Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 23
Capítulo 23. Durmstrang


Notas iniciais do capítulo

Não vou recaptular muito, pq nem tem muito tempo q a gente se viu:

— Rebeca e Scorp são pupilos dos Arrhenius, em especial de Arthuria;
— Chris tem interesse na garota Durm, então pede para Scorp ajudá-lo a se aproximar dela;
— Em troca, o garoto metamorfomago topou ajudar Scorp a chegar até a Rússia;
— País onde se localiza a escola de Koldovstoretz, onde Carl Dolus vai fazer uma apresentação em breve, segundo informações que o pessoal de Beauxbatons descobriu na casa dele.

Acho que isso é tudo.



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Arena de duelos marciais de Durmstrang, Escandinávia, 29 de outubro de 2021

Alec estava ansioso com o duelo esquisito que o irmão havia aceitado contra uma desconhecida, de fora do ranking, então Scorp e Rebeca pensaram que aquele era um momento tão bom quanto qualquer outro para apresentar Macmillan a pelo menos um dos Arrhenius.

— Arthuria disse que você vai assistir o duelo lá das vigas e que a gente podia usar um pouco da sua visão estratégica da luta e enfiar algo nas nossas cabeças duras... — Rebeca começou inocentemente e tendo recebido apenas um resmungo mal-humorado do garoto, fez sinal para Scorp e Chris se aproximarem. — Então tá, a gente vai subir com você.

Ele já estava no meio da viga, quando olhou para trás, apontando para o metamorfomago seguindo Malfoy como quem não quer nada. Droga, estavam tão perto!

— E esse aí, quem é? — Alec tinha mãos grandes, então parecia fácil para ele agarrar a chapa de metal retorcido e equilibrar todo o peso do corpo enorme em só uma mão e pé. Os outros não tinham tanta sorte, estavam começando a suar e ver a si mesmos espatifados no chão da arena.

E ainda tinham que responder a perguntas difíceis? Ele só podia estar brincando!

— Sou literalmente ninguém, ou melhor, quem você quiser! — Macmillan respondeu fazendo graça e Scorp o repreendeu com o olhar, mas aparentemente aquela resposta tinha sido o suficiente para o campeão da arena.

Ele seguiu seu caminho para uma das barras horizontais de sustentação do telhado do prédio, encontrando um ponto perfeito para assistir o duelo contra essa adversária misteriosa de Thomas. Respirou fundo e olhou o nome dela novamente no painel, ao lado do nome do irmão mais velho, na segunda posição do ranking.

Cinder Magjistaire.

Ninguém parecia conhecê-la das aulas, embora o feitiço do painel não aceitasse pessoas de fora de Durmstrang ou codinome, então ela apenas era tão misteriosa quanto se propunha a ser com aquele capuz absurdo.

Alguns colegas disseram lembrar do sobrenome no ranking da falcoaria, mas não podia haver ranking mais distante do que esse em relação ao de duelos: os “falcões” não gostavam dos duelistas, era uma rivalidade histórica, pelo que sabia. Então isso explicava porque ninguém da comunidade sabia dizer quem ela era de verdade.

Alec se distraiu vendo Rebeca, uma das pupilas da irmã, dar um gritinho, quando o garoto novo passou por cima de sua cabeça, estando ela e o namorado já sentados na viga. O britânico novato sorriu para ele com inocência, mas se tivesse parado aí, não o teria irritado tanto.

— Acho que esse lugar aí do seu lado é meu. — Ele apontou para o outro lado de Alec, que impedia o acesso dele a outra parte da viga. O sonserino estava com uma aparência muito comportada para seus padrões, usando olhos azuis de cor regular e cabelos igualmente azulados, com reflexos negros.

O duelista campeão voltou a olhar seu irmão se aquecendo concentrado, ouvindo as instruções severas de Arthuria, então foi pego de surpresa quando o britânico misterioso deu um salto lateral por cima de sua cabeça, aterrissando quase que perfeitamente do seu outro lado.

Quase, porque ele cambaleou um pouco, forçando Alec a segurar o tornozelo dele em um ato reflexo. O outro setimanista parecia não ter notado, porque estendeu os braços e fez uma vênia para sua plateia imaginária, ignorando o quase acidente que causou.

— Nota 9,8. Pequeno erro de aterrissagem, Chris. — Disse a si mesmo, antes de se sentar do lado do Durm mal-humorado. Sorriu novamente, provocando covinhas nas bochechas e leves sardas inocentes no nariz, apenas porque ninguém podia se irritar com ele quando usava suas covinhas e sardas. — Obrigado por me segurar, mas eu não ia cair, eu sou mestre nisso.

Alec o encarou, tentando lembrar de onde conhecia aquela criatura, franziu o cenho com intensidade e assim que se conformou de que não poderia identificar sozinho a origem do outro garoto, se voltou novamente para os pupilos de sua irmã, sem paciência.

— Quem é este e como eu posso fazê-lo ir embora pacificamente? — O tom de voz do segundo Arrhenius mais novo - ou velho, dependendo do parâmetro - indicava que ele estava disposto a se livrar de Macmillan por outros meios, além dos pacíficos.

— Arthuria viu potencial nele. — A mentira escorregava dos lábios de Rebeca com uma facilidade assombrosa, então restou a Scorp apenas concordar com a informação da namorada.

— Ele luta? — Alec perguntou com calma e nem mesmo Rebeca poderia mentir com uma pergunta tão direta. Na verdade, ela podia, mas Macmillan foi mais rápido.

— Eu danço.

O tom foi desafiador e até mesmo o azul pálido que o metamorfomago havia escolhido como cor dos olhos hoje brilhou em desafio. O Durm apenas o encarou sem expressão e então fez um sinal afirmativo com a cabeça.

— Dançarinos são disciplinados e tem bom equilíbrio.

Alec disse a informação sem grandes alardes, como se aquilo bastasse para explicar a escolha da irmã. Os três sonserinos respiraram com alívio e pelo menos um deles, o mais velho, sorriu com orgulho.

Chris Macmillan não precisava da aprovação de um duelista taciturno, sabia que suas habilidades na dança eram mesmo formidáveis, mas, desde criança, gostava de ouvir a opinião alheia sobre sua paixão.

Principalmente se fosse uma opinião favorável.

Os quatro adolescentes sentados na viga finalmente voltaram sua atenção para o evento que acontecia mais abaixo, no tablado central da arena. Thomas Peter Arrhenius havia sido desafiado por uma garota fora do ranking - aparentemente até mesmo de fora do mapa! - e o mais surpreendente de tudo foi que ele havia aceitado o desafio.

Arthuria achava que aquilo era uma péssima ideia, mas até aí nenhuma novidade, no dia que concordasse com alguma ideia de Thomas, teria que arrancar a cabeça dos próprios ombros, porque ela não serviria mais para nada, nem mesmo para colocar chapéu.

— Ainda está em tempo de desistir, enquanto o cronômetro não começar a correr, você ainda pode voltar atrás no desafio. — A garota tentou mais uma vez, tirando a capa do irmão mais velho, observando a adversária dele do outro lado do tablado.

— Não é hora para enfraquecer minha moral, Thurie, precisa fazer a leitura dela para mim. — Ele resmungou indignado, porque Alec também o havia chamado de idiota e aquele mistério todo em volta da desafiante estava começando a atingir seus nervos.

— Pois é exatamente disso que se trata, Peter, como posso ler alguém que eu não conheço? — A sextanista respondeu exasperada, estapeando o peito dele, enquanto ele fazia o mesmo com os braços, para aquecer os músculos. — Algo me diz que ela será dramática e teatral, entretanto, então talvez seja sensato levar sua varinha para a luta.

O garoto estalou a língua nos dentes com desdém, encarando a garota solitária do outro lado do tablado. A torcida se aglomerava ao redor dos dois, suas Mary pulavam animadas, as apostas eram feitas - todas favoráveis a ele, como tinha que ser - então ele estava começando a entrar no clima da luta.

— Sensato. — Cuspiu a palavra com desprezo, então Arthuria concluiu o aquecimento com um tapa na testa dele, o fazendo rir. — Vou deixar a varinha no bolso, só para trazer paz ao coração descrente da minha irmã.

— É melhor usá-la dessa vez ou acabará na sarjeta de uma vez por todas. Terá que se reerguer do nada, como Mikail Kavinsky. — Ela falou, finalmente saindo da zona de combate. Thomas a encarou confuso.

— Quem é esse tal de Kavinsky? — Perguntou distraído, ouvindo o oficial do duelo começar a ditar as regras para a desafiante. Fiscais sempre apareciam quando os duelos tinham um quê fora do comum agora, depois do incidente entre Alec e Vladimir.

— Exato. — Arthuria concluiu vitoriosa, fazendo o irmão revirar os olhos. O oficial chamou os combatentes para o centro do tablado.

Ele checou as varinhas, analisou se nenhum dos dois levava algum objeto cortante ou ilegal, como soqueiras ou canivetes trouxas e antes de declarar o início do combate, Thomas arriscou um sorriso charmoso.

— Tem certeza que você não quer tirar esse capuz esquisito para me deixar ver seu lindo rostinho? — Não custava nada arriscar, mas a garota continuou devidamente escondida, apenas seus lábios com um batom violeta esboçaram um pequeno sorriso. — Ok, então.

O oficial saiu da frente dos dois, enfeitiçou o cronômetro, então aquela foi a deixa para Thomas bater o talco das mãos e se colocar em posição de combate. A tal Magjistaire continuou no mesmo lugar e se ela pensava que ele iria pegar leve só porque ela estava levando tudo na brincadeira, ela estava muito enganada.

No entanto, assim que o cronômetro começou a contar os primeiros segundos, a garota arregaçou as mangas de seu traje de luta, mostrando um par de tatuagens amarelas nos pulsos. Sua varinha estava bem presa em um coldre na altura das costelas agora.

Svetlana chiou ansiosa atrás de Thomas e sua irmã lhe gritou algo que, infelizmente, estava bem óbvio a essa altura.

— É uma maldita feiticeira, usa a varinha, Thom!

Ele sacou a varinha, mesmo que todo seu corpo protestasse contra aquele atestado de que não era capaz de lidar com uma feiticeira pelos métodos convencionais. Mas a verdade era que Thomas Peter já havia visto seu pai lutando contra duelistas do tipo e eles eram sempre grandes dores de cabeça, com seus feitiços ancestrais de família.

— O que? O que aconteceu? Por quê todo mundo ficou nervoso de repente? — Chris não entendia absolutamente nada de luta, mas entendia de tensão e o sueco ao seu lado havia virado uma estátua grega de tão parado que estava.

— É uma feiticeira, faz feitiços espontâneos. — O garoto falou baixo, então teve sua conclusão comprovada assim que a desafiante começou a flutuar só um par de metros abaixo de onde estavam. — Merda...

— Ela pode fazer isso? Pode voar? — Agora quem perguntava era Scorp, impressionado que ninguém tinha lhe dado essa informação crucial. A encapuzada começou a atirar feitiços, pequenas explosões amarelas, aproveitando a vantagem da altura.

— Pode ficar com os pés fora do tablado por 15 segundos, a menos que esteja em uma imobilização, o que não é o caso. — Alec informou hipnotizado, vendo seu irmão desviar dos ataques com a agilidade que sempre lhe fora característica.

— Então só temos que aguardar que ela seja desclassificada e... Nossa, olha aquilo! — Rebeca apontava para o que Magjistaire tinha acabado de fazer. A garota misteriosa havia tocado um dos pés no tablado e se içado de volta ao ar, desviando com facilidade das mãos grandes de Thomas Arrhenius. — E fez isso com aqueles saltos!

— Maldita! Vai nos ter torcendo para ela antes do fim da luta! — Chris falou empolgado, depois murchou de leve, ganhando mais tons de negro no cabelo azul, com o olhar furioso do Arrhenius ao seu lado. — Quero dizer: vai Thomas Peter, nem te conheço e já te adoro!

O sonserino do último ano transformou um dos dedos em uma bandeirola improvisada, que fez Alec o olhar com mais estranhamento do que admiração. Bem, aquilo não era surpresa, a maioria das pessoas achava meio nojento quando ele transformava partes de seu corpo em objetos inanimados.

Uma explosão maior do que as anteriores chamou a atenção do grupo de volta a luta em um momento crucial: Thomas havia feito outro rolamento lateral, mas parecia que havia sido atingindo no ombro esquerdo. Suas vestes de luta soltavam uma fumaça pouco promissora.

— Traz ela para o chão, Thom! — Arthuria rosnou pela terceira vez, então Svetlana desabafou, impaciente.

— Ele precisa de uma instrução mais clara, só pedir para ele trazê-la para baixo não vai funcionar agora! — A terceiranista desabafou, mas Arthuria não lhe deu atenção.

Não perderia tempo explicando a garota mais nova as técnicas psicológicas de sua família nesse exato momento. Seus irmãos e ela agiam por instinto durante os duelos, então sim, Thomas precisava de alguém que ficasse lhe gritando para manter o foco na estratégia a frente.

Thomas parecia estar racionalizando, contando os segundos de distância entre um toque do salto da garota no chão e outro, mas assim como ela, estava ficando cada vez mais frustrado: 13 segundos, 12 segundos, 9 segundos... Ela não seguia um padrão!

O mais velho dos Arrhenius quase conseguiu acertar um de seus chutes altos na feiticeira, mas havia hesitado, então o golpe passou pelo menos dois segundos atrasado por seu alvo. Arthuria respirou fundo para se acalmar ante o nervosismo do irmão.

Ele estava ofegante e desestabilizado emocionalmente, Arthuria não lembrava a última vez que ele havia se machucado sério em um duelo. Colocou as mãos em conchas ao redor da boca, em uma última tentativa, porque quem quer que fosse aquela garota, estava dominando seu irmão completamente.

— TRAZ ELA PARA O CHÃO!

Qualquer um poderia dizer que aquele feito da garota havia servido como um quebrador de maldições, porque no mesmo segundo em que Thomas Arrhenius parecia virtualmente acabado, ele retomou o fôlego e deu um de seus famosos saltos felinos.

O rapaz de 17 anos já tinha mais de 2 metros de altura e com o impulso que lhe fez famoso na escola e segundo colocado no ranking de duelos marciais, Thomas acrescentava quase isso a seu alcance vertical.

Sua mão direita agarrou a perna esquerda da adversária e seus mais de 100 quilos de puro músculo trouxeram a feiticeira misteriosa com feitiços dourados e tudo para baixo. A garota foi arremessada no chão com força, caindo sobre as próprias costas.

Todo o ar que Cinder tinha nos pulmões foi arrancado naquela queda, seu capuz também havia lhe abandonado de uma vez por todas. Arrhenius agora gritava seu triunfo no meio do tablado, como o bom selvagem que era.

Ele finalmente desceu os olhos para a garota que quase, quase mesmo, havia acabado com o reino de glória de sua família nos duelos marciais, só para encontrar um par de olhos escuros em um rosto de boneca.

Bem, aquilo não era o que ele estava esperando.

Cinder Magjistaire tinha traços de uma garota delicada e seus cabelos compridos, presos em uma trança dupla de boxeadora, eram tão escuros quanto seus olhos. Ok, havia a chance de haver realmente um rosto bonito por trás do capuz, mas Thomas não esperava que fosse um tão desconcertante.

Infelizmente aqueles segundos de contemplação muda foram mais do que o suficiente para a garota recuperar o fôlego e enviá-lo voando para o outro lado do tablado. Ele caiu com mais elegância do que ela, em três apoios - pés e mão do lado que não estava machucado - mas tinha ficado perigosamente perto do limite do combate.

— Thom, ela está vulnerável, ataca! — Arthuria deu as ordens, então do chão mesmo Thomas se desviou de mais uma das explosões da garota, depois a acertou com um chute lateral, parado por seu excelente sistema de feitiços tatuado no pulso.

As runas antigas em um tom amarelo, quase dourado, subiram até o antebraço com o esforço da magia involuntária, mas Cinder aproveitou a força do impacto, para dar mais alguns passos para a direita e escapar do que poderia ser uma sequência de golpes letais do babaca do Arrhenius.

A garota colocou uma vantagem confortável entre os dois de novo, mas dessa vez decidiu que não iria mais flutuar para longe dele. Não, estava na hora de Thomas Peter Arrhenius sentir mais uma prova da força de sua magia.

O garoto sueco se preparou para voltar a lutar, mas ao invés disso assistiu a menina ativar suas runas com uma série de movimentos hipnotizantes. Ainda ouviu Arthuria gritar algo para ele, mas não conseguiu identificar as palavras, não até o feitiço de sua adversária finalmente ficar pronto.

— Usa a varinha, seu idiota!

O alerta da irmã veio um pouco tarde demais dessa vez, Cinder havia invocado um chicote de quase dois metros de pura eletricidade azul, completamente fora da paleta de cores de seus feitiços até agora.

— Mas que mer...

O feitiço impressionante parecia saído de algum livro antigo narrando as supostas aventuras de Morgana Le Fay de forma fantasiosa. Chris, Scorp e Rebeca até chegaram a recolher os pés para cima da viga, de tão próximo que a linha azul brilhante se aproximou deles.

Alec prendeu o fôlego, porque sabia o que vinha depois daquilo. A luta já beirava a seu sétimo minuto, os dois duelistas já estavam cansados, a plateia ansiosa, então o campeão da arena sabia muito bem o que a feiticeira faria agora e não havia nada que pudesse fazer para evitar aquele desfecho.

O chicote estalou em um som macabro ao se enrolar ao redor de um dos tornozelos de Thomas, o içando e finalmente o atirando para fora dos limites do tablado. O corpo do garoto de dois metros aterrissou sobre um dos armários de equipamentos, alguns metros depois de onde o último espectador assistia o duelo.

Alec desceu da viga pulando de uma altura de 4 metros, como se não fosse nada, então os colegas abriram caminho para ele, que logo foi seguido por Arthuria, até o lugar onde o irmão havia caído.

Thomas estava desacordado e o cheiro de queimado que exalava da perna do garoto fez o oficial declarar o desafio ganho pela senhorita Cinder Magjistaire, nova segunda colocada do ranking de duelos marciais.

Nenhum aluno ousou comemorar a vitória da garota.

Arthuria se ajoelhou ao lado da cabeça do irmão mais velho, o trazendo para seu colo, checando os sinais vitais e a pupila, mas Thomas permanecia assustadoramente quieto.

— O que a gente faz? — Alec não gostava daquele tom de voz saindo dos lábios da irmã, mas ficou feliz ao ouvir a determinação em um sotaque britânico, ainda não suficientemente familiar para identificar o seu dono de primeira.

— Agora a gente leva o seu irmão para a enfermaria, senhorita Arthuria Lena. — Chris se abaixou ao lado da garota e executou um impressionante feitiço de imobilização no garoto caído. Alec acenou agradecido, deixando os dois, mais Svetlana formarem um cortejo apressado em volta do irmão.

Se virou para a garota misteriosa, respirando com dificuldade, lábios roxos entreabertos e olhar de quem estava surpresa com o desfecho da luta tanto quanto qualquer outro.

— Te desafio a um duelo, data e hora de sua preferência. — Alec falou alto o suficiente para ser ouvido, mas não de forma a demonstrar toda a sua fúria.

— Meu problema não é com você, Arrhenius e já está resolvido. — A menina o respondeu segura, colocando as mangas de sua túnica de volta no lugar, sobre as tatuagens de runas antigas.

Scorp e Rebeca, assim como todos os adolescentes presentes, olharam de um Durm para outro, esperando alguma reação que os permitisse voltar a respirar em paz. A Terra parecia ter ficado em suspenso também.

— Se conhece as regras, sabe que não pode recusar um desafio do primeiro colocado do ranking, isso a eliminaria automaticamente do quadro. — O oficial da luta a avisou, então Cinder deu de ombros, fingindo uma despreocupação que não sentia de verdade, não esperava machucar o Thomas Arrhenius em outro lugar além do seu ego enorme de macho alfa.

— Não me importo com as regras, não vou lutar contra você, Arrhenius. — Ela disse enquanto passava por Alec. Chegou perto o suficiente para ouvir a ameaça implícita na voz com um sotaque sueco marcado.

— Veremos.

***

Scorp estaria mentindo se dissesse que sua maior preocupação nesse exato momento era com a saúde de Thomas Arrhenius, que por sinal parecia ter saído praticamente intacto do duelo, com exceção de seu ego gigantesco agora ferido. O loiro estava muito mais preocupado com uma mentira prestes a ser revelada bem diante de seus olhos.

— Eu costumo usar o feitiço de resfriamento junto com os emplastros, porque reduz o inchaço e melhora a dor. — Macmillan falou cuidadoso, enquanto ajudava Alec a enrolar as bandagens no pé do irmão, sem a ajuda de magia.

A enfermeira da escola olhava o grupo com irritação, mas já devia estar acostumada, esses meninos Arrhenius quase nunca iam até ali e quando iam, se recusavam a usar as poções e medicamentos tradicionais.

Rebeca olhou para o namorado com uma dose extra de alarme, porque logo, logo Arthuria pararia de tentar consolar o irmão mais velho e perguntaria quem diabos era aquele garoto de cabelo azul no meio da enfermaria, pergunta essa que começaria um grande caos e colocaria todo o plano deles a perder.

Macmillan também poderia ajudar mais nessa sua infiltração forçada no grupo, sendo discreto, parando de flertar com qualquer um dos Arrhenius que olhasse em sua direção, verdade fosse dita.

Os sonserinos agradeceram a intromissão e curiosidade sem limites e sem noção de Svetlana, que se sentou no leito ao lado para bombardear Thomas com perguntas inconvenientes.

— O que vai fazer agora que não é mais segundo colocado? Posso conseguir alguns duelos para você, mas nenhum acima do centésimo colocado, já vou logo avisando... — A garota começou ajudando a aumentar ainda mais a carranca do mais velho dos irmãos duelistas.

— Não preciso de caridade, Khodchenkova.

— Não seja idiota, claro que precisa! — Arthuria falou com impaciência, depois sorriu para a garota do terceiro ano. — Qualquer ajuda é bem-vinda, Svet. Acho até que lutar com os menos conhecidos vai te dar algum senso de humildade, Thom.

— Não tem nada a ver com ser desconhecido, os que estão depois do número 100 são apenas ruins, Thurie, para de florear a realidade. — O rapaz de 17 anos falou colocando um dos braços sobre o rosto, em tom derrotista.

Thomas tinha um grande curativo no ombro esquerdo e seu pé acabara de ser enfaixado pelo irmão gêmeo, bem menos preocupado com sua autoestima do que deveria. Alec não se importava com o ranking e sabia que o irmão não tinha com o que se preocupar também.

— Assim que seus ferimentos fecharem e eu derrotar aquela garota, a gente troca de lugar em um duelo de camaradas e pronto. — Isso chamou a atenção de todos, principalmente de Thomas. Alec o olhou como se o desafiasse a encontrar um defeito naquele plano. — Eu vou seguir a carreira de curandeiro e não preciso do ranking, de qualquer forma. Você pode ficar com a minha primeira colocação.

— Eu nunca...

— O plano inicial era passar para Arthuria antes de sair da escola, mas tenho certeza que ela ainda tem tempo de sobra para galgar o título, diferente de você. — Ele completou com tranquilidade, aumentando ainda mais a indignação do gêmeo.

— Eu posso lutar minhas batalhas sozinho, Alec! E certamente não vou aceitar uma posição herdada, como se fosse um desses perdedores filhinhos de papai! — O garoto orgulhoso recebeu um olhar impaciente do gêmeo, mas continuou seu discurso inflamado mesmo assim. — Só me resta duas alternativas: vou lá e venço aquela garota, tomando meu lugar de volta ou volto de baixo, como um duelista qualquer!

— Você não está sendo realista, Thomas, esse é nosso último ano, não dá tempo de começar tudo de novo. — Alec rebateu cansado da arrogância do irmão, porque não custaria nada ele aceitar o título. Ninguém ousaria questionar o merecimento de Thomas, ele ainda era um dos melhores lutadores da escola depois de tudo.

— Por que não? Eu comecei literalmente do zero e já estou na posição 52 depois de apenas um mês, por que Thomas não pode chegar a, sei lá, décimo lugar no mesmo período? — Scorp perguntou realmente intrigado com todo aquele drama dos irmãos. Thomas era um bruxo e estaria curado dos ferimentos em no máximo dois dias, depois era só voltar ao tablado e estava tudo certo.

Chris concordava com Malfoy, mas preferiu ficar quieto, porque já tinha se exposto demais naquele dia. De acordo com o plano deles, ele deveria ser discreto e se infiltrar de uma forma que os Arrhenius nunca questionassem como ele chegou ali, então usaria a discrição que economizou a vida toda nesse momento.

— Porque ninguém conhece e teme você, é por isso. — Svetlana, como sempre, assumiu a responsabilidade de explicar as regras não ditas do intricado ranking de duelos. — Thomas não tem posição, significa dizer que ele é o desafiante e quem em sã consciência vai aceitar um desafio dele para perder e trocar de posição? Você aceitaria?

Scorp abriu, mas fechou a boca logo em seguida, porque aceitar um desafio de alguém como Thomas era a mesma coisa de aceitar fazer uma troca de posições automática e se o cara, excelente lutador, não queria começar do zero, o que dirás ele, que quase morreu no processo!

— Não me importo de aceitar um desafio seu, Thomas. Minha posição é a 87 e ficaria mais do que feliz em voltar para base. — Rebeca falou com um sorriso sincero, que pegou o garoto desprevenido. — Não me olhe desse jeito. Desafiar as pessoas é muito mais divertido do que defender posição, eu sinceramente prefiro ter o controle das minhas lutas nas mãos.

— Eu não poderia aceitar isso, garota, mas agradeço a... Boa vontade. — Thomas respondeu constrangido, mas Rebeca sorriu carinhosamente, dessa vez olhando para o namorado, que a abraçava de lado enquanto ostentava um sorriso orgulhoso. Aquele oferecimento foi muito legal da parte dela.

— Bem, eu sou a número 87 e você é o último do ranking, não pode negar meu desafio. Considere-se convocado. — Ela falou divertida, depois acrescentou com mais cuidado. — É o mínimo que eu e Scorp podemos fazer por vocês, que nos ajudaram a conseguir os valores que precisávamos para entrar na equipe de Poções e ainda nos deram um esporte muito legal para chamar de nosso.

— E não é como se ela fosse entregar a posição de mão beijada, Beca aqui está ficando muito boa em feitiços de ataque e defesa e é muito rápida na trocação. — Scorp falou com orgulho na voz, beijando o topo da cabeça dela. Dessa vez Thomas sorriu para isso.

— Vou lutar pela posição 87 então. — Suspirou conformado e, apesar de ser difícil para alguém convencido como ele, agradecido pela boa vontade dos britânicos. Podiam não ser muito bons em luta, mas todos eles pareciam ter o coração no lugar certo.

— E eu posso retribuir a cortesia que você me fez e te dar cinco minutos de luta, se você prometer que não vai tentar tirar minha posição, claro. — Svetlana acrescentou com rapidez, porque não queria perder o seu tão suado décimo quinto lugar no ranking.

— Já disse que não quero caridade, Khodchenkova...

— Mas pode aceitar um empurrãozinho. Você sabe que tem potencial para acabar na posição 70 até o final da semana, mas lutar com gente abaixo disso não vai te garantir muito progresso. — Ela deu de ombros, humilde. — Lutar cinco minutos com você me deu duas posições no top 20, lutar cinco minutos comigo vai te dar muito mais.

— Lutando comigo você consegue chegar a 50, então... — Se era para serem práticos, precisavam pensar no melhor que podiam fazer e um duelo com o primeiro colocado era o que havia de melhor, Alec não tinha dúvidas.

— Não vou lutar com você, Alec. — Thomas interrompeu o irmão, já fazendo menção de levantar da cama para se dar alta da enfermaria.

— Por que não? Pode lutar com as meninas e não pode lutar comigo? — O gêmeo mais novo questionou com um leve humor, que não era fácil de detectar, por causa de seu porte de quem era muito mal-encarado para achar graça nas coisas simples.

— Se eu bem te conheço, você vai dar um passo para fora do tablado assim que o cronômetro rodar. Sinto muito, irmão, mas eu não confio em você. — Thomas aceitou a ajuda de Arthuria para levantar completamente da cama, fazendo uma careta para a dor aguda no ombro e a falta de equilíbrio que uma perna imobilizada causava.

— Não confia na minha palavra?

— A única palavra que você respeita é família, então não, não confio. — Thomas respondeu sem culpa e devia estar certo, porque Alec não contrargumentou. — De qualquer forma... Obrigado a todos, vocês são incríveis. Uma versão pálida das minhas mary-tablados, mas não dá para exigir perfeição, não é mesmo?

— Sabe que a sua renda agora equivale a zero, não sabe? — Arthuria perguntou, lhe oferecendo apoio, ajudando a passar o braço por cima de seu ombro, já que Thomas parecia muito reticente em acabar sendo carregado pelo irmão sem noção e extremamente protetor ao lado.

— Meu Paracelso de ceroulas, eu vou ser executado pelos credores... — Thomas gemeu fazendo drama, mas depois apontou para o gêmeo, que fez menção de falar alguma coisa. — Não, Alec! Continuo não querendo seu título de bandeja.

O irmão do meio fez uma expressão de revolta que equivalia a quase um biquinho teimoso em um ser humano normal. Chris sorriu para a dinâmica fofa entre os irmãos, que de fora pareciam durões, mas eram uns verdadeiros pufosos por dentro. Talvez esse fosse o maior segredo obscuro de Durmstrang, quem sabe? Brutamontes com coração.

Svetlana correu para abrir a porta para Thomas e Arthuria, então a sextanista segurou o irmão com cuidado e se virou para falar com o único forasteiro naquela confusão toda.

— Ei, Macmillan... Obrigada por ajudar com meu irmão. Foi um prazer conhecê-lo. — Arthuria deu uma piscada para o garoto da turma dos irmãos mais velhos, com quem tinha se batido apenas uma ou duas vezes na vila. Aquele era mesmo um cara legal.

— O prazer foi todo meu. — Ele respondeu charmosamente, teria beijado a mão da garota, se ela não tivesse cercada por seus irmãos gigantes, inclusive apoiando o peso enorme de um deles sozinha.

Assim que ela saiu, o sonserino se voltou para o restante do grupo, que ainda continuava parado ao redor do leito vazio de Thomas. Rebeca e Scorp tinham certeza que era agora que Alec Arrhenius desmascararia eles e sua mentira sobre Arthuria estar treinando Chris, mas o rapaz apenas olhou nos olhos de cada um dos três e saiu sem dizer absolutamente nada.

— Ok, isso foi inesperado. — Scorp falou, sem saber se ficava aliviado ou não de que Alec não havia questionado como Arthuria havia visto o potencial em um cara que ela nem conhecia.

— Nem tanto. — Chris sorriu enigmático para o local por onde o seu colega de turma taciturno havia acabado de passar. — Reconheço um lufa-lufa a distância quando coloco meus olhos em um. Ele não trairia a gente desse jeito.

— Mas por que ele seria leal a gente? — Rebeca questionou confusa, sabendo bem que quando alguém acusava terceiros de serem lufa-lufas, queria dizer que a pessoa era fiel como um labrador cego.

— Porque nós fomos bons para o irmão dele e isso para alguém que tem família como norte, significa o mundo. — Chris sorriu satisfeito, porque vinha de uma família Lufa-lufa e valorizava aquela lealdade desmedida dos texugos. — Mas chega de papo furado. Vocês cumpriram a parte de vocês no acordo, eu tenho um clã Arrhenius grato na palma da minha mão, então agora vamos dar o que vocês querem.

— Você conseguiu aperfeiçoar o... Plano? — Scorp hesitou, porque temia falar o que tinham planejado em voz alta e alguma enfermeira escandinava pegá-los antes mesmo de terem cumprido a missão.

— Claro que sim, filho. — Chris sorriu, mas dessa vez era um sorriso bem humano e familiar, nado dos dentes a mais que o garoto tanto adorava. Scorp conteve um arrepio, porque era bizarro demais ver o rosto de seu pai sendo usado por outra pessoa.

Agora entendia o trauma de Cesc com o djinn.

***

Scorp estava chocado que tudo estava dando certo exatamente como Macmillan havia previsto. Primeiro haviam falsificado uma carta de Draco Malfoy já naquele primeiro dia em que haviam fechado esse acordo maluco, porque, segundo Chris, a chave da boa enganação era enraizar a mentira o mais cedo possível.

A escola estava ciente que Draco Malfoy precisaria levar o filho para um compromisso familiar de 24 horas no sábado, 30 de outubro, então não houve surpresas quando ele chegou com seu olhar de britânico arrogante e porte aristocrático, tendo aparatado a alguns metros do portal oeste da vila.

A confiança natural de Chris Macmillan ajudava muito na encenação, porque ele não ficou nervoso e nem parecia hesitar por um minuto sequer no papel de patriarca Malfoy. O garoto tinha estudado o personagem por 4 dias, mas bem poderia ter sido a vida inteira, Scorp estava impressionado com o nível de detalhamento.

— Seu pai tem muitos maneirismos no andar e falar. Os aristocratas são meus favoritos para imitar. — O garoto cochichou divertido, enquanto se despedia de Rebeca no saguão da recepção do Instituto e começava a descida para fora da vila. — E eu gosto de assumir pessoas de boa aparência, dá até uma alegria a mais, sabe? Se for para largar sua vida, que pelo menos seja por uma decente, é o que dizem.

— Ninguém diz isso, pai. — Scorp usou todo seu sarcasmo na palavra, recebendo um olhar malicioso daquele que usava o rosto de seu progenitor de um jeito perturbador.

— Nunca te vi com esses olhos, Malfoy, mas ser chamado de pai pode dar toda uma nova perspectiva a...

— Vamos focar no plano, por favor? — Scorp cortou a idiotice do colega de casa, que não parecia nem um pouco ofendido por ter sido interrompido. — Você vai nos aparatar na estação de trem e eu posso até te dar alguns trocados para você gastar enquanto me...

— Eu vou com você.

“Draco Malfoy" o olhava com seriedade, daquele jeito dele que não cabia contestação, então levou alguns segundos até Scorp lembrar que não tinha que dar satisfação ou arrastar Chris Macmillan para lugar nenhum.

— Eu estou indo a Rússia resolver uns assuntos sérios, te dei a desculpa perfeita para ficar por aí saracoteando, eu não preciso do meu pai para onde eu vou. — Ele disse com toda a paciência do mundo, até mesmo fez menção de entregar alguns galeões para o outro sonserino, mas Chris o olhou com o rosto de seu pai e a mesma indignação afetada de Draco Malfoy.

— Não preciso de seu dinheiro, pelo contrário, aquela porcaria de vila não aceita moeda de verdade, então dinheiro é o que não me falta, estou economizando até mesmo em coisas que eu adoraria não economizar! —  Chris concluiu em um quase desabafo na voz do senhor Malfoy, porque estava muito irritado com aquela porcaria de sistema de valores.

Os dois haviam finalmente saído dos terrenos de Durmstrang, que, como todas as escolas mais tradicionais, possuía feitiços anti-aparatações instalados. Scorp o olhou, respirando fundo.

— Vou estar fazendo coisas sérias, não posso ficar distraído pensando “Oh meu Merlin, onde Macmillan se enfiou agora?”. — O iconoclasta fez uma imitação de uma versão sua assustada, que não impressionou em nada o outro garoto.

— Eu tenho quantos anos? Dois? Já parou para pensar que, mais do que não te atrapalhar, na verdade eu posso te ajudar nesse seu trabalho misterioso, que exige que você saia do país sem contar a ninguém? — Ele fez uma pergunta que era o mais perto de um oferecimento de serviços gratuitos que já havia feito na vida.

Até porque nada com Chris Macmillan era de graça.

— Eu sei de sua fama, Macmillan. Sei que você é um desses caras que o pessoal de Hogwarts chama de “Sombras", então um favor com você nunca é só um favor. — Scorp abriu o jogo e estendeu a mão para o outro segurar e aparatar os dois para a estação de trem bruxa mais próxima. — Agradeço o oferecimento, mas passo.

Chris aceitou a mão de Malfoy, seu filho por um dia, ainda curioso e nem um pouco pronto para parar de tentar convencer o garoto de que era uma boa ideia levá-lo para onde quer que ele estivesse indo.

O metamorfomago sabia bem que quando sonserinos quietinhos como Malfoy resolviam aprontar, geralmente eram em situações que podiam render aventuras interessantes e espólios de guerra bons para serem reivindicados no momento certo.

Os dois aparataram e chegaram na estação de trem pouco movimentada de uma vila bruxa qualquer, no meio da Escandinávia. Chris já conhecia o lugar da sua viagem de vinda, já que havia convencido a família que poderia ser uma coisa boa passar os últimos dias de férias explorando os arredores.

Então, quando o navio que trouxe os alunos de Hogwarts zarpou de Londres, ele não era um dos viajantes inocentes a bordo.

O sonserino mais velho gostava de ter tempo para analisar e estudar muito bem os lugares e pessoas com o que teria contato, fazia isso com calma, com olhos atentos, para na hora que precisasse da informação, ela já estivesse devidamente armazenada em sua memória.

Olhou para o letreiro mágico avisando que o próximo trem em direção a Rússia sairia em 20 minutos, enquanto Malfoy ainda procurava os guichês de compra. Chris tocou no ombro do garoto pálido e apontou para um banco de ferro próximo a uma marquise, o convidando a se sentar despreocupado.

— Ainda tenho meu cartão de trem universal, com passagens ilimitadas. — Mostrou o pequeno bilhete dourado, com a foto de uma bruxa caolha resmungando de um lado e um conjunto de instruções piscando, cada hora em uma língua, do outro. — Tem um feitiço de conversão que funciona em quase toda a Europa, menos na Croácia.

— Por que menos na Croácia?

— Porque o sistema de cobrança é via Gringotes e, ao que parece, os duendes estão proibidos de pisar o pé lá, Merlin, Morgana e Modred sabem o porquê. — Chris guardou o bilhete de volta no bolso, se sentando ao lado de Scorp. Esperou ele se colocar em uma posição confortável, antes de voltar a discussão anterior. — Agora me diga, Malfoy, qual a natureza da nossa visita a Rússia?

— A gente já não tinha entrado em um acordo que você iria ficar fora disso?

— Não, não chegamos nem perto disso. — Macmillan ainda usava a aparência do senhor Malfoy, então cruzou a perna e desabotoou o botão do terno semi-trouxa que havia escolhido e ajustado a partir dos trajes de Scorpius.— Veja bem, seu pai está sendo visto em áreas que ele não está realmente e se as coisas ficarem ruins nessa sua aventurinha misteriosa, não vai ser tão difícil assim ligarem as coisas a mim. Você por acaso já ouviu falar de algo chamado “Estatuto do dom"?

— O que?

— É o nome informal para o Estatuto dos bruxos e trouxas com habilidades mágicas fora do comum, como Animagia, Metamorfomagia, Divinação... É uma série de diretrizes de proteção e deveres que nós, criaturas privilegiadas, temos que seguir à risca. — Chris falou com um sorriso sarcástico, então Scorp concluiu que aquilo era tão divertido quanto soava.

— Por que está me dizendo isso? — Perguntou desconfiado, então Macmillan suspirou teatralmente.

— Porque pessoas como eu tem registros internacionais, precisamos cumprir protocolos de viagem avisando de nossas habilidades, temos que cooperar obrigatoriamente em uma investigação... — Chris citou os fatos com condescendência, porque Malfoy parecia surpreso em saber disso. — Não dá para saber em quem eu me transformei ou deixe de me transformar, por exemplo e embora sejamos todos inocentes até que se prove o contrário, dependendo do teor do que você for fazer na Rússia, isso pode apresentar mais ou menos riscos para mim, entende?

Scorp finalmente parou para pensar nas implicações daquela missão. Macmillan tinha razão, por mais que uma visita do pai não fosse suspeita - Draco Malfoy ultimamente estava viajando bastante em busca de fornecedores e distribuidores de sua bebida - se algo desse errado na Rússia, aquilo poderia ter implicações sérias para mais pessoas além dele mesmo.

Olhou novamente para o colega de casa. Tinha sido uma péssima ideia envolver Macmillan nisso, mas o prazo até o dia em que eles sabiam que o circo de pulgas de Carl Dolus estaria em Koldovstoretz era curto e usar um metamorfomago tinha sido a solução mais fácil e viável que havia encontrado.

Fugir de Durmstrang pelo lago, floresta ou até mesmo pelo campo de lavanda era tanto arriscado quanto óbvio, os feitiços de segurança do Instituto delatariam sua posição assim que pusesse os pés para fora do limite do terreno, mesmo que roubassem uma poção das trevas, como a Polissuco.

E tinha o fato de que nem ele, muito mesmo Rebeca, sabiam aparatar ainda, então precisariam enfeitiçar uma chave de portal ou pegar carona com algum dos agricultores ou comerciantes da vila, coisa que demandaria muito tempo e planejamento.

Bem, trazer Macmillan foi um mal necessário, então dar a ele algumas informações gerais sobre a missão também era, afinal isso fazia parte dos efeitos colaterais.

— Um sicle pelos seus pensamentos. — Macmillan disse divertido, observando a batalha interna pela qual o outro estava passando. — Não precisamos discutir o sexo dos anjos, preciso apenas de uma ideia básica, Malfoy.

— Ok. Deixa-me pensar. — Scorp passou a língua nos lábios de leve, nervoso. — Certo: vamos a Koldovstoretz, dar uma olhada no circo de pulgas que está fazendo uma apresentação por lá e pronto.

— Àquele circo que esteve em Hogwarts faz um tempo? — Chris perguntou de cenho franzido, porque não tinha imaginado nada do gênero. Malfoy era mesmo cheio de surpresinhas.

— Esse mesmo. O dono pode estar envolvido em uma coisa... Importante, então eu vou precisar dar uma olhada nos aposentos dele, enquanto ele se apresenta. — O iconoclasta resumiu a tarefa o máximo que pôde, sem prejuízo para a compreensão ou comprometimento do segredo.

— Então além de fugir da escola, vamos adicionar invasão de propriedade privada a nossa lista de crimes? —  Chris perguntou impressionado, porque não esperava isso daquele garoto todo certinho. — Interessante.

— Você não precisa saber meus porquês, apenas precisa... Sei lá, tomar conta da porta e garantir que Dolus não me pegue fuçando nas coisas dele. — Scorp tentou colocar os limites bem claros, mas Chris olhou ao redor da estação, pensativo.

— Estou tentando entender o que um insectologista pode ter em mãos que seja valioso para alguém como você... Um espécime raro para seu pai usar nas novas bebidas? Uma carta de amor enviada por sua mãe...

— Que? Não! Nada disso diz respeito à minha vida familiar! Para de tentar descobrir o que eu estou fazendo, você só precisa ficar quieto, que tudo vai acabar antes que você possa dizer “abram as cortinas", ok? — Scorp ainda fez um gesto floreado com a mão, indicando que sabia o quanto o outro gostava de drama.

Chris deu um sorriso enigmático como resposta, porque o quintanista não havia percebido, mas tinha dado pistas importantes sobre sua aventura. Então não se tratava de algo familiar, tão pouco era relacionado a algo pessoal, envolvendo Quadribol, Poções na Natureza ou duelos marciais, as paixões atuais de Malfoy.

Devia ter algo a ver com outra ou outras pessoas então.

Respirou fundo, intrigado com o pequeno enigma que tinha pela frente. Começou a se lembrar de fatos curiosos que estavam, de certa forma, ligados a Scorpius Malfoy. Chris sabia que ele estava sempre envolvido em uma ou outra trapalhada de Cesc Fábregas, namorado de seu bom amigo Enrique, por exemplo...

Talvez esse fosse o melhor caminho para começar a análise.

 O garoto espanhol, geralmente acompanhado de sua dupla inseparável, Antony Zabibi, estava envolvido com gênios da lâmpada, escândalos com professores corruptos, rusgas com o diretor Brenam, acusações de fazer parte do Ocaso...

Sempre se perguntou se Fábregas era ou não parte daquele grupo de rebeldes bastante engajados em política estudantil, mas a verdade é que Chris não tinha nenhum interesse particular em se envolver nisso, mas era tão curioso quanto qualquer outro colega e tinha uma incessante vontade de estar a par de tudo ao seu redor.

O metamorfomago acreditava que, de todos os acusados por Brenam de terem participação na publicação rebelde, o capitão da Sonserina e da seleção de Hogwarts era, sem dúvidas, o que tinha maior chance de estar envolvido mesmo com os iconoclastas.

Se fosse esse o caso, não lhe admiraria Scorpius Malfoy estar infringindo várias regras de Durmstrang e algumas leis internacionais para viajar até onde esse tal Dolus estava, Malfoy, sendo um iconoclasta, explicaria sua necessidade absurda de uma investigação sigilosa.

Mas, infelizmente, nada disso explicava o porquê de ele precisar investigar esse homem em específico. Aquele era o tipo de mistério que Chris gostava de descobrir apenas por saber, afinal de contas, deter conhecimento era sempre bom, mesmo que não pudesse usar em benefício próprio.

Nem todas as informações tinham usos específicos para ele, mas, como boa Sombra que era, Chris sabia que cada mínimo detalhe ajudava, muitas vezes, a compor quebra-cabeças bem mais complexos e importantes do que um leigo poderia imaginar a princípio.

Levantou devagar do banco assim que ouviu o apito do trem avisando para que todos embarcassem imediatamente. Malfoy ainda lhe olhou desconfiado, porque não devia esperar silêncio de sua parte, o que para o metamorfomago estava ok, as pessoas costumavam se surpreender quando ele não estava agindo como se a vida fosse uma eterna peça de teatro.

Mas a verdade é que a vida é sim uma peça de teatro, porém, poucos realmente tem acesso aos bastidores.

***

A Rússia em outubro tinha um frio que os russos consideravam ameno, mas os termômetros trouxas sinalizavam que, naquele momento, em pleno meio-dia, a temperatura da capital do país não passava dos 5°C.

Scorp sabia muito bem que aquilo não estava nem perto do que poderia ser o inverno na Sibéria, por exemplo, então era grato que o Instituto de Magia de Koldovstoretz não ficava em alguma paragem erma e sim bem no centro da agitada e populosa capital russa, Moscou.

Chris havia resolvido voltar a sua forma original, inclusive usava modestos e discretos cabelos castanhos escuros, embora os olhos por baixo dos pequenos e redondos óculos escuros estivessem vermelhos e a pele anormalmente pálida.

Ele havia dito algo sobre trouxas e vampiros de mentirinha, mas a verdade é que Scorp estava evitando dar muita atenção a Macmillan, o melhor era deixá-lo em paz com suas excentricidades físicas, que pareciam ser alguma forma dele manter sua personalidade efusiva sob controle.

— E agora, onde fica a entrada da escola? — O garoto mais velho disse, fazendo menção de soprar as mãos para esquentá-las um pouco. No último momento ele mudou de ideia e cobriu as duas, do dorso a palma, de pelos escuros e macios. — Bem melhor.

— Que nojo!

— Sabia que os russos são mais peludos do que os homens normais, justamente para aguentar o frio? — O metamorfomago disse sem vergonha ou preocupação de que algum trouxa pudesse ter visto sua pequena exibição de magia. — Eu particularmente não tenho nada contra, ainda mais se a temperatura estiver negativa.

— A entrada de Koldovstoretz fica na Praça vermelha. — Scorp ignorou toda aquela conversa absurda e puxou um livreto informativo do bolso, não para consultar de verdade e sim para esfregar seu conhecimento na cara do outro. — Aqui diz que fica na torre 4 da Catedral de São Basílio, que, pouca gente sabe, é na verdade um complexo de 10 capelas.

— Pouca gente sabe ou pouca gente se importa? — Chris perguntou debochado, mas quando recebeu um olhar fuzilador do outro sonserino, colocou as duas mãos peludas para cima, em sinal de inocência. — Certo, certo! 10 capelas, hum... Muito interessante! Mas... Aí no seu papelzinho diz qual a cor da cebola?

Scorp parou de andar e desviar dos trouxas com suas câmeras e passadas estabanadas, para encarar Macmillan com impaciência. Infelizmente o centro de Moscou parecia reunir a maior concentração de almas do mundo e o garoto mais velho não estava fazendo absolutamente nada para a experiência ser menos incômoda!

— Que diabo de cebola é essa? Do que inferno você está falando dessa vez? — Malfoy esbravejou e Chris apontou para as pobres crianças por perto, embora aquelas imprecações nem de longe fossem ofensivas de verdade.

A praça era o centro da cidade e do país inteiro, suas ruas levavam a estradas, que levavam aos mais diversos recônditos da Rússia e isso atraía os turistas como o mel atrai formigas. Aparentemente o senhor Malfoy aqui ficava estressadinho no meio de aglomerações, que culpa Chris tinha?

— Me refiro às cúpulas coloridas da Catedral! Todo mundo as chama de cebolas. — Chris falou sonso e dessa vez Scorp teve que revirar os olhos.

— Ninguém chama elas de cebolas, só você, que não tem respeito pela arquitetura alheia. — Respondeu com impaciência, mas não o que Chris queria saber.

— Ok, só eu as chamo de cebolas, mas qual delas é a certa? — Ele apontou fazendo um gestual exagerado em direção ao ponto turístico mais famoso do país, que estava cada vez mais perto, enquanto eles atravessavam a exageradamente grande Praça Vermelha.

— Já disse que é a torre 4! — Scorp respondeu exasperado e antes que o outro perguntasse novamente, resolveu que era mais simples e menos cansativo se render de uma vez. — É a cebola azul e branca, Macmillan, está satisfeito agora?

— Estou sim, obrigado. Tá vendo que você sabe ser prático quando quer? — Ele falou com uma leve implicância divertida, mas depois voltou a falar sério. — Quais são as instruções de acesso a escola?

— Talvez você precise se transformar em alguém mais velho... Como está o seu sotaque russo? — Scorp perguntou em dúvida, avaliando qual seria o melhor personagem para o metamorfomago interpretar agora.

— O que importa meu sotaque russo, Malfoy? Eles são russos, eu teria que saber falar russo e não usar um sotaque capenga! — Chris respondeu com azedume, porque ele até gostava de atuar, mas esse negócio de improvisar personagens não era com ele, ele preferia estudar suas atuações. — Como tinha pensado em entrar na escola antes de me ter no plano?

— Entraria como um visitante para o show, mas seria muito suspeito um adolescente britânico vindo assistir a um espetáculo sozinho, em outro país. — Ele resmungou incomodado. Quatro dias definitivamente não era tempo suficiente para planejar uma missão daquelas.

— Adolescente britânico pode ser suspeito, mas ainda é melhor do que russo que não fala russo. Vamos fazer o seguinte, eu me transformo em sua mãe e aí a gente entra tranquilamente para o show, o que acha? — O metamorfomago perguntou animado, porque era mais um personagem para sua coleção e até que ele era razoável interpretando mulheres.

— Precisa ser a minha mãe de verdade?

— Não, vamos evitar rostos conhecidos. — O sonserino mais velho olhou para todos os lados, procurando um ponto discreto para transfigurar suas vestes e mudar a aparência para uma feminina e loira. — Merda! Agora sei como os inimigos dos russos se sentiam quando vinham atacar essa porcaria de cidade, não tem um lugar para se esconder aqui!

Era verdade, a praça geralmente abrigava eventos com estruturas móveis, mas naquele dia específico estava completamente vazia, apenas tomada pela multidão de turistas circulando cheios de ansiedade.

Não tinha árvores ou uma simples construção que fizesse sombra por centenas de metros! Scorp apontou o grande shopping de luxo no que antes era um antigo mercado popular, cujo nome e a faixada eram as únicas coisas que permaneciam.

Levaram minutos preciosos para acharem um banheiro, Chris enfeitiçar a porta para ninguém entrar e então ficar escolhendo entre os diversos tamanhos de seio que ele conhecia, para saber qual se adequava melhor aos da mãe de um Malfoy.

— Pode ser literalmente qualquer um! — Scorp falou irritado, porque o metamorfamogo já tinha feito um feitiço simples para transformar a calça de alfaiataria em uma saia comprida e tinha criado um belo rosto emoldurado por ondas de um cabelo loiro pálido e natural, igual ao dele.

Só faltava os seios.

— Você tem cara de quem mamou até os 3 anos, mas a senhora sua mãe não aparenta nem que teve um filho, quanto mais que isso deformou seu corpo. — Chris estava certo de que o tamanho médio, quase menor que a palma de sua mão, era o melhor, mas estava em dúvida se deveria deixá-los empinados ou mais caidinhos. — Quer saber? Dane-se! Você teve uma elfa de leite, está decidido.

O setimanista deu um último retoque na parte da frente da camisa, ainda com um colete a jogo, para acomodar os belos seios empinados que lhe pertenciam agora. Scorp tapou o rosto e fez uma prece para que esse dia acabasse logo.

— Podemos ir agora?

— Claro que sim, fofuxinho da mamãe! — Chris falou fazendo uma voz bizarra, mas foi deixado no banheiro sozinho, por um Malfoy mal-humorado. Deu uma última checada em si mesmo no espelho. Piscou satisfeito, por sobre os óculos, para o que viu. — Poderosa!

Dessa vez atravessaram a praça em direção a Catedral sem grandes empecilhos, ela estava fechada a visitação por algum motivo que um guarda russo estava explicando e um grupo de turistas não estava entendendo.

De qualquer sorte, a atração não estava aberta naquele dia. Não para os trouxas.

Segundo o manual de Scorp, eles precisavam murmurar um feitiço simples, que tiraria qualquer atenção dos trouxas transeuntes sobre eles e mostraria uma entrada pequena e discreta, para os dias em que a principal estivesse fechada.

Havia outra vantagem de ter um veterano naquela empreitada, além da habilidade de aparatar: a varinha de Macmillan não estava mais sujeita às investigações do Ministério ou qualquer outro órgão, ele era maior de idade, então só precisaria prestar contas se tivesse cometendo algum crime, o que não era o caso.

Ainda.

Entraram no ambiente escuro e pesado, com cheiro de madeira envernizada e coisas antigas. Igrejas trouxas causavam arrepios em bruxos, mesmo aquelas coloridas e simpáticas como a Catedral de São Basílio.

O lugar abrigava um museu de história trouxa, mas sem turistas e virtualmente desertas, as câmaras agora ecoavam cânticos vindo de alguma cúpula adjacente. Os dois garotos se entreolharam, mas Chris ajeitou os peitos - ainda bem que tinha escolhido os firmes, porque não tinha transfigurado um sutiã - e mandou que Malfoy seguisse na frente, abrindo caminho.

O garoto loiro checou seu folheto mais uma vez, antes de escolher uma das passagens. No informativo constava que às vezes aconteciam apresentações de corais de cantos ortodoxos, então devia ser essa lamúria que deixava o lugar todo com uma camada de verniz depressivo, algum grupo devia estar ensaiando.

Ainda bem que não se tratava de um fantasma melancólico e russo ainda por cima.

Scorp parou na frente de uma parede com um grande espelho e um papel de parede azul tomado de anjinhos. A paleta de cores daquela igreja trouxa era bastante peculiar, “com uma estética única e sem igual na arquitetura russa" e a resposta para isso estava bem atrás daquele painel afrescalhado.

Era única, porque era uma arquitetura bruxa embaixo do nariz de todos os trouxas! Os bruxos russos gostavam de viver perigosamente, diziam alguns britânicos, mas a verdade é que eles só tinham sido menos entusiastas do sigilo bruxo, o que fez com que se recusassem a transformar a construção em algo mais discreto.

A catedral havia sido tomada por trouxas, de qualquer jeito, mas uma escada escura de pedra se revelou por trás de um portal encantado, levando para a parte bruxa do recinto. Um frio carvenoso, com cheiro de umidade e escuro como a garganta de um dragão se avolumou para cima dos visitantes. Chris encarou Scorp com apreensão, mas acendeu sua varinha com um lumus sussurrado mesmo assim.

Desceram a escada, a magia antiga e agressiva, tipicamente russa, estalava nas paredes de pedra esculpidas rudemente com o que parecia ter sido garras de dragão. Chegaram a uma pequena ponte de cordas e madeira, que desaparecia por trás de uma névoa sombria.

— O quão necessário é essa coisa que você vai fazer no circo? — Chris olhou com uma expressão temerosa em seu rosto de mãe Malfoy bonita e esse foi todo o incentivo que Scorp estava precisando, ele mesmo sem muita certeza se queria atravessar aquilo ou não.

— Já disse que você não precisa vir, é só me esperar lá fora. —  Scorp começou a atravessar a ponte com uma coragem que não tinha de verdade e quando sentiu ela se mexer atrás de si, sentiu o coração bater como uma debandada de erupentes. — O que você está fazendo? Tem que esperar a sua vez!

— Ora, Malfoy! Essa é uma ponte que recebe centenas de estudantes todos os anos! Você acha que... — A ponte de madeira soltou uns estalos suspeitos, interrompendo o discurso indignado de Chris. — Corre!

Os dois adolescentes correram, o mais velho se atrapalhando um pouco com a saia comprida, mas não o suficiente para diminuir o ritmo. Ambos chegaram do outro lado, ofegantes, ainda sem saber o que tinha ao redor da ponte ou embaixo dela. Ao menos estavam com os pés em terra firme, no que parecia ser uma rocha escura e segura.

— Não sei porque a gente correu, não é como se fossemos trouxas ilegais... — Chris falou achando graça, ainda olhando por cima do ombro, para ver se a ponte estava no lugar.

— Eu não posso usar magia, não estou muito disposto a dar explicação aos russos do porquê estou aqui. — Scorp falou mal-humorado, ajeitando as vestes no lugar, depois da corrida improvisada.

— A outra opção era cair num abismo profundo, então acho que um papo com os russos não seria tão mal assim. — Chris apontou com esperteza, mas foi sumariamente ignorado pelo outro. — Fora que isso é uma escola, os feitiços de detecção de magia juvenil não devem funcionar aqui. Tá tudo liberado, pode usar sua varinha!

Scorp estava agora tateando a parede às cegas, tentando encontrar a porta ou uma alavanca que abrisse a passagem do lugar. Chris iluminou a parede com a varinha, revelando uma entrada de madeira antiga, mais a esquerda de onde o loiro procurava.

— Gostei de ver, Macmillan: útil e quieto, do jeito que deve ser. — Scorp falou com um sorriso debochado, mas não conseguiu nenhuma reação do metamorfomago. Chris não era conhecido como um dos Reis do deboche da Sonserina se estressando à toa.

— Agora a gente faz o que?

— A gente bate na porta, como pessoas educadas. — Scorp falou, enquanto fazia exatamente isso, dando dois golpes vigorosos na madeira antiga.

A névoa estranha, algum tipo de defesa visual contra trouxas, havia voltado a se adensar, mas Chris afofou o cabelo e ajeitou os óculos no nariz delicado mesmo assim, porque causaria uma boa impressão mesmo emergindo dessas brumas sombrias.

O garoto Malfoy esperou mais alguns segundos, então bateu na porta de novo, com mais força, embora tivesse mantido o ritmo espaçado, para não soar rude. Mais alguns segundos de espera, então Macmillan perdeu a paciência e quase pôs a porta abaixo com seus murros nada femininos.

— Merda de russos mal-educa... Oh, olá! Boa tarde! — A voz havia ficado simpática e doce, como a de uma boa senhora de família tradicional. Chris continuou a falar com o bruxo que havia aberto uma pequena portinhola. — Nós viemos ver o circo de Carl Dolus... Você compreende meu idioma, querido?

O homem de olhos verdes fechou a janela de novo, então mais alguns barulhos do que parecia centenas de trancas mágicas depois, a porta se abriu com um estampido de algo pesado, mas de dobradiças estranhamente bem calibradas. Scorp e Chris se entreolharam, mas entraram através do portal mesmo assim.

— Jurava que isso era um armário assombrado. — O bruxo bonito, de seus trinta e poucos anos, falou enquanto dava as costas para os convidados e voltava a sentar na cadeira que deveria estar ocupando nas últimas horas.

Ele não tinha sotaque russo, nem seguia a etiqueta bruxa - se sentando desleixadamente na presença de uma dama - os meninos notaram.

— Você é britânico? — Scorp perguntou animado, porque isso meio que facilitaria as coisas. O folheto dizia que os russos não eram muito afeitos a falar inglês, ainda mais em seu próprio território, então encontrar um compatriota ali era um verdadeiro milagre. — Isso é muito conveniente, como conseguiu um emprego aqui? Os russos não gostam muito de nós ou dos americanos, australianos e...

— Russos não gostam de pessoas em geral, especialmente daquelas que saem de armários, com desculpas esfarrapadas. — O bruxo falou olhando de um para outro, desconfiado, colocando os pés em cima da mesa, em uma falsa posição de tranquilidade.

Chris não se deixaria enganar pelas vestes desleixadas - camisa com alguns botões abertos, capa e bota de couro de dragão surradas - porque aquele cara parecia ser do tipo atento, ainda que nenhuma varinha pudesse ser vista no recinto.

— Meu nome é Mérida Malf... Malan e esse é meu filho Hyperion. — O adolescente transformado em mulher madura apontou charmosamente para o outro sonserino, ao se recuperar da gafe de errar o próprio sobrenome. O homem segurou seu olhar por alguns segundos, antes de vistoriar o garoto pálido, muito alto para seu rosto ainda juvenil.

— Lênin. — Ele se apresentou com um assentir de cabeça, que deu destaque à uma cicatriz antiga, na forma de um V torto, que começava na testa e sumia pela linha do cabelo castanho claro.

— Como o trouxa famoso? — Scorp perguntou com cautela, mas o homem apenas o encarou com aqueles olhos verdes de quem não gostava de conversa fiada.

— É um apelido, mas isso não vem ao caso. — Dispensou a história sem cerimônia e voltou a encarar mãe e filho com intensidade. Para alguém que não era russo, ele sabia ser intimidante como um. — Ainda estou curioso para saber: o que vocês dois estão fazendo aqui?

Scorp abriu a boca para repetir a resposta da sua “mãe” sobre o circo, então franziu o cenho, conferindo algo em seu folheto sobre a escola de magia russa ao invés disso. Chris já havia feito uma vistoria rápida do ambiente, chegando a uma conclusão mais do que óbvia.

— Essa não é a entrada principal da escola.

— Nunca soube de nenhuma entrada oficial por aqui, achei até que as batidas se tratassem dos demônios do subterrâneo. — Lênin disse com um leve traço de bom humor, depois voltou a ficar sério. — Hipótese não totalmente descartada ainda, devo dizer.

Chris deu uma volta ao redor de si mesmo para ter um melhor vislumbre do lugar e foi como pensara a princípio. Aquele era o estúdio de algum professor de alquimia ou de uma dessas ciências que só os povos nórdicos ainda estudavam.

Haviam animais dissecados nas paredes e alguns artefatos e equipamentos dignos de um cientista louco, com números dentro de tubos de Nixie. Parou o olhar na porta por onde haviam entrado: era um conjunto impressionante de trancas cobertas de poeira e teias e um armário havia sido arrastado para o lado, explicando toda a demora que houve para serem atendidos.

— Oh, querido, não me admira que pense que somos demônios! Eu nem sequer teria atendido ao chamado de uma porta misteriosa atrás de um armário antigo. — Chris falou fazendo sua melhor imitação de uma senhora afetada, o que ao menos angariou alguma simpatia do homem.

— Como vieram parar aqui, senhora Malan?

— Eu só segui as instruções desse folheto, juro! Encontrei na biblioteca de Durmstrang, então pensei que fosse confiável! — Scorp disse indignado de verdade, porque aquele seria um mundo selvagem se as pessoas simplesmente não pudessem confiar nos guias informativos! Estendeu o livreto para o homem ver por si mesmo.

— Aqui diz que a publicação é do século XVIII. — Lênin falou agora com diversão, devolvendo o papel para o menino indignado a sua frente.

— E daí? O quanto as coisas podem mudar para uma escola centenária de magia? — Scorp ainda não estava disposto a admitir o furo de sua sempre bem utilizada estratégia de recorrer aos documentos oficiais por informações. — Essa foi a única versão em inglês que achei na escola, na verdade.

— Provavelmente é uma das antigas entradas que saem na Catedral de São Basílio, acima de nós. — O homem se levantou convencido daquela versão dos fatos, afinal, mãe e filho pareciam bastante inofensivos. — Já coloquei em detenção mais de uma dúzia de alunos que seguiam essas antigas lendas da escola, querendo escapar para os bares trouxas. Venham comigo, mostro a vocês onde está o circo de Carl Dolus.

Ok, começo acidentado, mas agora o homem parecia a simpatia em pessoa. Chris sorriu para ele com muita boa vontade, porque o fato dele ser bonito, com um ar de perigoso, o deixava ainda mais atraente.

Lênin arregaçou as mangas de sua capa comprida de couro de dragão tratado, revelando um relógio estranho, cheio de símbolos no visor. Ele executou um leve gestual com as mãos, fazendo os símbolos brilharem e se alinharam de uma forma diferente.

— O que...

Alguns pergaminhos voaram para os armários, livros se fecharam e, em resumo, toda a bagunça do escritório foi posta no lugar em um pequeno vendaval de organização. Não só o ambiente mudou, como também as vestes do bruxo, cuja a camisa foi abotoada e a capa recebeu um manto feito de pele de urso por cima. Por fim, um medalhão com o símbolo da escola se aconchegou no peito do homem.

— Sou um professor, tenho que dar um bom exemplo aos alunos. — Ele falou com um sorriso sarcástico, abrindo a porta e convidando a senhora e seu filho a passarem antes dele. Assim que os três estavam de frente a uma escada espiral, ele apontou para uma janela no fim do cômodo arredondado. — Já tiveram o prazer de ver Koldovstoretz em todo seu esplendor? Não? Então deem uma olhada lá fora.

Tanto Chris quanto Scorp seguiram a sugestão do homem, se debruçando sobre a janela curva, que tinha uma vista magnífica para o lado de fora do castelo. Os dois garotos ficaram emudecidos, porque aquilo não era nada do que estavam esperando.

Koldovstoretz era uma verdadeira meca da tecnologia bruxa, porque não havia outro jeito daquele lugar existir sem magia. Se a pessoa se esforçasse para ver no horizonte, talvez conseguisse divisar as paredes de pedra que faziam daquilo uma caverna impressionante, mas graças aos excelentes feitiços espaciais, não havia nada de claustrofóbico no lugar.

Algumas estalactites emolduravam o cenário, pedras pendentes do teto haviam sido esculpidas em forma de pássaros e ursos selvagens e o cheiro de terra e minério fazia a cabeça de um desavisado pesar sob o pescoço se inalasse com profundidade aquele cheiro em sua primeira vez na escola.

Havia um espelho d’água e um campo gramado no térreo da construção, com um bosque de plantas estranhas, sem sombra de dúvidas mágicas e, sendo russas, mortíferas. Chris apontou para algo, que precisou que Scorp se inclinasse ainda mais sobre a borda da janela, para ver o que era.

— Eles também têm cebolas coloridas, como as da catedral lá em cima! — Ele havia dito com animação, consertando seus oclinhos escuros, fazendo o bruxo atrás de si responder com simpatia.

— Dizem que o czar trouxa, Ivan, o Terrível, ao ser apresentado a escola bruxa, como parte do tratado de relações intermágicas, decretou que teria algo de igual beleza na superfície, então assim nasceu a catedral que os trouxas tem lá em cima. — Lênin sorriu e apontou para que os dois britânicos descessem a escada em espiral, deixando aquela bela vista para trás. — Mas não sei se é verdade, não sou muito fã de história da magia, de todo modo.

— Do que disse que era professor mesmo, senhor Lênin? — Chris perguntou tomando cuidado para não tropeçar em suas vestes improvisadas. Os óculos escuros não estavam sendo úteis naquele ambiente a meia luz, mas tira-los agora só serviria para o deixar inseguro quanto a personagem.

— Sou instrutor das aulas práticas de Conjuração e Alquimia. — Ele disse com simplicidade e assim que atingiram outro pavimento, Scorp resolveu tirar sua dúvida.

— Alquimia aqui equivale a Poções, senhor? — Ele sabia que as nomenclaturas eram diferentes, mas não quis soar tão ansioso assim. Scorp era apenas um grande fã das artes de cocção em geral. — É que eu sou da equipe de Poções da Natureza de Durmstrang, então seria legal saber mais sobre a equipe de vocês.

— Alquimia aqui é uma subárea de Poções, assim como Conjuração é uma subárea de Transfiguração. Eu sou responsável por esses dois laboratórios e devo dizer, sua equipe não vai encontrar adversários fracos na competição desse ano. — Ele disse com um sorriso convencido e Scorp deu de ombros, nada intimidado.

— A gente sabe dos favoritismos que os jurados dão aos anfitriões, então a gente vai se esforçar para ganhar sem deixar margem para dúvidas. — O sonserino disse petulante, feliz de ao menos nisso poder ser sincero.

— Senhora Malan, parece que a senhora criou um rapazinho bastante confiante. — Finalmente o homem respondeu, achando graça na segurança do garoto. Algumas crianças russas passaram pelo trio, não sem antes cumprimentar o professor com bastante respeito. — Venham por aqui, desceremos pelo passadiço central, que será mais rápido.

Alguns garotos e garotas russos encaravam desconfiados e curiosos os visitantes, mas fingiam estar fazendo qualquer outra coisa quando recebiam o olhar duro do professor Lênin sobre eles. Chris imaginava que um britânico tinha que se impor de alguma forma para ser respeitado ali.

— Me diga, senhor Lênin, o senhor frequentou Hogwarts? — O sonserino travestido de bruxa perguntou docilmente, recebendo um sorriso não de todo verdadeiro do homem.

— Senhora Malan, aqui na Rússia temos um ditado que diz “para saber a idade de um urso, terá que descobrir antes quanto sangue já escorreu por suas presas”. — Fez um gesto com seu relógio misterioso, para abrir uma passagem em meio a uma tapeçaria de algum período de ouro dos czares. — Tenho certeza que não quer saber o que já passou pelas minhas.

A tapeçaria deu lugar a um grande passadiço externo, de madeira rústica, descendo em pavimentos que ligavam as diferentes alas do castelo, com algumas torres de tetos acebolados e coloridos se exibindo orgulhosas, como chamas de uma fogueira.

Aquele mirante também era um lugar muito bom para admirar mais de perto as belezas do pátio da escola, dava até para divisar a tenda do circo, armada próximo a entrada do bosque de folhas replicando os diferentes tons de laranja, vermelho e amarelo de um incêndio.

Scorp e Chris começaram a descer pelos degraus de madeira esculpidos há séculos, mas Lênin não os acompanhou dessa vez.

— Temo que este seja o mais próximo que posso levá-los do seu destino. — Ele disse como se estivesse contrito, mas sua expressão era vazia, no máximo. Aquele homem sabia ser assustador quando queria. — Adeus senhora Malan e jovem Hyperion. Espero que encontrem o que procuram.

— Ah sim! Se refere ao show? Iremos encontrar sim, já dá para ver a tenda e tudo. — Chris falou com uma animação falsamente inocente e assim que o homem acenou e fechou a passagem do passadiço, se virou para Scorp com alívio. — Esse homem me dá arrepios e não apenas do jeito bom!

— Que?

— Ele é aquele tipo de cara que fica na linha tênue entre o perigoso e o letal, que faz você querer desobedecer a todos os avisos da mamãe. — Chris lambeu seus lábios cheios e bem pintados de senhora Malan para um Scorp revirando os olhos. — Precisa fazer muita força para continua sendo hétero, Malfoy!

— Achei que você estivesse interessado em Arthuria, por isso topou vir até aqui comigo, Macmillan. — O garoto mais novo falou, já iniciando sua descida até o térreo da instituição, encantado com todos os detalhes arquitetônicos do lugar.

— Ah sim, Arthuria... Hum... Ainda que não consiga conquistar ela, tudo isso já valeu a pena, sabe? Você me deu mais uma escola fantástica para a coleção: já estudei em Hogwarts, Castelobruxo e Durmstrang e agora já posso dizer que visitei Koldovstoretz. Uma lista para ninguém botar defeito!

— Sabia que Arthuria foi intercambista em Uagadou? — Scorp disse como quem não quer nada, prestando atenção para não tropeçar em alguns degraus mais estreitos da escadaria muito arriscada de descer.

— Rá! Quem há de dizer que Macmillan e Arrhenius não é uma união forjada nas estrelas? — Chris falou como um poeta. Aproveitou e convocou rapidamente a estola de pele que um aluno distraído havia deixado ao seu lado no corrimão de madeira, no nível abaixo.

— O que você está fazendo? Devolve isso! — Scorp sussurrou alarmado, mas antes que pudesse fazer algo mais, Macmillan havia feito duas cópias do objeto e jogado o original de volta sobre a amurada.

— Precisamos passar mais despercebidos, demos sorte de encontrar um britânico, mas contar com a sorte para tudo é burrice, Malfoy. — Ele disse isso enquanto ajeitava a pele falsa sobre as vestes escuras de Scorp. Com aquela peça do uniforme, o garoto loiro parecia exatamente como qualquer outro aluno russo.

Fez o mesmo em si e antes que houvesse questionamento, rejuvenesceu sua aparência até que se parecesse com uma gêmea Malfoy perdida. Scorp olhou para Chris de soslaio.

— Você está adorando isso, não está?

— Cada minuto! Agora vamos, que pelo meu feitiço relógio, o show está prestes a começar. Se quisermos invadir o camarim do homem, tem que ser agora! — A garota loira, com um sorriso de fada e óculos escuros pequeninos, falou animada, mas dessa vez Scorp não retrucou e seguiu a deixa de Macmillan.

Deram uma leve corrida até onde estava a tenda, já cheia de adolescentes e bruxos mais velhos da comunidade ao redor, todos envolvidos em um leve burburinho de ansiedade. Deram a volta pelo tecido pregado no chão, até o vagão de trem solitário encantado, que deveria ser o camarim de Carl Dolus.

Como esperado, não tinha ninguém guardando o lugar, ao que parecia Dolus ou Sagan, Scorp não estava certo de como chama-lo agora, parecia ser uma criatura solitária. Fez sinal para Chris fazer silêncio e rezou para o homem não ser assim tão obcecado com segurança.

Forçou a fechadura e esta cedeu, sem grandes dificuldades. Scorp aguardou alguns segundos para se certificar que nenhum feitiço de segurança foi ativado e assim que ficou claro que não, adentrou o espaço sem demora.

Chris recitou os três feitiços de revelação de armadilhas que havia aprendido com o avô e assim que esteve mais ou menos seguro de que estava tudo bem, seguiu Malfoy para dentro da sala ampliada magicamente.

Haviam trajes de mestre de picadeiro e outros sem forma, provavelmente para serem encaixados nos insetos, largados no sofá e nas costas das cadeiras. A xícara de café suja na mesinha ao lado da poltrona indicava que o bruxo não era lá muito cuidadoso com suas coisas, com uma série de objetos amontoados aqui e ali.

— Ok, Malfoy, faça sua busca, mas seja rápido e tente não ativar nenhum feitiço de proteção. — Scorp não havia esperado a orientação do mais velho, porque já havia se posto a procurar entre os papéis espalhados pela escrivaninha do homem. Viu Macmillan se movendo discretamente pela visão periférica, porém ignorou o outro, por hora.

As letras de Dolus eram garranchos apressados, mas nem por isso indecifráveis, haviam um quê de familiaridade no jeito que ele escrevia suas anotações, mas Scorp não soube dizer o porquê daquela sensação. Tentou focar naquilo que tinha a ver com poções ou elixires, tirou até mesmo as cópias que Cesc havia enviado por coruja do bolso para comparar.

Scorp estava determinado a achar a variação daquelas fórmulas ou algum trecho que as completasse. Rebeca havia conseguido identificar que se tratavam de poções diferentes, uma aplicada a objetos, por conta de uma das etapas de preparação, outra a pessoas e uma terceira de deslocamento espacial, uma variação do pó de flú, mas nenhuma delas fazia sentido quando colocadas lado a lado.

Mexeu aleatoriamente nos objetos e escritos por mais alguns minutos, até encontrar um esboço de desenho com poucos detalhes. Mas nem precisava de muitos, porque Scorp tinha uma cópia mais bem-feita daquilo.

Puxou o pergaminho encantado que Segundo havia feito, com uma representação fiel do seu quadro de investigação e ali estava, quase no topo do diagrama, o desenho perfeito daquele simples esboço.

— A caixa... — Scorp sussurrou deslumbrado, olhando de um papel para o outro. Então seus amigos tinham razão, aquela era a prova cabal que faltava para provar que Dolus estava envolvido mesmo com a caixinha de músicas amaldiçoada de Fred II!

Mas é claro que Macmillan tinha que estragar seu momento de descoberta com alguma brincadeirinha sem graça.

— Hyperion, acho que nosso tempo acabou. — A voz do metamorfomago quebrou o silêncio do vagão e Scorp chegou a afastar os papéis do rosto com impaciência para ele enfiar seu feitiço relógio onde o Sol não bate, até perceber que havia algo errado:

Macmillan usou a própria voz para dar o recado, coisa que se recusava a fazer quando estava interpretando um personagem.

Scorp esqueceu sua própria orientação para não usar a varinha, sacando-a rápido, ao mesmo tempo que pulava para trás da escrivaninha de Carl Dolus, sem nem olhar para trás. A distração de seu movimento brusco deu a chance para Macmillan se soltar do aperto de um homem encapuzado, que o segurava de maneira robótica.

Chris não havia ganhado distância o suficiente, então o bruxo tentou segurá-lo novamente, mas logo o homem acabou com as mãos apenas cheias de pena de uma asa recém-criada no lugar do braço esquerdo do garoto.

Finalmente o metamorfomago recuperou a varinha que havia sido jogada para um canto qualquer do chão, quando fora surpreendido pelo dono do trailer, e agora a usava para causar pequenas explosões nos muitos vidrinhos espalhados pelas prateleiras do lugar, fazendo a criatura tosca, com cheiro de gente suja, ficar ainda mais desorientada.

— HYPERION, A GENTE ESTÁ INDO AGORA! — Chris gritou, enquanto atirava um bombarda na parede lateral do trailer.

Pelas ceroulas furadas de Merlin, Macmillan não sabia fazer nada com discrição não?

O encapuzado parecia atordoado pelo barulho, ninguém poderia culpá-lo por isso, então ele resolveu que era mais seguro investir contra o moleque loiro, ainda encurralado entre a escrivaninha e ele, longe do buraco na parede que dava para o lado de fora.

Chris já havia pulado para fora do trailer, então Scorp sabia que precisava apenas se preocupar consigo mesmo.

Deu a volta no móvel de madeira, que usou como escudo e correu para cima do homem com tudo, mas no último segundo escorregou por entre as pernas do inimigo, o içando de baixo para cima com um leviosa silencioso, técnica cortesia dos Arrhenius.

Nem pôde ver onde o homem tinha parado, porque Macmillan deu um salto artístico, subindo em seus ombros do nada, passando as pernas ao redor de seus braços e o puxando para cima, com o que agora eram formidáveis asas de dragão no lugar dos braços.

— Como você...

— Cala a boca para não me desconcentrar! — Transformar qualquer parte do corpo em partes de outra criatura exigia o máximo de concentração de Chris e dragões, em particular, não eram a especialidade do garoto no momento.

Ele adorava as criaturas, mas a falta de oportunidade de ver espécimes vivos e ao vivo, fazia com que ele não soubesse precisamente os mecanismos anatômicos necessários para manter um plano de voo draconiano.

Chris deixou Scorp cair e escorregar por uma das cúpulas aceboladas da escola e quando pousou na superfície arredondada e colorida, já achando que não daria tempo de parar a queda do outro sonserino, o viu se balançar para dentro da janela da torre com maestria, aproveitando o impulso da queda no último segundo.

Podia ter colocado ele numa merda fodida, mas ao menos Malfoy não era o almofadinha que ele pensara a princípio. Viu a multidão de alunos apontando para ele no gramado próximo a tenda de Carl Dolus, então seguiu o exemplo do quintanista.

— Os russos estão vindo atrás de nós, isso sem contar Dolus, o que a gente faz? — Scorp perguntou desesperado, porque geralmente era Tony e Cesc que executavam as partes perigosas dos planos.

Chris tomou fôlego e esticou os músculos do braço mais maltratado, tentando pensar em uma solução para o problema. Por fim, resolveu arrancar a pele de urso copiada por cima da cabeça, deixando seus óculos escuros cair no chão, voltando a forma de senhora Malan com a qual tinha entrado na escola.

Não estava perfeita, os olhos não estavam certos e o cabelo tinha mechas escuras, prova de que ele não estava completamente concentrado, mas Scorp não podia culpá-lo realmente. Macmillan murmurou um feitiço nele, que o garoto não soube o que era, até que o outro se pronunciou novamente.

— Deixar você moreno vai ter que ser suficiente. — Falou enquanto terminava a transformação no quintanista ao arrancar a estola de pele dele também. — Vamos! A gente vai ter que sair por onde entrou.

— Meu cabelo, você pintou meu...

— Malfoy, isso não é hora para ser vaidoso! Anda, a gente precisa achar aquele cara de novo! — Chris agradeceu internamente a sua perspicácia de não ter tentando dar fidedignidade ao disfarce, acrescentando saltos a equação. Subiu a escada espiralada daquela torre, então a próxima e a próxima, tudo para evitar o passadiço exposto por onde vieram.

— Você acha que o tal Lênin vai nos ajudar? — Scorp o seguiu, subindo os degraus de dois em dois, até reconhecer o corredor que dava para a torre por onde haviam chegado. Sorte que tudo ali era cheio de detalhes marcantes, como a moldura da porta por onde haviam descido, de um dourado envelhecido e meio brega.

— Se ele não ajudar, será estuporado. A essa altura eu já não estou mais nem aí para ele! — Chris falou entredentes, porque mesmo para um dançarino, aquele esforço estava acabando com seu fôlego.

Subiram a última escada espiralada até dar de cara com o escritório do instrutor de Alquimia e Conjuração, talvez dessem sorte e ele não estivesse lá. O metamorfomago bateu na porta com pressa mesmo assim.

— Senhor Lênin, abra! É urgente! — Torceu para que ele não estivesse, mas antes que pudesse arrombar a coisa toda, ele abriu uma fresta da porta. Chris escancarou o resto, sem modos. — Desculpa minha falta de educação, mas...

As vozes dos russos mais velhos, provavelmente professores da escola, já soavam ao longe no andar debaixo. Scorp fechou a porta e apontou a varinha para entrada, pronto para azarar qualquer um que se atravessa a segui-los.

— O que estão fazendo? Quem são vocês de verdade? — O professor já havia começado a mexer em seu relógio estranho, então Chris pôs a varinha para o alto, em sinal de rendição. Torceu para ter feito a leitura certa do homem ou ele e Malfoy estariam muito fodidos.

Deixou seu disfarce de senhora Malan escorregar, assumindo o seu rosto original, ou quase isso, porque o garoto nunca usava suas características básicas. Lênin o encarou com surpresa, os símbolos dourados de seu relógio pulsando perigosamente perto de se tornarem um feitiço poderoso.

— Somos sonserinos e sonserinos se ajudam, não é mesmo, Lênin? — Chris falou calmamente, ainda com a varinha inofensivamente posta entre o polegar e o indicador, no alto.

O bruxo o encarou confuso e então encarou a porta, onde haviam batidas e gritos em russo. Chris continuou sustentando o olhar tranquilo, esperando que a mensagem de alguma forma tocasse o coração do bruxo, porque, de fato, a Sonserina era uma irmandade, não importava o lugar em que estavam.

YA ne znayu, o chem oni govoryat. Nikto ne prishel. — Lênin respondeu aos colegas com um russo rascante, que Scorp e Chris torceram para não ser um “podem entrar com tudo e matar os dois". Mais alguns resmungos do lado de fora e então o professor concluiu em um tom impaciente. — YA uveren, Dmitriy.

Um rosnado impaciente e um tapa forte na porta depois, Scorp ouviu passos descendo as escadas para longe deles. Se permitiu respirar com um certo alívio, mas não muito, porque ainda tinham que enfrentar aquele cara que Chris havia descrito como “na linha tênue entre perigoso e letal".

— Lênin, precisa deixar a gente ir e fingir que nunca nos viu aqui. — Chris começou com calma, tentando parecer menos culpado do que era. — Não fizemos nenhum mal a escola, nosso problema é com Dolus, o carinha de fora que veio fazer o show de insetos.

— Ele não é quem diz que é e a gente só queria ter uma prova disso. — Scorp completou, baixando a varinha também. O homem deu as costas aos dois, reabrindo as trancas da porta antiga, com um feitiço não verbal e seu artefato mágico preso ao pulso. — Você vai nos ajudar então?

Lênin abriu a porta com engrenagens bem ajustadas e sem rangidos, se fossem parar para pensar, era muito suspeito para algo que não era usado há séculos, como ele havia dito. Mas os dois adolescentes não pensaram duas vezes, atravessaram o portal com pressa.

— Obrigado, sabia que podia contar com um dos nossos. — Chris falou com alívio, ao se virar uma última vez para o herói dos dois. O homem estava iluminado apenas com a luz indireta do seu escritório, já que haviam voltado para a mesma área cavernosa, cheia de névoa do início.

— Não sou sonserino. — O professor falou como se estivesse testando a informação e não fazendo uma afirmação realmente. Levantou os olhos verdes e encarou aqueles garotos uma última vez. — Mas Dolus é engano em latim, então vão embora, depressa!

Fechou a porta com força e Chris sorriu no escuro, porque as pessoas costumavam dar informações das formas mais inusitadas:

Senhor Lênin podia não ser sonserino, mas com certeza era um corvinal com a alma de um.

***

Se queria se sentir orgulhoso no dia de sua formatura da escola, teria que correr atrás do prejuízo, porque Scorp sabia que estava muito longe de alcançar as habilidades mágicas que Chris Macmillan havia acumulado até os 17 anos.

O metamorfomago havia aparatado os dois, então de novo e de novo e de novo, até que ele considerasse que era seguro o suficiente voltar para a estação bruxa de Moscou. Estavam no trem agora, Macmillan de olhos fechados, parecendo exausto com todas aquelas aparatações.

Scorp não iria pedir para ele transfigurar seu cabelo de volta ao tom natural, embora aqueles fios negros estivessem começando a irritá-lo de verdade. Suspirou pesado, incerto se aquilo tinha sido uma missão bem-sucedida ou não.

— Desculpe por ter colocado você nessa encrenca. — Passou os dedos pelos fios escuros, olhando para Macmillan com culpa. — A única coisa que eu consegui fazer lá foi confirmar uma informação, então nem sei dizer se valeu a pena todo esse risco ou não.

Scorp recostou no assento do trem, cansado, já imaginando o que escreveria na carta para Cesc e o restante dos iconoclastas. Sentiu um objeto sendo colocado no colo pelo rapaz ao seu lado.

— Talvez isso ajude, peguei na poltrona de Dolus. É possivelmente a última coisa que ele estava lendo. — Chris falou com um sorriso no rosto, ainda de olhos fechados. — Ajuda?

Scorp não respondeu de imediato, desenrolando a tira de couro do que parecia ser um diário ou caderno de anotações. Sorriu ao reconhecer a letra, pegou a foto tirada por Enrique e comparou com os escritos que Macmillan havia surrupiado.

— Ajuda, ajuda muito, Macmillan, obrigado! — Falou com um sorriso de orelha a orelha, um tom empolgado que fez Chris abrir os olhos para olha-lo de soslaio.

Definitivamente era mais um escrito de Jacob Thompson, mas dessa vez nada de trechos, era um diário inteiro!

A assinatura do homem era a primeira coisa escrita no livro de capa preta e simples, Scorp constatou, ele era um pouco maior do que sua mão. Abaixo do nome do pocionista constava um orgulhoso “Ensaio de poções para as dobraduras do continuum: simetria e movimento”.

Scorp olhou com reverência para o livro, folheando curioso as páginas. Era um manuscrito ordenado, com notas de rodapé e diagramas, desenhos e fórmulas em latim, runas e elementos químicos trouxas. Quem quer que tenha sido Jacob Thompson, ele definitivamente fora um gênio!

— E então... Mereço saber do que se trata toda essa aventura sua? — Chris interrompeu o encantamento do companheiro de viagem, que o olhou surpreso. — Algum dia?

— Basta dizer que Carl Dolus não é o que diz ser e que não estamos seguros enquanto ele se interessar por coisas como o “continuum espaço-tempo”. — Scorp sacudiu o livro, fazendo valer seu ponto.

— É tudo que saberei por hora?

— Sim, mas não se preocupe, aposto que depois que refletir o que passamos hoje, você desistirá de qualquer interesse em saber mais. — Falou divertido, colocando aquele presente que Macmillan haviam lhe dado dentro do bolso das vestes. Chris voltou a fechar os olhos, sorrindo enigmático.

Esperava que Malfoy não tentasse a carreira de apostador profissional quando se formasse ou falharia miseravelmente em um futuro bem próximo.


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Notas finais do capítulo

Praça vermelha e Catedral de São Basílio, para quem tem curiosidade: http://www.vounajanela.com/russia/praca-vermelha-moscou/

Resumo dos tubos de Nixie: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tubo_de_Nixie

E já que o capítulo foi grande, eis um pequeno guia do que seria legal abordar no comentário, ou seja, coisas que estou muito ansiosa para saber de vocês:

Gostaram de Cinder Magjistaire e a luta contra Thomas?
Curtiram a interação entre os Arrhenius?
Gostaram de saber do Estatuto do dom? E de Chris, cheio de habilidades?
E Koldokdfnwoeifoew nome impronunciável?
Gostaram de Lênin? Quero só ver quem percebeu o que era o relógio mágico dele.

Enfim, mais uma peça do quebra-cabeça foi encontrada, esse livro deve ser muito útil, sei lá, Scorp ficou feliz.

Bjuxxx



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