Contexto da one:

Essa one se passa uns dois anos após a formatura das meninas e os dois já estão há sete anos, sendo dois de casados.

A banda do Lysandre, Dinnie, Júlio e o povinho, gravou um EP, como foi dito na one Admiração que eles estavam gravando, e conseguiram um sucesso considerável no meio underground. Então, finalmente eles arranjaram verba e estão gravando o primeiro CD deles. Agora, ‘bora pra one com muita música!

***

Estendi a toalha sobre o chão da varanda e coloquei os travesseiros em cima. Do lado, as taças, a garrafa de suco e o prato com uvas, bem arrumadinho. Depois, fui até a mesinha e conectei o cabo USB no celular e depois na caixinha de som.

Volume okay, comida okay, bebida okay, eu okay. Só faltava o Lys, que estava quase chegando em casa.

Sentei na toalha e enchi uma das taças com o suco de uva. Apreciei o gosto, enquanto admirava a música que tocava.

“Regresa a mi

Quiéreme otra vez

Borra el dolor

Que al irte me dio

Cuando te separaste de mí

Dime que si

Yo no quero llorar”

Sorri, imaginando a surpresa que o Lys ia ter quando voltasse do estúdio. Ah sim, a gravação do CD estava na reta final. Tudo o que precisava já fora gravado, agora era a hora da produção e mixagem, uma parte fundamental. O coitado estava ficando até tarde no estúdio, junto de mais um dos integrantes e do produtor.

Suspirei, pensando em como ele voltaria cansado, de novo. E no dia seguinte ainda teria que acordar cedo pra trabalhar no conservatório. É, vida de adulto não é fácil não.

Me deitei e encostei a cabeça no travesseiro, deixando meus cabelos se espalharem ao meu redor. Coloquei a taça de lado e peguei uma das uvas. Sem sementes, ainda bem.

“No puedo más

Si tu no estas

Tiene que llegar”

Prestei atenção na letra e ri, pensando no que o Lys acharia dessa música seduzência. Ele sempre ficava com aquela cara estranha quando eu colocava algo assim pra ouvir...

Ouvi um barulho de porta abrir e passos no apartamento. Ele chegou. Lysandre entrou chamando por mim. Fiquei quieta, porém, deixando que ele seguisse a música e me encontrasse na varanda.

— O que você está fazendo? — Voltei os olhos pra cima e o vi aparecer na porta. Terminou-a de abrir e entrou.

— Ué, isso aí que você tá vendo. — Mostrei com a mão tudo o que eu havia preparado e cai na risada. — Desculpa, eu entendi o que você falou. — Ele ergueu as sobrancelhas e eu segurei o riso. — Senta aqui. — Dei uma batidinha no lugar vago ao meu lado.

Acompanhei com os olhos Lys se aproximar e se sentar ao meu lado. Peguei a outra taça e enchi com o suco.

— Você está bebendo vinho? — Lysandre perguntou espantando e eu entreguei a outra taça a ele.

— Não, suco de uva. — Peguei a garrafa e mostrei o rótulo pra ele. — Diretamente do mercadinho da esquina. Safra desse ano, eu acho... — Coloquei a garrafa de volta no lugar e ele riu.

— E por que você resolveu beber... Suco de uva? — Olhou de canto pra mim, que estava tomando da minha taça e fui obrigada a segurar o riso, pra não engasgar. — Na varanda.

— Hum. — Terminei de tomar e fui colocar mais suco pra mim. — Não vai nem me dar boa noite nem nada primeiro? — soltei, falsamente indignada.

De repente, senti seus braços na minha cintura e quase derrubei suco pra fora da taça. Lysandre me deu um beijo no pescoço e eu arrepiei com o contato.

— Desculpe — pediu em um sussurro ao pé do ouvido. — Boa noite, my dear — soltou esse apelido que eu costumava usar com ele, bem baixinho, antes de dar outro beijo no meu pescoço e ir subindo em uma linha por ali na diagonal. Eu apenas ri. Gostava quando ele fazia isso.

— Eu apenas pedi um boa noite, não precisava ser tão galante assim — brinquei e virei o rosto de perfil, olhando para ele. Estava claramente cansado. Ergui uma mão e passei pelos seus cabelos. — Boa noite, Sweetie — desejei sorrindo e me aproximei mais em um beijo, com gosto de uva.

“Just a kiss on your lips in the moonlight

[...]

Be the one Ive been waiting for my whole life

So, baby, I’m alright

With just a kiss goodnight”

Agucei um pouco os sentidos aos sons em volta e percebi que música estava tocando. Ri entre seus lábios. Lys parou o beijo e me olhou com um sorriso.

— O que foi? — perguntou curioso e eu toquei em seu peito, para que ele deitasse na toalha. Lysandre encostou a cabeça em um dos travesseiros e eu apoiei a minha sobre o seu peito. — Ao que parece, você resolveu fazer algo bem elaborado — brincou, tirando um sorriso meu.

— Acho que alguém merece, né não? — soltei, passando meus dedos pelo seu rosto, em um gesto de carinho. — Você tem trabalhado muito ultimamente. Queria que relaxasse um pouco. — Ele ia falar algo, porém eu levei meu dedo até seus lábios. — Não, só descansa, pelo menos essa noite, Lys. — Fiz meu olhar de gato de botas e consegui um sorriso de canto dele. Lysandre se ergueu um pouco e deu um beijo na minha testa. Fechei os olhos com o gesto.

— Agradeço por isso. — E mexeu com a cabeça, indicando a toalha. Sorri e me acomodei mais próxima a ele, agora na curva de seu pescoço. — Estamos quase na reta final da mixagem e produção. Mais um pouco e estarei menos atarefado. — Lys aproveitou e levou a mão até os meus cabelos, brincando com os fios.

— Ainda bem — soltei em um suspiro. — Fico preocupada com você trabalhando tanto, sabe? — Me ergui um pouco, para voltar meu olhar para o seu. — Vai que você tem um burnout de tanto trabalhar ou sei lá...

— Não... — Ia começar, porém eu suspirei, interrompendo-o.

— Sei que você vai dizer que não vai ter isso, que se cuida e tudo mais — disse quase como uma bronca, mas estava com um olhar preocupado. — Mas eu me preocupo. Fico preocupada de te ver chegar todo dia tão cansado, se você tem se alimentado direito, se não está estressado demais... — deixei a frase no ar, como um desabafo. O encarei com um bico. — Você já jantou hoje?

— Comi algo no estúdio, junto do produtor e do Júlio. — Continuei o encarando com um bico. — Ester, a produção está quase no fim...

— Eu sei — respondi de volta. — É só preocupação minha, só isso. — E voltei a deitar a cabeça sobre seu peito. — Quer uva? — Tentei mudar de assunto e me levantei, pra pegar o prato que estava do outro lado.

Deixei-o entre nós e voltei a me deitar.

— Abre a boca — pedi e Lys riu, porém o fez. Fui tirando algumas uvas do cacho e dando-as em sua boca. Comecei a rir. — Se o senhor ficar andando por aí sem comer, vou ser obrigada a fazer isso sempre.

Lysandre engoliu uma das uvas antes de responder:

— Eu não reclamaria... — Veio com essa e eu dei um tapinha nele, antes de pegar outra uva, porém, ele a tomou da minha mão.

— Ei!

— Abra a boca — pediu com um sorriso e eu ergui uma sobrancelha, como se dissesse “sério?”. — Você também merece privilégios.

— Privilégios... — repeti a palavra de forma engraçada, mas fiz o que ele pediu.

No fim, ficamos os dois nisso, até que o cacho ficou vazio e as uvas acabaram.

— Da próxima vez eu vou comprar mais — reclamei e joguei o negócio de volta no prato. Deixei de fora da toalha e me deitei novamente.

“What are you afraid of?

I know that you are

Keep it in your sights now

And don’t let it go far”

— Essa música? — Lysanre soltou pensativo e eu o encarei intrigada.

— O que tem ela? — Me aproximei e voltei a posição em que estava antes, perto da curva de seu pescoço.

— Eu a mostrei para você, anos atrás...

— Ué — interrompi a fala dele. — Como assim você se lembra disso, mas não de onde deixou as suas coisas? — É, isso é uma coisa que eu não entendo. Lys não se lembrava do que comeu no café, porém se recordava de coisas que ocorreram anos atrás. Talvez ele fosse bom com memórias afetivas?

Mesmo com tanto tempos juntos, certos detalhes entre nós eram descobertos a cada dia. Desde coisas pequenas, como o fato de ele sempre limpar os pés antes de entrar em casa e largar o casaco na cama, quando voltava do trabalho, até coisas maiores, como não gostar de sobremesas doces demais e preferir algo mais cítrico.

— Alguns fatos ficam marcados — soltou essa, meio misterioso e eu sorri fraco.

— É, isso eu tenho que concordar... — Olhei pra ele e parei pra pensar um pouco. — Peraí, vou escolher outra da playlist.

Me levantei e fui até o meu celular. Liguei a tela e comecei a mexer na playlist, clicando na música que queria. Um piano começou a tocar e eu voltei ao meu lugar, de novo. Encostei a cabeça no travesseiro e coloquei as mãos unidas sobre a barriga, com um sorriso, só esperando pela reação dele.

“Sudenly life has no meaning...”

— Essa foi do fundo do baú — comentei divertida.

— And you shine inside and love stills my mind — Lysandre começou a cantar e eu olhei para ele, que estava com o rosto apoiado no braço, me encarando.

— Dreaming light of the sunrise — terminei o verso e me aproximei dele, o puxando para um beijo, enquanto a música rolava.

Ele se deitou de volta na toalha e me puxou junto, enquanto continuávamos com aquele beijo. Mesmo cansado, exausto, Lysandre nunca deixava de ser doce e calmo em seu beijo. Tanto que eu poderia ficar ali por horas...

Ele parou o beijo e eu estranhei.

— Celular — disse, antes de pegar o aparelho do bolso e atender.

Voltei a deitar no travesseiro, enquanto esperava ele conversar.

— Então poderemos adiantar a data de lançamento? Certo. — Olhei pra ele, já sabendo do que se tratava.

Mais um pouco e ele terminou a ligação, guardando o celular de volta no bolso. Me aproximei dele novamente e o fitei. Lys entendeu o que eu queria perguntar:

— O CD foi finalizado, a mixagem está pronta. Vinicius, o produtor, resolveu ficar até mais tarde e conseguiram terminar. — Do nada eu o abracei, enquanto quase gritava um “aeee”.

No fim, ele riu e eu também.

— Acho que o próximo CD que vai estar tocando ali vai ser o seu.

“I feel you, but I don’t really know you

I dreamed of you from the moment I saw you

And I’ve seen the sunrise in your eyes”

— Então você deseja repetir essa noite? — perguntou, voltando a correr os dedos pelo meu cabelo.

— Por que não? — questionei, olhando-o com um sorriso de lado.

— Me lembre de comprar mais uvas no mercadinho da esquina — respondeu essa e eu ri alto.

— Não esquece do suco também. Safra desse ano — apontei, pra que ele não esquecesse.

— Não me esquecerei — ele entrou na brincadeira e eu ri.

No fim, resolvemos terminar de tomar a garrafa de suco, enquanto as músicas corriam soltas na caixinha de som.

Da próxima vez, era melhor comprar uma garrafa maior...