Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 30
Capítulo 30. Mahoutokoro


Notas iniciais do capítulo

Voltei, minhas anjas!

Tem alguém aqui ainda? Provavelmente não, demorei bastante dessa vez, mas eu posto pela minha responsabilidade social (que?), enfim, vamos recapitular um pouquinho:

— Aidan tá com duas versões, uma com a Yakuza e a outra frequentando Mahotokoro;
— Um dos Aidan está interessado em investigar um pouco mais sobre o artefato que causou toda a quebra temporal e a aparição de uma segunda versão, o sonuit;
— Como o destino decidiu que dois Aidans é o que precisamos, os moleques resolveram que vão se fundir, para resolver seus B.O.
— Estão contando com a ajuda de um filhote da máfia, uma corvinal pouco querida, uma chinesa fofinha e um sonserino que não vale um nuque furado;
— Dood, o Aidan da Yakuza, andou fazendo uns trabalhinhos sinistros, então, no capítulo de hoje, vai receber a ajuda que merece para solucionar seus problemas.

Então...

Os Aidans que lutem.



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Apartamento dos Shinoda, sede da Yakuza, Kyoto, Japão, 22 de novembro de 2021

Aidan estava exausto.

Era mais cansaço mental do que físico, mas sua mãe costumava dizer que esses eram os piores mesmo, pareciam pesar o dobro e te deixam com uma sensação de que o mundo todo está correndo muito rápido e tudo que você gostaria era de um tempo para sentar sozinho, quieto.

Parado.

O lufa-lufa fez uma careta para o pensamento melancólico, aquilo não era um comportamento típico seu, então entrou no apartamento de Kurai e foi direto para a cozinha, fazer um sanduíche com os restos de comida que tinham na geladeira, para ver se isso animava seu espírito depois de uma missão com a Yakuza.

Havia um Yakissoba velho, e por mais bizarro que parecesse à primeira vista, os japoneses colocavam pratos como esse dentro do sando, um pão branquinho, macio e sem crosta e depois comiam sem nem pensar duas vezes, frio mesmo.

Eles vendiam o Yakissoba Pan até na mais simples konbine, a loja de conveniência que você encontrava de um tudo e que Akira estava visitando para aumentar o seu portfólio de coisas para vender na internet quando voltasse para casa.

Aidan sorriu ao lembrar das esquisitices do irmão. Terminou o sanduíche, que nem tinha demorado tanto assim para comer, então ainda teria um tempinho para si antes dos amigos chegarem para testar a opala, que iriam usar no tal ritual de fusão que supostamente resolveria todos os seus problemas.

Sorriu de novo ao pensar na palavra fusão, cheia de referências nos quadrinhos e animes, mas depois ficou frustrado com sua idiotice, porque não era tão legal se era a sua vida que estava sendo arriscada e se não tinha a segurança de um mundo absurdo como os da ficção como cenário para suas aventuras.

Aqui as chances de tudo dar errado eram reais, além de enormes, infelizmente.

Mas, para além dos riscos, Aidan achava que a resposta deveria estar mesmo no sonuit, o causador de toda aquela confusão e que precisavam focar em entender porque o artefato havia transformado um feitiço simples e corriqueiro de um livro, em algo que desafiava as leis da magia que sustentavam o mundo!

Ark continuava a se defender, dizendo que não tinha feito nada de errado, assim como não havia feito nada demais no dia do peru carbonizado, mas o sonuit - que ele agora usava tão livremente - novamente transformou tudo em uma bagunça de proporções épicas!

Dood precisava falar com alguém que realmente entendesse esse negócio, antes dele causar ainda mais problemas na vida de todo mundo!

— É uma boa linha de raciocínio, se quer saber. — Aidan pulou do banquinho do balcão ao ouvir uma voz soar atrás de si. Era suposto que ele estivesse sozinho no apartamento! — Momentos de solidão nos rendem as melhores reflexões.

Se virou completamente para ver a figura que estava sentada no sofá da sala, com uma perna cruzada sobre a outra, em uma pose aristocrática. Ok, esse cara era familiar, embora Aidan não soubesse muito bem quem era a moç... Bem, pessoa, em pé, ao seu lado.

— Você é Erick Fábregas, o tio de Cesc e Louise. — O garoto falou como uma afirmação, mas no fim das contas tinha um pedido por confirmação em algum lugar, então o bruxo de olhos quase amarelos sorriu para o palpite.

— Um título tão honorífico quanto o seu aqui no Japão, mas ainda assim correto o suficiente e com sua devida carga de responsabilidades. — O sumério falou com calma, depois fez um gesto para o garoto britânico assustado se sentar à sua frente. — Por favor, senhor Hataya, sente-se comigo, precisamos conversar.

— Como passaram pela segurança? — O garoto perguntou desconfiado, porque não sabia dos detalhes da história do djinn, mas lembrava de Cesc e John dizerem que o cara era muito perigoso.

— Somos seres mágicos. — Ele disse com simplicidade, depois resolveu que deveria acrescentar algo, para não parecer tão arrogante e purista, atestando sua superioridade ante o sistema de segurança trouxa. — Cada um de nós foi treinado para ver os perigos que nos são familiares: eu, por exemplo, sou quase tão vulnerável a um projétil de uma arma de fogo, quanto os seus amigos trouxas são vulneráveis aos meus feitiços.

Aidan sabia que era mentira, mas no fim das contas ficou grato pela tentativa do bruxo de não parecer tão poderoso e intimidante. O homem sorriu ainda mais, parecendo ter ouvido a sua conclusão mental.

— O que faz aqui, senhor Fábregas? Como posso ajudá-lo? — O lufa-lufa agora estava sentado na ponta da poltrona em frente ao homem, muito interessado em saber o motivo daquela visita inesperada.

— A sua oferta de ajuda é encantadora, menino. Com todos os problemas que está vivendo, era de se esperar que você deduzisse que eu estou aqui para te ajudar, não o contrário. — Erick respondeu divertido, mas Aidan o encarou de volta, com seriedade.

— Você disse a Cesc e Enrique que não tinha muito interesse nos nossos assuntos, então supus que saiu de lá da Inglaterra motivado por assuntos próprios. — O garoto concluiu com lógica, fazendo o homem o avaliar, intrigado.

— E teria me ajudado, mesmo sabendo que eu não me coloquei a sua disposição quando você precisou? — A pergunta era complicada, envolvia raciocínios morais modernos que Erick estava começando a acessar somente agora, mas Aidan apenas deu de ombros, antes de responder.

— Minha ajuda nunca foi condicionada, cada um faz o que quer e eu tento ajudar sempre que posso. — O garoto de 15 anos sorriu com gentileza ao ver a expressão do outro bruxo. Resolveu mudar de assunto. — Então, se não veio por si mesmo, que tipo de ajuda veio me oferecer?

Erick demorou para responder, parecia estar tentando entender algo que não fazia muito sentido, mas quando finalmente se conformou com sua ignorância nesses assuntos de relações sociais, sorriu com simpatia.

— Vim ajudar você e sua outra versão a encontrarem um ponto de equilíbrio mental, que irá estabilizar a conexão o suficiente para a fusão dos dois ser concluída com sucesso. — Erick discursou animado, porque seria um trabalho difícil, mas interessante em termos de aprendizado.

— Novamente, que tipo de ajuda você veio me oferecer? — O lufa-lufa perguntou com mais ênfase, porque não tinha entendido porcaria nenhuma do que havia sido dito.

— Irei entrar na mente de vocês, encontrar uma memória em comum que evoque o mesmo sentimento nos dois, de preferência algo tranquilo e irei segurá-los nela o tempo que for preciso, enquanto durar o ritual de fusão. — Ele explicou didaticamente e dessa vez Aidan até entendeu tudo, mas não entendeu nada.

Entendeu o que ele pretendia fazer, mas não o porquê de ele achar que faria isso hoje.

— Ok, isso parece legal, mas... O senhor veio aqui só para testar o seu feitiço enquanto testamos a pedra? — O quintanista perguntou esperançoso e dessa vez viu a expressão do ex-djinn endurecer.

— O ritual será feito hoje, senhor Hataya, vocês não têm mais tempo a perder. — Erick falou sem cerimônia e seu olhar beirava ao impaciente, porque ele também não tinha tempo a perder argumentando com um garoto de 15 anos atolado em problemas!

Aidan não sabia nem por onde começar a negar aquela situação, mas tinha que ser feito, eles não estavam preparados, talvez nunca estivessem!

— Senhor Fábregas, agradeço a disponibilidade, mas...

— O que acha que vai acontecer se mantiverem essa forma de existência dupla por muito mais tempo? — Erick perguntou sério, seus olhos exóticos pareciam brilhar ainda mais estranhos na luz do pôr do sol adiantado do quase inverno japonês.

O garoto sopesou a resposta, porque sabia que tinha que ser mais realista do que esperançoso nesse caso em específico. As possibilidades eram todas difíceis.

— No melhor cenário, iremos achar uma solução definitiva, que não pareça conveniente, ao mesmo tempo que é arriscada. — Ele falou com cautela, então desviou o olhar para a barra da camisa que usava, distraindo a si mesmo com o detalhe da roupa. — A gente tem Enrique com os poderes dele e tem Hui e a família com as pedras, então, por causa dessas coincidências, nem sequer vamos dar uma chance para todo o resto? Não parece certo.

— Tenho a impressão de que Enrique te explicou o problema da incompatibilidade de mente, magia e história entre você e sua outra versão, não explicou? — O ex-djinn perguntou sem expressão e Aidan fez uma careta de confusão.

— Não tenho certeza se ele nos disse algo do tipo.

— Pois então eu digo, vocês têm magia e mentes próprias e a cada dia que passa, suas histórias se afastam cada vez mais e por consequência afastam também sua magia e mente. — Erick descruzou as pernas e se inclinou para frente, tentando fazer valer o seu ponto. — Em alguns casos, não raramente, o Tempo não cura tudo, pelo contrário, ele é o nosso maior inimigo.

— Eu estou ciente disso, mas tenho que certeza de que temos um certo... Limite, uma margem de manobra de até quando a gente pode esperar para escolher definitivamente nossas ações, certo? Boas decisões não são tomadas no calor do momento.  — Aidan finalizou em dúvida, então Erick o olhou meticulosamente, tentando ver algo que nenhum dos dois sabia o que era.

— Você já teve tempo mais do que o suficiente para pensar e ainda assim não consegue se decidir. Vejo que continua apegado ao chão e é claro, a terra é o elemento do tangível e a princípio parece ser o seu elemento, mas você tem muito do ar em si. — O sumério falou com um toque de diversão, fazendo o lufa-lufa franzir o cenho. — Você gosta de estabilidade, está claro, mas também está sempre em movimento, com uma fluidez que dificilmente pode ser contida, então logicamente isso iria gerar uma natureza conflituosa, não é? Interessante...

— Ok... Do que estamos falando agora? — Aidan falou com calma, para ver se voltava a entender a conversa que supostamente estava participando. O tio de Cesc parecia que estava falando consigo mesmo ou com outra pessoa ao invés de falar com ele.

— Estou apenas tentando entendê-lo melhor, porque não costumo dirigir muita atenção aos amiguinhos dos meus sobrinhos, mas se quero ser um mestre decente, preciso começar a aprender a lidar com crianças. — O bruxo, que não parecia muito mais velho do que Aidan, explicou animado.

E o lufa-lufa continuou sem entender.

— Okay... Fico feliz de poder ajudar você com isso, mesmo sem saber muito bem como, mas agora, sobre o lance do ritual, eu acho que a gente pode... — Dood iria começar a argumentar contra e restabelecer o seu ponto de que era uma grande loucura fazer tudo às pressas, quando foi interrompido.

— Não terá uma vida estável, muito menos fluída, senhor Hataya. — Erick disse de forma seca, observando o garoto do sofá em que estava sentado. — Seu futuro te reserva uma prisão de incertezas, justamente o oposto do que sua natureza pede. É isso que você deseja?

Aidan observou o homem com atenção. E medo.

Cesc havia falado que, quando era um djinn, Erick Fábregas usava uma espécie de leitura do futuro para escolher os movimentos que tinha que fazer para atender os desejos de seus mestres, mas também havia se lamentado de que o suposto tio agora tinha perdido parte do seu talento de adivinhação.

O quintanista umedeceu os lábios de leve e engoliu em seco, antes de perguntar o que aquilo que o homem disse sobre o seu futuro significava exatamente.

— Eu não desejo nada, eu só... O que... O que você viu exatamente no meu futuro? — Aidan questionou nervoso, em voz baixa, mas tinha certeza de que as duas figuras sinistras na sala do apartamento de Kurai o haviam escutado.

— Não existe tal coisa como “exatamente" em algo que não aconteceu ainda, menino, mas vi uma ou outra possibilidade... — Erick começou misterioso, deixando a resposta no ar. Então continuou com um sorriso que deveria ser acolhedor, mas pareceu irônico. — Tenho algumas respostas para você: crescerá em segredo, “Dood”, longe de sua família, de sua terra e de sua antiga vida. Me pareceu forte e poderoso, mas... Também me pareceu algo melancólico.

Não era melancólico a palavra certa, Aidan sabia. O outro bruxo havia descrito uma vida que iria lhe fazer extremamente infeliz, não importava o quão poderoso ele seria nesse tal futuro. Se mexeu desconfortável na poltrona em que estava sentado.

— E quanto a Ark? — Perguntou com timidez, porque não queria admitir que talvez, só talvez, estivesse sendo convencido a aceitar o ritual macabro e incerto, porque seu futuro parecia ainda mais macabro e incerto do que ele.

— Não há muito para Ark. — Erick respondeu em um tom frio, de quem não tinha nada mais a dizer sobre o assunto. — Vim aqui somente para dizer que você tem escolhas importantes a fazer, senhor Hataya, escolhas injustas para uma criatura tão nova e pouco experiente, mas se eu estivesse em seu lugar, iria gostar de ser avisado.

Ok, aquilo era mil vezes pior do que ele havia imaginado!

O que o tio de Cesc estava querendo dizer, mas sem usar todas as palavras necessárias, era que ele iria se tornar algum tipo de mago das trevas foda, mas infeliz, como os da carta de Yu-Gi-Oh! que costumava jogar quando criança com os amigos do colégio e Ark... Bem, ele estava bem certo de que Ark morreria em algum momento não muito distante.

— Enrique me contou o que o irmão deduziu a respeito dos desejos do Destino. Heitor é um cético, gosta de justificar tudo pela ciência, ou pela ciência tal qual seus antecessores limitados conseguiram conceber, mas ainda assim está certo na maioria das coisas que diz. — Erick começou a falar, para quebrar o silêncio do garoto a sua frente, mas o britânico resolveu interrompê-lo, antes que aquela criatura complicada começasse a falar de coisas que não sabia muito bem como devia interpretar.

— Ele disse que estamos fazendo o que as linhas temporais querem, porque elas colocaram dois Aidans no mundo e isso por si só é a resposta do problema. — Aidan falou ansioso, se apegando a esperança na certeza do muito inteligente Heitor Dussel. — Foi o que ele disse.

— Entretanto Heitor não sabia de todos os detalhes da trama, não é mesmo? E ainda assim, como eu disse, ele está certo na maior parte das vezes, e não está errado dessa vez: o problema gerado pela criação do paradoxo temporal foi consertado com a sua duplicação.

— Mas a duplicação é um problema também... Certo? — Aidan precisava ouvir aquilo da boca do tio de Cesc com todas as letras, para ver se ao menos nisso concordavam.

— É um problema. — O homem falou simplista. — Resolveu uma situação e criou outra, potencialmente menos danosa para o universo, entretanto bastante inconveniente para a vida de muitos, se me perguntar.

— Dois Aidans mudam muito as coisas para outras pessoas? — O garoto perguntou surpreso, porque não conseguia imaginar a quem mais poderia importar que tivesse uma outra versão sua andando pelo mundo.

Ele não se dava tanta importância assim, então só havia pensado nas consequências para si, sua família, amigos e só.

— Nenhum dos seus inimigos aqui no Oriente vai gostar de te enfrentar nesse futuro solitário e seus amigos de volta ao seu lar precisarão de você e quando você não estiver lá para eles... — Erick não completou a sentença, suspirou pesado, parecendo inquieto. — Disse que seria inconveniente, senhor Hataya, mas será algo mais do que isso. É possível que muito seja perdido com sua ausência na Europa e nem sequer tenho certeza de que eu poderei sair ileso disso.

O homem olhou sua auxiliar com um olhar enigmático e a criatura devolveu o gesto com a mesma severidade. Então estava explicado, Erick Fábregas estava mesmo no Japão em benefício próprio, no fim das contas, Aidan pensou assustado.

— Então se eu fizer o ritual, eu e Ark nos tornamos um e aí não vamos ter inimigos para enfrentar e tudo vai ficar ok, certo? — Aidan estava convencido agora, a perspectiva de ter uma vida sombria não era nada agradável, mas pior do que isso era saber que Ark morreria e o que isso acarretaria coisas ruins na vida dos seus amigos na Inglaterra.

Fora esses tais inimigos que teria que enfrentar aqui no Japão.

— É interessante ver uma criança destinada a grandeza ter tanto receio de abraçá-la. — Erick falou divertido, então escorregou para a ponta do sofá, até poder tocar de leve o joelho do menino a sua frente com dois dedos. — Não se inquiete, jovem Hataya, são seus inimigos que devem temê-lo, não o contrário.

Aidan o olhou confuso, depois cético.

— Se você diz...

— Digo. E agora não direi mais nada, porque essa conversinha fica entre nós, está bem? — O homem disse tudo enquanto se levantava do sofá, para ajeitar a gravata do seu traje elegante. Ele se parecia muito com um jovem bruxo da aristocracia britânica e não se parecia em nada com uma ex-criatura de outro tempo. — Agora vamos dar as boas-vindas aos outros participantes do nosso plano, sim?

Aidan iria perguntar do que ele estava falando agora, mas não precisou, porque, segundos depois, Kurai abriu a porta do apartamento entretido em uma conversa animada com Akira, seguidos de perto por Ark, Harmond e Hui.

Bem, pelo visto ele não tinha mais como fugir agora.

***

Ark estava observando tranquilamente a interação de Dood com Akira e Kurai, os três discutindo sobre algo engraçado que haviam encontrado na geladeira. Estava claro que os três se sentiam à vontade na companhia um do outro, coisa que ele não poderia dizer da sua relação recente com o irmão caçula.

Mas estava tudo bem, porque logo mais aquilo tudo ficaria no passado e as coisas voltariam a ser exatamente como eram antes. Voltou a atenção de novo para o grupo a sua frente, se deixando contagiar um pouco pela animação de Hui e Tracy ao explicar tudo que já tinham conseguido com sua pedra encantada para um Erick Fábregas bastante interessado.

— Vai ser depois uma, como vocês dizem? Uma questão de aperfeiçoamento, mas a pedra consegue sustentar a fusão inicial e parece ser forte o suficiente para se manter assim por um bom tempo. — Hui concluiu confiante, olhando para Tracy que gesticulava afirmativamente, com a cabeça, para tudo que a amiga dizia.

— Não há muito como saber a maneira como a pedra vai reagir com a magia de Hataya, é o tipo de coisa que a gente precisa ver na prática, por isso mesmo esse primeiro teste é tão importante, porque, se as coisas não estiverem certas, a gente vai lá e ajusta tudo. — Tracy completou com um sorriso astuto, depois olhou o homem a sua frente com mais cuidado. — Você nos avisaria se estivéssemos indo no caminho errado, não avisaria, senhor Fábregas?

— Não acho que estejam, mas tenho que admitir que não sei cada detalhe de cada decisão a ser tomada. Terão que confiar um pouco em si mesmas e o restante na sorte. — Erick sorriu com simpatia, depois colocou sua expressão séria novamente. — Mas devemos começar o teste logo, antes que ela deixe de nos ser favorável.

— Ela quem? — Ark perguntou confuso, porque tinha voltado a prestar atenção na conversa, mas devia ter perdido alguma parte importante que haviam discutido antes.

— A sorte. — Erick concluiu misterioso, se levantando em seguida. — Ok, crianças, não se assustem, vou apenas preparar o cenário, está bem?

Nenhum dos adolescentes soube o que responder e Váli, sempre por perto, mas nunca o suficiente para participar da conversa, se aproximou de seu mestre para dar apoio. O homem sorriu uma última vez para todos, antes de estalar os dedos teatralmente.

E tudo ao redor mudar.

Ark olhou assustado o lugar em que estavam agora, tentando entender como tudo no apartamento havia mudado tão de repente. A mobília havia desaparecido e as luzes da sala eram agora indiretas, o que fazia com que o contorno das janelas do prédio e os marcos das portas não ficassem visíveis.

Na verdade, era como se nada disso existe mais.

— Ainda estamos no meu apartamento? — Kurai perguntou incerto, porque era como se houvesse uma espécie de névoa encobrindo os detalhes do lugar, ao mesmo tempo que não havia coisa alguma que fosse perceptível.

Era mais uma sensação do que uma neblina real.

— Estamos exatamente no mesmo lugar físico, a diferença é que estou projetando uma realidade mais propícia aos nossos objetivos em um plano metafísico. — Erick esclareceu, ganhando seis pares de olhos o encarando com confusão. Suspirou cansado. — É uma simples ilusão.

— Ah bom, pensei que você tinha acabado com a decoração de Kurai de verdade. — Akira falou com um toque de alívio, porque realmente gostava da casa moderna de seu amigo.

— Aidans, se aproximem, por favor. — O bruxo sumério chamou com um tom simpático, evitando usar o sobrenome dos garotos, para não atrair o mais novo e irritante também. Havia ignorado sumariamente o menino de doze anos desde que ele havia chegado. — Estão prontos?

— Claro, afinal de contas é só um teste, não é? — Ark perguntou divertido, recebendo um sorriso constrangido de sua outra versão. — Não é assim?

— Sim, claro. Mas Erick acha que podemos fazer a coisa real hoje também. Então se tudo der certo, já ficamos no mesmo corpo oficialmente. Isso iria poupar um monte de estresse futuro, não é? — Dood falou tentando passar uma segurança que não sentia, então fingiu que não viu o cenho franzido das meninas observando tudo de longe.

— Ok, isso é meio que novidade para mim. — Ark explicou incerto, confuso pela mudança de atitude do seu “gêmeo”. — O que te fez mudar de ideia?

— Não mudei completamente, ainda acho o ritual superperigoso, mas se o teste der certo, não tem porque a gente desfazer tudo, né? — Dood deu de ombros, com uma falsa diversão. — Estou apenas sendo prático.

— Você está apenas sendo esquisito, mas como isso vai de acordo com tudo que planejamos, eu não vou questionar. — Tracy falou com animação, fazendo Hui a encarar em repreensão. — O que? Viemos aqui justamente para convencê-lo a fazer o teste, não vou fingir que não estou feliz com a sua sábia mudança de ideia.

— Fico feliz com isso, senhorita Harmond. Fingimento é uma perda de tempo para todos os envolvidos. — Erick falou sem olhar para a garota, avaliando os dois jovens quase idênticos a sua frente. — Céus, um de vocês é mais baixo do que o outro!

O ex-djinn falou como se aquilo fosse a pior coisa do mundo. Ark avaliou sua cópia com atenção, sem ver nenhuma diferença gritante. Deu de ombros.

— Provavelmente é o cabelo. Eu fui obrigado a cortar o meu no final de semana, já Dood aqui continua usando o nosso patenteado corte “só vamos cuidar disso nas férias”. — O aludido riu, então Ark ficou aliviado dele não ter percebido que isso só tinha acontecido porque não tinha ninguém para cuidar dele.

— Acho que sei medir alturas levando em consideração cabelos e acessórios, senhor Hataya, mas isso pouco importa. Faremos o ritual o mais cedo que pudermos, porque antes tarde do que mais tarde. — Erick falou para si mesmo, mas Ark retrucou.

— Iremos fazer o teste hoje e antes que eu me esqueça, obrigado por ter vindo nos ajudar, senhor Fábregas. Muito gentil da sua parte. — Ark falou com educação, embora ainda estivesse um pouco desconfiado da presença do homem ali, naquilo que deveria ser algo bem pouco importante.

Pensou que hoje iria passar a maior parte da tarde tentando convencer Dood a fazer o teste, e então iriam fazer uma tentativa para ver se a pedra conseguiria executar o feitiço para o qual estava sendo programada, só isso.

Mas aquele ambiente místico e a presença de Fábregas e sua assistente eram um upgrade bem grande na programação.

— Gentileza é quase o meu sobrenome. Agora... Relaxem. — O bruxo disse isso ao mesmo tempo em que tocava de leve na testa dos dois garotos, cujas existências, por si só, já eram um grande problema.

Os dois Aidans fecharam os olhos automaticamente e ambos caíram no chão como fantoches cujas articulações haviam sido cortadas. Os quatro adolescentes, que observavam tudo com curiosidade, se assustaram com o movimento brusco.

— Minha nossa! Por que você... Por que não pediu para que eles se deitassem? — Hui correu para o lado dos garotos jogados de qualquer jeito no chão, aflita. — Eles podem ter se machucado!

— Não se machucaram, estão relaxados e obviamente não tem nada na superfície que poderia causar algum dano. Eu preparei o cenário, lembra? — O bruxo mais velho falou com um toque de condescendência, deixando que a menina checasse o estado de saúde de um, depois do outro. — Pronto, já está bom de verificação, agora preciso que se afaste.

— Você podia ter avisado o que faria a seguir. — A garota chinesa retrucou brava, consertando, por último, a posição da cabeça de um Dood completamente desacordado.

— Eles teriam ficado tensos e isso só dificultaria a minha tarefa. — O homem respondeu distraído, já rondando as mentes inconscientes que tinha que trabalhar ao mesmo tempo. — Agora como eu já disse, se afaste, por favor.

A menina dessa vez aceitou a ordem, ainda chateada com a falta de cuidado daquele homem que havia surgido do nada para ajudá-los na tarefa de solucionar o problema dos Aidans. Hui havia aceitado a explicação de Dood, complementada pela opinião de Tracy, cujo pai trabalhava com o moço, mas ela não estava completamente convencida de que ele era um bom aliado.

O homem passava a sensação de coisa antiga e poderosa, como as pedras ancestrais que sua avó a ensinou a temer.

Erick ignorou completamente os olhares de suspeita e curiosidade dos adolescentes para se concentrar nas mentes a sua frente. Como havia planejado, o sono inesperado havia levado os dois garotos a um mundo inconsciente, que parecia ter uma frequência muito similar.

Voltou a tocar nas testas dos garotos. Fazia muito tempo que não executava magia de contato, então teve que colocar o seu próprio desconforto de lado para se concentrar na tarefa a frente.

Nos tempos antigos, quando sua mente e magia estavam sendo treinadas para um nível maior de aprendizado, Erick havia sido forçado a fazer mais feitiços em terceiros do que seria recomendado para alguém tão novo.

Os anciãos sempre o alertavam dos perigos que se escondiam por trás de um feitiço que o conectava tão profundamente a outra alma, mas Erick sabia bem o que estava fazendo naquela época, do mesmo jeito que sabia bem o que estava fazendo agora.

Se permitiu fechar os próprios olhos, limpando a mente a ponto dos pensamentos dos dois garotos se tornarem os seus próprios. Em um primeiro momento, havia pura confusão, duas mentes em um caleidoscópio de imagens e sons, cada vez mais acelerados, a medida em que se confrontavam.

O bruxo respirou fundo e franziu o cenho, fazendo Hui se mexer desconfortável do lugar em que havia escolhido para observar toda a ação. De onde estava, a menina sentia a opala de Enrique Dussel aquecer sua mão suavemente, enquanto assistia Dood, o Aidan com quem teve menos contato, se mexer desconfortavelmente no chão.

O outro parecia quieto como um cadáver.

— Senhor Fábregas, tem certeza que... — A menina chinesa começou a falar, mas se interrompeu ao ver o olhar de repreensão daquela pessoa distante que havia acompanhando o homem em seu trabalho.

A tal de Váli era uma criatura bastante intimidante, mesmo que não houvesse dito nada desde que chegara.

Erick continuou o seu trabalho, ignorando a interrupção, ainda de olhos fechados. Tinha estabelecido um contato de pele com pele leve com a cabeça dos dois meninos, mas um deles, o que havia revelado todos os seus medos e que precisou ser convencido a fazer o ritual, parecia estar escorregando de seu domínio.

Mudou a posição da mão na cabeça de Dood, de uma forma que seu polegar agora estava apertando de leve a testa do garoto e os outros dedos entravam nos cabelos bagunçados dele. O movimento do corpo do garoto parou automaticamente.

Akira observou a mudança de comportamento de uma das versões de seu irmão com apreensão e alívio, porque não sabia se aquilo significava algo bom no ritual. Apenas Erick Fábregas sabia realmente o que tinha acontecido.

O bruxo sumério tinha ciência de que a escolha que havia feito fora arbitrária e até mesmo desonesta, mas era provavelmente o melhor para todos. Sempre soube que teria que escolher uma mente para estar no controle e embora ambas ainda fossem muito próximas, havia uma que serviria a seus propósitos de uma maneira mais eficiente.

O jovem que chamavam de Ark tinha muitas dúvidas e inseguranças, assim como o seu outro lado, porém havia desenvolvido um senso mágico interessante e, nesse exato momento, o artefato poderoso em seu pulso o mantinha calmo, como se soubesse que precisava ajudar seu mestre a passar por essa provação mental.

Escolher essa mente bem relacionada com o sonuit como a dominante, ao invés da inquieta e até mesmo conflituosa de Dood, que estava questionando inclusive seus próprios valores morais, era a escolha mais acertada, embora não fosse ética.

Devia ter deixado os garotos decidirem quem teria o maior controle dali em diante, mas era provável que a escolha em suas mãos só os deixasse aflitos, então Erick estava disposto a assumir a culpa, caso Ark não se provasse um bom dominante.

Selecionou um dos muitos pensamentos do garoto, até que estes foram se solidificando e abrindo uma lembrança forte e confortável o suficiente para ambos se manterem conectados a ela.

Erick sussurrou um último feitiço, que iria deixar os sentidos dos dois anestesiados, antes de parar de tocá-los, satisfeito com a ligação precária que havia estabelecido entre as duas mentes. Era instável, mas teria que ser suficiente, porque ele precisaria de sua energia para outras ações.

— Pronto, eles estão em sintonia. — O bruxo mais velho informou ao grupo, então se levantou do espaço em que esteve ajoelhado entre os dois meninos. — Onde está a pedra?

— Aqui! — Hui apresentou, com empolgação, a opala carregada com a energia mimetista de Enrique Dussel e devidamente enfeitiçada para se adaptar a uma realidade completamente diferente da magia do bruxo britânico.

— Eu não vou tocar nela, coloque no peito desse aqui. — Erick apontou para o garoto com a farda vermelha da escola japonesa, cujo sonuit brilhava com um agradável tom esmeralda.

— Por que nele? — Akira se aproximou desconfiado e não hesitou mesmo diante do olhar irritado do bruxo mais velho. — A gente só vai manter o Aidan com a pedra? Se sim, a melhor opção é o Dood, a gente gosta mais dele, né, Kurai?

— Como assim manter um Aidan, seu estúpido? O plano é manter os dois, por isso a gente tá fazendo toda essa coisa de ritual! — Tracy esbravejou sem paciência, então Erick agradeceu mentalmente por ter algumas crianças no mundo que não eram completas perdas de espaço.

— Bem, Akira tem um ponto, você sabe. — Hui falou observando a reação do bruxo sumério. — A pedra vai ficar com o corpo base, com o dominante. Por que Ark e não Dood?

— É só um teste, não é? A gente pode testar os dois. — Kurai sugeriu despreocupado e Akira fez uma careta para o amigo.

— Eu não sei se quero ver Dan passando por isso várias vezes... O que exatamente estamos testando mesmo? O que a gente deve observar? — O garoto fez, na opinião de Erick, a primeira pergunta inteligente do dia.

— Iremos testar a força da opala, o quanto ela consegue manter a fusão de corpo, mente e magia estável e por quanto tempo. — Ele explicou sem sinceridade, porque a verdade é que sabia que aquilo não seria um teste. — Agora senhorita Hu, poderia fazer a honra?

 A menina chinesa lhe lançou um último olhar desconfiado, antes de depositar a opala sobre as vestes igualmente vermelhas de um Ark desacordado. Olhou para Tracy em busca de apoio, então sua amiga apena lhe deu um aceno de cabeça animado.

A corvinal estava achando tudo muitíssimo interessante!

— Precisa pronunciar o feitiço com sua melhor entonação, senhorita Hu. Os outros, se quiserem, podem acompanhar formando um círculo de magia ao redor dos garotos. — Erick sugeriu, se sentando de pernas cruzadas, próximo às cabeças dos dois Aidans.

Kurai o olhou desconfiado, assistindo Akira e Harmond se posicionaram mais ou menos fechando um círculo em relação às posições de Hui e do próprio bruxo mais velho. O garoto nascido-trouxa fez a pergunta que o estava incomodando.

— Fazer um círculo de magia não irá potencializar o feitiço? Achei que só queríamos testar a força da própria pedra... Potencializar o ritual não seria uma espécie de trapaça? — O garoto questionou, fazendo Erick levantar seu olhar de criatura antiga para ele.

— O melhor é fazer o teste dando o nosso melhor, assim podemos prever todas as variáveis. — Falou tentando esconder sua irritação no tom de voz, pronto para continuar sua manipulação, mas não foi necessário, Kurai se posicionou no último lugar vago. — Bem, agora que estamos todos prontos, senhorita Hu, entoe o encantamento.

Hui fez uma careta nervosa, então olhou para os amigos desacordado a sua frente, antes de puxar o pergaminho bem enrolado que havia preparado há duas noites com Tracy. Não havia exatamente vários feitos de fusão jogados por aí na casa de sua avó, então fizeram o melhor que podiam adaptando o que acharam para a situação que tinham em mãos.

A maior parte dos grandes encantamentos orientais eram poemas curtos, cujas palavras traziam mais de um significado e o conjunto de termos, associados com os amuletos encantados, faziam as mais poderosas magias acontecerem.

Havia escolhido o mandarim como língua primordial do feitiço, porque Hui queria que fosse ela mesma que o proferisse. Akira e Kurai eram muito novos e Tracy não tinha a confiança dos Aidans, logo já que teria que ser ela lançando o feitiço, que ao menos fosse em sua poderosa e singular língua materna.

Respirou fundo antes de ler o pergaminho em suas mãos.

Uma pedra preciosa não pode ser polida sem atrito

Tampouco o homem pode ser aperfeiçoado sem provações

Duas mentes, dois cernes, um Destino unido pelo Tempo, senhor de todas as histórias

Então que a terra firme as almas, que o fogo funda os caminhos, que a água molde as magias, que o ar sopre as dúvidas

O que um dia foi dois, hoje se tornará um, sob a benção do passado, presente e futuro

Que assim seja

Hui terminou de falar, com sua melhor entonação e dicção, mas não viu nenhuma mudança efetiva. Seus amigos a encararam em dúvida, então ela olhou para o moço que supostamente sabia o que deveria ser feito.

— De novo. — Ele falou com simplicidade, sem olhá-la, mas com um tom que não deixava margem para dúvidas.

A garota chinesa recitou novamente as frases que ela e Tracy haviam escolhido para selar o destino de Aidan. O encantamento acabou se tornando uma mistura de seu provérbio chinês favorito com uma ode ao Tempo e aos elementos da natureza, duas coisas que pareciam ter muita importância na vida dos Hataya.

Talvez tivesse sido ingênua ao achar que uma simples pedra enfeitiçada e um punhado de palavras sem muito significado pudessem executar uma tarefa tão difícil, mas tinha lido nos livros e havia visto nos pergaminhos antigos, então aquilo devia ser o suficiente, certo?

Hui estava começando a duvidar de que fosse possível ajudar os amigos e que talvez os dois Aidans fossem continuar separados por sua culpa e arrogância. Achou mesmo que poderia fazer algo que nem sequer parecia ter precedentes aqui no Japão, na China ou onde quer que fosse?

A voz da garota assumiu um tom de quase desespero, antes de ser interrompido por um som de espanto vindo da sua esquerda.

— Acho que está acontecendo algo, olha! — Akira havia falado apontando para a versão do seu irmão mais perto de si, o seu favorito, Dood, que estava começando a parecer mais pálido a cada segundo.

Eles estavam mesmo fazendo a coisa certa?

— Continue o encantamento, senhorita Hu. — Erick ordenou entredentes, como se estivesse fazendo algum esforço além de só estar parado próximo a cabeça dos dois Aidans, mantendo-os calmos.

A garota chinesa recomeçou o feitiço exatamente de onde tinha parado, assustada que um simples poema estivesse mesmo causando algo da magnitude de uma fusão. Olhou para Akira, que correspondeu o olhar igualmente assustado.

O garoto de 12 anos não fazia ideia do que estava sendo dito, não sabia falar uma palavra em chinês, mas tinha certeza de que deveria ser algo sinistro, porque Dood parecia estar sofrendo, embora ainda estivesse tão congelado quanto antes.

Se o perguntassem, Akira diria que tinha a ver com a fina camada de suor na testa do seu irmão ou o fato de que a respiração dele parecia superficial. Olhou para o ex-gênio de Cesc em dúvida, porque se a intenção era conseguir um único Aidan matando a outra cópia, eles estavam quase tendo sucesso.

Kurai e Tracy permaneceram com suas varinhas emitindo um brilho leve da ponta, que mal podia ser notado, porque simplesmente não era um feitiço voluntário. Ambos estavam se deixando levar pelo quer que Hui estava entoando, a corvinal entendendo as exatas palavras e por isso mesmo fazendo coro em voz baixa.

Aquele feitiço tinha que dar certo, porque nenhum deles tinha um plano B, na verdade.

Erick observou o pobre garoto sendo arrancado de sua existência contra sua vontade, sua essência mágica sendo sugada para o peito daquele que dali em diante seria o seu senhor. Se tudo desse certo e as mentes se mantivessem equilibradas o suficiente, Dood nem perceberia sua prisão e Ark nem sequer se daria conta do seu prisioneiro, embora fosse exatamente isso que significassem um para o outro.

O ex-djinn sabia muito bem qual era a sensação de se sentir desvanecer, parte a parte, centímetro por centímetro, grama a grama, magia por magia, até que não sobrasse nada para se agarrar ao plano dos vivos.

Estava tentando ao menos dar uma passagem menos turbulenta que a sua para o garoto, o mantendo dentro de uma memória antiga e inofensiva: a primeira vez que o pai o havia levado ao centro bruxo, quando ele não era muito mais velho do que um bebê de colo.

Era uma memória pouco lembrada, por ser muito antiga, mas era poderosa com todo seu encantamento e fascinação, impregnada de uma alegria infantil, doce e sincera. Nesse exato momento, a lembrança estava sendo impregnada com uma sensação de medo e mau agouro, mas a boa manipulação mental de Erick fazia tudo ser leve o suficiente para parecer um presságio distante.

O sonuit no braço de Ark começou a brilhar de uma forma alarmante, em um tom de verde muito puxado para o amarelo para ser saudável, dando ao seu dono um aspecto doentio. Claro que o artefato estava se sentindo ameaçado, Erick suspirou conformado.

Usando sua habilidade adquirida nas últimas décadas com o Marduk, começou a se concentrar nos códigos mágicos e intricados feitiços que compunham o artefato romeno herdado por um garoto de descendência japonesa.

O garoto sendo desfragmentado de sua existência soltou um resmungo dolorido, de quem sabia que o fim estava próximo e cujo medo já havia ganhado a batalha, mas Erick desejou que seus amigos achassem que tinha sido apenas um lamento de desconforto.

Quando tinha a mesma idade que eles, não conseguiria ver a diferença entre uma coisa e outra, ainda mais se estivesse pensando que tudo ia perfeitamente bem.

— Senhor Fábregas, Ark está sangrando pelo nariz, isso é normal? — Akira perguntou em dúvida, desviando o olhar de Dood para se concentrar no outro Aidan, já que aquele já estava perdido de qualquer jeito.

O sonserino sabia que não havia muito a ser feito pela versão boazinha de Dan, que agora parecia tão efêmero quanto qualquer um dos fantasmas de Hogwarts, mas ver o corpo que supostamente era o oficial dando problemas... Aquilo não podia ser um bom sinal.

— O feitiço está dando certo, é um bom sinal. — Erick resmungou cansado, lutando contra o maldito sonuit e a mente teimosa do garoto escolhido como receptáculo da fusão.

Talvez ter deixado o garoto Hataya com o artefato no braço não tenha sido seu melhor movimento, porque o objeto mágico havia alertado a mente de seu dono o suficiente para ele oferecer uma resistência bastante impressionante para alguém tão jovem.

O ex-djinn agradeceu mentalmente que a outra versão do garoto quase já não existia nesse plano, então pôde soltar sua mente da dele, para se concentrar totalmente na batalha de vontades entre ele, Ark e o maldito sonuit temperamental.

Hui parou de recitar seu encantamento ao ver que Dood havia aberto seus olhos para encará-la com puro terror. A menina deixou cair o pergaminho, porque seu amigo tinha, inclusive, levantado levemente o tronco, olhando de um para outro no círculo mágico ao seu redor.

“Por que?”

Dood questionou confuso, traído e aterrorizado, mas sua voz havia ficado perdida entre este e o outro mundo, que parecia ser o lugar de onde ele falava agora. Akira fez menção de encostar nele para acalmá-lo, afinal ele estava agindo como se não soubesse o porquê de estarem todos ali.

— Ei, Dan, está tudo bem, ok? Estamos quas-

— Não o toque! — Erick rosnou de seu lugar, fazendo o Hataya mais novo o olhar com medo. — Ignore ele, não há mais nada que possamos fazer para ajudá-lo.

— Como assim? É claro que há! — Kurai baixou a varinha, entre o irritado e preocupado, porque estavam fazendo toda aquela loucura justamente para continuar ajudando Dood posteriormente. — Vamos poder ajudar ele porque ele vai continuar existindo junto de Ark, certo?

— Ah meu Merlin, estamos matando Hataya! Estamos matando esse... — Tracy apontou para o espectro do que antes era um dos Hataya, de quem gostava muito pouco, mas não era um Cesc Fábregas, então... — Eu não quero ser cúmplice de assassinato!

A corvinal se levantou do círculo de magia, apontando a varinha para Dood, depois para o cara sumério a encarando com um olhar medonho. Sim, ele era a maior ameaça ali, pior do que qualquer coisa que poderia vir de um Aidan se transformando em fantasma.

— Garota, abaixa a varinha, você está assustando o espírito! — Kurai falou tentando se manter calmo, ainda com a varinha para cima, mantendo sua parte do ritual no lugar.

— Ei! Meu irmão não é um espírito, cara! Isso é só um teste! — Akira falou irritado, depois olhou para o tio de Cesc, que parecia muito com ele para lhe trazer paz no coração, então dessa vez pediu confirmação para ele. — Isso é só um teste, não é, senhor Fábregas?

O homem resmungou algo por sob o fôlego, não parecia disposto a consolar ninguém, parecia concentrado em manter Ark parado, embora o sangue escorrendo pelo nariz do garoto não parecesse um grande problema para ele.

Ark agora se debatia, com a mesma expressão relaxada de antes, o que deixava o cenário todo aterrorizante, mas ver Dood a encarar como se ela, Hui, fosse alguém que estivesse lhe fazendo mal, era a pior coisa que poderia ter acontecido naquele ritual.

— Não estamos machucando você, Aidan... —  Ela sussurrou para o garoto, que se virava para olhá-la e olhar o irmão caçula, que também tinha as mãos com as palmas para cima, tentando acalmá-lo. — Só estamos tentando te ajudar!

— NÃO TOQUE NELE!

Infelizmente, o novo aviso, dessa vez saído como um grito furioso de Erick, não surtiu efeito. Hui tocou no que deveria ser o joelho esquerdo de Dood, a versão que ela menos teve contato, e, naquele breve instante, tudo mudou.

A garota do quarto ano de Mahoutokoro via como plano de fundo um bruxo desconhecido gritando, Tracy afastada, em pé, com um olhar esquisito, Kurai reclamando e apontando para a garota voltar para o círculo e Akira tentando impedi-la de alcançar seu irmão. Porém, naquele único segundo em suspenso, quando Aidan olhou em seus olhos e seu dedo tocou nele, a distância entre ela e o garoto deixou de existir.

Então tudo se apagou.


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Notas finais do capítulo

Gente, saudades dos comentários.

Envelheci 50 anos pq parei de receber a minha fonte da juventude, enfim, se quiserem ficar com minha velhice na conta de vocês, beleza, não comentem, mas se querem me ver jovem e brilhante uma vez mais, me digam o que acharam e o que esperam ver no encerramento de Durmstrang (há uma grande possibilidade de q aparça no próximo capítulo)!

Sem pressão.

Bjuxxx



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