Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 28
Perdão


Notas iniciais do capítulo

Dedico esse capítulo para Ero, leitora fofa que sempre me anima com seus comentários ;)



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Ponto de vista de Isabella

Quando cheguei em casa o relógio marcava uma e dezenove da tarde - e James ainda estava lá, assim como toda a comida feita por ele.

"Está gostoso?"

A companhia de James era o que eu precisava naquele momento. A companhia do meu melhor amigo, meu defensor quando pequeno, meu fiel de segredos. O olhei bem por um momento, logo após me perguntando como uma pessoa conseguia se sujar tanto comendo macarrão. Como essa pessoa, esse desastrado nato, conseguiu ser tão perigoso na sua outra vida? Como conseguiu ser tão mortal, sendo que agora mal conseguia manter a camisa limpa?

"Está ótimo, Jamie."

Eu sentiria saudade desse bobo.

"Quer mais suco?"

Eu sentiria muita saudade de olhar naqueles olhos azuis enquanto contava sobre como andava a vida.

"Por favor." disse, colocando o copo mais perto da garrafa. Sentiria saudades de sentir o sabor do suco de laranja, também. "Alice está-" Eu nunca havia perguntado em que o sabor dos alimentos humanos se transformava após abandonar a vida mortal. Como eu sentiria o gosto do café? Um amargo indesejável? O quanto eu iria odiar comer um cheesecake? "Alice está estável." Era ridículo, sim, mas comer era uma parte importante da minha vida. Eu simplesmente amava cozinhar para os outros, e aceitar esta outra vida era assinar o abandono à culinária. "Obrigada por ficar." Afinal, para quem faria uma nova receita?

Poderia cozinhar o máximo possível naqueles últimos dias. E comer tudo sozinha, também - não é como se pudesse chamar Alice ou qualquer um daquela família, ou se quisesse atrapalhar mais ainda James pedindo para ele se mudar para minha casa até eu resolver morrer.

"Podemos ver algum filme depois do almoço." Almoço que acontecia já às duas da tarde. "Eu tirei o dia de folga, então não se preocupe." ele continuou, ao ver que eu me oporia àquilo.

Não conseguia prestar atenção em nada que passava na tela - e eu amava filmes de terror. Estávamos já há meia hora vendo zumbis coreanos, e eu nem mesmo sabia quem era o personagem principal. Eu sabia que estava morrendo, eu sabia que me tornaria perigosa para James em pouco tempo, e eu sabia que aquela poderia ser a nossa última vez dividindo um sofá e um cobertor. Então, eu sabia que era hora de contar: não poderia continuar adiando aquela revelação.

"Você sentiria minha falta se eu fosse embora?" James me olhou confuso, se endireitando um pouco no sofá.

"Que pergunta, Izzy!" falou, e eu sorri quando ele passou as mãos pelo cabelo loiro. Aquele cabelo era tão bagunçado! Aquele hábito era tão ele. "É claro que eu sentiria! Eu te amo pra caralho, como que eu não sentiria sua falta, sua louca?"

"Mas você cuidaria dos meus avós, não cuidaria?" O vi abrir a boca para falar, mas não o deixei me interromper - já era tão difícil colocar aquilo tudo para fora, então James, por favor, por favor... "Se eu e Alice fossemos embora, você poderia vê-los de tempo em tempo? Ficar um pouco com eles, ajudar se precisarem de algo?" Não era fácil parar aquelas lágrimas, ali elas estavam novamente, correndo soltas pelo meu rosto. "Eu estou morrendo, Jamie." confessei entre um soluço e outro, e segundos depois dois braços fortes me puxavam para um peito quente. "Eu estou doente," Me afundava mais e mais naquele abraço. "Doente como a minha mãe!"

Quando era pequena, eu e Alice brincávamos de casinha - às vezes colocávamos James no meio, e ele, sempre paciente, entrava na nossa fantasia. Eu sempre acabava sendo a mãe, sempre cuidava de tudo. Fazia faculdade, me tornava uma ótima médica, e cuidava de meus filhos. Aquela fantasia - aquele sonho - tinha até hoje, e até meses atrás, tinha a certeza de que tudo se concretizaria. Me formar, fazer uma faculdade, viver como uma universitária num alojamento. Beber até cair algumas vezes, fazer uma tatuagem e um piercing no nariz. Casar com o homem que amo e viajar para um lugar paradisíaco em nossa lua de mel. Ter filhos. Ver meus filhos crescer. Ter netos. Envelhecer tomando café na varanda.

Eu nunca tivera aquilo. Em nenhuma das vidas que lembrava. E eu nunca teria, caso escolhesse o caminho mais fácil para fugir de uma nova morte. O caminho mais fácil também era o mais cheio de sacrifícios, e por isso, as lágrimas pareciam nunca secar.

"Existe um tratamento, um que pode dar certo. Mas eu teria que ir embora por um tempo." Havia sido tão fácil da última vez, considerar abdicar de todas aquelas minhas vontades. "Talvez eu demorasse para voltar, e talvez eu nunca mais voltasse." Eu não havia pensado duas vezes antes de pedir para ser transformada! Por que agora, algo parecia morrer cada vez mais dentro de mim ao pensar em tudo isso que perderia?

"Sempre existem videochamadas, certo?" James respondeu, afagando minha cabeça. "Eu estou aqui, Izzy." Funguei, tentando voltar a respirar normalmente. "Você pode contar comigo, sabe que eu estou aqui." Encostei minha testa na dele, fechando os olhos. Não conseguia mais ver seus olhos azuis, aquela preocupação tão sincera. Ele pensaria em vários jeitos para não se afastar, tinha certeza. Não era como se eu fosse perdê-lo, mas ainda assim... "Eu sempre vou estar aqui."

Não sei como, nem porque aconteceu o que seguiu, mas num segundo James limpava com a mão mais uma lágrima, e no outro essa mesma mão puxava meu queixo. Seus lábios eram quentes, tão diferentes dos de Edward. Seu coração batia rápido, eu pude sentir quando fui puxada novamente contra seu peito - e o meu ainda batia igual.

Era engraçado como não havia nada de sexual naquele beijo. Aquele era um beijo de despedida. De despedida a vida que eu nunca teria, aos amigos que eu não manteria, dele. Um beijo com alguém que não Edward. Acabou tão rápido quanto começou, um olhando para o outro com certa confusão.

"Isso foi-" comecei, sorrindo envergonhada enquanto fechava os olhos e sentia minhas bochechas pegando fogo.

"Muito errado." James completou, provavelmente sorrindo - sua voz saía irritantemente divertida. "É sério, eu não sei porque-"

"Eu também não!" Confirmei o sorriso, ficando feliz por vê-lo tão vermelho quanto eu. "Você sabe que-"

"Eu também não sinto nada além de amizade, Izzy, sério! Eu tô saindo com uma menina que conheci, a Vicky é incrível-"

Quando finalmente nossos olhos se encontraram, caímos na risada - se Alice soubesse disso nunca mais me daria paz! E por um segundo eu acreditei naquele pensamento: 'se Alice soubesse'. Ela saberia de todas as minhas decisões, agora. Alice saberia de tudo agora, mas que merda. A risada acabou no segundo que entendi aquilo.

"Nós não precisamos falar isso para ninguém, precisamos?" Tarde demais. "Eu não quero que o seu namorado me mate." Porque se Alice soubesse, Edward saberia - aquilo era tão confuso que estava ficando engraçado novamente. "Outch!" James esfregou o braço onde dei o tapa quando vi que ele continuava rindo. "Você bate forte para uma doente!"

"Prometa que vai cuidar dos meus avós!" Ele continuava rindo, e eu continuava com os tapas.

"Eu prometo, eu prometo!"

"E prometa que vai se cuidar." James era um desastre naquele quesito, mas ao menos estava saindo com alguém - esperava que ela o colocasse nos eixos. "Você vai se cuidar, não vai?"

"Eu vou me cuidar, Izzy. Por você, eu vou me cuidar."

—__

Ponto de vista de Alice

"O que foi?"

Parei de sugar o sangue do cervo, já morto, quando a imagem passou diante de meus olhos. Havia esquecido como as visões - agora tão claras e certeiras - poderiam ser desconcertantes. Minha irmã com James. Quase engasguei com o sangue ainda na boca, vendo aquela cena e tudo que esta desencadearia. As decisões que estavam mudando por causa daquilo, o futuro perfeito que não existia mais.

Sabia que Jasper perceberia no mesmo segundo a mudança no meu humor.

"Não me sinto bem matando animais." Expliquei, o que era em parte verdade - precisei me alimentar de olhos fechados, nem toda minha sede tirava de mim a dor que fora derrubar aquele cervo. "Jazz, não estou considerando pessoas." disse, ao ver ainda mais futuros diferentes - todos com o mesmo final. Não lembrava o quanto aquilo conseguia ser irritante, o quanto seria irritante até eu reaprender a controlar a mente. "E mesmo se estivesse, você não deveria mudar assim por mim. Depois de tudo que passou para conseguir chegar nesse nível."

Senti o clima ficar mais alegre quando o vi sorrindo para mim, limpando minha boca com sua mão - ele com certeza não conseguiria limpar a bagunça que fiz, e sorri de volta com a tentativa falha.

"Eu faria tudo por você, Al. Eu vivi todos esses anos sem você, por você." A mão suja tocou minha bochecha - provavelmente aumentando o rastro de sangue - e me aproximei mais dele ao invés de me afastar. O toque antes frio agora era tão quente. Não lembrava que sua temperatura poderia ser tão alta, que sua pele era tão mais suave do que meu eu humano sentia. "Sabia de alguma forma que você me disse para esperar, e eu esperei, eu me empenhei em me tornar melhor - pois era isso que você queria. E valeu cada segundo de dor, cada segundo de saudade."

Aquele estava sendo nosso segundo beijo de verdade, e era engraçado como agora era eu que tinha necessidade de me policiar para não quebra-lo com minha força inicial. Jasper se mostrou surpreso por um momento quando meus lábios colaram nos dele, e logo entendi o porquê dele ter se mantido distante desde nosso primeiro.

A transformação fora a coisa mais dolorosa pela qual já passara na vida, cada célula do meu corpo parecia gritar de dor enquanto eu permanecia deitada imóvel naquela cama, não conseguindo mover um músculo. E eu escutei vozes, escutei tudo que diziam ao meu redor. Escutei o desespero de Edward ao não saber de minha irmã. Escutei Carlisle contar que não sabia se eu acordaria ou não. Escutei Esme consolando a todos, escutei Emmet falando para eu sair logo dessa, escutei Rose lamentando o acidente e minha outra vez falta de escolha. E escutei Jasper, desesperado ao não saber se estava viva ou morta, piorando a situação de todos naquela casa, me piorando.

"Você não está brava." ele disse ao quebrar o beijo.

Eu acordei muito irritada - não sabia que poderia sentir tal irritação. E assim que acordei, com os olhos mal abertos, Jasper me envolveu num abraço, os lábios roçando nos meus em seguida. E sem lembrar de minha força, o fiz atravessar uma das paredes do quarto, quando na verdade apenas queria afasta-lo um pouco e perguntar de minha irmã. Não havia sido o melhor despertar, muito menos o melhor reencontro, com certeza - e não, eu nem mesmo havia previsto aquilo. E então Bella. Izzy.

E tudo tinha ficado tão ruim, e tão sem sentido. Por que ela ainda era humana, por que Edward não havia feito nada quanto ao maldito tumor que consumia a minha irmã? Era Bella, ela não iria se opor a sua nova vida, só precisava que a transformassem logo!

E ali, caçando com meu antigo marido, eu ainda estava brava. E meu antigo marido, por mais que eu estivesse vestindo um sorriso na cara, sabia como eu me sentia.

"Você estava achando que eu ficaria brava por me salvar?" Não.

"Me perdoe. Tive tanto medo, Al. Tive tanto medo de contar tudo e fazer você partir."

"Não, achou que eu ficaria brava por você me esconder o que sabia." Ainda me acostumava com a velocidade de tudo aquilo. Minha testa encostou na dele, minhas mãos envolvendo seu rosto quente. "Jazz, eu consigo me por no seu lugar, e digo que provavelmente faria o mesmo. Eu tive uma vida normal até meses atrás - uma vida humana normal. Tudo que sempre disse querer, eu comi algodão doce, tomei chocolates quentes, dormi, sonhei. Eu tive um gato quando pequena, o senhor Fluffy, já te contei?" Sorri com a memória. "Eu amo você. Nessa vida, eu amei você desde que te vi na lanchonete. Mas se um estranho aparecesse para mim, falando que era meu amante vampiro da vida passada, eu ficaria no mínimo assustada." expliquei, limpando o resto do sangue em minha boca com a manga preta da camisa que usava. "Isabella vai entender também." Sim, iria entender. Sim, aquele futuro iria mudar. "Ela só precisa de um tempinho para digerir tudo isso."

Os braços fortes, cheio de cicatrizes novamente visíveis para meus olhos, nunca soltaram minha cintura, os lábios quentes mais uma vez achando os meus. Fechei os olhos, ainda me acostumando com todas as sensações novas, ainda me habituando a não aperta-lo tanto quanto gostaria - pelo menos por um tempo.

"Eu amo você, Al." Estar com ele, apesar de todo o resto que acontecia, parecia tão certo. Era como se algo tivesse sido enfim preenchido dentro de mim. "Senti tanto sua falta."

Diferente da primeira vez, o toque de Jazz era quente - minha pele parecia pegar fogo debaixo de sua mão. Quando voltei a focar ao meu redor, já estava escuro, e uma leve garoa caía molhando todo o verde ao nosso redor.

"Você teria escolhido essa vida para você?" A pergunta veio quando já caminhávamos de volta à casa. "A vida humana."

"Se fosse para te perder no final?" Era pra ser, mesmo. Eu e Jasper, era pra ser. "Nunca."

—__

Ponto de vista de Isabella

"Você vai ficar bem?" James perguntava, a mochila que carregava já nas costas, a chave do carro que disse ter deixado na cafeteria da esquina nas mãos. Fiz que sim com a cabeça, reparando pela primeira vez no Volvo parado no portão de entrada. "Me liga se precisar de qualquer coisa?"

"Sim, Jamie."

"Certeza que não quer que eu passe a noite?" Edward com certeza ouvira aquilo, e por um minuto me perguntei se ele estava a ouvir os pensamentos de James, e se este naqueles segundos pensara sobre os eventos daquela tarde. E por um momento, eu quis que o vampiro soubesse, eu quis que algo o machucasse, para compensar as duas últimas vidas de dor que vivia.

"Visto que meu namorado está dentro do carro só esperando você sair, acho melhor não." Definitivamente não deveria desejar aquilo - estava sossegada de ter mais erros a serem pagos. "Mande lembranças a Vicky." falei, iniciando um abraço apertado.

"Fale para Edward cuidar bem de você, ok?" James retribuiu na mesma intensidade, fazendo o gesto demorar mais do que o pretendido. Seus olhos azuis me olhavam com um amor quase igual ao de Alice quando nos separamos. "Eu ainda vou te ver, não vou?" confirmei, eu mesma não tendo certeza de tal. Ainda o veria? Quando seria possível uma nova visita, visto que não fazia ideia de quanto tempo tinha?

Foi quando vi meu amigo sumir na esquina que, deixando o portão destrancado e já abrindo a porta, falei. "Você pode entrar."

Escutei a porta da entrada fechar, e vi Edward entrar na cozinha enquanto eu sentava em uma das cadeiras, minha caneca já servida de chá de gengibre com mel - dica de minha avó que estava fazendo milagres pelos meus enjoos. O vampiro encostou-se na parede, me encarando com uma expressão triste, e tive certeza que sim, já sabia do pequeno deslize daquela tarde. Não consegui manter meus olhos nos dele, o conteúdo de minha xícara se mostrando deveras mais interessante.

"O que eu faço, Bella?" Foi a primeira pergunta que veio - e para a qual eu gostaria de ter uma resposta. "Você está com medo de mim?" Fiz que não com a cabeça, abrindo a boca mas não conseguindo achar nada para falar de volta. Não sabia o que falar. "Você quer conversar?" Não tinha ideia de como começar aquela conversa. "Você não quer conversar?" O que dizer quando se está com raiva pelo que aconteceu, com medo pelo que precisa contar, e com vontade de falar para esquecerem tudo aquilo e aproveitar o resto daquele tempo? "Eu realmente gostaria de ler seus pensamentos, agora." O tempo era tão precioso, eu estava desperdiçando tantos segundos ficando longe dele...

"Como está Alice?" Havia escolhido aquilo para ser minha resposta. Covarde.

"Bem." ele disse, parecendo feliz por eu finalmente ter falado algo. "Alice é forte. Ela caçou hoje, com Jasper. Eu saí antes dos dois voltarem, mas-"

"Ela deve estar péssima." Minha fala fez um olhar curioso aparecer. "Alice odeia matar qualquer coisa. Ela me chamava para tirar as aranhas do quarto - e brigava comigo quando eu as tirava sem vida." explicava enquanto sorria ao me lembrar das inúmeras vezes que passei pela situação nesta casa. "Ela estava parando de comer carne. Ela teria a chance de escolher. Ainda assim, ela se tornou uma vampira-" Antes de mim. Antes de mim, eu, que não tenho escolha.

"Alice já sente sua falta. Pediu desculpas pelo que aconteceu hoje pela manhã. Disse que vai se esforçar ao máximo para conseguir se controlar perto de você e perguntou se poderia te ligar."

"Alice sempre pode me ligar, ela sabe."

"Eu também posso?" Fiquei confusa por um momento. "Te ligar."

Sim, você também pode me ligar, Edward. Você pode me ligar, pode me contar as coisas, pode ser sincero. Por parar de me machucar - por Deus pare. Mas meus pensamentos não conseguiam ser lidos, eu era o silêncio para ele. Não conseguir verbalizar tudo aquilo não ajudava muito na comunicação.

Ele me amaria até o final de minha vida humana? Ele me amaria, como meu pai amou minha mãe? Novamente as mesmas perguntas em minha mente.

Ou ele só me amaria ao saber que eu lhe daria a eternidade? Quem precisa ficar até o fim com uma doente, afinal. Já estava praticamente morta, a partir de agora só iria piorar. Já estava pior para ele, com todo o cheiro de sangue, todo aquele cheiro de morte.

"É difícil pra você?" Mais um olhar confuso. "É difícil, ficar perto de mim? O que você sente?"

"Bella, eu te amo tanto-"

"Eu perguntei o que você sente fisicamente." O cortei, minha voz saindo mais ríspida do que intencionava. "O que é namorar uma humana, Edward? É difícil? Dói?" Você conseguiria ficar até o fim, conseguiria ver o meu fim?

Por favor, diga que conseguiria.

Foram alguns segundos de quietude antes de ouvir novamente sua voz macia. Edward corria as mãos pelos cabelos cor de bronze, respirando fundo antes de seus olhos pararem nos meus e ele começar a falar.

"A minha garganta queima, mas essa é uma sensação que eu já aprendi a conviver. Quando você sangra, eu tento não respirar porque o cheiro me dá fome, por mais alimentado que eu esteja - você ainda canta pra mim, Bella." A resposta veio sem que eu tivesse que perguntar. "Eu toco em você do mesmo jeito que você toca em um pedaço de papel - então preciso me policiar, em todos os momentos que estou ao seu lado, em todos os momentos que você segura minha mão, que você me beija. Quando você acha que está me machucando é quando eu sinto de verdade o seu toque, e é maravilhoso ao mesmo tempo em que é desesperador, porque tira por um milésimo a minha concentração." Seus lábios se curvaram em um sorriso amargo. "Além do medo de te perder a todo o instante. Se eu tomar cuidado, eu nunca vou morrer. Mas inevitavelmente um dia eu vou ficar sem você - e esse dia vai chegar mais cedo do que eu gostaria, eu sei."

Eu mesma respirei fundo no final daquela confissão. Sim, um dia ele ficaria sem mim - um dia bem próximo, cortesia do tumor que crescia no meu cérebro.

"A não ser que você queira ter a nossa vida." Angústia e alívio me invadiram ao mesmo tempo com a possibilidade que Edward finalmente me oferecia. "Cansei de ser hipócrita, e o principal motivo de eu não querer fazer suas vontades no passado era temer pela sua alma. Alice me provou que não era o caso." Finalmente, finalmente o vampiro me dava a oportunidade de ter o que eu tanto queria no passado. Fechei os olhos quando ele enfim tomou coragem e se aproximou, arrastando uma cadeira, suas mãos geladas envolvendo meu rosto. "Eu vou amar você até o fim dos meus dias, sendo você humana ou sendo como eu. E eu sei que não temos muito tempo. Então Bella, você é livre para escolher."

Respirei quase aliviada, as últimas palavras me fazendo sorrir: eu tinha o meu sim, para todas as minhas perguntas. Ele ficaria. Ele ficaria, independente de minhas escolhas.

Quando voltei a abrir meus castanhos, o par de amarelos que me observavam mostravam tanto amor que realmente não me deixavam escolha. Precisava resolver o que tanto me incomodava naquele instante, precisava que ele lembrasse e entendesse tudo antes de poder dar uma resposta sincera a pergunta que seguiu.

"O que você quer?"

Com delicadeza, segurei suas mãos as tirando de minhas bochechas e as colocando junto com as minhas em meu colo, enquanto tentava achar as palavras certas para o momento. Qual seria a reação do vampiro? Ele ficaria irritado, se sentiria traído, iria embora? Não lembraria de nada, acharia que tudo não passava de um delírio - o único real? Aceitaria tudo que eu tinha para falar, sem partir?

"Eu quero que você me perdoe." Tentei não tremer enquanto pronunciava aquelas palavras. "Você não lembra, mas eu me lembro bem." continuei, enquanto Edward permanecia sentado, talvez pensando que eu finalmente perdera totalmente a razão. "Você não lembra de mim, Edward." Soltei um riso nervoso, apenas aumentando a aparente preocupação naqueles olhos - você não lembra de Belle, Edward, mas seria tão fácil, tão mais fácil se você se lembrasse. "Isso tudo é carma, e é um carma muito negativo, tenho certeza." Sim, eu ria quando estava muito nervosa - agradecia por não estar rindo incontrolavelmente. "Não me olhe como se eu tivesse surtado de vez. Não é nem mesmo engraçado." Sabia que deveria estar séria naquele momento, mas rir estava sendo um escape tão bom! "A não ser que você pare para pensar na ironia de tudo isso, aí começa a ser bem engraçado." Como James, essa parte é bem engraçada.

"Eu realmente não consigo ler a sua mente." ele admitiu quando eu enfim consegui me recompor.

"Eu preciso que você me perdoe." Apertei mais as mãos que segurava - será que Edward sentia meu toque agora? "E eu preciso que você se lembre de mim."

"Mas eu lembro de você-"

"Eu não tenho as memórias mais nítidas sobre essa vida, mas-"

"Bella, eu te deixei!" Por um instante, achei que finalmente conseguira fazê-lo perder a calma, mas a voz voltou a ser suave na próxima frase. "Por Deus, eu te deixei, você entrou em depressão e morreu indo atrás de mim, por que eu haveria de-"

"Eu fui embora tarde demais, Edward!" O cortei com minha confissão. "Eu te deixei pra trás, e eu me arrependo muito disso agora."

Seria tão mais fácil se ele tivesse lembrado antes de eu ter que falar aquelas palavras. Aqueles olhos estavam tão confusos, Edward realmente não lembrava desse detalhe de sua vida humana? Como não lembrava, como ele tinha esquecido justo quem deve ter o magoado tanto no final? Bloqueara aquilo para não sentir dor? Para evitar toda a dor que eu sentira quando ele me deixou?

Ou aquilo simplesmente não era verdade?

Respirei fundo uma última vez antes de continuar, apertando mais minhas mãos nas dele.

"Eu te passei tuberculose, Edward. Fui eu quem te matou."


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Notas finais do capítulo

Gente, gostando? Odiando? Querendo me matar?
Comentem ;)
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