Vida após a Morte escrita por Caty Bolton


Capítulo 4
Por acidente? Isso é... bem idiota, para falar a verdade.


Notas iniciais do capítulo

Esse acabou saindo mais cedo até do que eu estava esperando!

Boa leitura o/



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/752891/chapter/4

Pip só foi entender bem as palavras de Damien quando leu os papéis, documentos, da pasta que ele tinha lhe entregado. Haviam algumas almas mandadas para a Terra que tinham um potencial singular se comparadas com a maioria das pessoas, um potencial divino, que tinham o seu destino em morte já determinado antes do nascimento para serem recrutadas para o exército celestial e treinados para a futura luta contra o mal, no fim dos tempos.

Deus era o responsável por criar todas as almas que andam na Terra e, no fim das contas, o livre arbítrio nunca, em toda história da humanidade, algum dia foi algo real. Curiosamente, no seu caso, aquilo não significava nada além de um destino glorioso pelo qual agora o loiro ansiava.

De volta ao seu ponto de partida no Inferno, a casa de Satanás, mas dessa vez deixado sozinho pelo próprio Damien, Pip olhava aqueles papéis que, supostamente, deveriam ter sido o seu destino no pós-vida. Um anjo, uma espada flamejante, um exército. Ele deveria estar lutando ao lado de tudo que acreditou quando estava vivo, contra o reino das trevas em que estava naquele exato momento, por uma condenação injusta.

 Informações demais para processar em um tempo tão curto.

Quando Satã apareceu, Damien estava com ele e escutava um monte de repreensões do pai. O garoto-demônio estava emburrado, mas também quieto, deixando o grande demônio vermelho falar o quanto quisesse sem interrompê-lo.

Existem regras, Damien! Eu sei que você não se importa com elas, claramente, mas deveria começar! — O Diabo estava no meio de um sermão quando abriu a porta, mas parou assim que viu Pip sentado no sofá, com aqueles documentos em mãos. — Phillip, pelos sete infernos, eu estava tão preocupado!

Era estranho escutar que alguém se preocupava consigo, especialmente o Príncipe das Trevas, mas empurrou esse pensamento para o fundo da sua mente e tratou de responder polidamente:

— Eu estou bem, senhor, obrigado por se preocupar.

— Eu sei que está tudo uma bagunça — Satanás continuou, ele parecia realmente estressado com a situação. — Mas nós estamos trabalhando para resolver isso, não é, Damien!?

O garoto de preto rosnou uma resposta quase indecifrável, mas balançou positivamente a cabeça, claramente não satisfeito em concordar com aquilo. Os olhos de Damien e Phillip se encontraram por um instante, mas o loiro rapidamente tratou de olhar para outra direção, nervosamente. Então levantou-se do sofá para, educadamente, agradecer a Satã mais uma vez:

— Eu realmente aprecio a sua preocupação, senhor, — Sorriu polidamente e foi retribuído. — mas eu gostaria de saber se eu poderia ficar no abrigo-?

— Não, não mesmo! — Satanás soou mais preocupado do que qualquer outra coisa, então olhou para o filho, novamente. — Você está aqui, mas a sua alma ainda está destinada ao Paraíso, mesmo com a maldição. Parece algum tipo de milagre que nenhum demônio tenha te achado antes de Damien, Phillip.

O anticristo revirou os olhos dramaticamente e, finalmente, falou pela primeira vez desde chegou ali, como sempre soando sem muita paciência:

— Nenhum demônio iria achar ele, Pai! Você não permite demônios lá, lembra?

— Não é tão simples e você sabe disso, Damien. — O grande demônio vermelho também não parecia ter muita paciência sobrando, como se já tivesse explicado aquilo um milhão de vezes antes. — Você nos colocou nessa situação, e você vai cuidar dele enquanto eu vou achar um jeito de resolver o que você fez de errado!

— Eu não vou ser a babá desse francês

Damien praticamente gritou, agora mais zangado que antes, bateu o pé no chão e Pip jurou ver um tipo de onda de fogo saindo dele. Encarou o anticristo, especialmente mais indignado que antes por causa do que havia sido chamado. 

Pelo amor de Deus, até mesmo na morte as pessoas continuariam lhe chamando de francês!?

Não teve a chance de reclamar ou corrigir aquele erro, já que Satanás e seu filho não paravam de discutir e o loiro sentiu-se, mais uma vez, desconfortável por estar no meio de uma briga de família. Voltou para o sofá, conformado que outras pessoas estavam decidindo o que deveria fazer e para onde deveria ir, mas segurou aquelas folhas que falavam sobre o que estava destinado a ser com um sentimento estranho balançado o seu peito. Por que as coisas, as vezes, só para variar, não podiam dar certo para Phillip?

Por que tinha perdido tudo simplesmente por uma birra de outra pessoa? Aquilo não era justo. 

Ouviu de cabeça abaixada Satã dar uma última ordem para Damien, uma lição de moral sobre pensar no que os seus atos poderiam causar porque ele era o anticristo e futuramente teria muito mais responsabilidades do que sequer poderia imaginar agora. O garoto não pareceu levar nada a sério, mas continuou mal-humorado.

— Não tem “mas” nada, Damien! Essa situação foi um erro seu!

O garoto demônio soltou um rosnado entre os dentes, parecendo realmente um tipo de animal selvagem:

——Tá, tanto faz, caralho!

— Olha o vocabulário! — O Príncipe das Trevas repreendeu-o pela terceira ou quarta vez, mas parecendo cansado em como não estava sendo levado a sério. — Se você continuar com esse comportamento, eu vou te proibir de passear no mundo mortal!

— Isso não é justo! — O anticristo retrucou, zangado, com as mãos em punhos rentes ao corpo, com aquelas chamas ameaçando crescer e crescer. — Por que você só não deixa o francês aqui!? Ninguém vai mexer com ele!

Pip gemeu de frustração, mais uma vez aquela história inexplicável sobre ser francês...

— Me obedeça, ou você não vai mais para a Terra!

Damien agarrou um jarro bonito de flores em uma mesa perto de Pip e jogou na parede, frustrado e aparentemente irado, descontando a sua raiva no objeto que não tinha feito nada antes de marchar para um outro cômodo da casa.

Bem, parece que alguém tem alguns problemas sobre controlar emoções...

— Desculpe por isso, Phillip. — Satã ainda estava olhando para onde o filho tinha ido e então, logo em seguido, alguém bateu uma porta muito forte. — O Damien é só...

— Ele é um pouco intenso, não é? 

Ousou falar e viu Satanás soltar um riso baixo enquanto balançava a cabeça negativamente. Ele andou, com aqueles cascos animalescos fazendo barulho na pedra, até a porta para sair da casa, mas antes falou para o loiro:

— Fique à vontade, tudo bem? Eu vou resolver esse problema o mais rápido que eu puder.

Aquilo arrancou um sorriso tímido, aliviado, de Pip:

— Obrigado, senhor. 

Então os dias com Damien foram... interessantes, se puder usar um pouco de pleonasmo.

Ele, nem por um instante, deixou de ser aquele garoto arisco que mais lembrava algum bicho que não teve contato com qualquer outra pessoa, irritado e cheio de olhares feios para Pip. As vezes ele saia de casa e deixava o loiro sozinho, que só não saia para fazer qualquer outra coisa porque sempre lembrava das palavras de Satã sobre como os outros demônios não eram assim, tão conscientes quantos ele e o filho.

Phillip não estava particularmente curioso para descobrir o que aquilo significava.

A casa era confortável, o loiro dormia em uma cama confortável no quarto de hóspedes e Satã tinha lhe emprestado gentilmente alguns livros para ocupar a mente, assim como também tinha permissão de usar a televisão. E haviam todos os canais da Terra, literalmente todos, disponíveis. O que era uma benção – ironicamente – e uma maldição ao mesmo tempo, já que no fim acabava por não assistir nada. 

Não soube dizer quanto tempo se passou até que visse um rosto diferente. Nessa hora estava na sala, com um livro em mãos porque já havia desistir, de novo, da televisão, quando o garoto loiro apareceu abrindo a porta da casa tranquilamente e Pip o reconheceu na hora:

— Kenneth?

Kenny estava com o capuz laranja abaixado e inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, parecendo estar genuinamente confuso, mas fechou a porta atrás e caminhou para perto:

— Você não me é estranho- Espera! — Exclamou um pouco alto demais. — Pip!? O que diabos tu tá fazendo aqui!?

Forçou um sorriso de pura educação, não gostava do loiro americano. Não gostava de ninguém do grupo dele, se fosse honesto:

— Bem, obviamente, eu estou morto. — Marcou a página com a tira de tecido e fechou o livro. — Sinto muito por você, também.

— Não sinta. — Ele encolheu os ombros e se sentou, como se estivesse em casa, no sofá do lado do britânico. — Eu morro pelo menos toda semana, mas não sabia que você tinha morrido.

Primeiro, Pip não tinha ficado particularmente surpreso por ninguém se lembrar dele, mesmo que fosse o alvo mais frequente de bullying em todo o colégio, sabia que ninguém iria se importar se morresse, afinal, era odiado por todos. Segundo...

— Você morre toda semana? 

Iria se lembrar se algo assim acontecesse, não iria?

— Praticamente. — Ele bocejou e tomou o controle remoto para ligar a televisão, só aceitando a situação toda rápido demais. — Você sabe se o Damien tá por aqui? 

— Eu não o vi o dia todo... Você conhece o Damien?

— Quando eu morro, é divertido encher o saco dele um pouco. — Ele sorriu despreocupadamente e Phillip observou melhor como havia um dente meio quebrado na boca dele. — Satã proibiu ele de me fazer mal, então é praticamente uma carta branca.

Não era difícil acreditar nisso e britânico murmurou um entendi antes de se virar para a televisão, mas no mesmo instante Kenny começou a mudar de canal incansavelmente. O silêncio durou menos tempo do que Pip gostaria, também:

— Mas o que tu tá fazendo aqui? — O loiro mais alto questionou e soava verdadeiramente curioso. — No Inferno, no caso.

— Bem, companheiro, isso é uma longa história...  — Não pensou que Kenneth iria continuar com os olhos fixos no seu rosto, esperando, por isso tratou de continuar. — Lembra da festa de aniversário que o Damien estava na cidade?

Kenny fez uma careta amarga e murmurou algo sobre ornitorrincos que Pip não entendeu, mas também respondeu um sim simplista. 

— E dos fogos de artifício que ele fez para entrar na festa...? 

Nesse momento a expressão outro loiro mudou completamente e ele gargalhou:

— Claro que eu lembro, foi foda demais! — Ele subitamente se calou e olhou para Phillip por dois segundos. — Desculpe...?

Era a primeira vez que alguém lhe pedia desculpas depois de ser cruel, mas, estranhamente, Pip não sentiu nada demais com isso. Só revirou os olhos, mas, como sempre, se obrigou a falar educadamente:

— Não tem problema, Kenneth. — Tossiu para limpar a garganta. — Então, nessa ocasião, o Damien me amaldiçoou por acidente.

Por acidente? Isso é... — Kenny coçou a parte de trás da cabeça, parecendo procurar palavras. — bem idiota, pra falar a verdade.

Sim, pensou e mantéu isso para si mesmo. Os dois não tiveram tempo de conversar sobre mais nada quando o próprio Damien entrou e encarou ambos, com as sobrancelhas franzidas e o mal humor de sempre, então soltou um grunhido descontente ao mesmo tempo que o americano se levantou do sofá para chegar perto do garoto demônio. Ele, Kenny, também era mais alto.

— O que você tá fazendo aqui, McCormick?

A impessoalidade de Damien realmente contrastava com o sorriso casual, brincalhão, de Kenny.

— Cara, eu não acredito que tu amaldiçoou o Pip sem querer! — Havia um sorriso provocativo enfeitando a face dele, junto de um olhar afiado. — Pensei que o anticristo sempre soubesse o que tá fazendo...! 

— Vai se foder, McCormick.

Então surgiu uma malícia estranha naquele sorriso.

Então vem me foder.

O anticristo empurrou grosseiramente Kenneth, que gargalhou alto, para o lado e entrou... Fazendo exatamente como das outras vezes e ignorando Phillip completamente para se trancar no próprio quarto. Era quase um alívio que eles não tivessem a obrigação de socializar, Damien era só... grosseiro demais, até para o que o loiro tinha que suportar enquanto estava vivo.

— Ele tá mais chato que o normal, eu hein... — E voltou para o lado de Pip, no sofá, assim como também pegou o controle de volta. — Então Pip, tu quer assistir alguma coisa?

Nem tão estranhamente assim, companhia de Kenny se provou infinitamente mais agradável. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vida após a Morte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.