Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 7
Acordando




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Ponto de vista de Edward

O primeiro ano foi negro. Era a única coisa da qual conseguia me lembrar, passando quase doze meses seguidos sentado num canto do meu quarto, de olhos fechados. Só pensava nela, era só o rosto dela que via. Nas primeiras semanas, escutava quando Esme ou Carlisle apareciam, tentando obter alguma reação minha. Será que eles não viam que eu simplesmente não conseguia? Que eu não fazia questão de mais nada?

Conforme o tempo foi se passando, mal percebia se havia alguém ao meu redor. Sentia-me morrer de dentro pra fora, e minha mente planejava sem parar. Na primeira chance, eu iria até eles. Não havia mais ninguém para me delatar agora. Não havia mais motivo algum para viver pela eternidade, agora. Mas como eu chegaria até Volterra, se mal tinha forças para me mover um milímetro?

Poderiam muito bem pensar que era ridículo comportar-se daquela forma, que era como um adolescente perdendo seu primeiro grande amor. Isabella tinha sido meu primeiro amor, mas foram tantos anos a procura de um amor como aquele, para não ter nem mesmo um ano ao lado da melhor coisa que conhecera na vida. A falta que ela fazia quando estava longe já era esmagadora, saber que nunca mais a veria... eu não tinha palavras para descrever aquela sensação.

Não sei ao certo quanto tempo se passou até chegar o dia que me fez tomar a decisão. O dia em que senti um toque quente no meu rosto, e por um segundo inalei seu cheiro, tão bom, tão calmante. Deixei-me fantasiar por mais alguns milésimos que eu abriria os olhos e ela estaria ali, ao meu lado, me dizendo que tudo aquilo não passara de um sonho ruim. Que ela estava ali, comigo, para sempre.

Minha Bella.

Abrir os olhos foi como acordar de um sonho maravilhoso: não havia ninguém na minha frente.

Eu não respirei mais.

...

A próxima coisa de que me lembrava era de estar no escritório de Carlisle, minutos antes de deixar minha família. Havia reunido minhas últimas forças para encarar meu pai – o mais difícil de enfrentar após criar coragem para colocar em prática minha decisão. Entreguei-lhe um pedaço de papel e no instante seguinte ele me abraçava, soluçando sem lágrimas. As duas palavras escritas lhe diziam tudo.

Por favor.

O mais engraçado foi que nunca cheguei até Volterra, não porque fora impedido, mas por vontade própria: nunca conseguiria pisar na Itália outra vez. Era demais, ir até lá.

Quando saí da casa, comecei a dirigir, ultrapassando sempre o limite de velocidade, como se aquilo fosse me fazer sentir melhor. Parava quando o tanque esvaziava, ou quando minha mente se enchia tanto que nem mesmo dirigir era possível.

Depois de um tempo, já não tinha mais ideia de onde estava, ou para onde estava indo. A única coisa que conseguia registrar era que eu estava no meu carro e meu pé, sempre afundado no acelerador. E a imagem dela em minha mente, da última vez que a vira, seu rosto, uma máscara da dor que a fizera sentir. Aquele rosto me atormentaria para sempre, me crucificaria, dia após dia. Sabia que se respirasse fundo, talvez conseguiria clarear um pouco minha cabeça, mas não queria respirar nunca mais. Não iria tirar de meus pulmões jamais o ar da última vez em que senti seu cheiro, por mais que tenha sido impossível senti-lo ali no meu quarto, por mais que tenha sido a impressão errônea de uma mente perturbada. Era a única coisa que me restava.

Por um tempo, aquilo foi o suficiente. E então, Volterra começou a voltar para minhas ideias, e eu comecei a perceber que realmente deveria ter perdido qualquer sanidade.

'Não faça isso.'

Era a voz dela, sempre que meus pensamentos se voltavam para a realeza de nossa raça. O planejamento de meu suicídio começou a ser frequente, apenas para ouvi-la por alguns segundos. Apesar daquela voz me tranquilizar, cada palavra era como um corte no meu corpo: ter consciência de que ela existiu, e de que o único culpado de te-la perdido era eu.

A dor era excruciante. Era tortura. E eu merecia aquilo.

Mas então, um tempo depois até mesmo a voz começou a morrer em minha mente – talvez não houvesse mais nenhuma parte do meu corpo para ser cortada. Comecei a me dar conta do que havia ao meu redor. Por quanto tempo meus olhos estiveram fechados? Por quanto tempo eu já estava dentro daquele carro? Onde estava?

Olhei para o objeto prateado que havia sido posto para carregar, mas ficara desligado. Soltei o volante de couro – só agora observando que meus dedos o haviam apertado com tanta força que deixaram marcas fundas – e abri o celular, apertando on. Escutava o som de chuva do lado de fora do Volvo.

"Você tem 7 novas mensagens. Primeira mensagem."

Esme.

"Edward, por favor... esteja vivo, por favor."

"Mensagem apagada. Segunda mensagem."

Carlisle.

"Edward, sabemos que você não foi para Itália. Só queria saber como você está. Por favor filho, entre em contato."

"Mensagem apagada. Terceira mensagem."

Rosalie.

"Edward, pare de se comportar que nem um bebê! Você não vê que todos nós estamos sofrendo? Por que-"

"Mensagem apagada. Quarta mensagem."

"Por favor... por favor, volte."

"Mensagem apagada. Quinta mensagem."

Rosalie, outra vez.

"Parabéns, Edward. Já se passaram dez anos."

"Mensagem apagada. Sexta mensagem."

"Filho... sinto sua falta."

"Mensagem apagada. Sétima mensagem."

Emmett.

"Vamos nos mudar. Espero que encontre alguma paz, irmão."

"Mensagem apagada. Você não tem mais mensagens."

Fechei meus olhos quando percebi os arredores: eu estava no meio do que parecia ser nossa clareira.

...

Quando meus olhos abriram novamente, uma luz forte se espalhava pelo carro. Era o nascer de um novo dia, o sol tentava dizer isso saindo por detrás das nuvens. A luz de um dia novo. O sol, tão quente em minha pele. Ela era meu sol – meu calor. Mais uma vez fui tomado por soluços secos, e percebi o que era o vazio no meu peito – meu coração, ela havia ficado com ele.

Minha Isabella me fizera sentir humano. Senti meu coração congelado pela primeira vez quando nossa pele fez contato – ela me fazia derreter com seu toque tão quente. Ela era tão quente, tão apaixonada, tão viva. Tão desligada do fato que era um monstro que a tocava, e não um anjo, como sempre dizia. Como eu desejava ter aqueles braços outra vez ao meu redor!

Meu sol se fora, mas minha parte humana continuava ali. As emoções ainda estavam ali. Toda aquela dor.

Prendi meus dedos no volante, como se precisasse de algo – qualquer coisa – para me impedir de me despedaçar novamente.

Eu estava quebrado. Eu tinha sido quebrado, em um milhão de pedaços. E eles jamais se juntariam.

E agora, eu apenas existia.

...

No começo daquele ano – 2025, como me informava o jornal – Carlisle me achara por acaso dentro de um daqueles cafés, e passava horas, às vezes até mesmo um dia inteiro, contando como andavam as coisas na casa, na família. Pelo que conseguia ouvir, a situação não era uma das melhores, mas como o fato de eu voltar melhoraria em algo?

Não respondi em nenhuma das vezes, mas também não fugi. Ao menos aquilo eu devia a ele, meu criador, meu pai.

Ele aparecia quase todos os dias agora, mesmo assim eu continuei indo para o mesmo local. Não sabia o que tinha me levado para lá da primeira vez, mas ali existia algo quase calmante desde a primeira vez que entrara.

Já eram quase oito horas – observei de relance no relógio de pulso de um rapaz algumas mesas distantes – e eu sabia que em mais alguns minutos o local fecharia. Mais uma noite vagando pelas ruas.

Tirei minha carteira do bolso e chamei uma funcionária coma mão, ainda gesticulando para pedir a conta do café não consumido. Andei até o lixo e joguei no cesto o copo cheio, e estava indo para a porta quando escutei aquele nome, depois de tanto tempo.

Doía tanto.

Nunca iria cicatrizar.

"Bella?"

Soltar o ar foi involuntário, apenas percebi o que havia feito quando ele todo enfim saíra de meus pulmões depois de tanto tempo. Por alguns milésimos me desesperei, mas quando inalei outra vez – um ato totalmente reflexo –, senti a única coisa que não esperava sentir nunca mais.

O cheiro dela.

...

Ponto de vista de Bella

"Bella?" Antes que eu conseguisse chamar a atenção do rapaz de cabelos cor de bronze, escutei alguém falar meu nome, segurando um de meus braços. Sério, universo? Outra vez? "Não vai cumprimentar um velho amigo?"

"James?" Reconheci de imediato aquela voz, aquele jeito de falar, antes mesmo de me virar para ver quem era. Quem era meu único amigo no mundo que me chamava de Bella? Havia se passado menos de meio ano, mas ele parecia um pouco diferente. A voz parecia mais grossa, masculina, mas quando me virei, vi os mesmos olhos azuis do menino que fora meu vizinho por tanto tempo. "Jamie!"

Por um momento esqueci completamente do que estava prestes a fazer, e abracei meu amigo de infância. Nos conhecíamos desde meus quatro anos – ele com cinco anos e meio na época, como gostava de ressaltar – e nos tornamos bons amigos desde o começo. Minha irmã morria de ciúmes no início, mas com o passar do tempo foi se acostumando a ter Jamie junto durante algumas das tardes para brincar. E então aconteceu o acidente, e nossa amizade pareceu se fortalecer ainda mais, com ele sempre ali, ao meu lado, dizendo que nada de ruim aconteceria e que tudo ficaria bem.

"É tão bom ver um rosto conhecido nessa cidade!" Um rosto conhecido de verdade. Peguei uma cadeira para me sentar, e foi então que meus olhos voltaram para a mesa ao lado, agora vazia. Não acredito que o perdi outra vez! "O que você está fazendo aqui? Você nem disse que viria!"

"Não tive tempo Bella, decidi de última hora. Na real, estou esperando um amigo, tenho uns assuntos para resolver até o fim da noite." explicava, prendendo seu cabelo em um coque como o habitual. "Acho que nesses próximos meses vou ter que vir para Manchester com frequência." James falou, se levantando para pegar seu café. "Eu posso avisar da próxima vez. Podemos marcar um chinês, relembrar os velhos tempos de Nashua, o que acha?"

"Você me faz sentir com cinquenta anos ao invés de dezessete desse jeito." Sorri. Era bom saber que havia algum conhecido pelas redondezas, mesmo que estivesse por aqui bem de vez em quando. "Você tem meu telefone, Jamie. A próxima vez que você estiver na cidade, e não estiver tão ocupado, me liga."

"Sem dúvida." Ele respondeu, revirando sua mochila até tirar de dentro dela um Snickers, entregando para mim.

"James-"

"Pelos velhos tempos, quando eu era criança e sempre dizia que quando tivesse um salário te pagaria um sorvete." Ah, como ele se lembrava daquilo? "Eu tenho um salário agora.", falou, orgulhoso. "O sorvete eu pago na próxima vez que te ver."

"Obrigada, James." agradeci, me levantando com minha mochila, meu chocolate e o resto de café que ainda tinha no copo. "Vai encontrar seu amigo aqui então?" James confirmou.

"E você já vai, pelo visto."

"Preciso estar em casa quando Alice chegar. Fica a um quarteirão daqui, caso um dia precise de algum abrigo em Manchester."

"Vejo você em breve, pequena." Nos despedimos, eu já me preparando para colocar os pés para fora do estabelecimento naquela noite gelada.

Olhei no celular, mais uma mensagem. Oito e dez. Alice ia tão ficar tão no meu pé aquela noite, ainda mais após eu contar quem havia encontrado.

...

Ponto de vista de Edward

Eu tinha enfim enlouquecido, perdido a cabeça, depois de todos aqueles anos. Era a única explicação plausível. Corria, para bem longe dali, em direção ao endereço que estava no meu bolso há algum tempo.

Filho, se algum dia mudar de ideia, pode nos encontrar aqui.

Como ela poderia ter aparecido na minha frente, como? A imagem, o cheiro, até mesmo a voz, tudo havia sido tão real que era completamente perturbador. Mas não era real, não era de verdade, era fruto da minha mente já estragada, e eu precisava escutar isso de alguém. De quem sempre me falaria a verdade, por mais dolorosa que ela fosse.

Deveria estar perto já, a casa não ficava tão longe de onde abandonara uma nota de dez dólares minutos atrás. Queria voar para lá, mas então, àquela hora ainda havia tantas pessoas na rua, a última coisa que queria era causar ainda mais problemas a eles.

As casas começaram a ficar maiores, os terrenos mais espaçosos, e logo surgiu o número 2855. Apesar de ser desnecessário – a Mercedes estacionada na garagem e a enorme propriedade bem cuidada denunciava que aquela era a casa certa – voltei a checar o número do endereço escrito no papel com uma caligrafia perfeita. 2855. Certifiquei-me de não haver ninguém por perto antes de saltar o portão alto, e então corri até a porta da frente.

Filho?

Aquele era o primeiro pensamento que escutava com clareza em todos aqueles anos. Não precisei bater na porta, ao chegar frente a esta, Carlisle já me esperava com ela aberta.

"Fale, eu quero ouvir!" Eu gritava, mas a voz saía rouca depois de tantos anos sem usa-la. "Fale que estou louco! Que depois de todos estes anos, finalmente aconteceu. Nós podemos enlouquecer, não podemos?"

Edward? Esme não demorou nem meio segundo para aparecer atrás de meu pai, e eu tentei não olhar para seus olhos, assustados pelo que viam em sua frente. A sombra do filho que eu fui algum dia. Oh, Edward...

"Esme, não. Só," Não queria escutar seus pensamentos, por mais que eu merecesse ouvi-lo, merecesse ver o quanto eu causara e ainda causava dor. Mas o escutado não foi nada do que eu esperava.

"O que?"

"Filho, você também a viu?" Também? "Era ela, não era? Se você a reconheceu, é porque realmente-"

Era verdade.

Uma razão para viver, outra vez. Tudo que sempre desejei de volta, por mais estranho que fosse. Uma segunda chance, de começar tudo outra vez. De não cometer os erros do passado. Eu tinha tanta coisa para concertar.

"Pai, mãe," Meu peito já não doía mais, não. A dor de tantos anos se fora tão rápido com apenas algumas palavras que era quase assustador. "É ela? É mesmo ela?"

Espere só até ver Alice.

"Alice? Alice, como assim-"

Não consegui acabar a frase. Sentir alguma felicidade outra vez era tão estranho – já fazia tanto tempo, nem mesmo me lembrava como era aquilo. Não consegui mais segurar um soluço, e em segundos dois pares de braços me envolveram, meus pais, que eu fiz tanto sofrer. Era como se eu tivesse apenas passado alguns dias fora.

Todo aquele tempo pareceu ficar para trás. Quando voltei a abrir meus olhos, sentia ter despertado de um sonho ruim. Era como se eu estivesse acordando.


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Notas finais do capítulo

Gente, que bom que vcs tão curtindo! Fico feliz com cada comentário ;)
Espero que gostem desse tbm! Adorei escrever.
Beijão,
Ania.



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