Além de uma vida escrita por Ania Lupin


Capítulo 14
Fogos


Notas iniciais do capítulo

Adorei escrever esse capítulo! Espero que gostem ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/752976/chapter/14

Ponto de vista de Bella

Aquele sonho, outra vez.

"Eu não te amo mais."

Aquele sonho – ou seria melhor dizer, pesadelo – já me atormentava por algumas noites, agora.

"Vai ser como se eu nunca tivesse existido."

Ele – meu rapaz dos sonhos – me deixava repetidamente todos os dias daquela semana. E cada vez era pior – era tão real! Era tão real, todas as vezes, que parecia que algo era arrancado do meu peito, tamanha a dor.

"Nossa espécie se distrai com facilidade."

Nossa espécie?

"Adeus, Bella."

Não conseguia mais ficar na cama naquela noite. Me levantei, logo olhando para o relógio-despertador sobre o criado mudo – quatro e meia –, agarrei meu roupão pendurado no gancho atrás da porta e rumei para a cozinha.

Sabia que precisava dormir – e muito – pois a noite seria longa. Parecia que os dias haviam corrido desde o Natal, não conseguia acreditar que já estávamos no último do ano de dois mil e vinte e seis – acreditava menos ainda que me apresentaria numa festa de Reveillon, na frente de algumas centenas de pessoas, num bar deveras refinado.

Era melhor nem pensar – aquele pensamento me deixava suando frio, e só precisava me lembrar daquilo depois das seis horas da tarde.

"Acordada a essa hora, Izzy?" A voz que veio no momento em que acendi a luz da cozinha quase me matou de susto – a última coisa que esperava era encontrar Alice sentada em frente a mesa, numa também crise de insônia. "Você vai tocar amanhã – ou melhor, vai tocar e cantar hoje, daqui algumas poucas horas."

"Só preciso estar no bar a partir das seis, Al.", disse, enquanto colocava um pouco de água para esquentar. Nesse frio, quem sabe um chá de camomila não faria algum bem para meu sono.

Mas o chá não havia adiantado muito nas noites passadas. Os pesadelos simplesmente não iam embora, pareciam voltar mais reais a cada noite, a cada fechada de olhos, e aquilo estava começando a me aterrorizar. Todos aqueles sonhos, eu conhecia aqueles lugares, quase podia prever o que iria acontecer. Era como se já tivesse visto aquilo, vivido aquilo.

"Al?" Peguei minha xícara favorita e coloquei um saquinho de flores de camomila. "Por que você está jogando tarô a essa hora?" Notei as cartas espalhadas na mesa só quando fui para esta com minha bebida. A pergunta seguinte me tomou completamente de surpresa.

"Você já teve algum sonho que achou ser real?" Escutei no segundo em que me sentei.

Sim. Sim, toda a noite, por quase um mês agora. Com o mesmo garoto, do qual nunca consigo ver com clareza o rosto – ou ao menos me lembrar com clareza ao acordar. O meu garoto, que não era exatamente garoto – mas era meu, só meu. Me sentia possessiva em relação a um sonho, era tão, mas tão ridículo.

"Você se lembra se mamãe conhecia algum Withlock?" Mais uma pergunta que eu não esperava – Alice nunca perguntava nada de mamãe, a não ser que fosse extremamente essencial.

"Withlock?" Já tinha ouvido aquilo antes, mas de onde? Claro. "Jasper Withlock, o professor Hale? É o único que tenho conhecimento."

"Ele parecia tão familiar." A ouvi dizer, parecendo perdida nos próprios pensamentos por um instante. De repente, ela voltou a embaralhar as cartas de tarô, fazendo um monte e o cortando em dois antes de voltar a distribuí-las num círculo. "Você acha que eles vão?"

"Você quer dizer, se eu acho que Jasper vai?" Recebi um olhar fuzilador.

"Não quero que ele vá." Ela mentia claramente – sempre que minha irmã batia os dedos na mesa, sabia que queria dizer justamente o contrário do que falava, por melhor mentirosa que fosse. "Ele não se decide, Izzy! Ele me trata bem, e então me trata mal, e então fica me tratando bem outra vez, e me confunde toda! Olhe bem para aquela maldita árvore de Natal!" As cartas voltaram para o monte. "Ele não pode estragar minha noite. Ele não vai estragar a minha noite."

"Sinceramente?" Tomei um último gole do meu chá, antes de me levantar. "O que vai estragar sua noite não vai ser a presença dele, mas sim a ausência. E você sabe, Al."

Alice novamente não me deu um olhar muito contente, apesar de lá no fundo, saber que eu dizia somente a verdade. Ela estava interessada no novo professor e não conseguia negar isso, assim como eu não conseguia negar meu total interesse por seu irmão mais novo.

"E você deveria tentar dormir mais um pouco, mana, porque a noite vai ser muito, mas muito longa.", disse enquanto voltava a desligar o interruptor, rumando de volta ao meu quarto.

...

Ponto de vista de Edward

Antes dela, minhas metas de ano novo eram muito mais fáceis. O relógio batia meia noite, e enquanto eu escutava do meu quarto os três casais na parte de baixo da casa brindarem em copos de champagne vazios, aumentava o volume da música que escutava. Mais um ano. Não tire nenhuma vida humana. Proteja o segredo de sua família. Bem simples. Tinha certeza de que seria aquilo para sempre, de que nunca mudaria.

Então, naquele ano, no mesmo em que eu a conheci, as metas mudaram tão drasticamente. Aguente só mais uma hora – não vá procurá-la, ela merece ser feliz do jeito normal, do jeito humano. Deixe sua família ver que você está bem. Não vá para a Itália.

Como poderia adivinhar que não ir a Volterra seria meu maior erro? Algo pelo qual me culparia por tantos anos, que me torturaria minuto após minuto.

Qual seria a resolução para esse novo ano?

A única coisa de que tinha certeza era que ficar longe dela estava completamente fora de questão.

Edward, já chegamos. Escutar Esme foi o que me tirou de meus pensamentos.

Abri a porta de trás da Mercedes, e encarei o local onde passaríamos o Reveillon – era enorme. Bella, a minha Bella, realmente teria coragem para cantar na frente de todas aquelas pessoas? Seriam ao menos umas quinhentas, com certeza!

"Vocês têm reserva?" Uma mulher ruiva, provavelmente a hostess do lugar, nos parou na porta, uma prancheta preta em seus braços. No mesmo segundo que a jovem parou em nossa frente, me diverti com o olhar de minha mãe postiça quando esta não conseguia tirar os olhos de seu marido.

"Aqui." Tirei os ingressos que Bella havia me dado na véspera de Natal, entregando nas mãos da funcionária. "Os outros dois são para dois convidados que vão chegar um pouco mais tarde, teria algum problema em deixá-los com você?", perguntei, e a resposta positiva veio com um sorriso exagerado. "Os nomes estão atrás dos cartões." Me certifiquei que ela lera os nomes antes de agradecer, e rumei para dentro do enorme bar – que mais parecia uma casa de shows – seguido de minha família.

No momento em que abrimos a porta, e em que eu finalmente escutei a voz que ansiava ouvir desde o Natal, não existiam palavras para descrever o sentimento.

"Show me how you do that trick, the one that makes me scream he said, the one that makes me laugh he said, and threw his arms around my neck."

"Ela canta tão bem para uma humana!" Foi Esme quem disse, surpresa.

"Show me how you do it, and I promise you I promise that, I'll run away with you, I'll run away with you"

Jasper ia na frente, seus olhos nunca deixando um pontinho amarelo sozinho numa mesa em frente ao palco, enquanto os meus não conseguiam deixar o ponto azul escuro que tinha um violão nas mãos. Ela estava como sempre: simplesmente deslumbrante. Hoje, mais do que nunca, seu cheiro parecia intoxicar aquele lugar por completo, e ela ainda estava tão longe – não queria imaginar como seria quando ela estivesse ao meu lado.

Mas outra vez, quando chegamos em nossa mesa, não foi meu irmão o primeiro a falar com Alice – ele teria que superar todo aquele nervosismo, e logo. A pequena humana – tão igual a nossa irmã, tanto fisicamente quanto em seu temperamento – estava de costas, o vestido sustentado por duas finas alças deixando seus ombros a mostra. Deveria ter imaginado que ela praticamente saltaria da cadeira quando minha mão gelada fizesse contato com sua pele.

"Me desculpe.", disse, suprimindo uma risada. Mesmo de pé, ela ainda era tão baixa! Tão como nossa Alice.

Não. Ela era, ela é, nossa Alice. Assim como quem está cantando numa voz perfeita é a minha Bella.

"Ah, Edward! Vocês vieram!" Um abraço, tão caloroso.

Ele veio! Sim, eu tinha razão. Sabia no mesmo instante que aquele pensamento não se referia a mim. Eu quase sempre tenho.

"Alice, meus pais, Carlisle e Esme Cullen." Apresentei rapidamente, e me diverti com a surpresa nos olhos da baixinha ao reconhecer minha mãe – quem a achou em primeiro lugar. "E por último, quem você já conhece tão bem."

Meu Deus, por que alguém tão irritante tem que ser tão lindo? Mais uma vez tive que suprimir uma risada ao ouvir o pensamento inconformado de minha irmã.

"Olá." Foi Jasper quem estendeu a mão primeiro, a desapontando no mesmo segundo. Sério Jasper, um aperto de mão?

Logo estávamos todos sentados, meus olhos não mais desgrudando da garota de vestido azul cantando com o violão, meus ouvidos ignorando a maioria dos comentários, e dos pensamentos ao meu redor.

"You, soft and only, you, lost and lonely, you, just like heaven..."

E então ela enfim me olhou e sorriu, o sorriso mais lindo que eu já a vira dar. Era como se houvesse apenas nós dois naquele enorme salão. Aqueles olhos castanhos não seguraram o olhar em mim por muito tempo, e pude ver um rosa adorável naquelas bochechas quando eles foram outra vez para o resto da platéia, enquanto uma nova música começava.

"There are nine million bicycles in Beijing, that's a fact, it's a thing we can't deny, like the fact that I will love you till I die."

E eu continuaria a olhá-la, até o fim daquela noite, se não fosse uma voz – duas – interromperem por completo meus pensamentos.

"Edward?"

...

Ponto de vista de Bella

Ele veio, sempre soube que viria! Mas a loira maravilhosa que apareceu ao lado dele de repente me desconcentrou por completo – e tive que usar todo meu autocontrole para não errar as próximas notas, e as próximas palavras.

"There are six billion people in the world, more or less, and it makes me feel quite small, but you're the one I love the most of all."

Eu cantava para ele, aquela era a música dele, então por que Edward não podia prestar atenção em mim, ao invés de cumprimentar aquela mulher que fazia todas as outras do salão – a mim, principalmente – morrerem de inveja? Quero dizer, era injusto ser bonita daquele jeito! Por que ela tinha que abraçar justamente o único homem pelo qual me interessava naquela maldita festa?

E por que eu estava com tanto ciúmes?

Me contive para não soltar um suspiro, e fechei os olhos até quase o fim da música. Não podia ter ciúmes do que não era meu, não deveria nem mesmo ter do que tecnicamente era. Quando voltei a abri-los, a loira que antes havia visto se sentara junto de Alice – na minha mesa – ao lado de um homem grande demais, que tinha um dos braços ao redor dela. Meu alívio foi imediato, ainda mais quando notei os únicos olhos que eu queria em mim aquela noite novamente procurando os meus.

"And there are nine million bicycles in Beijing." Procurando os meus. Nos meus. Parecendo brilhar ainda mais quando meu sorriso voltou. "And you know that I will love you till I die."

Olhei mais uma vez no enorme relógio, que já marcava quase onze e meia. Mais uma música, e meu trabalho – a propósito, muito bem pago – estava acabado. Pigarreei, chamando a atenção do meu público quase desnecessariamente – a maioria dos olhos já estavam em mim – antes de começar a falar.

"A última música é um pouco velha – bem mais velha do que as outras que cantei – mas é muito especial." Olhei de relance para o pontinho amarelo um pouco emburrado, e pude notar que enquanto ela olhava para mim, um outro par de olhos amarelos não desgrudava dela. "E também é para uma pessoa especial. Para quem me deu força e me fez crescer, e me tornar tudo que sou agora: minha irmã, Alice."

Minha irmã – minha baixinha – desemburrou no mesmo segundo, abrindo um sorriso que só ela sabia sorrir. E como foi grande minha surpresa quando – do nada – a última pessoa que eu imaginaria levantou-se e tirou Alice para dançar, a deixando completamente sem jeito. Realmente, poderia começar a concordar que o rapaz pelo qual minha irmã estava totalmente apaixonada era um tanto quanto bipolar.

"Moon river, wider than a mile, I'm crossing you in style some day…"

Será que ele me tiraria para dançar depois? Teria eu a mesma sorte?

"Oh, dream maker, you heart breaker. Wherever you're goin' I'm goin' your way."

E a família dele, será que gostaria de mim? O Dr. Cullen parecia ter me aprovado, afinal, fora ele que me indicara para cantar aqui; ele não faria favores a alguém que não gostasse, faria? Mas como ele poderia realmente gostar de mim se me vira apenas duas vezes na vida?

"Two drifters, off to see the world, there's such a lot of world to see."

E como eu poderia gostar do filho dele, se eu o vira tão poucas vezes quanto?

"We're after the same rainbow's end,"

E por que eu estava tão nervosa?

"Waitin' 'round the bend,"

Outra vez os olhos amarelos, os únicos que eu queria em mim. E então a calma, que quase sempre os acompanhava.

"My huckleberry friend…"

Ele me olhava como se estivesse orgulhoso de mim. Como... Era impossível descrever. Havia tantas coisas naquele par de olhos. Será que os meus também revelavam assim todos os meus sentimentos?

Mais uma vez fechei meus olhos. Não sei se podia me atrever a pensar assim, por ser tão impossível por parte dele sentir aquilo por mim.

"Moon river…"

Mas por alguns segundos, e eu tinha tanta certeza do que vira...

"And me."

Aqueles olhos amarelos, que não desviavam de mim, mostravam puro amor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Além de uma vida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.