Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 25
Capítulo 25. Beauxbatons


Notas iniciais do capítulo

Ok, finalmente, Brasil! Mas vamos relembrar os itens que precisamos saber para entender o capítulo:

— Nossos queridos iconoclastas dos EUA descobriram que o grande vilão da profecia é Lestrange (Será?);
—Cesc deu a ideia de caçarem Bradbury no corpo de Lestrange ao invés de caçarem Lestrange no corpo de Carl Dolus (vou fingir que não ri dessa confusão);
— Samuel Aizemberg e Juliet Bertrand fazem parte das duas famílias Lestrange que sobraram;
— Os Lestrange são os donos das três caixas (sim, são três caixas, prestenção na história, faz favor), uma delas está com Fred agora;
— Essa caixa de Fred foi a usada por Rabastan Lestrange para fazer as trocas todas faladas anteriormente;
— Anne Beaumont, monitora francesa, é uma legimente natural;

Acho que com isso podemos continuar, nos vemos lá embaixo!



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Sala de estudos do dormitório Dépayser, 12 de novembro de 2021.

Fred ainda arrumava os materiais do seu planejamento para o final de semana, quando as Annes, Cesc e Louise chegaram na sala de estudos do dormitório Dépayser, informalmente adotada como quartel general dos iconoclastas na França.

— Espero que isso aí na mesa seja alguns nus artísticos, porque se for algum tipo de esboço de geringonça... — Cesc começou em tom de ameaça, depois trocou para um mais ameno, coroado por um sorriso simpático. — Falando nisso, como está indo o estágio nos Dussel?

— Proveitoso e intimidador, o melhor dos dois mundos. — O grifinório respondeu sem dar muitos detalhes, depois ofereceu um pergaminho para cada um de seus colegas de “grupo de estudo”. — Ok, agora sobre os nossos planos para o final de semana, vocês já sabem que eu estou preso no estágio e não vou poder estar com vocês nas missões, então tentei deixar tudo o mais amarrado o possível.

— Como se seus planos fossem a prova de erro... — Louise brincou com um sorriso divertido e seu irmão gêmeo complementou o comentário.

— Ele tá se achando um Tony da vida, coitado! — As francesas não pegaram a referência de Tony e seus maravilhosos planos de 3 partes, mas Fred entendeu e era tudo o que importava para Cesc. O garoto espanhol parou de encher o saco do mais velho, para finalmente olhar para o seu pergaminho. — Segundo, eu acho que...

— Não tem nada errado, eu vou explicar. — Fred falou com um gesto de pedido de calma, mas Cesc já estava mostrando o absurdo daquelas instruções para a irmã.

— Que merda quer dizer “O corpo estará na Mansão Aizemberg e a mente estará no Quartel General dos aurores"? — O sonserino perguntou alarmado, deu uma última olhada no resto do pergaminho com desprezo, já que não havia sido respondido nem por Louise, muito menos por Fred. — Eu me recuso a participar desse plano, não vou trocar meu corpo com ninguém.

Ele cruzou os braços e encarou o grifinório setimanista em desafio. Fred o encarou de volta no ápice de sua calma, porque seu tempo de trabalho com o espanhol já o havia preparado para esse tipo de comportamento irritante.

— Tudo faz sentido dentro do plano. Infelizmente, esse foi o melhor arranjo que eu encontrei, porque, veja bem: você e Louise vão conversar com Teddy para descobrir um pouco mais da fuga de Bradbury no corpo de Lestrange, então não seria bom que você estivesse lá com sua cara de verdade, porque isso iria deixar Teddy de orelhas em pé!

— Como assim? Lupin me adora! — Cesc falou ofendido, alguns segundos de silêncio e encaradas céticas de Louise e Fred e então o sonserino estava finalmente pronto para admitir a lógica dessa parte do plano. — Ok, ele ficaria desconfiado, mas porque tem que ser eu indo lá falar com ele? Eu posso ir lá para a casa de Samuel, comer uns petiscos e dar uma xeretada nas portas secretas da casa dele...

— Bem, de certa forma é exatamente isso que o seu corpo irá fazer, se te consola. — Fred falou divertido e sorriu ainda mais ao ver que não, Cesc não estava consolado. — Mas precisa ser Anne-Marie com Anne fazendo essa parte, porque as duas tem um bom método para descobrir informações que as pessoas não querem que sejam descobertas.

— Tá, mas eu também tenho um bom método para usar em investigações, eu poderia usar o meu Mauduk, sim, eu rebatizei o feitiço com o prefixo mau, porque é isso que ele é, mas em todo caso, eu poderia usá-lo com Teddy, usá-lo para captar e armazenar informações importantes do quartel dos aurores! — Cesc apontou e Fred o olhou pensativo, cruzando os braços.

— Eu não tinha pensando nessa parte, mas na verdade fico feliz de proteger as informações dos aurores do seu armazenamento de informações. — Ele falou como se fosse uma constatação lógica e razoável e não uma ofensa a má fama do sonserino. — De toda sorte, você vai dar um curso básico para Anne-Marie usar o seu corpo, então o Marduk será aproveitado.

— Vou dar merda nenhuma, vá se foder, Segundo! — Cesc concluiu irritado, então Anne-Marie, calada até então, resolveu colocar o seu ponto na questão.

— Também não estou animada com a perspectiva de assumir seu corpo e identidade, Cesc, mas já parou para pensar que a minha aparência pode ser muito útil na sua investigação com esse tal de Lupin? — A garota, parte francesa, grega e italiana, apontou para si mesma, com uma certa dose de convencimento. — Não é para me gabar, mas você pode se surpreender com a magia do charme feminino...

Cesc a encarou de cenho franzido, depois bateu a mão na mesa, decidido.

— Ok, fui convencido, vamos a esse plano. — O garoto espanhol falou com um sorriso arteiro e Fred respirou fundo antes de continuar a explicar o restante das coisas.

Só esperava que tudo desse certo como o planejado e, principalmente, que Cesc se comportasse direito pelo menos uma vez na vida dele!

O futuro de todos dependia disso.

***

Sede do Ministério da Magia inglês, Londres, Inglaterra, 13 de novembro de 2021.

Já estavam se acostumando a fazer alguma espécie de viagem nos finais de semana, os pais inclusive queriam que os gêmeos estabelecessem uma rotina em casa, quando estivessem na Espanha, porém, dessa vez Cesc e Louise só usariam o carro Dussel como chave de portal para casa após passarem um tempinho no quartel general dos aurores.

Os irmãos se entreolharam antes de entrarem no elevador do Ministério, que os levaria para o andar chefiado por ninguém mais, ninguém menos do que Harry Potter. Louise estranhou olhar para olhos azuis muito femininos, completamente diferentes dos olhos maliciosos de ogro do irmão.

— Você se comporte no corpo de Anne-Marie, está me ouvindo? Ela te emprestou na maior confiança e eu prometi que a gente ia devolver tudo intacto. — A garota falou como se chamasse a atenção de uma criança, então ambos entraram assim que a porta de metal se abriu.

— Deixa de ser ridícula, porque eu também emprestei o meu corpo maravilhoso e seminovo para Marie na maior confiança! E você pare de me olhar assim, porque eu sou sua amiga francesa bonita e inocente, é para você me tratar bem! — Cesc ajeitou o cabelo sedoso e volumoso da monitora quase francesa com empolgação, porque estava adorando a atenção que aquele corpo chamava por onde passava.

— Pois você ainda soa como o ridículo do meu irmão! A casca está mais bonita e obviamente limpa, mas o conteúdo ainda é um pão bolorento! — A corvinal cochichou maldosa, aproveitando que estavam sozinhos no elevador, graças ao baixo expediente das repartições no sábado pela manhã. — Lupin vai te desmascarar em cinco minutos, já tô até vendo...

—Louise, se atenha ao plano, ok? Me apresente a Lupin e deixe que eu conduzo as perguntas, você pode continuar fazendo essa cara de constipação que você já virou especialista. — Falou com desprezo, então assumiu uma postura completamente diferente assim que chegaram no andar certo. — Agora veja e aprenda com um profissional, minha queridinha.

A corvinal fez questão de deixar seu irmão passar na sua frente, usando com muita arrogância o pobre corpo de Anne-Marie. A monitora de Beauxbatons havia escolhido uma roupa bonita, mas recatada para ele usar, porém Cesc havia transformado o visual em uma versão mais provocante assim que havia pisado em solo inglês.

Ele havia levantado a saia tubinho como se fosse uma cintura alta, valorizando a boa forma da francesa, garantindo que mais da coxa da garota ficasse amostra. Abriu ainda dois botões da camisa de seda quase no mesmo tom azul da farda de sempre, deixando o sutiã negro aparecer algumas vezes pelo decote, quando se movia um pouco mais bruscamente.

Ainda era uma figura bem composta, mas apenas porque a capa de Anne-Marie dava um tom sóbrio a todo o conjunto. Louise o fuzilou com o olhar ao vê-lo rebolar com charme e sutileza, como se realmente soubesse o que estava fazendo.

Bem, a dupla de aurores no balcão de recepção do quartel não estava reclamando da visão, obviamente.

— Bom dia, o auror Lupin se encontra? — Cesc usou um sotaque francês invejável, uma imitação elaborada da versão de Dominique, bem mais fácil de entender do que o das Annes, que eram francesas de verdade.

Os homens de batas escuras, com uma sombra de roxo nelas, se entreolharam, antes do mais velho dos dois responder um pouco encantado com a beleza da garota a sua frente. Louise se aproximou, controlando sua cara de enfado com a idiotice deles.

— Bom dia, senhoritas, primeiro preciso saber quem são e o que desejam com o auror Lupin, só depois posso dar a informação que precisam. — Ele apontou para um livro de registro, pena e tinteiro no final do balcão, dando de ombros, como se não estivesse feliz em ter que negar qualquer coisa a uma beleza como ela. — Protocolos, já sabem.

— Meu nome é Louise Fábregas, essa é Anne-Marie Roussos e nós duas estudamos atualmente em Beauxbatons, na França, mas no ano passado eu fui aluna do professor Lupin em Hogwarts. — Louise falou com confiança, depois olhou para a colega com inocência, antes de continuar. — Viemos fazer um trabalho escolar de campo e esperamos contar com a ajuda dele, se ele estiver, claro.

— Ah sim, sim. Ele está na casa. — Assim que Louise terminou de assinar, após o irmão, o homem deu uma olhada rápida no que as duas haviam escrito no livro, antes de continuar. — Vocês vão seguir pelo corredor e na segunda bifurcação irão virar a esquerda, então dobrar a esquerda novamente nos arquivos e por fim descer as escadas até o laboratório de poções. Lupin está lá terminando o turno.

— O senhor poderia...

— Certo, obrigado. Entendemos tudo. — Cesc cortou a pergunta da irmã, que era péssima com direções desde que havia nascido, só tinha achado a saída do útero da mãe porque foi o médico que a arrancou de lá.

Deram um último par de sorrisos sonsos para os aurores, antes de seguirem as instruções até Lupin. Já sabiam que o homem estava no quartel cumprindo horas por conta de uma viagem que tinha feito com a noiva no mês anterior, Fred ao menos tinha se certificado que não iriam fazer uma viagem inútil até lá.

Assim que estavam longe o suficiente, Cesc ajeitou melhor a saia - que agora estava subindo demais até para ele e sua tão sonhada versão vadia - sorrindo com diversão para a irmã.

— Em pensar que nossa segurança repousa em ombros tão competentes... — Disse com deboche, antes de virar a esquerda assim que viu os arquivos cheios de pergaminho voando de uma gaveta a outra, sob a supervisão de uma senhora enfezada.

— Não tinha motivos para nos barrarem ou desconfiarem, não estamos com feitiços ou artefatos das Trevas, você não trouxe sua luvarinha maldita, nem o Marduk, então por que os alarmes soariam? — A garota perguntou sem paciência e o menino a olhou com seus novos olhos azuis.

— Sim, estamos limpos, com a exceção dessa caixinha demoníaca que você tá levando aí na sua bolsa! — Falou irritado, porque era de se pensar que houvesse um mínimo de segurança no quartel dos aurores! — Mas tudo bem, não é como se eu realmente estivesse contando com a esperteza deles para manter minha cabeça acima do pescoço.

Antes que Louise pudesse respondê-lo, chegaram na escada que tinham que descer até o laboratório de Lupin. Por que os laboratórios de Poções tinham sempre que ser enfurnados em algum buraco?

Bem, Cesc se ajeitou novamente, nem perguntando a irmã se parecia bem no corpo de Anne-Marie, porque, modéstia à parte, estava vestindo aquela beleza francesa curvilínea muito melhor do que a própria dona. Louise bateu na porta de Lupin com um pouco de nervosismo.

Esperava que Cesc conseguisse mesmo enrolar Lupin sem os colocar em problemas.

***

Centro de Lyon, França, 13 de novembro de 2021.

Anne-Marie olhou irritada pela décima vez para a amiga rindo ao seu lado, Anne não estava colaborando muito para sua confiança de interpretar um garoto tão estranho como Cesc Fábregas com maestria.

— Qual é o problema dessa vez, Anne? — A voz sem sotaque do espanhol era o mais estranho de tudo, a garota já tinha até se acostumado com o tom mais grave que suas cordas vocais emprestadas estavam fazendo agora, mas ainda não conseguia se forçar a falar do mesmo jeito que o capitão da seleção de Quadribol de Hogwarts.

— Ah, não! Não tem nada de errado, estou feliz que ao menos você melhorou o seu andar... É legal como essas pernas conseguem dar passos mais compridos, né? —  Anne tentou mudar de assunto, porque podia ler a irritação na mente da amiga. — O bom é que sua mente continua tão clara como sempre, teria sido difícil se você tivesse herdado a bagunça mental de Cesc.

— E quanto ao feitiço, ele ainda está aqui, o tal do Marduk? — Marie perguntou assustada, coçando o lugar onde sabia que o desenho estilizado cor de carne estava, atrás da orelha.

— Sim, está, mas é mais como um pequeno eco no fundo da mente. A confusão da mente de Cesc não é causada por ele, pode ter certeza. — Riu ao responder, mas depois parou, ao quase se bater de frente com um homem caminhando na mesma calçada que ela. — Desculpe, senhor, eu estava...

Anne não completou a frase, porque o homem a sua frente definitivamente não era qualquer um e se os olhos ou o sorriso quase idêntico ao do garoto ao lado não fossem o suficiente para lhe dar uma dica de quem ele era, certamente aquela bagunça mental que estava lendo em sua cabeça seria.

— Não se preocupe, senhorita Beaumont. Você está exatamente onde deveria estar. — Erick sorriu malicioso, depois acenou positivamente para a garota bonita a sua frente, ela era uma leitora talentosa, mal sentia a brisa fresca invadindo a sua mente. — E sim, você está certa, minha mente se parece com a de meu sobrinho, mas isso aqui não tem nada a ver com uma bagunça.

— Pelo fogo de Héstia,  esse é o tio gênio de Cesc e Louise, não é? — Marie falou em voz alta, depois tapou a boca com arrependimento, talvez tivesse sido interessante fazer o homem pensar que aquele era o sobrinho dele, não uma garota doida usando o corpo emprestado.

— Não teria funcionado, porque sei bem onde a mente de Cesc está, senhorita Roussos e porque estou mais do que feliz de que esteja aqui, com o corpo dele. — Erick falou satisfeito, depois olhou para o veículo trouxa que havia acabado de estacionar ao lado dos três, na tranquila avenida francesa. — Agora, se não se importam, entrem no carro, por favor.

— Não podemos, mesmo que quiséssemos, porque temos uma visita a fazer, então... — Anne começou, mas pausou ao ler o que o homem estava pensando no momento. — Como sabe que esse Kaleb Bertrand será mais útil para gente do que os Aizemberg?

— Bem, perderíamos muito tempo de nossas curtas existências mortais tentando esclarecer como eu sei das coisas, mas com sorte aproveitaremos melhor esses minutos preciosos se apenas entrarmos nesse bendito carro. — Ele apontou para o veículo escuro novamente, dando um sorriso sonso que lembrava bastante o de Cesc quando estava impaciente. — Por favor?

Marie perguntou mentalmente sobre as intenções do homem para Anne, mas antes que a amiga pudesse responder ou alertá-la de que o senhor Fábregas não era uma pessoa comum, ele a respondeu sem ser solicitado novamente.

— Senhorita Roussos, eu estou sendo o mais sincero possível, é do meu maior interesse que vocês tenham sucesso nessa missão de vocês, mas enquanto Bertrand não termina seu estúpido treino de xadrez, nós iremos nos debruçar sobre um aspecto prático, que, admito, mais interessa a mim e ao meu clã, do que as senhoritas.

— Ajudaria Cesc e Louise realmente ou...

— Principalmente a Cesc. — Erick cortou Anne, que deu uma última lida na mente do homem, antes de acenar afirmativamente e entrar no carro.

— Então é seguro irmos com ele? — Dessa vez Marie nem se deu ao trabalho de disfarçar sua preocupação com a segurança das duas.

— A mente dele é artificialmente inofensiva, tenho certeza que ele está selecionando tudo que me deixa ver, mas acredito que se ele quisesse nos fazer mal realmente, ele não teria se dado ao trabalho de ser tão gentil conosco. — A monitora francesa respondeu já dentro do veículo aumentado magicamente, onde uma senhora loira, de aparência andrógena, os esperava silenciosa.

— Sinto uma enorme satisfação quando encontro uma mente inteligente, senhorita Beaumont. Não me leve a mal, não escasseava tolos nos meus tempos, mas o aumento da população transformou criaturas como nós em algo extremamente raro. — Erick sorriu, depois olhou para a mente da senhorita Roussos mostrando sua indignação através dos expressivos olhos de seu sobrinho. — E sim, criança, me refiro as duas, ambas são jovens muito promissoras.

— Bem, obrigada, mas... Como podemos ajudá-lo? — Anne-Marie perguntou verdadeiramente curiosa e menos ofendida, gostava muito quando elogiavam sua mente e não apenas sua aparência.

— A senhorita já está me ajudando enormemente, veja, há algum tempo tento entender melhor como funciona os mecanismos do corpo bruxo e essa experiência entre você e meu sobrinho está sendo muito esclarecedora.

— Então estou ajudando só estando... Parada? — A garota perguntou, fazendo uma cara boba, que dificilmente veria no rosto de Cesc. Erick sorriu para isso.

— De certa forma sim. No passado acreditávamos que mente, corpo e magia eram três partes de um só organismo e qualquer parte faltante faria o bruxo deixar de ser quem é. — Ele começou a explicação e as duas meninas o olharam levemente confusas. — Meu sobrinho já deve ter dito algo sobre isso, mas quando eu era só um djinn, uma criatura amaldiçoada, esse corpo não mais me pertencia, então, para todos os efeitos, eu não era eu mesmo.

— Louise comentou algo sobre isso, na verdade. Disse que você era um ancestral bem longínquo, que tinha tido uma espécie de segunda chance entre nós. — Anne falou com seriedade e Erick sopesou de leve as informações dadas pela sobrinha.

— Hum... Não exatamente longínquo, você vê? A nossa linhagem foi descontinuada, então, em termos de magia, eu, Cesc e Louise somos tão próximos quanto você e seu irmão Emile ou a senhorita Roussos e os seus dois irmãos caçulas. — Ele explicou fazendo ambas as garotas se entreolharem.

— Todo esse tempo de distância não afastou a magia de vocês? — Anne questionou em dúvida, porque dessa vez ele não estava a deixando ver as respostas muito bem. Na verdade ele não estava impedindo propriamente, mas havia um emaranhado muito grande e complexo de memórias que ela não sabia como lidar.

— Afetaria se houvesse modificações, transformações, miscigenações mágicas na linhagem de Cesc e Louise, mas a magia deles continua sendo basicamente a magia dos meus ancestrais. — Erick deu de ombros, conformado. Anne viu um rosto feminino difuso na memória dele, mas este logo desapareceu. — Sim, a magia é muito semelhante, porque minha irmã, responsável pela continuidade genética da família, a suprimiu.

— Suprimiu? — Marie questionou de cenho franzido, porque não sabia muito bem como isso era possível.

— Apagou. — O homem falou com veemência. — Não só deixou de praticar magia, como se relacionou com sem magias, condenou tudo aquilo relacionado a nossa cultura e de alguma forma envenenou todos os seus descendentes para se manterem afastado de qualquer um que pudesse reativar a chama da nossa linhagem.

— Como isso é possível? — A garota grega perguntou impressionada, porque devia ser preciso muito ódio e rejeição mágica para conseguir influenciar tantas gerações.

— Muito ódio e muita rejeição, de fato. Tenho uma enorme gratidão por esses tempos modernos, onde alguns valores arcaicos foram perdendo força... — Erick falou reflexivo e as meninas aguardaram pela continuação do pensamento. — Talvez eu não tivesse conseguido voltar a liberdade se as pessoas continuassem presas a... Cruz, por exemplo.

— E o que isso tudo tem a ver com a minha troca de corpo com Cesc agora? — Marie perguntou nervosa, porque não sabia se estava entendendo bem tudo que aquele homem esquisito estava falando.

— Tem que eu não poderia avaliar a relação entre o corpo e a magia de Cesc com aquela mentezinha perturbada dele bagunçando tudo. — Erick sorriu, depois olhou para Anne com um olhar cúmplice. — A mente dela é realmente um poço de tranquilidade, não é? Eu gosto da paz que ela emite.

— O que? Estamos falando da minha mente agora? — Marie perguntou confusa e Anne a ignorou para poder se concentrar na situação que tinha em mãos.

— Não sei se fico confortável colaborando com isso, senhor Fábregas, como você bem disse, o corpo e a magia pertencem a Cesc e fazem parte do que ele é. Se quer analisá-los, deveria pedir permissão a ele e contar com sua colaboração como uma pessoa razoável. — A monitora francesa concluiu nervosa, porque sabia que não seria uma chamada moral sua que iria tirar o homem de seu tortuoso curso de ação.

— Não irá me demover mesmo da ideia, senhorita Beaumont. Eu disse que no passado enxergávamos a unidade como indivisível, mas hoje já sabemos que pode ser dividida. Tanto pode que eu existi sem um corpo por muito tempo e até mesmo o grande lorde das Trevas pôde viver praticamente sem a alma, não é mesmo? — Ele falou com um sorriso irônico, mas Anne continuou o encarando com seriedade. — Embora alma e mente sejam coisas bastante diferentes, a senhorita não concorda? A mente se mantém, mas a alma... É perdida com uma facilidade alarmante.

— Isso o entristece? — Havia sido uma impressão rápida, quase imperceptível em meio a avalanche de pensamentos na cabeça dele, mas Anne havia captado o sentimento. O sorriso dele escorregou um pouco.

— Não... — Ele começou, mas então voltou atrás e resolveu que daria uma resposta mais próxima da verdade, o mais completa que poderia dar naquelas circunstâncias. — Não por mim ou por ele, o lorde das Trevas, mas por aqueles que seguem seu exemplo, embora com melhores intenções, graças a Nana.

— Devemos nos preocupar com isso? — Marie questionou levantando uma sobrancelha igualzinho a Cesc. Erick riu, porque aquilo era fascinante, nos últimos séculos havia se transformado em várias formas, mas era diferente quando via acontecer com outros.

— Eu não me preocuparia, como eu disse, às intenções são boas e independente da natureza da magia, são elas que determinam o que será Luz ou Trevas. — Ele falou enigmático, mas Anne não estava afim de deixar o assunto acabar com um simples pensamento filósofo esquisito.

— Se te entristece ver as pessoas seguindo caminhos ruins, não deveria aconselhá-las a isso, fingindo que não se importa com a natureza da magia que elas fazem. — A garota francesa falou isso o encarando nos olhos, até mesmo Váli demonstrou uma leve surpresa com o comentário. — Nem toda magia é neutra, senhor Fábregas.

Erick não disse nada por um tempo, porque não esperava que a leitorazinha de mentes pudesse ler tão fundo em seus pensamentos.

— Talvez não seja, mas a liberdade humana é neutra e preciosa, senhorita Beaumont. Se as pessoas me fazem perguntas que sei responder, não me resta outra coisa a não ser fazê-lo. — Ele pausou, a encarando com sinceridade, de um jeito que teria deixado assustado uma pessoa mais simplória. Anne Beaumont não era nem um pouco simplória, Erick constatou com satisfação. — Passei muito tempo privado do direito de escolher, não privaria terceiros nem que isso significasse a salvação deles.

— Você tem uma lógica ainda mais retorcida do que a de Cesc. — Anne falou com tristeza, depois se virou para a amiga, conformada. — Vamos, Marie, vamos acabar logo com isso.

— Acabar com o que? — A outra menina perguntou sem entender como haviam passado de um assunto a outro, mas Erick observava a ambas com atenção.

— Ele quer que você teste alguns feitiços, que use a magia de Cesc. — Anne respondeu automaticamente, depois olhou para o homem no outro lado do carro buscando por confirmação. Erick sorriu para ela.

— Sim... Deixe-me ver alguns feitiços, senhorita Roussos.

***

Louise havia batido na porta e se colocado para entrar primeiro, justamente para ser um rosto familiar e simpático, que não deixaria Edward “Teddy" Lupin na defensiva. Tinha estabelecido uma relação boa com o rapaz na época em que havia namorado com Frank, então usou a familiaridade para tirar a estranheza da visita.

— Oi, Teddy! Olha, mil desculpas por estar te incomodando aqui no seu horário de trabalho, nem tinha certeza se iria encontrar você aqui em pleno sábado, mas... Resolvi arriscar. — O jovem auror havia se levantado para cumprimentar a amiga de seus primos e ex aluna de Hogwarts. Louise ficou aliviada ao ver que ele continuava tão receptivo como sempre.

— Não precisa pedir desculpas, sua visita é mais do que bem vinda, chega uma hora que todos esses relatórios começam a parecer infindáveis... Mas me diga, como posso ajudá-la? Ou melhor, ajudá-las? — Ele gesticulou especificamente para a garota bonita parada na porta, aguardando ser apresentada.

— Ah sim, que cabeça a minha! Essa aqui é Anne-Marie Roussos, minha colega de Beauxbatons. Marie, esse aqui é o auror Lupin, que eu te falei antes. — Louise explicou com um tom de quem havia segredado muitas coisas para amiga, então Teddy as olhou curioso.

— Falou de mim? Sentem-se, garotas, fiquem a vontade. É um prazer conhecê-la, senhorita Roussos. — Ele sinalizou um par de cadeiras a frente de uma mesinha de escritório no canto do laboratório, parecia ter passado um bom tempo trabalhado no monte de pergaminhos lá. — Mas agora fiquei curioso, Louise, o que você falou a meu respeito?

Ele mesmo seguiu sua sugestão e se sentou, enfeitiçando os pergaminhos para que voltassem para seus arquivos ou que ao menos sumissem da sua frente e liberasse a vista para as duas garotas. Cesc sorriu malicioso, porque estava bastante óbvio que a aparência de Anne-Marie não havia passado despercebida pelo lufano.

Muito leais sim... Estava vendo o quanto.

— Não se preocupe, auror Lupin, Louise só falou o melhor sobre o senhor. Disse que trabalhou como professor substituto em Hogwarts, mas antes disso esteve em uma investigação envolvendo um dos professores de lá. — Umedeceu os lábios e se ajeitou melhor na cadeira, de uma maneira inocente. Cesc teve sua cota de observações de estratagemas femininos para saber que a inocência era algo que agradava os caras em geral. — Decidimos que o senhor seria perfeito para nos ajudar no nosso trabalho!

— Ajudar... — Lupin repetiu com um sorriso ladino, havia soado mais divertido com a possibilidade de ajudar duas colegiais do que malicioso realmente. — E como eu, um simples auror Júnior, poderia ajudar vocês duas? Imagino que não seja com nada ilegal ou perigoso, certo?

— Não, nada disso! Não se preocupe, Teddy, deixamos Cesc em casa! — Louise falou divertida e o aludido deu uma leve risadinha, para disfarçar a vontade de dar um chute na irmã por debaixo da mesa. — Na verdade temos um trabalho de Estudos dos trouxas para fazer, que consiste em um comparativo entre profissões bruxas e trouxas. Ficamos com a profissão de policial, cujo comparativo que a gente pensou foi com a profissão de auror.

— É a conexão mais lógica, sem dúvidas. — Ele acenou com a cabeça, ao mesmo tempo que tomava um gole de sua garrafa de água esportiva. — Aceitam água ou café, meninas? Eu posso...

— Não, senhor Lupin, não se incomode. — Cesc falou com simpatia, porque precisava cortar as distrações e ir direto ao assunto, porém sem levantar suspeitas. — Mas como Louise ia dizendo, escolhemos a profissão de auror, mesmo sendo a esperada, porque na nossa breve pesquisa sobre os Inomináveis, eles pareceram uma outra classe de profissionais.

— É, eu não... Bem, a gente não quis pesquisar coisas sobre eles, porque eles são muito esquisitos, mas ao mesmo tempo não queremos fazer um trabalho repetitivo e sem nada de novo, quero dizer, a maioria das pessoas conseguem ver as semelhanças entre aurores e policiais, então a gente quis dar um toque diferente ao trabalho. — Louise continuou, finalmente conseguindo dar a deixa perfeita para Cesc introduzir o assunto.

— Pensamos que além das informações básicas, o senhor poderia nos dar alguma coisa mais específica e bacana para apresentarmos. — Essa era a hora que tinha que parecer sem nenhum tipo de segundas intenções por trás, então Cesc mexeu nas suas coisas, para achar as anotações que Segundo havia feito para aquela missão. — Pesquisamos sobre as funções dos policiais e a de investigação criminal pareceu a mais interessante.

— E como você trabalhou ou está trabalhando no caso de Bradbury, não sei bem, mas tem algum tipo de envolvimento com essas coisas, achamos que poderia nos dizer mais ou menos como funciona um processo de investigação desse tipo. — A corvinal falou, depois acrescentou, antes que Teddy lhes desse uma resposta negativa. — Faremos o comparativo mais profundo a partir dessa atividade e isso faria toda a diferença do mundo pra gente!

Teddy respirou fundo, olhando para o outro lado do laboratório, porque não estava exatamente em uma posição muito confortável. Finalmente optou por ser sincero com as duas garotas a sua frente.

— Olha, meninas, a situação é a seguinte: eu ainda estou trabalhando no caso de Michael Bradbury e não tenho permissão para liberar detalhes sobre ele, especialmente para você,  Louise. — Ele falou, deixando a garota confusa.

— Especialmente para mim? O que isso quer dizer?

— O seu irmão foi uma das vítimas de Michael Bradbury, envolver vocês, mesmo que só falando superficialmente do andamento da investigação, poderia comprometer todo o processo e ainda colocá-los em risco. — Ele completou desconfortável, porque não era nem para estar falando sobre isso com ela.

— Então Bradbury ainda oferece risco direto para as vítimas? Tipo Fábregas, Dussel, Habermas... — Cesc ainda se lembrava de que era Anne-Marie Roussos, mas não podia deixar de confirmar essa informação. — Estudamos o caso e perguntamos a alguns colegas, como o próprio Cesc, claro. A lista de vítimas de Bradbury é bem grande, não?

— Sim, a lista de nomes das vítimas ou de alunos e ex-alunos que se envolveram com Michael Bradbury é bem grande, então você pode imaginar o quanto de trabalho estamos tendo para estabelecer um perfil e encontrar pistas válidas. — Lupin concluiu, depois franziu o cenho, desconfiado. — O que está anotando, senhorita Roussos?

— O passo a passo da investigação: manter as informações em sigilo, conversar com os envolvidos com o bandido para conseguir pistas e traçar o perfil dele... O que faz depois que traça o perfil? — Cesc perguntou para deixar Teddy confortável de novo, bem ciente que ele não havia respondido sua pergunta sobre o risco que Bradbury oferecia para ele, seu namorado e amigos.

— Bem, com o perfil traçado a gente consegue estabelecer objetivos, motivações, modo de agir e de pensar em situações de conflito, de estresse... É importante saber se o suspeito é do tipo que priorizaria a fuga ou pegaria um refém ou até mesmo iria tentar o suicídio. Temos que trabalhar com muitas variáveis, traçar um perfil nos ajuda a prever certos movimentos.

— Ok, legal, você falou sobre fuga... Hum... Bradbury empreendeu uma fuga, isso significa dizer que ele é do tipo que se fosse, sei lá, confrontado, sairia correndo? Porque se for, minha família não corre perigo, já que ele não iria buscar um confronto e sim focaria em desaparecer do mapa, certo? — Louise perguntou ansiosa e Cesc se limitou a olhá-la sem demonstrar nada, porque sabia o que ela estava fazendo.

— Não tenho permissão para falar sobre o perfil de Bradbury, Louise. — Lupin relembrou e ela fez uma careta de quem tinha pisado na bola.

— Ok, esqueça Bradbury, temos um plano B de todo modo, que é igualmente interessante: a gente pode usar o caso de Rabastan Lestrange como exemplo? — Cesc falou animado, sabendo bem que Teddy não compartilharia de seu bom humor.

— Céus, meninas, não tem um caso simples para trabalharmos não? — Ele falou exasperado, mas completou com um sorriso, ao ver as duas rirem de seu desespero. — Lestrange nem sequer está dentro do meu alcance, ele é um criminoso de alta periculosidade!

— Melhor ainda, porque a gente trabalha só com os dados dos jornais e você vai nos explicando quais seriam os procedimentos para o caso dele, sem estar revelando realmente o que foi feito. — Louise falou espertamente,  porque era exatamente isso que estava no plano de Fred: fazer parecer que o caso de Lestrange era só uma curiosidade remota e usar o bom raciocínio de Teddy para colocá-los a par dos movimentos dos aurores.

Teddy sopesou as implicações da proposta. Ele realmente não tinha envolvimento com o caso, não fazia ideia dos detalhes e no fim das contas só iria apresentar às meninas a abordagem básica ensinada na Academia de aurores,  não fazia ideia se os veteranos utilizaram essas técnicas ou não no caso.

— Está bem... Vamos usar o caso de Lestrange como exemplo. Me apresentem as informações que sabemos. — Ele se recostou na cadeira com um ar maroto, colocando as mãos atrás da cabeça. Os gêmeos se entreolharam surpresos com a mudança de postura.

— A gente te diz o que sabemos do caso? — Louise questionou desconfiada.

— Vocês queriam saber como é o raciocínio, não queriam? Então, a primeira etapa é justamente colocarmos na mesa tudo que sabemos sobre o suspeito. — Ele explicou e Cesc tomou nota, porque, trabalho ou não, aquilo poderia ser muito útil posteriormente.

— Ok... Tudo que sabemos vem dos jornais: Rabastan Lestrange é o último do ramo principal de sua família, foi condenado na primeira guerra contra Voldemort, envolvido na tortura dos aurores Longbotton e outra série de crimes hediondos, conseguiu escapar de Azkaban na fuga em massa de 1996, se envolveu novamente na segunda guerra, sendo preso na batalha de Hogwarts, em 1997. Ficou preso em Azkaban de 1997 a 2020, quando escapou no verão do ano passado.

Cesc concluiu, porque Fred tinha feito um excelente resumo sobre o criminoso para usarem naquele momento específico. Teddy acenou para as informações que ouvira atentamente. A garota francesa era bastante organizada, agora veria se ela era esperta também.

— Temos agora que tirar informações importantes desses dados, por exemplo, o que isso tudo que você me disse informa a respeito das conexões de Lestrange fora da prisão, senhorita Roussos? — Teddy perguntou diretamente para a garota francesa, mas Louise respondeu prontamente.

— Que ele não tem familiares próximos e que... Bem, os amigos dele também são comensais como ele, ou seja: estão mortos, presos ou fugindo também. — A corvinal falou animada, mas Teddy ponderou com calma.

— Podemos inferir sobre os parentes, mas relações de amizade ou parceria são mais complicadas. Contudo, é um bom palpite. — Ele elogiou, depois voltou para sua linha de raciocínio. — Ele fugiu duas vezes e participou de duas guerras, que traço a gente consegue deduzir a partir dessas duas informações?

Dessa vez levou alguns minutos até que Cesc finalmente viesse com a resposta, Louise parecia não estar conseguindo fazer a ligação em sua cabeça, descartando as possibilidades com caretas engraçadas.

— Que ele é obstinado. — Cesc falou, porque o homem era sonserino, depois de tudo. — Ele não desistiu da ideia de liberdade, da mesma forma que os primeiros anos em Azkaban não fizeram ele desistir da causa dele com o lorde das Trevas.

— Exato. Isso somado ao fato de que ele passou tanto tempo preso, significa dizer que ele provavelmente não aceitará ser capturado com vida. — Teddy falou com pouca animação, porque era um jogo que infelizmente tinha verdades por trás. — Claro que a gente tem que levar em consideração as circunstâncias das fugas, o que significa dizer que a primeira fase de toda investigação implica em juntar o máximo de informações possíveis sobre o suspeito, qualquer mínimo detalhe conta, tanto como prova para condená-lo, como peça do quebra-cabeças.

— Certo... Informações sobre as fugas: a primeira foi em massa, imagino que ele aderiu por conveniência e porque realmente parecia que ia dar tudo certo para eles, o lorde das Trevas tinha retornado, todos os comensais livres... — Cesc fingiu procurar em seus papéis e depois encarou o auror Lupin com um biquinho frustrado muito charmoso nos lábios de Anne-Marie, tinha certeza. — Mas não tenho nada sobre a fuga dele mais recente. Que coisa chata!

—Ah, mas eu sei um pouco sobre essa, porque na época não se falava de outra coisa na Espanha! — Louise entrou no teatrinho do irmão, chamando a atenção de Teddy para si, o fazendo acreditar na ignorância e desinteresse real das duas pelo caso. — Lestrange foi transferido para Olhoaren, prisão espanhola, para que a ala dele fosse reformada. Ninguém sabe como ele fez, mas aparentemente ele conseguiu render os aurores responsáveis pela transferência e fugiu já em território espanhol!

— Como um homem sem varinha conseguiria render aurores treinados? — Cesc perguntou falsamente chocado, depois sorriu malicioso para Teddy. — A menos que...

Teddy havia colocado os cotovelos na mesa e as mãos no queixo, assistindo as duas meninas tagarelarem animadas. Não era nem de longe como acontecia as discussões no quartel, mas Roussos havia chegado rápido na mesma hipótese que ele.

— Quando se trabalha com criminosos de alta periculosidade ou que outrora já tiveram certa influência em áreas importantes da sociedade... Os casos precisam ser sigilosos e as informações restritas, assim há como rastrear quem poderia ter passado uma informação privilegiada como uma data exata ou a lista de aurores envolvidos na transferência de um preso...

— Então foi algum tipo de esquema entre ele e os guardas? — Louise perguntou curiosa, porque não imaginou que teria uma confirmação desse nível de Teddy.

— Não dá para afirmar se foi uma corrupção com os guardas, se foi com alguém do setor de transferências de Azkaban ou com gente de outros níveis dentro do Ministério. — Ele ponderou com cuidado, então voltou ao tipo de informação segura que serviria para o propósito delas ali. — Mas é bom salientar que nesses casos nenhuma hipótese é descartada e todo o sistema passa a ser posto em suspeita.

Os irmãos se entreolharam com o mesmo nível de surpresa, porque não imaginava que os aurores tinham esse grau de crítica interna e independência dos poderes.

— Então um auror em uma investigação tem permissão para investigar todo mundo? Até mesmo seu superior? — Cesc perguntou impressionado e Lupin sorriu para o choque da garota francesa.

— Se tiver uma evidência que implique em um envolvimento... Nenhum bruxo está acima das leis, menos ainda aqueles que prestaram juramento a sociedade, esses são os principais interessados em ter seu nome desassociado de um caso o mais rápido possível. — Ele respondeu com um sorriso simples. — De toda sorte, quando se tem um fugitivo do nível de Lestrange, qualquer informação é válida e as etapas se misturam: eu posso traçar o perfil ao mesmo tempo que vou a campo procurá-lo.

— Até que ponto do passado vocês investigam? A gente fez uma pesquisa superficial e encontrou que ele recebeu visitas de parentes distantes, que houve uma comissão dos direitos dos bruxos checando Azkaban e proibindo o uso direto de dementadores... Teoricamente ele deveria estar em isolamento máximo para não arquitetar uma fuga como essa, mas pelo visto não foi o que aconteceu.

Louise falou como quem não quer nada, sem saber muito bem como introduzir toda a questão da participação de Lestrange na pesquisa de Bradbury ou na sua mudança de comportamento brusca depois disso.

— O que faz as suspeitas maiores recaírem sobre agentes anteriores ao processo de transferência: com quem Lestrange teve contato direto? Quem o escolheu para ser transferido para Olhoaren? Qual o poder de barganha que um homem como ele ainda possui? — Teddy jogou as perguntas no ar, sem interesse real de respondê-las.

— Você sabe como foi a fuga dele, senhor Lupin? — Cesc perguntou com cuidado, porque poderia perder a cooperação dele a qualquer minuto, se forçasse muito a barra. — Não precisamos de detalhes, mas seria legal saber se ele roubou a varinha de alguém, se fez um feitiço não verbal ou...

— Runas. — Teddy falou sucinto, depois achou por bem completar, afinal, já tinha caído na besteira de revelar um segredo interno para civis, que ao menos fosse uma informação válida. — Na verdade um desses feitiços africanos... A gente conhece a magia com varinhas e acha que tudo se resume a isso, mas a verdade é que tem gente lá fora fazendo coisas inacreditáveis.

— Runas simples? Tipo as que se aprende na escola ou especiais? Ele teve acesso a uma tinta mágica? — Dessa vez Louise perguntou de fato impressionada, porque magia africana era nova na história que tinham até agora.

— Sem tintas mágicas, ele usou sangue. — Teddy falou e Cesc se arrepiou com a ideia, porque seus dias em Uagadou já haviam lhe dito tudo que precisava saber sobre o poder desse material em feitiços perigosos. — Ele fez uma magia de dissolução simples, aproveitou a troca da guarda e apenas dissolveu o piso da carruagem. Já haviam feito a contagem de presos, cada um em uma cela própria, só deram conta do sumiço dele quando chegaram a outra prisão.

— Então foi uma fuga silenciosa, ele não saiu duelando? — Cesc perguntou e depois se fingiu de desinteressado. — Que coisa mais sem graça, não é?

— Sem graça e esquisita! Quero dizer, não teve nada nos jornais falando que Lestrange tinha conexão com magia da África... Será que os investigadores foram tentar descobrir onde ele aprendeu esse feitiço ou eu que estou dando importância demais a isso? — Louise perguntou e Teddy ponderou bastante antes de responder.

— Nós nunca descartamos nada e eu me lembro bem que essa informação fugia bastante da curva do perfil de Lestrange, os chefes não pareciam muito contentes com isso, porque ninguém sabia onde diabos ele tinha aprendido feitiço africano. — O auror falou divertido, se lembrando da confusão que tinha ficado o quartel no dia da fuga do comensal.

— Mas eles falaram isso para todos? Achei que você tinha dito que o caso era ultra sigiloso! — Cesc perguntou confuso,  fazendo o lufano dar de ombros.

— A investigação atual é, mas a fuga foi notícia em todos os lugares, tivemos um grande trabalho para abafar os detalhes e não alarmar os cidadãos ingleses e espanhóis. — Ele apontou para o pergaminho na mesa, com ênfase. — Anota aí também, senhorita Roussos: embora algumas investigações sejam sigilosas, se o criminoso entrar na categoria odiador de trouxas, sua busca tem que ser informada para a força policial local.

— E como isso é feito sem revelar o mundo bruxo? — Louise perguntou, enquanto Cesc tomava nota. Aquilo também era muito importante.

— A gente fala diretamente com os nossos responsáveis pelas relações entre mundos, eles adaptam os crimes para a legislação trouxa e inserem um feitiço nominal: quando qualquer policial fala o código do procurado, mesmo que só em um sussurro, nós somos acionados aqui no quartel.

— E vocês já receberam alguma notificação de Lestrange enviada pelos policiais? — Cesc perguntou, depois acrescentou mais uma pergunta em tom cético, para obrigar o homem a sua frente a responder mesmo que não quisesse. — Esse sistema funciona de verdade, auror Lupin?

— O sistema funciona, usamos para vários criminosos antes, mas é bem certo que esperávamos um retorno mais rápido das buscas de um fugitivo tão aparentemente sem recursos como Lestrange. A última aparição dele foi em um bosque ainda na Espanha e até onde sabemos, ele não tem familiaridade alguma com florestas e vida selvagem, é possível que já tenha morrido e a gente nem sabe. — Ele deu de ombros, conclusivo. — Mas nada disso nos diz respeito, certo, meninas?

— Sim, verdade. Então vamos ver se eu anotei tudo certinho: primeiro passo é buscar tudo que se sabe sobre o bandido, sem deixar escapar o mínimo detalhe... O senhor teria uma lista de perguntas que compõe esse perfil do criminoso? — Cesc parou de ler o pergaminho, para encarar a expressão divertida de Lupin.

— Não temos permissão para entregar esse tipo de informação na mão de civis. — Ele falou com uma falsa pena, apesar de não sentir muito de verdade. Não era para adolescentes estarem gastando seu tempo analisando perfil de criminosos.

— Certo, certo... Perfil traçado, vocês tentam antever o que o fugitivo quer, com quem poderia contar e do que seria capaz. — Deu uma pausa buscando por confirmação, que Teddy ofereceu com um aceno de cabeça. — Em caso de um criminoso que não goste de trouxas, tem que avisar aos policiais. Isso é tudo?

— Não, não pode ser tudo! O que acontece se o cara não odiar trouxas ou se os policiais não emitirem nenhum alerta? Como vocês decidem que vão caçar um bandido? Vocês saem em rondas ou... Sei lá, dão batidas em casas aleatórias em busca do fugitivo? — Louise perguntou com um certo toque de impaciência, porque Teddy havia falado muito pouco para valer uma viagem até ali.

— O trabalho de campo consiste em ir atrás de evidências, quanto mais a gente descobre, mais perto ficamos de estar cara a cara com o fugitivo, de certa forma vamos fechando o cerco. — Ele esclareceu, sorrindo para a corvinal a sua frente. — Pode acontecer de “tropeçarmos" nele ou de conseguir um alerta da comunidade, mas o mais comum é as evidências apontarem para um lugar específico onde ele tem altas chances de estar, nesse caso organizamos uma missão bem planejada, para diminuir ao máximo a chance de uma nova fuga.

— O elemento surpresa é importante aí, né? — Cesc ajudou, para ele continuar falando.

— Sim, em uma missão complicada geralmente envolvemos um grande contingente de aurores, levamos curandeiros para possíveis maldições lançadas, fazemos feitiços anti-aparatação e dependendo da gravidade do caso, até evacuamos o entorno, tudo com muita rapidez.

— E quando o lugar é uma simples floresta... Qual a dificuldade de perseguir um homem sem varinha em uma zona que teoricamente não tem ninguém morando? Desculpa, eu ainda não consegui tirar o caso de Lestrange da cabeça, como é que vocês deixaram ele escapar? — Louise perguntou exasperada e Teddy sorriu para isso, porque também tinha uma corvinal inquieta em casa.

— O caso dele foi muito específico, uma infelicidade. Prisioneiros não podem ser aparatados ou transferidos via pó de flú ou chave de portal, porque há um grande risco de resistências, levando a um estrunchamento. Então a transferência é com uma carruagem voadora e, ao chegar nas fronteiras com outros países, o veículo tem que passar por uma inspeção criteriosa.

— Tá, mas isso não responde a minha pergunta. — Louise falou impaciente e Teddy riu levantando as mãos em sua defesa.

— Calma que eu ainda não acabei! No caso de Lestrange, a carruagem saiu de Azkaban e voou direto para Galícia, na Espanha, onde foi vistoriada. Seguiu viagem até a ilha de Minorca, localidade mais próxima de Olhoaren e onde foi feita a vistoria que detectou a ausência dele. Lembro que o auror responsável conseguia se lembrar de vê-lo em sua cela enquanto sobrevoavam Barcelona, mas não conferiu novamente até chegar ao destino.

— Agora eu vou ter que fazer coro com Louise, senhor Lupin. Mas o que tudo isso tem a ver com o fato de que ninguém foi atrás de Lestrange na floresta em que ele supostamente escapou? — Cesc perguntou exasperado, porque Teddy estava enrolando demais até para os padrões lufanos!

— Tem a ver com o fato de que ele esperou o ponto certo para escapar: longe dos mares, em uma zona protegida, repleta de criaturas mágicas e cuja a jurisdição espanhola nos impediu de simplesmente invadir o lugar para capturá-lo! — Ele concluiu com pesar. — Ou o homem era brilhante ou ele era muito sortudo.

— Então quer dizer que a floresta era próxima de Barcelona... Ela não teria nada a ver com o Hospital mágico que tem por lá não, né? — Cesc perguntou desconfiado, porque era só o que faltava, tudo isso ter algo a ver com seu antigo estágio obrigado de ex-prisioneiro.

— O HECCMA? Talvez eles façam algum trabalho por lá, mas não tem nenhuma conexão direta não, são relativamente distantes. — Teddy falou com uma leve curiosidade despontando, porque aquele era um bom palpite. — Mas por que pensou no HECCMA, senhorita Roussos?

— Eu não sei bem... Acho que o fato dos espanhóis se preocuparem tanto com as criaturas mágicas a ponto de ter um hospital poderia ter ajudado Lestrange a escolher o local como ponto de fuga perfeito. — Cesc deu de ombros, diminuindo a importância do fato. —  Mas isso era só um palpite distante...Talvez o senhor tenha razão e ele tenha sido comido por algum lobisomem ou alguma criatura ainda pior. Quem sabe?

Droga! Cesc se arrependeu assim que terminou de falar, porque Teddy tinha feito uma careta de leve para disfarçar o desconforto com o comentário. Mas que grandíssima merda, havia pensado em Maikai e em seu bando, que gostavam de se embrenhar em bosques e nem tinha se lembrado do pai lobisomem do lufano a sua frente, um herói de guerra que não tinha nada de perigoso.

— Acredito que não haja nenhuma conexão com o HECMMA realmente. Cesc fez um trabalho voluntário lá, não foi, Louise? — O auror passou por cima do assunto rápido, se os gêmeos não soubessem melhor, teriam até achado que esse tipo de coisa não o incomodava. Louise sorriu com a lembrança do irmão supostamente distante.

— Ah sim, mas não foi exatamente voluntário, ele estava cumprindo a pena por conta daquela confusão toda com nosso tio Erick. — Ela falou feliz de poder afastar de vez essa gafe do irmão com o pai de Teddy. Não pôde recriminá-lo pela indelicadeza na hora, porque aquilo era uma coisa que Anne-Marie não saberia e que bem faria tocar nesse assunto de todo modo? — Enfim, acho que já conseguimos um bom material aqui, Teddy, tem algo mais que ache que a gente precisa saber sobre investigações?

O rapaz franziu o cenho de leve, mas, antes de responder, sorriu para o que quer que tivesse lembrado. Cesc ficou feliz de ver que ele não parecia chateado de verdade com o preconceito contra a “espécie” de seu pai.

— Só mais uma coisa: acho que tanto policiais quanto aurores levam muito a sério as teorias da investigação. Em alguns casos não há provas ou testemunhas e na maioria das vezes os dados parecem não levar a lugar nenhum, então um bom investigador, em qualquer um dos mundos, precisa ter uma boa bagagem de leitura e uma bela dose de imaginação. — Ele sorriu ante o olhar de confusão das duas garotas. — Na maior parte do tempo estamos escrevendo histórias e hipóteses que talvez nunca tenham acontecido.

— Nunca tinha olhado por essa perspectiva... Então ser criativo é um pré-requisito para ser investigador? — Cesc perguntou curioso, porque sempre havia pensado nos aurores como figuras quadradas, muito chatos e seguidores de protocolos.

— Não é um pré-requisito, mas ajuda bastante. — Ele deu uma última piscada travessa, então os gêmeos entenderam a deixa para finalmente irem embora.

— Bem, auror Lupin, obrigado por sua colaboração com o nosso trabalho, sei que tem coisas muito mais importantes a fazer com o seu tempo, mas você nos ajudou imensamente. — Cesc falou já se levantando, guardando o material de volta na bolsa.

— Sim, nunca poderei agradecer o suficiente, Teddy. — Louise complementou, aceitando ser encaminhada para a saída. Teddy abriu a porta e esperou ambas as garotas passarem pelo marco.

— Foi divertido, as coisas por aqui podem ser bem chatas de vez em quando, eu é quem agradeço a oportunidade de sair do marasmo. — Ele sorriu e acenou com a cabeça para as duas. — Novamente, foi um prazer conhecê-la, senhorita Roussos. E Louise, mande lembranças a família, diga a Cesc que ainda estou aguardando ele tomar juízo e me entregar as poções que ele me deve da aula.

Louise riu e Cesc se controlou para não revirar os olhos, porque Teddy era um idiota com uma memória muito boa para seu próprio bem. Hogwarts destruída, ele já em outra escola e o cara ainda se lembrava de trabalhos não entregues? Muito idiota mesmo!

— Pode deixar, Teddy, vou passar o recado. Tchau! — As meninas deram um último adeus antes de terem a porta fechada atrás de si. Esperaram sair completamente da sessão dos aurores antes de falar novamente, por segurança. — E então, descobrimos alguma coisa relevante?

— Acho que a história da fuga, com o lance do feitiço africano. — Cesc fechou melhor o casaco, procurando o celular, só depois lembrando que havia ficado em seu corpo, para compor o personagem de Marie. — Que horas são agora, Louise? Já está na hora de trocar de volta?

A garota olhou rápido para o relógio no pulso esquerdo, tinham saído mais cedo do que o previsto, então Cesc ainda tinha quase meia hora como Anne-Marie. Teria que esperar a garota francesa pegar seu corpo de volta e ir para França, para só então receber Cesc vindo com uma chave de portal ilegal conseguida por Enrique.

— Ainda temos um tempinho antes da troca, mas me explica melhor, o que acha que tem nessa história de feitiço africano? Algo que você viu em Uagadou? — Perguntou ainda sem saber se deveria ficar chateada ou não com o resultado daquela conversa toda.

— Não, está mais para aquelas pequenas coisas que a gente não tinha uma explicação muito lógica antes, pelo simples fato da gente não achar que era um mistério importante de fato. — Ele falou, enquanto se sentava na pequena mureta ao redor do monumento no centro do átrio do Ministério.

O monumento agora era uma fênix dourada carregando o mundo nas costas, girando sem parar. A criatura representava a vitória das forças do bem, sempre renascendo das cinzas. Ela levava ainda um globo profético no bico, fazendo referência a batalha no Departamento de Mistérios, que antecedeu a queda do Lorde das Trevas há algumas décadas.

— Tipo o quê? — Louise perguntou em dúvida.

— Tipo o fato de Lestrange, como Carl Dolus, ter ido até Uagadou, onde perdeu a caixinha para início de conversa ou o fato de Bella Thompson ter ido estudar na escola africana, mesmo isso não fazendo sentido nenhum. — Cesc falou exasperado, fazendo a irmã o encarar sem entender nada.

— O que uma coisa tem a ver com a outra? — Perguntou de cenho franzido.

— Sabemos que Lestrange está procurando alguma coisa de Thompson, ele foi para Uagadou e para Koldorovetz atrás disso. Scorp e Rebeca acharam símbolos estranhos nas anotações de Thompson roubadas por Lestrange, talvez se John tivesse com esse diário e não com o inútil cheio de desenhinhos de Bella, provavelmente descobriríamos que os símbolos são africanos, na verdade!

Concluiu impaciente, porque era bem a cara dos iconoclastas estarem com as peças do quebra-cabeças trocadas. Colocou uma mecha do cabelo escuro de Marie atrás da orelha, esperando Louise acabar de absorver seu raciocínio.

— Acha que o que Lestrange está procurando é alguma coisa de Thompson com esses feitiços africanos que Bradbury usou para fugir? — Louise gostava de teorizar com Cesc, porque ele era, como Teddy havia dito, criativo e ajudava o fato de que ele sempre falava o que pensava em voz alta, depois ela só tinha o trabalho de organizar tudo em uma linha lógica e coerente.

— Poderia ser! A verdade é que não sabemos muito sobre Bradbury ou Thompson, não me surpreenderia em nada se eu descobrisse que eles têm um passado com Uagadou ou que Bradbury foi criado no meio da floresta! — Revirou os olhos céticos, porque era só o que faltava. — Lestrange pode ser muito urbano e desatualizado, mas como pocionistas jovens e espertos, Thompson e Bradbury podem ter ido para qualquer lugar antes de... Você sabe, se ferrarem.

— Concordo, precisamos descobrir mais sobre os dois... E quanto a Bella? O que você acha que ela tem a ver com isso? Ela era muito pequena quando o irmão morreu, é meio inútil até mesmo para saber como ele era de verdade, a percepção de uma menininha de menos de 5 anos não é a coisa mais confiável do mundo. — Louise concluiu triste, porque era realmente uma pena que a garota nunca tivesse conhecido o irmão.

— Não foi nesse sentido que a mencionei, quis dizer que deve haver uma razão para ela ter escolhido Uagadou dentre todas as escolas! Tenho certeza que as amiguinhas dela não foram para lá, então ela deve ter ido porque isso é especial para o irmão de alguma forma, afinal ele é o único da família, além dela, que tem conexão com o mundo bruxo.

— Será? Quero dizer, sim, eles são os únicos bruxos da família, mas será que a conexão com Uagadou é o irmão? Talvez seja só porque ela quis ir mesmo... — Cesc não a respondeu, então a garota continuou refletindo sobre o assunto, até se lembrar de um outro tópico importante. — E quanto ao HECCMA?

— O que tem o HECCMA?

— Você o mencionou por algum motivo? Acha que Bradbury pode ter se infiltrado lá como uma criatura mágica ou... Viajei demais? — Louise perguntou sem graça e Cesc a olhou com seu olhar mais cético, antes de finalmente rir da cara de sua gêmea.

— Sim, definitivamente viajou demais. Vamos esperar para ver o que as Annes descobriram e jogar as ideias no grupo, mas lembre-se do que Teddy e até mesmo o insano do nosso tio disse: nenhuma possibilidade deve ser descartada. — Falou com um tom solene, usando a bonita voz de Anne-Marie, depois deu um de seus clássicos sorrisos maliciosos, mesmo no rosto alheio. — Menos essa, porque essa sua ideia é uma merda!

***

Erick havia ido embora há alguns minutos, então às Annes estavam agora terminando de beber uma água para que Anne-Marie pudesse finalmente se acalmar. Ela havia deixado a sempre saudável pele de Cesc em um tom pálido e sem vida com toda a experiência dos últimos minutos.

— Pronto, pronto, não foi tão ruim assim... — Anne deu tapinhas consoladores na mão da amiga, que a olhou como se pudesse lhe arrancar a cabeça com a força do ódio. Podia ver tudo em seu rosto e mente, então resolveu ser sincera. — Ok, isso foi bem ruim, mas pense pelo lado positivo, esse problema na verdade não é seu.

— Ah, pode ter certeza que estou mais do que feliz de entregar essa magia descontrolada para Cesc, o problema todo é que aquele garoto também é... — As pessoas no café olharam para o casal de adolescentes franceses com curiosidade, então Marie abaixou o tom de voz novamente. — Eu, Cesc Fábregas, sou tão descontrolado quanto a minha magia!

Terminou tudo em um sussurro gritado, sem necessidade, já que Anne podia ler a aflição em sua mente. A garota loira ajeitou melhor a boina antes de dar o seu veredito da situação.

— Honestamente, não temos que nos preocupar com Cesc e sua magia  pelo simples fato da mente dele ser confusa o suficiente para minar qualquer concentração que ele precise para ativar todo o potencial dela. — Anne falou isso com segurança, enquanto folheava o cardápio com uma leve curiosidade.

— Mas o tio dele tem planos de ajudar ele a focar em suas habilidades, então aí sim esse probleminha vai virar um problemão! — Anne-Marie contra-argumentou irritada com a calma da amiga.

— Erick Fábregas gosta de se fazer de confiante, mas ele sabe que Cesc não tem que superar apenas a confusão mental dele para atingir o patamar que ele quer, o sobrinho teria que ter toda uma outra formação de caráter. — Anne concluiu e depois apontou para o smothie de cramberry com empolgação no cardápio, havia achado seu pedido. — Cesc é naturalmente bom e embora seja doido, ele não gosta do poder pelo poder, iria usar uma possível melhora de suas habilidades para o bem.

— Não me leve a mal, amiga, mas você sabe muito bem o que eu penso das suas habilidades para classificar caráter baseado em simples pensamentos. — Anne-Marie fez a melhor amiga a encarar de novo, Anne já estava distraída fazendo o pedido de seu smothie para o garçom. — Não me olhe assim, Sebastian, por exemplo, foi um grandíssimo erro.

— Sebastian não foi um erro! Eu sempre soube que ele era cabeça-dura e arrogante, a questão toda é que as qualidades dele sempre superaram os defeitos. — Anne se defendeu, porque mesmo em seus piores momentos, Sebastian havia sido um ex-namorado decente.

— Essas supostas qualidades nunca superaram nada.

— Obviamente o que não conta aqui é o seu julgamento parcial sobre o caráter alheio, porque um comentário de um garoto de 11 anos vai te fazer olhá-lo com maus olhos até ele ficar velhinho! — Anne provocou, fazendo a amiga dar de ombros com o corpo de Cesc, coisa que combinou perfeitamente com o olhar de desprezo do garoto espanhol.

— Para mim caráter se forma cedo e Sebastian é tão mau caráter quanto parece. — Ela falou ainda com um tom petulante, fazendo Anne rir de sua bobeira. — E você tem mau gosto sim, Héstia te livre dos garotos bonitinhos, mas convencidos e preconceituosos...

— Sebastian não é preconceituoso, ele só é um garoto muito protegido. — Anne falou com diversão, aguardando a amiga terminar de pedir seu brioche com frapuccino, porque aparentemente o corpo de Cesc era uma coisinha faminta e rebelde. Assim que o garçom foi embora, continuou. — E não dá para uma deusa grega virgem me proteger de amores ruins, infelizmente, não é?

— É virgem, mas é... Ok, não olhe agora, mas acho que o nosso cara acabou de entrar no café. — Anne-Marie assistiu discretamente o rapaz de vinte e poucos anos se dirigir diretamente ao balcão de sobremesa com um sorriso largo e porte de quem era dono do mundo. Anne assistiu tudo através da mente da amiga.

— Ele parece realmente bastante despreocupado, embora não dê para ler a mente dele direito dessa distância. — As duas garotas se mantiveram discretas até que o rapaz de cabelos castanhos em um corte moderno terminasse de flertar com a atendente e fosse sentar na mesinha do canto, ao lado da grande parede de vidro que dava para a rua tranquila. — Pronto, agora sim podemos abordá-lo.

Anne se levantou elegantemente da cadeira, então Anne-Marie avisou ao garçom para servir seu pedido na mesa do jovem de sobretudo índigo. Kaleb Bertrand parecia alheio a tudo, iniciando a leitura de seu exemplar de “Dominando o centro do tabuleiro", estratégia de xadrez que Anne sabia que dificilmente ele dominaria através de livros.

— Um bom enxadrista passa mais tempo em frente a um tabuleiro do que em frente aos livros. — A monitora francesa se sentou à mesa com decisão, tirando o foco de Kaleb da sua leitura recém iniciada. Anne sorriu para a leve surpresa do rapaz. — Olá, Kaleb, é um prazer conhecê-lo.

— Eu te... Bem, está óbvio que eu não a conheço e nem... — Anne-Marie ocupou a terceira cadeira da pequena mesinha redonda de pés curvados, fazendo o sonserino olhar para a dupla com uma curiosidade ainda maior. — Ora, não conheço nenhum dos dois, terei uma pista de quem são ou terei que adivinhar?

Estava mais do que óbvio que Kaleb Bertrand era um típico herdeiro bem nascido, confiante porque todos ao seu redor deveriam sempre ter lhe informado sobre o que era seu por direito, então por que haveria de se preocupar com o fracasso?

A prova disso é que Erick estava certo em dizer que achariam ele após se dedicar a um de seus hobbies favoritos: o clube de xadrez bruxo incrustado em uma ruela bem frequentada por jovens de toda Europa, igualmente brilhantes em seus futuros pré-estabelecidos no berço.

As reuniões eram mais sobre fazer parte de um metiér do que ser realmente habilidoso no xadrez, o tio de Cesc havia informado.

— A nossa identidade é tão relevante para você quanto o nosso motivo para estar aqui. — Anne-Marie arriscou o inglês com seu sotaque confuso mesmo e ficou feliz ao constatar que até mesmo com a voz e aparência de Cesc, seu charme permanecia intocável. — Se importa de embarcar em uma aventura onde a gente vai apenas falando o que der vontade e assim todas as peças vão se encaixando aos poucos?

— E como isso poderia ser justo, se vocês obviamente sabem quem eu sou e eu não faço ideia de quem sejam? — Ele respondeu olhando de um para o outro, se detendo mais um pouco no rosto do jovem sentado a sua frente. — Você, eu tenho a impressão de que conheço de algum lugar...

— Ajudaria dizer que quem nos enviou foi Erick Fábregas? — Anne-Marie continuou com o flerte, coisa que aparentemente Cesc também era bom, porque Bertrand estava respondendo bem aos estímulos.

Anne viu reconhecimento nos olhos do rapaz, que logo abriu um sorriso animado. A lembrou a reação de um labrador feliz, especialmente porque ele só conseguia associar a figura enigmática de Erick com festas e diversão.

— Então é daí que eu te conheço! Você é o mais novo romancezinho de Dussel! — Kaleb falou animado, batendo a mão de leve na mesa. — Eu nunca esqueço um rosto! Minha irmã adora dizer que minha memória ruim vai me fazer ser morto algum dia e eu até posso esquecer o nome, a personalidade e de onde eu conheço o sujeito, mas eu nunca esqueço um rosto!

Anne riu de leve, porque ele só se esquecia de tudo que era importante na pessoa, menos do rosto. A irmã, Juliet Bertrand, tinha razão em se preocupar com a integridade dele, Kaleb era obviamente um homem vivido em muitas coisas, mas a mente era inocente para todo o resto.

— Bem, Dussel já está nisso a quase um ano, então eu não chamaria a mim mesmo de “romancezinho". — Anne-Marie se sentiu na obrigação de defender o namoro de Cesc. Ele era doido e tinha a magia doida, mas o namoro dele com Enrique Dussel era fofinho e merecia ser defendido!

— Você chama seu namorado de Dussel? — Kaleb questionou com um riso travesso brilhando nos olhos. Anne-Marie aproveitou que o garçom estava chegando com seu pedido na mesa para responder igualmente divertida.

— Você não? — Perguntou em um tom preguiçoso. Anne achou que era melhor encaminhar a conversa logo para onde queria, porque a mente do britânico não estava indo exatamente para onde elas haviam planejado.

— Bem, Kaleb, deixando todo esse... Assunto de lado, estamos aqui porque Erick nos falou que você era o cara perfeito para nos explicar algumas coisas em que acabamos tropeçando nas nossas... Andanças por aí. — Anne falou com um tom um pouco forçado de descontração, que fez o rapaz sorrir como um predador.

Estava óbvio para ele que havia custado muito para uma bonequinha de porcelana de olhos azuis brilhantes como ela falar algo tão informal como a palavra “cara”. Mas tinha que admitir que estava intrigado para saber até onde ia aquela conversa mole dela e do namoradinho de Dussel.

— Ok, se tem algo a ver com o grande Fábregas, o anfitrião sumério, digo, muito me interessa, porque o cara sabe como se meter em umas boas confusões. — Kaleb falou animado e Anne teve que se controlar para não rir do pensamento horrorizado de Anne-Marie. Sim, Bertrand só não tinha morrido ainda, porque qualquer que fosse a força que regia o mundo, era algo que gostava enormemente dele.

— Imagino que sim, meu tio é um grande especialista em meter os outros em confusão, mas de toda forma, o que viemos discutir com você diz respeito à um ramo mais curioso de sua família. — Anne-Marie deu uma pausa na fala para morder o seu brioche e mastigar com calma. Assim que a boca estava livre, retomou a palavra. — Nos fale um pouco sobre o ramo Lestrange, por favor.

— Lestrange? — Kaleb franziu o cenho, então Anne disfarçou o sorriso enquanto bebia seu smothie de quase meio litro. Havia detectado um certo nervosismo nos pensamentos do rapaz. — Por que vocês iriam querer saber sobre isso?

— Por que não iríamos querer saber? Os Lestrange ganharam um capítulo inteiro no livro de Skeeter, perderam o nome com uma certa dignidade... Me perdoe se estiver sendo grosseiro, mas ter um tio fugitivo parece ser algo bem excitante, não acha? — Anne-Marie agora tinha pegado pesado, porque o pobre labrador Kaleb estava em dúvida entre animar o flerte com o namorado dos outros ou saber mais sobre esse interesse bizarro por esse ramo de sua família.

— Eu nunca tinha parado para pensar nessa perspectiva. Para mim todo esse assunto do tio Rabastan sempre foi um grande aborrecimento, os aurores de tempos em tempos batem na minha porta querendo saber se ele finalmente entrou em contato, quero dizer, por que ele entraria? — Kaleb havia feito uma pergunta retórica, enquanto acrescentava o creme no topo de seu chocolate quente com aparência de ter um sabor rico e uma textura espessa e aveludada na boca.

— Acredito ter lido algo sobre os Lestrange levarem a coisa toda do sangue nobre bem a sério... Pelo que Skeeter falou, não era só sobre ser irracional com o lance de pureza como o restante dos comensais, mas de seus ancestrais realmente acreditarem que havia algo especial no sangue de vocês especificamente. — Anne falou com calma, porque sabia bem que após uma revelação desse grau de interesse na família dele, viria uma enxurrada de pensamentos desconexos.

Ela estava certa em pensar que esses dados iriam incitar memórias antigas e bastante material de leitura na mente do britânico, mas Kaleb obviamente não era o típico herdeiro da nobreza purista, ele era bem diferente dos desconfiados e precavidos Aizemberg, como Samuel, por exemplo.

— Ah sim, toda a parte Lestrange da minha família tem essa coisa entranhada na cabeça desde pequenos. Mas não é exatamente sobre ser superior aos outros, apenas temos o sangue diferenciado e reconhecido entre os nossos. — Kaleb deu um gole generoso em seu chocolate, antes de continuar despreocupadamente. — Todos os artefatos, conselhos e orientações de magia e senso de lealdade familiar estão atrelados ao sangue. Até mesmo um bastardo é tão Lestrange quanto qualquer um de nós sob essa ótica.

— Então faz sentido que os aurores que buscam seu tio se sintam impelidos a saber onde repousa a sua lealdade familiar, não faz? — Anne-Marie questionou com ironia e o rapaz parou para refletir sobre o assunto antes de abrir um sorriso divertido, seguido por um gole no chocolate e uma resposta animada.

— Sim, faz mesmo, de fato. — Anne se conteve para não revirar os olhos ante mais essa resposta tonta.

— Então vocês não acham que o sangue Lestrange é superior, apenas desenvolveram objetos e teorias interessantes usando o sangue de vocês como chave, é isso? — A monitora francesa perguntou animada, porque se podia ter as respostas simples vindas diretamente da boca de Bertrand, não perderia seu tempo procurando informações naquela mente boba e desorganizada.

— Sim, é exatamente isso. Meus ancestrais eram bastante espertos a ponto de atrelarem tudo ao sangue, então não importava o quanto os alheios tentassem se beneficiar dos nossos avanços, apenas os Lestrange podiam dominar os poderes Lestrange. — Kaleb replicou orgulhoso, então Anne-Marie resolveu que estava na hora de guiá-lo para onde queriam.

— E vocês ainda hoje tem artefatos e feitiços que só obedecem ao sangue Lestrange? — Era uma pergunta direta, típica de Cesc, então caso os dois se encontrassem em uma festa depois, o britânico não iria estranhar a troca de personalidades, talvez estranhasse o seu sotaque francês, Anne-Marie pensou conformada.

O mais provável era que não estranhasse nada, afinal ele lembrava do rosto das pessoas e só. Bonitinho, mas igualmente tolo, coitado.

Porém dessa vez Kaleb não respondeu de imediato, como parecia ser típico de sua natureza confiante e aberta. Anne ficou subitamente alarmada, porque uma parede sólida se formou estranhamente na mente do rapaz. Até mesmo sua postura, forma de segurar a xícara e de respirar mudou com o fechamento da mente.

— O que importa a dois fedelhos de Beauxbatons o que nossa família faz ou deixa de fazer com os artefatos Lestrange? — O tom de voz era diferente, seco, com uma nota de crueldade, de quem encara a existência alheia como uma forma insignificante de vida.

— Nós só estávamos curiosos, é sempre bom saber mais a respeito do nosso passado mágico. Certamente os Lestrange foram importantes para a formação da sociedade bruxa, tanto a daqui da França, quanto a inglesa. — Anne-Marie falou fingindo inocência, mas os olhos de Kaleb agora pareciam bem mais afiados, quase como se pudesse ver dentro de sua alma.

Anne fez algo que geralmente não fazia: deliberadamente procurou as brechas naquela parede mental e deixou que a amiga lidasse com o escrutínio feroz de Bertrand e a estranha mudança do rapaz, até então, muito simpático, sozinha.

Precisava saber exatamente o que tinha ativado suas defesas mentais.

— Interessante... — Não parecia realmente interessante, Bertrand havia falado mais como se fosse algo irritante. — O senhor não parece muito você mesmo hoje, senhor Fábregas... Há algo que eu deva saber sobre o seu estado psíquico?

— Meu estado psíquico? — Marie riu nervosa, como se não estivesse entendendo de onde ele havia tirado tamanho disparate. Kaleb não riu com ela. — Eu acho que estou tão bem quanto sempre estive, não faço ideia do que você está falando, Bertrand! Parece que o seu chocolate veio com um creme batizado...

Tentou usar o tipo de humor levemente zombador de Cesc, mas a postura do homem havia mudado demais, parecia alguém que nunca tinha dado risada de coisas bobas na vida. Anne-Marie não estava gostando nada, nada da mudança de clima no ambiente.

Estava prestes a inventar uma desculpa qualquer para tirar as duas de lá, quando Bertrand agarrou sua mão pousada desleixadamente sobre o garfo que estava usando para comer seu brioche esquecido.

— Como conseguiu usar Le convertisseur? — A voz de Bertrand era agora um rosnado e as unhas bonitas e bem cuidadas cravaram na mão de Anne-Marie como garras cruéis.

— O conversor? — A tradução do termo em francês foi mais automática do que por obra do Marduk de Cesc, porque aquela era sua língua materna, assim como era a dos Lestrange. Anne-Marie ficou grata que o homem não havia agarrado sua mão com a luvarinha, porque aquilo deixaria a situação um pouco pior. — Bem, senhor Bertrand, está mais do que óbvio de que a gente passou um pouco dos limites nessa conversa, então, se nos dá licença, nós temos algumas coisas para fazer, não é mesmo, Anne? Anne...

Olhou para amiga, que esperava que tivesse captado algo mais na mente daquele homem completamente transtornado que substituíra o simpático irmão de Juliet de dois minutos atrás.

— Os Aizemberg perderam a caixa deles? — A voz da garota loira soou como um sussurro, mas foi o suficiente para roubar completamente a atenção do homem que ainda segurava a mão de Anne-Marie por cima da mesa. — Não se preocupe, senhor Bertrand, não viemos aqui para roubar a caixa do seu filho...

Anne falou quase em um tom de súplica, porque havia conseguido se esgueirar por baixo da barreira mental de Kaleb e aquele certamente não era o jovem animado com quem havia conversado antes. Na verdade, aquele era um pai protetor muito, muito bravo.

— A maior das audácias é alguém achar que pode roubar um de nós e ainda voltar para roubar o outro. — O patriarca dos Bertrand falou tudo com um sorriso de canto de boca mais cruel do que seu tom e olhos ferinos. Se Kaleb tivesse o mínimo de maldade em si, teria sido um jovem bruxo bastante intimidador, o pai demonstrava o potencial do corpo com maestria. — Mas irei reaver o que é nosso por direito, vocês podem entregar antes ou depois de sofrerem as consequências de seus atos, vocês escolhem.

— O senhor entendeu errado, não fomos nós que roubamos a caixa dos Aizemberg, nós só...

— Para o tártaro com isso, Anne, acabou a hora das desculpas, nós temos que ir! — Anne-Marie falou tudo praticamente no mesmo fôlego e antes que a amiga pudesse ler o plano que ela tinha acabado de bolar ou que Bertrand pudesse reagir a essa fala, a garota puxou a mão de debaixo das garras do homem e levantou com um salto, com os olhos arregalados. — ELE TEM UMA BOMBA!

Apontou a mão com a luvarinha de Cesc para o chão do café francês bem frequentado e agradeceu a todo o Olimpo pela magia sensível do dono do seu corpo emprestado, porque a explosão que causou foi digna dos filmes trouxas que seus pais gostavam de assistir no cinema.

Era mais um feitiço pirotécnico do que um feitiço de explosão em si, mas foi o suficiente para jogar o corpo de Kaleb para o fundo do recinto e quebrar a parede de vidro que dava para a pacata rua francesa por onde haviam chegado.

Anne-Marie puxou a mão de uma Anne ainda chocada e atravessou o vidro quebrado mesmo, sem se preocupar se iria ou não cortar as mãos de Cesc. A amiga a seguiu tentando ver se haviam causado um desastre muito grande no corpo do pobre Kaleb.

— Terrorismo? Sério, Anne-Marie? No meio de Lyon? — Anne esbravejou ainda desorientada. As duas agora seguiam o fluxo de moradores e turistas correndo desesperados em direção a avenida principal do quarteirão. — Era suposto que fizéssemos um trabalho de espiãs, não um trabalho de um estabanado soldado de chumbo!

— O homem iria matar a gente, você não viu ele falando que a gente ia sofrer as consequências do roubo antes ou depois? — Marie respondeu exasperada. Viraram em uma rua menos movimentada, ouvindo o barulho das sirenes dos carros de polícia se aproximando do local da explosão. — Você queria que eu convidasse ele para tomar mais um chocolate quente?

— Bem, agora estamos bem encrencadas, porque aquele era o pai de Juliet Bertrand, nossa colega de dormitório e eu acho que ela e o primo, Samuel Aizemberg, vão ficar meio chateados por termos incriminado o parente deles como terrorista! — Anne falou com ironia, olhando por cima do ombro, morrendo de medo de ter sido seguida por Bertrand. Qualquer um dos Bertrand, na verdade.

— Bem, fazer o que? Estou começando a achar que esse negócio de ser uma iconoclasta é uma grande furada, se quer saber! — Anne-Marie resmungou e então parou com a respiração um pouco entrecortada pelo esforço da corrida. — Acho que está na hora de devolver esse corpo para Cesc, não acha?

— Ai, ai... Ele vai ficar furioso com a gente! — Anne fez uma careta já pensando no quanto aquela confusão iria irritar o espanhol dramático. — Ah bem, mas a culpa foi do tio dele, depois de tudo, né?

— Para ser sincera, eu posso repassar essa culpa para Erick Fábregas sim, sem problemas! — Marie concordou colocando as palmas para cima em sinal de rendição. Um carro negro parando ao seu lado a fez pular para a calçada soltando um gritinho assustado.

— Ok, ok, aceito a culpa pelo bem da reputação de santas de vocês, agora entrem no carro! — Erick havia aberto a porta do veículo e dado espaço para ambas voltarem para a quase segurança de sua companhia. As garotas francesas se entreolharam em dúvida, então a cabeça de cabelos escuros voltou a aparecer pela abertura da porta com um olhar impaciente. — A oferta não é por tempo indeterminado, então entrem de uma vez!

Bem, estar com Erick Fábregas não podia ser tão mais perigoso do que ficar ali a deriva aguardando para serem capturadas pelo patriarca Bertrand, não é? As duas entraram no carro com rapidez e confiança total dessa vez.


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Notas finais do capítulo

Ah bom, um monte de coisa aparecendo (ou não) e mais uma saída nada discreta dos nossos queridos iconoclastas, de um núcleo diferente, pelo menos!

Guia para vocês refletirem:
— Descobertas sobre a fuga de Lestrange;
— Relação entre Bradbury e Thompson mais Uagadou - o que Bella foi fazer lá?;
— Onde está Bradbury agora;
— O que houve com a caixa dos Aizemberg;
— O que vai acontecer agora que os Bertrand sabem quem está com uma de suas caixas perdidas;
— O que diabos Erick quer dessa vez, minha gente, até eu fico confusa com ele! kkkkkkkkkkkkkk

Bjuxxx

P.S.1: Anne e Erick conversando sõ terríveis, ambos respondendo perguntas nunca ditas, coitada de Marie!

P. S.2. Dessa vez nem foi Cesc q colocou tudo a perder, embora todo mundo tenha ficado rezando para ele não fazer nenhuma besteira. Coitado do garotinho!



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