Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 8
O menino dos meus sonhos




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Ponto de vista de Alice

Percebi que a porta se abriu quando ouvi a sineta tocar. Um homem alto, magro de músculos definidos, surgia no recinto. Apesar da luz fraca, suas cicatrizes em forma de lua crescente eram visíveis em ambos antebraços, graças as mangas da camisa dobradas. Ele vestia roupas consideravelmente velhas, e seu cabelo, molhado pela chuva lá de fora, era de um loiro puxado para o mel.

E ele estava andando na minha direção.

De repente, me senti nervosa. Seus olhos vermelhos pareciam me examinar, e eu não bem sabia o que fazer, o que dizer. Em meu nervosismo, sorri para ele, e me aliviou o estranho me devolver o gesto.

O homem aproximou-se rapidamente, e logo ele estava frente a mim. Por um instante pensei em pular de minha cadeira para seu pescoço, por toda aquela felicidade que me dominava, mas algo me dizia para ir com calma. Não assustá-lo. Tinha esperado por tanto tempo, o que seriam alguns segundos a mais?

Ele puxou uma cadeira, sentando-se ao meu lado.

"Você me deixou esperando por muito tempo." Enfim disse.

"Desculpe, senhorita." Deus, como ele era tão mais lindo pessoalmente.

Estendi minha mão para ele enquanto o olhava, e ele pegou-a sem hesitar.

"Estou tão contente por finalmente encontrar você." Me sentia tão protegida ao seu lado. "Sei que tenho muito que explicar.", disse num quase sussurro, e antes de poder continuar ele me cortou.

"Isso pode esperar." Sua frase me pegou de surpresa, e ele sorriu, como se soubesse que eu tinha sido surpreendida. Exatamente como deveria ser. "Ao menos até o fim da tempestade. Então podemos conversar sobre tudo isso. Se você não se importar-"

"Não precisamos falar sobre nada." Coloquei minha outra mão sobre a dele, ainda o olhando. Não queria fechar meus olhos nunca mais. Poderia passar uma eternidade me perdendo nele. "Te esperei por mais de uma década. Não precisamos conversar agora, Jasper."

"Não quero te fazer esperar mais nenhum minuto." Ele me assegurou. "Como-"

"Alice. Meu nome é Alice."

...

Eu já havia decorado aquele sonho – sonho que se repetia por todos os dias daquela semana. Era simplesmente estranho, parecia que conhecia tudo aquilo, como se realmente em algum momento tivesse vivenciado aquelas cenas. E aquele rapaz, tão único, tão perfeito - perfeito para mim. Talvez as longas horas de trabalho agora perto do Natal estivessem enfim me deixando louca.

Suspirei, arrumando minha camisa frente ao espelho da loja. Hoje tinha muito tempo ocioso, e isso nunca era bom: minha mente sempre ficava a mil, pensando em todas as coisas que não deveria estar pensando.

Num dia normal, em média, de nove pessoas que entravam na loja, três saíam antes mesmo de pedia ajuda, as outras três pediam ajuda, e não compravam nada; duas pediam ajuda, viam a loja inteira, tomavam nosso tempo por horas e acabavam prometendo voltar amanhã, e uma, enfim, comprava algo.

Hoje já eram sete e cinquenta e cinco, meu turno acabava em eternos cinco minutos, e das trinta pessoas que entraram na loja, nem eu, e nem nenhuma outra das meninas tinha sido tão sortuda. Já podia muito bem ir pegando minha bolsa e mochila, e ir para algum banheiro me trocar – ninguém mais entraria em agora quatro minutos, e mesmo se entrasse, não seria eu quem iria atendê-lo.

Esperei até dar sete e cinquenta e nove antes de pegar meus pertences e arrumá-los em meus ombros, tocando na tela do celular para verificar se havia alguma mensagem ou chamada perdida. Nops. Izzy ia passar no hospital hoje pela tarde, e me prometeu que ligaria no momento em que soubesse que algo não tinha ido bem, então, assumindo que não tinha nenhuma chamada não atendida no display, provavelmente tudo tinha corrido o melhor possível.

Saí pela porta, apressada, quase correndo para o banheiro feminino para trocar o uniforme por roupas normais, mas ainda assim não consegui escapar do vendedor da loja ao lado, que por algum motivo adorava jogar conversa fora comigo.

"Al! Al, espera!"

"Oi, Michael." Coloquei um sorriso forçado no rosto quando tive que virar para encará-lo, mas não diminui o ritmo de meus passos. Logo estaria no banheiro, logo estaria no banheiro.

"O que você vai fazer hoje à noite? Eu não tenho planos para essa sexta feira então eu pensei que podíamos-" Você nunca tem planos para sexta feira, era o que eu tinha vontade de dizer para ele. Ou que seus planos existiam, mas por algum motivo desconhecido, ele insistia em me colocar no meio deles, por mais que sempre ouvisse um não.

Mas eu era educada demais para responder qualquer uma das coisas acima.

"Ficar com minha irmã, estou morrendo de dor de cabeça."

"Quer que eu passe na farmácia com você?" Ele não desistia nunca?

"Obrigada, mas vou ficar bem, temos remédio em casa." disse, agradecendo aos céus quando a porta do banheiro ficou a vista. "Quem sabe outro dia." Sorri o sorriso mais simpático que consegui no momento, e sumi banheiro adentro.

Não que Michael não tivesse nenhuma qualidade boa, pensava enquanto me livrava do uniforme preto azulado. Ele era um rapaz até bonito. Aparentava ter mais ou menos um metro e setenta – alto para mim – branco dos olhos e cabelos pretos. Era agradável e parecia ser uma ótima companhia para sair, de verdade. Eu só não estava interessada.

Nem queria pensar em ter que deixar Isabella sozinha em casa justo sexta à noite, e certamente não a convidaria para ir junto, porque Michael com certeza transformaria aquilo num encontro duplo. Quem sabe quando ela arranjasse alguns bons amigos na cidade, que pudessem lhe fazer companhia. Talvez então eu finalmente aceitasse sair com algum garoto. 

Saí do banheiro e andei alguns minutos até sentir olhos me observando – é paranoia sua Alice, paranoia. Mas não contive a curiosidade e fui obrigada a me virar depois de mais alguns segundos: nada.

Havia sim um casal perfeito atrás de mim, um homem alto, loiro, por volta de seus trinta anos, e uma mulher com roupas deslumbrantes, observando a vitrine de uma loja de eletrodomésticos. Aquela não era a mulher que gastara horrores há algumas semanas atrás comigo?

E aquele rapaz atrás deles? Eles eram novos demais para ter filhos, mas aqueles dois eram tão parecidos! Provavelmente o irmão mais novo, não dava mais de dezoito anos para o garoto de cabelos cor de bronze. Ele era alto, os dois eram na verdade.

"Você está louca? Alice, por Deus, por tudo que é mais sagrado-"

"Não me siga."

"Como você pode me pedir isso? Deus, dessa vez Edward passou dos limites!"

"De algum jeito, nós vamos sair de Volterra. Eu prometo Jazz, de algum jeito, eu vou te encontrar outra vez."

"Al-"

"Confie em mim, Jazz."

"Eu não posso te perder, Al."

"Você não vai. Eu te amo."

Pisquei uma, duas, três vezes. O que eu tinha visto, o que tinha ouvido?

"O que...?"

Eu, falando num celular, dentro de um avião. Nem mesmo tinha viajado de avião nessa vida! Tive que rir – dezoito anos, e me limitava a conhecer poucos municípios, a carro e ônibus. Mas era como se houvesse acontecido.

Sacudi a cabeça – besteira.

Quando voltei a olhar para onde aqueles três que observava estavam, não havia mais ninguém. Quase fiquei decepcionada, não fosse olhar no relógio e ver que já estava me atrasando. Não demorei mais nenhum minuto para me dirigir ao carro, discando o número de minha irmã no caminho.

...

Ponto de vista de Bella

"Então você tem medo de altura?"

Morria de medo de lugares muito altos. Na verdade, até mesmo as pequenas alturas já me apavoravam. Quanto mais longe do chão, maior a queda. Maiores os danos quando chegar lá em baixo.

E o garoto, tão lindo, e tão alto, sentado ao meu lado, parecia se divertir com minha teoria. Aquele sorriso era tão bonito. Aqueles olhos tinham tanta vida.

Bufei, por que ele ria do que fazia perfeito senso para mim? Mas quando seus braços envolveram minha cintura, me puxando para mais perto, sabia que não mais conseguiria ficar brava.

"Me desculpe, meu amor. Achei que seu medo se limitasse as pequenas coisas, como agulhas." O vi revirar os olhos na palavra 'agulhas', e bati de leve em seu peito com a mão.

"Agulhas são assustadoras, não deboche de mim!"

Ele me silenciou com um beijo rápido nos lábios.

"Isso prova que você ainda tem salvação." Senti uma mão cutucar minha cabeça. "Que isso aqui funciona de um jeito normal de vez em quando."

Me contive para não bufar outra vez. Como ele conseguia ser tão lindo, e tão irritante?

Ele se levantou, me estendendo a mão.

"Venha." Mais uma vez aquele sorriso que me fazia sentir-me tonta. Como poderia dizer não para ele assim? "Vamos curar seu medo de altura." Ele se abaixou, virando de costas para mim. "Suba nas minhas costas."

"Ah, melhor não-"

"Bella-"

"Eu vou cair! Vou cair e quebrar minha perna, meu braço, ou meu nariz, pela minha sorte!"

O vi virar a cabeça, meu olhando com uma expressão aborrecida.

"Você realmente acha que eu te deixaria cair?" Fui praticamente puxada para suas costas. "Eu nunca vou deixar nada – nem ninguém – machucar você. Agora seja uma boa menina, e fique com os braços bem presos ao redor do meu pescoço."

"Não vá muito rápido!" Quase gritei, já um pouco desesperada pela nova altura quando ele ficou de pé. "Nem muito alto, por favor!"

"Minha vida, confie em mim."

E então começamos a correr.

...

"Izzy!" Escutei uma voz gritar de longe, me tirando do meu sono.

Sono?

"Ah meu Deus!"

Abri os olhos no mesmo tempo em que escutei a porta da frente se abrir. Olhei para o relógio digital que ficava em cima da mesinha de centro: nove horas. Era como eu tinha imaginado: havia pego no sono deitada no sofá segundos depois de deixar algum seriado qualquer passando na Netflix, que eu veria até Al chegar. Agora ela estava ao meu lado, me olhando um pouco mal humorada, em uma de suas mãos seu telefone.

"Quatro vezes, e você não me atendeu. Sabe, você deveria tirar o telefone do silencioso de vez em quando, telefones são para serem usados." Alice bufou, indo para a cozinha. Cozinha vazia, sem janta nenhuma - ok, sempre poderíamos pedir uma pizza. Minha irmã deu uma risadinha, como se adivinhando meus pensamentos. "Relaxa Izzy, passei no restaurante chinês e trouxe um General Tso's pra nós." Ela voltou de lá trazendo duas caixinhas e dois pares de palitinhos.

"Não sei por que dormi tão pesado, Al." Me levantei, deixando o cobertor cair enquanto me espreguiçava. Eu não era de dormir pesado, meu sono era leve, qualquer barulho conseguia me acordar. Até a vibração do celular enquanto tocava, debaixo da almofada, praticamente no meu ouvido, ainda mais depois de quatro vezes.

"Não tem problema." Ela abria sua caixinha, pegando um frango com os palitinhos. "Acho que devo ser uma irmã mais preocupada do que o normal, né?"

Sorri, agradecendo aos céus por ela não aparentar mais estar brava. Naquela última vez que o telefone não foi atendido, escutei a voz estridente de Alice até o momento em que deitei a cabeça no travesseiro. Ela poderia ser bem chata quando queria, mas então, era coisa de irmã, não?

"Vampire Diaries?" Ela perguntou, apontando para a TV. "Esse Damon não é normal de tão lindo."

Começamos a comer em silêncio enquanto assistíamos a um dos episódios, não muito preocupadas com a história. Minha mente não conseguia desfocar do sonho que tivera minutos atrás. Aquele garoto já atormentava minhas noites por certo tempo agora, pouco mais de uma semana. Todos os dias. Eu sei que enquanto dormia sabia que ele era lindo, mas quando acordava, não conseguia bem lembrar do rosto. Rostos, formas, tudo acabava virando um grande borrão.

"Como está a mão?" Alice perguntou, já quase terminando seu prato.

"Curada. O médico disse para tomar por mais uns dois dias o anti-inflamatório, e qualquer coisa de diferente que notasse, voltar para o hospital.", falei, já quase na metade da caixinha de comida.

"O médico bonitão?" Revirei os olhos.

"Sim, Al, o médico bonitão."

"Bem que eu poderia achar um desses no shopping algum dia." Ela suspirou, mordendo já seu último frango.

Alice havia saído com alguns garotos, um pouco antes de deixarmos Nashua. Lembro de um que alguns dias a buscou em casa, menino até bem bonito. Se chamava Laurent, pelo que lembro. Era uma beleza exótica, e parecia trata-la tão bem - gostaria de saber o que fez os dois pararem de se ver. Semanas antes de nos mudarmos ele não apareceu mais. Al disse que era mais fácil assim, não se apegar a ninguém daquele jeito. Ela ainda era nova, e nós ainda tínhamos muita coisa para fazer antes de se envolver sério com alguém. Talvez Laurent quisesse algo sério, então.

Mas sempre achava que quando – se – eu arranjasse alguém, as coisas poderiam ser diferentes. Ela não teria mais que se preocupar com a irmãzinha ficando sozinha em casa enquanto estivesse num encontro. Não teria que voltar pra casa sexta-feira por eu estar sem companhia, e poderia finalmente viver um pouco essa vida amorosa que eu sabia que ela queria viver.

Ou seria pior, começaria a se preocupar em dobro.

"Você estava tocando?" Alice disse olhando para o violão encostado no sofá.

Como consegui esquecer completamente de falar aquilo pra ela? E como tinha conseguido ir dormir e não praticado mais? Era amanhã!

"O médico bonitão-"

"Gosta de música?"

"Alice!" Revirei os olhos, colocando minha caixinha vazia na mesinha de centro, juntos com meu par de hashis. "Deve gostar, mas não é isso. Ele conhece alguns donos de bares aqui em Manchester, e eu perguntei se não seria incômodo conseguir uma entrevista em algum deles. Sabe, para tocar. Na verdade, ele que acabou se oferecendo para conseguir uma e-"

"Tocar aqui em Manchester?"

"Eu ganharia alguma coisa, pelo menos." Mas minha irmã não pareceu muito feliz com a ideia.

"Izzy, você sabe que não precisa fazer isso pelo dinheiro. Nós temos o suficiente para nos mantermos, e qualquer coisa que você precisar a mais, sempre tem o meu salário." Ela falava num tom sério.

"Eu gosto de tocar, Al."

Era uma das coisas que me lembrava de nossa mãe, e era a única coisa que tinha odiado largar em Nashua. Ela tocava tão bem, piano e violão, e sua voz era como a de um anjo. Nós duas, tocando piano juntas era uma das poucas – mais ótima – lembranças que tinha dela. Não que uma criança de quatro anos conseguisse tocar direito alguma coisa, mas eu até que não era tão ruim. E aquelas eram lembranças que surgiam mais fortes enquanto eu tocava para um pequeno grupo de pessoas.

"Se você insiste." Ela disse, fingindo uma expressão sofrida no rosto, enquanto se levantava. "Eu vou ter que fazer o esforço de combinar uma roupa para minha irmãzinha ir a sua entrevista musical amanhã, afinal," E ela logo me puxava do sofá. "Ela possui uma irritante inabilidade de escolher as roupas certas."

"Al!" Ela foi rápido para meu quarto, rindo todo o caminho. E por alguns segundos eu fiquei parada na sala, me perguntando o que quase sempre me perguntava: como alguém tão pequena consegue ser tão chata? Coisa de irmã, coisa de irmã.

"Desde quando você tem em seu armário essa blusa verde horrível? Quem te deu isso meu Deus?" A ouvi quase gritar, jogando uma coisa verde escura porta afora. "Verde definitivamente não é a sua cor."

Pausei o seriado e fui para o quarto, me preparando psicologicamente para tentar ao menos umas dez combinações de roupas diferentes.

"Amarelo muito menos!"

É, seria uma noite longa.


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Notas finais do capítulo

Genteeee, nem sei como agradecer todos vcs pelos comentários ;) Fico muito feliz em ver tanta gente acompanhando! Espero que tenham gostado do capítulo, e sintam-se a vontade para críticas e sugestões!

(hahaha e quem gostar de HP, tenho algumas fics postadas tbm!)

Beijo grande,
Ania.



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