demais. Só registrei que tinha aberto a porta quando minha cabeça se encontrava entre minhas pernas e eu vomitava um líquido amarelo escuro. Bile.

Algo me puxava de volta para o carro, após se certificar de que não havia mais nada para eu vomitar. Fechei os olhos – mais por cansaço do que por vergonha de passar tão mal na frente daquele desconhecido tão conhecido – e senti que ele prendia em mim o cinto de segurança.

"Você vai ficar bem, Bella. Não precisa ter medo, eu estou aqui com você. Não precisa ter medo nunca ao meu lado. Eu vou te ajudar agora, ok?" Será que eu estava realmente escutando aquilo, ou já entrava no mundo dos sonhos? Eu havia dito meu nome pra ele?

A última coisa da qual lembro é do carro dar a partida. Segundos depois, tudo era preto.

...

Ponto de vista de Alice

Tinha finalizado a ligação há alguns minutos, enquanto o céu ainda estava claro. Como o tempo conseguia se fechar tão rápido nessa cidade? Suspirei ao lembrar que meu carro estava longe, seria impossível chegar até ele antes da chuva começar a ficar mais forte.

Droga.

Comecei a correr para uma pequena lanchonete, na esquina da rua em que antes eu fazia compras, amaldiçoando o clima de Manchester. Por que não nevava de uma vez? Já estávamos no fim de novembro mesmo, onde estava a porcaria da minha neve?

Escolhi uma mesa para sentar-me longe das janelas, colocando todas aquelas sacolas na cadeira ao meu lado. Um raio cortou o céu, fazendo eu me encolher mais no meu lugar. Precisava chover assim tão forte, justo hoje? Odiava tempestades. Sempre que chovia daquele jeito, apenas uma memória ficava passando em looping na minha cabeça.

"Está ocupado?" Uma voz masculina me tirou de meus pensamentos inconformados, puxando a cadeira a minha frente e se sentando. Ótimo, agora ainda teria que lidar com um homem querendo flertar comigo. Estava sendo um sábado de sorte, o que mais poderia dar errado?

"Agora que você já sentou mesmo, pode ficar." Bufei, nem mesmo o olhando antes de chamar a garçonete para pedir um café. Um café, bem quente, tudo que eu precisava para tirar minha cabeça dessa tempestade enorme que caía do lado de fora.

Minha cafeína não demorou a chegar, mas quando inalei aquele aroma perfeito, não foi apenas o cheiro de café que passou por minhas narinas, mas também um agradavelmente doce. De onde vinha aquele outro aroma, tão agradável?

Somente após dar o primeiro gole em minha bebida foi que meus olhos fizeram contato com o estranho. Melhor, com a parte de um dos antebraços que estava exposta em cima da mesa. Eu sabia que era rude encarar, mas fixei quase que inconscientemente o olhar ali, examinando a pele tão branca, e tão cheia de cicatrizes em forma de meia lua.

O que poderia ter causado aquilo? Mordidas?

Foi quando ofeguei que o estranho percebeu as marcas a mostra, puxando de volta a manga molhada do casaco para cobri-las. Era ele que cheirava assim tão bem?

"Desculpe." Ele parecia desconfortável agora, uma mão por cima do que antes estava exposto. Ali, uma marca ainda era vista entre o polegar e o indicador. "Às vezes, me esqueço delas. Talvez seja melhor-" O homem começou a se levantar, vi isso quando suas mãos se apoiaram na mesa, e só então percebi que ainda encarava as cicatrizes, um pouco assustada.

Quero dizer, eram um pouco arrepiantes, afinal, o que além de mordidas poderia causar aquilo?

E eu não deveria ligar para o fato de ter o feito ficar desconfortável ali – estava irritada, cansada, apavorada com o temporal que caía lá fora, e um estranho se senta bem na minha frente sem nem esperar um "sim" como resposta! No entanto, me lembrei da cicatriz que eu mesma tinha no ombro, cicatriz que me incomodava tanto na época de verão, e que todos ficavam encarando quando íamos à praia. Me sentia péssima, odiava aquilo, e tinha acabado de repetir o que tanto detestava que fizessem comigo.

"Espera!" Me debrucei na mesa para conseguir alcançar seu braço a tempo de pará-lo de ir embora. Ele virou-se de volta, e foi quando meus olhos enfim foram para seu rosto.

Meu Deus, como ele era lindo. Talvez lindo fosse pouco, talvez fosse melhor dizer perfeito. Com um rosto daqueles, ele podia ter quantas cicatrizes seu corpo comportasse, isso não o impediria de conseguir a mulher que quisesse naquele recinto. Me sentia extremamente insignificante e estúpida naquele momento, tratando tão mal uma pessoa tão perfeita. Um homem assim que eu gostaria que me chamasse para sair.

Percebi que estava perdida nos meus pensamentos, meus olhos fixando rudemente nele mais uma vez, quando o estranho voltou a sentar-se. Voltei para minha cadeira, sentindo minhas bochechas pegarem fogo.

"Elas deixam a maioria das pessoas um pouco incomodadas." ele disse, e só agora consegui escutar realmente sua voz. Tão afinada. "Sempre as escondo bem para tentar evitar-"

"Perguntas?" Ele fez que sim, e antes que percebesse o que estava fazendo, já havia tirado um dos braços de meu casaco. Subitamente, me sentia totalmente à vontade com o homem sentado na minha frente, e imaginei que tivesse algo a ver com o fato de dividirmos o mesmo incômodo. "Acidente de moto quando eu tinha quatorze anos." disse, mostrando com um pouco de dificuldade um pedaço de meu ombro direito, quase totalmente coberto por uma pele mais grossa, avermelhada. "Odeio essa cicatriz."

"Ela parece bem mais suave do que as minhas." O rapaz disse, um meio sorriso nos lábios, e não consegui contestá-lo quando ele arregaçou suas duas mangas, mostrando dois antebraços – fortes – cobertos de cicatrizes. Pude ver um sorriso completo quando voltei a achar seus olhos. "Jasper." Ele estendeu uma mão para mim, e eu logo retribuí o gesto.

"Alice." Mas me surpreendi quando o aperto passou para um gesto tão antigo, ele levando minha mão até seus lábios. Quando senti o beijo no dorso da mão – lábios frios! – mal contive um arrepio.

"É um prazer, Alice." Ele devolveu minha mão a mesa, e eu aproveitei para tomar mais um gole de café. Sentia-me tão calma, tão protegida, a tempestade do lado de fora nem mesmo parecia me incomodar mais.

"Você é daqui de Manchester?" Era quase estranho como eu havia relaxado completamente na frente deste estranho – de Jasper. E como esperava obter um sim com aquela pergunta.

"Agora sou," Não consegui não sorrir, e o homem mesmo me dando mais um sorriso de tirar o fôlego – aquele loiro era tão lindo, que eu parecia falar com uma capa de revista. "Há exatamente um dia, três horas e quarenta e sete minutos." ele terminou de responder após olhar em seu relógio de pulso. "Talvez você possa me mostrar os arredores qualquer dia."

E a conversa começou a fluir, e eu, a me perder no tempo. Os minutos passaram, e logo me achei contando ao quase estranho sobre minha família, minha irmã, como também era nova naquela cidade, como estava sendo a experiência de ter a responsabilidade de uma casa.

"Podemos descobrir essa cidade juntos, então." Ele era irritantemente encantador. Quando havia sido a última vez que algum homem me despertara algum interesse?

De repente, algo vibrando chamou minha atenção. Estava tão absorta no homem ali sentado que nem ao menos o notara colocando seu celular sobre a mesa. Jasper deu um meio sorriso após olhar o visor do IPhone, levantando-se da cadeira onde estava.

"Companhia adorável, mas os negócios me chamam." ele explicou, desdobrando mais uma vez suas mangas, colocando o celular em um dos bolsos de seu casaco. "Nos veremos mais vezes, Alice, tenho certeza disso." Mais um beijo na palma de minha mão, e o homem rumou para a porta.

Nos veremos mais vezes?

Sério? Só isso?

E eu observei Jasper sair do café, sem conseguir responder nada. A calma fora embora com ele, e voltei a me encolher no próximo som de trovão, o dia do acidente de meus pais voltando novamente para minha mente.

...

Ponto de vista de Isabella

"Ei, você aí!" Estava escuro, mas conseguia ver que era um moreno que gritava.

"É, pegamos um atalhozinho." A voz vinha de trás de mim.

"Fique longe de mim." Tentei fazer minha voz soar pelo menos um pouco ameaçadora, mas minha garganta estava seca, e ela acabou falhando no final. Droga.

"Não fique assim, docinho." Risos. Estava cercada. Não! Não...

"Entre no carro."

...

Quando acordei, senti meu coração acelerado, minha respiração ofegante. Aquele sonho foi tão real! Aqueles homens, aquela rua escura, não era a mesma em que estava naquela manhã, no entanto tinha certeza de que já pisara ali.

Mas no instante em que meus olhos se abriram, esqueci por completo do sonho – sonho não, pesadelo. Aquele não era o teto do meu quarto – alto demais, claro demais, sem nenhuma estrela desenhada . Também não era o teto de nenhum dos poucos quartos que eu conhecia. Onde eu estava?

Sentei na cama – tão confortável – e olhei ao meu redor. Quem quer que tenha decorado aquele lugar sabia muito bem o que estava fazendo, o quarto era de um bom gosto que poderia ser comparado ao de Alice - e seu potencial tendo alguns milhares de dólares nas mãos. Era tudo num um tom muito claro, e parecia ser masculino pela paleta de cores escolhida.Numa das parede, tudo que conseguia ver eram prateleiras e prateleiras repletas de CD's, acompanhadas por um aparelho de som sofisticado, mas que imitava um rádio antigo no exterior.

A curiosidade me fez levantar e tentar ir pra lá, e só então que senti o quanto meu corpo estava dolorido. Com certeza o pior era o incômodo no braço direito: ainda latejando, parecia que conseguia sentir aquela mão me apertando. Algo também queimava na minha cintura, e soube que a faca havia cortado a pele quando minha mão achou um curativo. Eu estava tão perto de-

Algo vibrando no criado mudo ao lado da cama desviou minha atenção daquelas últimas memórias. Meu celular marcava quase quatro horas da tarde e vinte e três mensagens de dois contatos. Alice era um deles, com certeza.

ONDE. VOCÊ. ESTÁ. Era a última mensagem que havia recebido dela. Eu precisava de uma história, porque a real minha irmã nunca poderia ficar sabendo. Estava começando a digitar alguma coisa quando recebi outra. Deveria ter me falado que encontrou James e passou o dia com ele. Izzy e James, debaaaixoo de uma árvoreeee S2.

São nessas horas que descobrimos os verdadeiros amigos. A outra mensagem era, claro, de Jamie. Falei para Al que você estava comigo, mas CADÊ VOCÊ BELLA? Mande um salve se estiver tudo ok.

Não demorei mais em mandar um sinal de vida.

Desculpa Al, ficamos conversando e nem vi o tempo passar. E para de ser boba, chego em casa para nosso jantar.

James, salvador, obrigada! Está tudo bem! Depois te explico, ok? Mas quem deve um sorvete agora sou eu. :) Digitei rápido com quase um sorriso nos lábios, me lembrando de como eu o encobria para os pais no passado quando ele mesmo dava suas sumidas.

Apenas notei a segunda presença quando uma voz suave se fez presente no quarto.

"Isabella?" Não esperando ter qualquer companhia, quase deixei meu celular cair quando ouvi meu nome. Meus olhos foram para a porta, onde agora estava o rapaz da cafeteria, nas suas mãos um copo de água. "Como você está?"

Com dor, com medo, assustada - mas minha voz não conseguiu sair naquele primeiro momento - assim como meus olhos não conseguiam deixa-lo. Assim perto, conseguia reparar que o garoto era mais definido do que aparentava debaixo de todos aqueles casacos. Só quando olhei em seus olhos, íris de um amarelo tão escuro - não eram negras horas antes? – foi que lembrei que seria educado responder.

"Eu estou dolorida." Foi a verdade que saiu. Ele caminhou até a cama e me deu o copo d'água, e eu tomei praticamente o conteúdo inteiro de uma vez, minha garganta parecendo queimar a cada gole.

"Quer mais?" Fiz que não, colocando o copo vazio em cima do criado mudo, junto com meu celular.

"Você é o garoto da Starbucks." O sorriso dele era com toda a certeza o mais lindo que eu já tinha visto. Um pouco hesitante, ele sentou-se ao meu lado, seus olhos parecendo me estudar tanto quanto os meus faziam com ele. Agora, assim tão perto, tinha certeza de que não o conhecia de lugar algum, mas ainda assim, a sensação de familiaridade não desaparecia. Aquele sorriso, aquele cabelo, aqueles olhos, o jeito que ele se comportava, nada daquilo parecia novo para mim. Por que aquela sensação não ia embora? "Obrigada." agradeci, tentando voltar para a realidade. "De verdade, por tudo. Nunca vou conseguir te agradecer o suficiente, se você não tivesse aparecido-"

"Não precisa me agradecer, Bella." Bella, só James me chamava de Bella. Como ele sabia meu nome mesmo? "Descobri que você era paciente do meu pai quando cheguei aqui." Sim, o doutor Cullen. O outro homem estranhamente familiar. "Nossa casa é perto de onde você estava e achei mais prático do que dirigir até um hospital. Meu pai fez o curativo." ele explicou, franzindo o cenho. "O corte na sua barriga foi superficial, não precisou dar ponto algum. Carlisle disse que seria melhor deixar você aqui até que acordasse, já que não sabíamos seu endereço." Ele fechou os olhos por um segundo e voltou a sorrir. Como um sorriso conseguia me tranquilizar tanto? "Meu nome é Edward."

"Meu nome é Edward Cullen", o garoto de cabelos molhados, totalmente desgrenhados, disse. Seu rosto estonteante era amigável, um leve sorriso nos lábios. "Eu não tive a oportunidade de me apresentar na semana passada. Você deve ser Bella Swan."

"C-como você sabe o meu nome?", eu gaguejei.

Ele sorriu um sorriso leve, encantador.

"Oh, eu acho que todo mundo sabe o seu nome. A cidade inteira esteve esperando você chegar."

"Muito obrigada, Edward." falei, meus olhos indo do rapaz até o enorme piano de cauda que havia no quarto. Havia acontecido outra vez. Minha mente havia criado absurdos outra vez, o que estava acontecendo? E ele tinha percebido, eu tinha total certeza que tinha. Meu coração acelerou e pude sentir minhas bochechas começarem a corar de vergonha. "É sério, se houver algo que eu possa fazer-"

"Toque uma música para mim." ele disse, colocando uma de suas mãos sobre a minha que repousava no edredom. Tão gelada! Tive que suprimir a vontade de pegá-la entre as minhas até conseguir esquentá-la. Edward ainda me olhava do mesmo jeito, e talvez ele não houvesse percebido nada, pensei, talvez não tivesse notado aqueles estranhos segundos de devaneio. "Não hoje, mas um dia. Adoraria ouvir você tocar. Violão, não é mesmo?" Como meu cérebro pegava a imagem exata desse rapaz e me dava uma memória falsa?

"Sim, toco violão." respondi no instante em que Edward se levantou, indo para um canto do quarto. Senti falta do gelado de sua pele no mesmo segundo.

"A propósito," Só quando ele voltou para meu lado que percebi que o que trazia nas mãos poderia ser o meu violão, que jurava ter perdido naquela manhã. "A capa estava molhada, coloquei uma das nossas para não estragar o instrumento." Aquilo automaticamente me lembrou da munhequeira, e minha próxima pergunta saiu antes de pensar.

"Todos da sua família são assim amáveis?" Eu tinha certeza de que não cansaria nunca de olhar para aquele sorriso. "Digo, seu pai me ajudou, e agora você." expliquei, gesticulando para meu instrumento. "Você sabe que eu vou devolver essa capa, não sabe?" Meu celular escolheu vibrar novamente naquele momento, o visor me mostrando uma nova mensagem.

"Melhor me deixar seu número para eu poder cobrar, então." o escutei dizer enquanto lia a mensagem de minha irmã, me perguntando a hora que iríamos jantar. E agora era eu quem sorria - quase ria - ao receber um papel e uma caneta. "Algo engraçado?" ele mesmo deu uma risada.

"Achei que eu fosse a última adepta as coisas antigas." respondi enquanto apoiava o pedaço de papel no meu colo e escrevia meu telefone.

A risada dele era como a melhor música, aquela que te acalma, que te leva qualquer coisa ruim. Respirei fundo, e quase fechei meus olhos em contentamento com o que só agora percebia: ele cheirava tão doce. Onde havia sentido um cheiro assim antes?

"Aqui." levantei, entregando o pedaço de papel. Agora de pé conseguia ver o quão mais alto Edward realmente era. Será que parava no um metro e noventa? "Sei que minha caligrafia é um pouco infantil, mas não ria!" o repreendi ao ver o canto de seus lábios se puxarem para cima.

"Desculpe." Ele chegou mais perto. "Sua letra é uma graça. Não era minha intenção faze-la ficar com vergonha." Mas o sorriso continuava nos seus lábios. "Precisa ir?" a pergunta veio quando meu celular vibrou mais uma vez.

"Meu Uber deve ter chegado." Edward me olhou confuso. "Eu chamei um carro pelo aplicativo, para poder ir pra casa. Desculpe, nem mesmo avisei que tinha chamado. Mas minha irmã-"

"Eu entendo. Deixe-me leva-la até a entrada pelo menos." ele disse, abrindo a porta para mim e carregando meu violão até o portão da frente, onde um Honda me aguardava. "Consegue segurar?" o ouvi perguntar, finalmente me entregando o violão. Fiz que sim, mas o instrumento pareceu mais pesado do que lembrava quando o peguei, e naquela hora voltei a registrar o quanto meu corpo estava dolorido.

"Obrigada outra vez." falei enquanto entrava no carro.

O motorista dava a partida quando Edward bateu de leve com a mão na janela. Meu olhar foi para ele no mesmo instante.

"Oi?" perguntei após abrir a janela.

"Eu vou ligar."

Meu sorriso só aumentou.


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Notas finais do capítulo

Gente, muito, mas muito obrigada mesmo pelos comentários, recomendações! Fiquei muito contente! Espero que gostem desse capítulo ;)
Vou postar mais essa semana!

Beijão,
Ania.



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