Vida após a Morte escrita por Caty Bolton


Capítulo 6
Sim, o capitalismo chegou até aqui




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/752891/chapter/6

Nos dias que se seguiram ao pequeno erro de Pip, Damien esteve mais presente dentro da própria casa e ficou menos tempo trancado dentro do quarto. Consequentemente lhe vigiando como disse que faria no episódio do dragão. Se o loiro pudesse ser honesto, essa não era o tipo de atenção que gostaria de receber.

Se sentia um fardo para o anticristo e, por mais que soubesse que não deveria se preocupar com isso, que a culpa era dele por ambos estarem naquela situação, não conseguia evitar. 

Às vezes Damien sentava ao seu lado no sofá e roubava o controle remoto da televisão, sem falar uma palavra, enquanto Phillip o olhava com confusão. Sempre ficava aquele clima esquisito, especialmente quando Kenny não estava presente para soltar algumas piadinhas infames. 

A interação entre eles era basicamente a mesma, em todas as vezes:

"O que você tá olhando?" Damien perguntava quando notava que estava olhando na direção dele por tempo demais "Nada" Pip respondia nervosamente, enquanto pensava em alguma desculpa "Você poderia me devolver o controle, Damien?"

O olhar desdenhoso e o jeito que o garoto-demônio falava "não" incomodava o loiro mais do que gostaria de admitir.

Pip? 

Kenny havia morrido atropelado, um clássico, como ele mesmo falava, e agora ocupava o assento no meio do sofá de três lugares. Pip sentava à esquerda dele enquanto Damien estava à direita, quieto como sempre.

Não havia percebido antes que o americano lhe chamava, mas logo tratou de prestar atenção:

— Sim?

— Você quer sair ou não-?

A súbita explosão de Damien não lhe deu margem para responder Kenneth:

Eu não concordei com isso!

— Qual é, cara — Kenny resmungo. — tá chato aqui, a gente bem que podia sair um pouco. Eu soube que abriu um McDonalds aqui no Inferno, é verdade?

— Sim, o capitalismo chegou até aqui. Vocês humanos não conseguem viver sem serem escravos de algo. — A escolha de palavras e toda a reflexão foi curiosa, para dizer o mínimo. — E não, nós não vamos sair.

— Eu e o Pip vamos, não é, cara!? 

Os dois estavam seriamente discutindo por isso? Observou Damien negar mais uma vez, obviamente zangado com o loiro mais alto, enquanto Kenny parecia apenas estar se divertindo:

— Você precisa ficar de olho nele, certo? Ninguém vai chegar perto do Pip se tu também vier!

Não.

— Satã não vai ficar nada feliz quando souber que você deixou o Pip sair pelas terras perigosas do mundo inferior sozinho…

O anticristo soltou um som parecido com um rosnado, impaciente. 

— Mas ele não vai sair.

O sorriso de Kenneth McCormick parecia dizer exatamente o contrário. Phillip não estava esperando que ele agarrasse a sua mão e saísse correndo para fora de casa, como se, ironicamente, sua vida dependesse disso... O que fazia um contraste engraçado com o modo que ele sorria, que deixou o britânico com vontade de sorrir, também.

Escutou Damien gritar alguma coisa, certamente um xingamento, mas não teve certeza. Em outra ocasião, se não estivesse correndo também, diria que havia sido arrastado por Kenny. 

Mas a verdade era que ficaria doente se ficasse trancado naquela sala de estar. Era bom sair da rotina, mesmo que fosse assim.

Quando já estavam perto do lago de lava o outro loiro largou a sua mão e apoiou as mãos nos joelhos para respirar fundo, cansado. Foi apenas o tempo para Damien chegar lá, parecendo mais zangado que o seu estado habitual. 

Mas nada disso pareceu intimidar Kenny, que gargalhou ao ver o estado do moreno. 

— Mas que merda você pensa que tá fazendo, McCormick!? — O anticristo avançou e segurou a gola do casaco dele com uma mão, mas a diferença de altura tornava a cena quase cômica. — Eu não tô com paciência para as suas brincadeiras hoje!

— Você nunca tem paciência para nada. — Kenny zombou enquanto se livrava das mãos do mais baixo. — A gente já tá aqui fora mesmo, o que custa andar  mais um pouco?

— Acho que seria divertido se nós fossemos até lá, companheiros.

Pip se pronunciou pela primeira vez em muito tempo e os dois garotos viraram o rosto na sua direção. Damien com aquela cara fechada como de costume e Kenny sorrindo. 

[...]

O McDonalds era praticamente igual aos muitos que Pip já tinha visto quando estava vivo, mas quando ele, Damien e Kenny pegaram os hambúrgueres, o loiro pensou em um detalhe muito particular

Eles estavam em uma mesa perto da janela, com uma visão privilegiada da paisagem infernal, mas o inglês só conseguia olhar para o sanduíche com algo que lembrava curiosidade, subitamente sem vontade de comer.

Damien

O anticristo resmungou uma monossílaba "hm?" sem olhar na sua direção, mas sim para a janela, enquanto o outro loiro na mesa já se deliciava com o Big Mac.

— Eu não sabia que tinham vacas no inferno.

— E não tem. — Ele deu um sorrisinho e olhou nos seus olhos. — Não tem animais aqui, não os tradicionais.

Phillip ainda não estava acostumado a ter tantas reações de quando estava vivo agora que tinha morrido, era esquisito, mas como estava no Inferno era justificável. Sentiu algo revirar no estômago quando voltou os olhos para o hambúrguer, tentando imaginar o que aquilo significava. 

Enquanto isso, Kenny pareceu não se importar. 

— Você pensa demais. — Damien revirou os olhos, roubando indiscretamente uma das suas batatas fritas. De qualquer forma ele que havia pago a comida de todos. — É carne de dragão, como aquele que quase pisou em você, lembra?

— Um dragão já pisou em você!? — Kenny subitamente ficou interessado na conversa, provavelmente porque o sanduíche dele havia terminado. — Jesus, Pip, eu esperava isso de qualquer um, menos você…!

— Eu não sabia nem que existiam dragões-!

— Ah, esse tipo de coisa já tá no histórico dele — Quando o anticristo lhe interrompeu, pareceu ser de propósito. Também falando como se o britânico não estivesse presente. — O Pip já te falou como morreu? 

Na verdade não… 

— Naquele ataque da Mecha-StreisandComo Damien sabe disso? — Ele pediu para que ela parasse de destruir a cidade e não foi muito convincente. 

— Sério? — O americano olhou na sua direção. — Isso também é bem idiota, Pip.

Apenas encolheu os ombros, sem saber bem o que dizer, pois estranhamente não se importava com a situação. O que exatamente Damien esperava ao falar sobre isso? Como ele sabia disso? Pip não lembrava de ter falado nada…

Existiam alguns detalhes que Damien não falou para Pip, pois seria esquisito demais falar sobre isso. Sobre como o anticristo, eventualmente, aparecia em South Park ver como o loiro estava, mas nunca falar diretamente com ele. Fez isso algumas poucas vezes durante o resto da vida dele, apenas para garantir que estava tudo bem, mas sem nenhuma razão aparente.

Ao menos não saberia explicar se alguém perguntasse, mas isso jamais aconteceria.

Então, no final dos três meses que ficou ocupado demais para aparecer naquela cidade gelada, quando chegou lá descobriu que o francês tinha morrido. O que estaria tudo bem se ele tivesse ido direto para o céu, realmente estaria, era isso que Damien esperava desde o começo. Mas não, encontrou ele perdido pelo limbo.

Imediatamente foi falar com o loiro, tira-lo de lá, sem esperar que a culpa disso fosse sua. Não se sentiu particularmente culpado ou mal sobre isso, apenas surpreso, no máximo.

Sabia que se Deus realmente quisesse, poderia ter resolvido toda aquela situação antes mesmo dela começar, o garoto-demônio odiava admitir isso, mas enquanto Pip estava na Terra Ele poderia ter feito qualquer coisa que quisesse, alterado o destino do modo que achasse melhor, como fazia a porra do tempo inteiro sem que ninguém notasse. Ninguém, menos Damien.

Se fosse ser honesto, aquilo tinha cara de ser obra Dele, também.

De qualquer forma, isso não era algo que iria falar para o loiro, por causa disse apenas colocava uma carranca no rosto e mantinha todos esses questionamentos para si mesmo. Pensando que seu pai resolveria a situação e logo tudo voltaria ao normal

Mas o tempo – ou o que sentia ser o tempo – passou e passou e Pip continuou no Inferno.

Em e, em algum momento, Damien acostumou-se com a presença dele. Mesmo que fosse difícil explicar quando e como isso aconteceu, apesar de ele ser um francês – e Damien saber que ele não era – não era assim tão ruim quando poderia ser, nem tão irritante.

Quando o anticristo se pegou aceitando participar de um chá da tarde inglês, sentiu que estava no fundo do poço.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vida após a Morte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.