Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 33
Aqueles olhos verdes




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Ponto de vista de Alice

"Tem certeza que isso é mesmo necessário?" minha irmã perguntava enquanto eu pagava todas as compras com o cartão prateado.

Passávamos uma tarde no shopping - eu, Izzy, Esme e Rosalie. Uma típica tarde de garotas - sem os meninos, que estavam fazendo uma trilha naquele final de semana -, tão normal quanto poderia ser, tão divertida quanto era comigo humana, na época em que havia apenas Isabella. Ainda era assustador passar aquelas quantias no débito - por favor -, mas tinha que concordar que o dinheiro era tão meu quanto deles, uma boa parte conseguido por meio de minhas tão certeiras previsões e da tão abençoada loteria.

"Agora, por que meus pés estariam inchados em algumas semanas, Al?" Isabella me perguntava, não muito feliz com a compra dos últimos sapatos - provavelmente tão impressionada quanto eu com a quantia gasta naquela última hora. "É o avião? Algo vai dar errado na viagem?"

"Pode confiar em mim, como sempre faz?" respondi, pegando o cartão de volta enquanto recebia a sacola da vendedora.

"Eu mereço saber se algo vai dar errado em nossa lua de mel, Alice."

Saímos da loja, eu com quase todas as sacolas nos braços - que pesavam menos que uma pluma. Não lembrava que nossa força era tão ridiculamente maior, ainda mais naquele começo: eu realmente não sentia peso algum. Assim como eu também não lembrava de como minha garganta poderia queimar - como uma inflamação eterna - ao redor de tanto sangue. Nunca sairia se não pudesse ficar checando de cinco em cinco minutos meu futuro provável, e não pensaria duas vezes em me trancar em algum lugar se visse algo de ruim. Mas graças a Deus, até agora, não havia nada.

"Nada vai dar errado, Izzy." dizia, tomando nota mental de rechecar todos os destinos que os dois passariam - sua lua de mel, a última viagem humana de Isabella.

Vamos andar até a praça de alimentação. Esme e Rosalie aparecem no meio do caminho.

"Rose e Esme estão chegando, podemos comprar algo para você comer, o que acha?"

Eu não ataco ninguém.

"Acho que gostaria de um chocolate quente e um hambúrguer." Tive que rir com aquela combinação.

"Seu paladar sempre foi assim estranho, ou só agora que tudo é horrível eu consigo perceber isso?"

Rose e Esme nos encontram na frente de uma loja colorida. Ninguém ataca ninguém.

Suspirei aliviada. Chega, chega de checar o futuro por agora, estava tudo bem. Já conseguia ver minha mãe e irmã aparecendo com algumas dezenas de sacola quando a minha real irmã decidiu parar na frente de uma loja. E por um milésimo eu me empolguei - Isabella parando na frente de uma vitrine, um milagre estava acontecendo - mas a empolgação sumiu no instante que vi um sapato pequeno demais. Um sapatinho de bebê.

Não era uma coisa que me deixava triste, não mesmo, e acho que eu nunca havia pensado naquela possibilidade. Nem com Jasper, nem em minha vida humana antiga, nem naquela vida. Não que eu não fosse responsável para cuidar de uma, nunca tive problema algum com crianças, os pequeninos sempre amavam a tia Alice. Mas era aquilo, eu era aquela mulher que nascera para ser tia - e daria uma tia sensacional.

Já Izzy, nasceu para ser mãe. Tudo nela gritava mãe: seu jeito calmo, aquela eterna paciência, a melhor comida que um filho poderia querer. E Izzy sempre quis ser mãe. E mais uma vez eu estava surtando - tudo aquilo em cinco segundos por minha irmã olhar para um sapato - e olhando possibilidades futuras.

Por Deus, que Rosalie não chegue agora falando aquilo.

"Um bebê na família seria ótimo." Mas que merda. "Acho que todos receberiam uma benção dessas de braços abertos." Não era preciso ter Jasper ao meu lado para notar o quanto o comentário havia pesado para nossa humana. Nossa ainda humana. Nossa ainda humana que gostaria de ter um filho e tinha menos de seis meses de vida, mas que merda Rose!

Tentei olhar alguns segundos para frente, mas pela primeira vez, as imagens estavam borradas, os sons abafados - e nada do pouco que conseguia ver estava fazendo sentido. Calma, Alice. Foque, e tente outra vez.

"Mas é impossível, não é?" Vi minha irmã olhar para longe das pequenas roupas com pesar.

"Pelo menos para nós." Rose falava no mesmo tom triste. "Acredite, não faltaram tentativas."

No segundo seguinte, tentei novamente com muito mais calma. Isabela ia para casa, e então estava tão magra... e tudo ficava escuro. Meu dom era algo que sempre me acalmava - mesmo após anos sem o ter direito, aqueles poucos dias já haviam me tornado novamente dependente das previsões futuras. De minhas quase certezas. Não conseguir ver justo minha irmã era desesperador.

"Izzy, mas a vida pode ser boa mesmo sem-"

"Eu não vou mudar de ideia, Al. Você sabe." A frase me incomodou mais do que eu imaginava. "Engravidar de Edward é impossível, e eu nunca teria um filho com qualquer outro." Vi as mãos dela irem instintivamente para sua barriga - inexistente - e minha agonia apenas aumentou quando meu dom continuou me dando apenas imagens desconexas quanto à Isabella.

"Mas vocês estão tentando?" Que hora para fazer uma brincadeira, Esme.

"Tentamos um pouco, antes do casamento. E bem pouco depois." ela respondeu, corando. Mas os olhos continuaram com aquele desejo. "Um bebê com Edward, ele seria perfeito, não seria? Seria a criança mais linda e provavelmente a mais amada de todo o mundo." E no segundo seguinte, o desejo se transformava em tristeza. "Seria lindo. Será que puxaria os olhos verdes dele, os olhos de antes?" A envolvi num abraço, tentando parar as lágrimas - eu não perderia o controle, perderia?

Como eu não previ aquele desastre de fim de tarde?

"Izzy, eu não tive a intenção." bufei, olhando irritada para as duas vampiras paradas na nossa frente. Já estava sendo tão difícil tudo aquilo, qual a dificuldade em colaborar para tornar a vida de todos mais fácil? "Ninguém mais vai falar sobre isso, ok?" Qual era a dificuldade em-

Quebrei o abraço quando a imagem surgiu na minha cabeça, cerrando os punhos. Os olhos de Isabella, sem vida. Sangue. E então, mais nada - por mais que eu forçasse.

"Isabella, você mudou de ideia?" perguntei, meus olhos como minha voz: carregados de desespero.

"Eu já disse que não vou mudar, Al." minha irmã me reassegurava, me olhando um pouco preocupada enquanto limpava as lágrimas. "Fica calma, Alice." Mas não dava para ficar calma. Não dava para ficar calma após vê-la sem vida, não dava para ficar calma quando ela não existia mais no nosso futuro.

Não existia no de Esme.

"Izzy, eu acho que você deveria se transformar quando os meninos voltarem da caça." Nem no de Rose. "Não dá para esperar mais dois meses, não dá pra esperar o final da lua de mel." Nem no de Edward. "Eu não consigo mais enxergar você." E nem no meu.

Ponto de vista de Isabella

"37.2ºC." meu marido falou, olhando para o termômetro.

"Não é febre."

"Pode ser princípio." Edward, eternamente preocupado. "Está sentindo mais alguma coisa?" Mas não era como se não houvesse motivo para a preocupação, ainda mais após o surto de Alice naquela tarde - surto do qual meu vampiro já tinha tomado conhecimento. Eu entendia todo aquele cuidado, realmente entendia. Eu estava morrendo, e então de repente ela não conseguia mais me ver - teria ficado igualmente desesperada em seu lugar. "Não seria melhor apressarmos isso, Bella?"

Sim, seria. Mas ao mesmo tempo, algo gritava dentro de mim: só mais alguns dias. Espere mais alguns dias.

"Nós já cancelamos a viagem, meu amor." disse, passando uma mão preguiçosa nos cabelos cor de bronze tão bagunçados.

"Quinta-feira?" ele tentou negociar.

"Sábado. Me dê até sábado." A resposta pareceu contenta-lo, ao menos por enquanto. "Estou com fome." confessei ao mesmo tempo em que meu estômago se fez presente. "Mas posso aguentar. Acho que só preciso dormir mais um pouco." A cama estava tão aconchegante outra vez. "Acha que estou mais doente?" Eu andava mesmo mais cansada nos últimos dois dias, talvez fosse algum resfriado - com certeza minha imunidade não andava das melhores. De olhos já fechados, escutei enquanto o vampiro colocava o termômetro de volta na gaveta, e tentava não fazer muito barulho ao voltar para a cama - que ainda era um colchão no chão, ainda não utilizado após o casamento - diferente do sofá outra vez destruído na manhã de domingo. "Edward, não quero que você fique doente." sussurrei, já me entregando ao mundo dos sonhos.

Mas que droga, tinha tantos planos de estrear nossa cama agora na vida de casada, era o dia perfeito, ele havia acabado de caçar! Mas estava com tanto, mas tanto sono.

"Bella, sua bobinha," Antes de o sono me vencer por completo, pude sentir lábios frios em minha testa, abafando um riso. "Vampiros não ficam doentes."

Sangue.

Havia muito sangue ao meu redor.

Meus nervos afloraram quando procurei ao meu lado e não havia sinal de Edward. Tentei mexer as pernas, mas meu corpo não me obedecia. Não conseguia me obedecer. Eu estava tão cansada...

Edward, onde você está?

Tem tanto sangue.

E tem alguém chorando - quem é?

Eu estou morrendo?

Mas eu preciso cuidar dela. Preciso cuidar de Elizabeth. Não posso morrer, não posso!

"Edward!" Imediatamente senti os braços gelados que me envolviam num abraço protetor, e logo um par de olhos dourados estava olhando os meus, preocupados. "Eu-"

"Foi só um pesadelo, está tudo bem." Respirei fundo, o alívio fora quase momentâneo com as palavras dele. Só um pesadelo, aquilo fora apenas um pesadelo. Virando-me para ele, afundei a cabeça no seu peito frio, o cheiro adocicado me intoxicando e acalmando ainda mais. "Sangue, meu amor?"

"Eu não conseguia te achar." Minha voz saiu sufocada, mas sabia que tinha sido o suficiente para ele ouvir. "Eu não conseguia te achar, e nem me mexer, e tinha tanto sangue!" falava, ainda sentindo meu coração desacelerar. "Falei mais alguma coisa?" perguntei olhando para Edward, e o vi hesitar antes de negar com um balanço de cabeça. Mas não parecia sincero, havia alguma coisa naquele olhar. Era como se seus olhos - hoje tão amarelos - escondessem algo.

Mas outra vez o sono me vencia. Tudo ficou melhor quando senti seus lábios em minha testa.

"Volte a dormir Bella, ainda é cedo." Ele não precisou me pedir duas vezes.

A tarde de quarta-feira voou, como qualquer tarde que eu passava com o amor da minha vida. Mal vi as horas passarem – quanto mais a pizza acabar lentamente ao meu lado da cama – e não percebi que havia cochilado enquanto Edward assistia a um filme qualquer em nossa TV, agora localizada logo em frente ao nosso colchão.

"Se sente melhor, meu amor?" eu respondia que sim, ainda entre o mundo dos sonhos e a realidade. "Não teve febre, mas talvez esteja com falta de vitaminas. Talvez um pouco anêmica. Está dormindo muito."

"Já já eu nunca mais vou dormir." Era uma verdade.

"Alice me contou mais sobre ontem." E aquela informação me acordou por completo. Como assim, contou mais? O que mais ela precisaria contar? Droga, Alice! "Ela acha que é melhor você não insistir até sábado, Bella." Sabia qual seria a próxima frase. "E eu também."

Eu iria começar a protestar quando notei que precisava muito de um banheiro - e não demorei para sair correndo até o único da casa, Edward levantando no mesmo instante e quase me seguindo.

"Não!" Ao menos ele foi rápido em entender que aquele era um momento humano livre de vômitos, e me deixou fechar a porta sem hesitar muito.

Eu nem havia tomado tanto suco. Nem água, nem café, nenhum líquido para precisar tão desesperadamente ir ao banheiro. Nem andava com muita sede nos últimos dias, ao contrário da minha fome desenfreada. Fome, nossa, eu estava morrendo de fome - de novo.

Morrendo de fome após comer metade de uma pizza.

Ao menos não havia vomitado naquele dia.

Puxei a descarga e fui para a pia lavar as mãos, e foi então que encarei o espelho pela primeira vez no dia, esperando encontrar meu rosto já mais pálido, minhas bochechas mais fundas - meu rosto daqueles últimos dias, o que Alice disse que se resolveria assim que fosse transformada. Mas não achei o que esperava - havia algo de errado ali, definitivamente.

Minhas olheiras não estavam tão fundas, assim como meu rosto inteiro. Eu parecia muito mais saudável, e nem precisei de toda a maquiagem que precisara no sábado para tal. Pensando bem, eu já parecia mais saudável na tarde anterior. Como não notei aquilo?

"Bella, está tudo bem?"

Como eu não notei aquilo?

"Mais um minuto!" gritei, mesmo sabendo que Edward escutaria ainda que fosse um sussurro. Gritei porque precisava gritar, enquanto tentava controlar o ritmo do meu coração. Porque aquilo era uma mentira, com certeza. Porque eu, sem sombra de dúvida, estava exagerando na comida naqueles últimos dias - desde o casamento.

Aquela era a explicação, a única explicação, para aquele ganho visível de peso. Eu estava gorda. Muito mais gorda do que há dias atrás, e era culpa das tortas, e bolos, e chocolates, lasanhas, pizzas, sanduíches de queijo quente e tudo mais que eu gostaria de comer - e precisava comer - antes de aposentar meu antigo paladar. Eu estava gorda, porque a explicação contrária que minha mente gritava era completa e totalmente irreal e impossível - e até mesmo doída.

Gorda.

Gorda.

Não consegui conter o coração acelerado quando levantei minha blusa, e me apoiei na pia no segundo seguinte. Os meus braços não estavam gordos, nem o resto do meu corpo - tirando aquelas duas partes.

Era o tumor me pregando peças. Peças doentias.

Precisava comprar absorventes, eu com certeza estava para ficar menstruada. Estava inchada, e com fome, e meus seios doíam, e isso eram sintomas da tensão pré-menstrual, com certeza. Quando mesmo havia sido a última vez?

Merda.

Merda, merda, merda.

Havia um pacote rosa demais, completamente lacrado, na prateleira ao meu lado. Agradeci muito, mas muito, por Edward não poder entrar na minha mente.

Porque afinal, para que perturba-lo com uma mentira? Para que dar aquela esperança, para depois tudo aquilo ser obra de minha doença, de-

Algo mexeu dentro de mim.

Não. Não, não. Não, não, não, não, não! Teste, eu precisava de um teste. Mas não, era impossível! Ele era um vampiro, e eu só me deitei com um vampiro, somente com um vampiro, apesar de ter feito aquilo por um número considerável de vezes, teoricamente é impossível eu estar grávida!

E eu não tinha um teste!

Foco Bella, foco. Existe uma explicação para tudo. Se eu não estava grávida, eu estava o que? Um, dois três, cinco, sete, quarenta e cinco dias desde a última menstruação. Eu nunca atraso um dia. Mas como eu posso estar grávida?

Definitivamente eu senti algo mexer!

"Meu Deus." verbalizei sem pensar, mas que droga.

Respirei fundo. Eu precisava de calma, e precisava de calma agora.

"Bella?" Muita calma.

"Edward," Pelo menos minha voz não me denunciava. Ainda. "Eu esqueci que marquei com Rose de ir ao shopping hoje de tarde." Diga que acredita, diga que tudo bem, qualquer coisa, só não me peça–

"Ela já está vindo?"

Peguei o celular, achando o contato da loira em segundos.

Rose, preciso de ajuda.

Sem resposta.

Rose. Rose, Rose, Rose, Rosalie!

Na minha cabeça, aquilo era quase uma traição. Aquela era a informação mais importante que já tivera na vida, e eu sabia com quem eu precisava dividi-la. Eu sabia quem deveria ser o primeiro a saber. Mas eu precisava muito, muito, muito ter certeza antes de abrir minha boca para falar qualquer coisa.

"Já está sim!"

Agradeci quando a vi ficando online, meu pensamento acelerado me dando alguns segundos de trégua.

Bella, está tudo bem? Edward não está aí?

Preciso da SUA ajuda.

Você está me assustando. Quis rir: ela não era a única apavorada no momento. O que você tem?

Apague isso assim que ler, invente uma desculpa e passe aqui em casa. E por Deus, pense em qualquer coisa, menos no que vou falar. E fale que vai me ajudar, por favor, por favor, por favor. Prometa, Rose.

"Um bebê na família seria ótimo."

Um bebê, dele.

Prometo. Agora fale o que você tem.

Respirei fundo, ler aquilo tornava o fato tão real.

Imaginei como me sentiria ao falar em voz alta.

Um bebê.


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Notas finais do capítulo

Oi gents! Pra quem tava falando sobre o baby a caminho... taí! Rs, acho que tem um a caminho mesmo então. Um muito obrigada pra todo mundo que ta acompanhando a historia e pra todos que comentaram!

Bebê a caminho, será que dá tempo de uma mordida no final?)

;*



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