Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 19
Capítulo 19 Mahoutokoro


Notas iniciais do capítulo

Tirem as teias de aranha, porque estamos de volta!

Vamos ao resuminho básico da história:

— Cesc acabou de comemorar seu aniversário no apartamento novo de Enrique e não sabe que o namorado está tentando ajudar os Aidans;
— Há dois Aidans no Japão agora (Good e Dark Aidan) e ambos estão procurando um jeito de se fundir, já que ambos tem que viver para manter a linha do tempo;
— O sonuit é um artefato mágico que pertenceu ao pai de Aidan e Akira e agora pertence ao lufa-lufa, que tem usado na escola;
— Good Aidan está morando com Kurai Shinoda, herdeiro de um dos clã Yakuza em Kyoto e Dark Aidan está morando normalmente com os Hataya, em Shiga;
— Em Uagadou, Bella Thompson está disposta a começar a trabalhar com sua habilidade mágica para dar paz ao seu supostamente morto irmão, Jacob Thompson;
— Jacob Thompson era assistente de Hector Dussel quando desapareceu misteriosamente, sem deixar rastros;

Aproveitem o capítulo!



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Apartamento de Enrique Dussel e Erick Fábregas, Londres, 03 de outubro de 2021

Cesc não era uma pessoa exatamente madrugadora, mas seu estômago realmente tinha sua própria agenda e não era como se ele considerasse alguns poucos canapés e muitas doses de bebida como jantar, então o garoto espanhol estava morrendo de fome.

O imenso apartamento londrino estava em um silêncio sepulcral e já que o sonserino só conhecia a versão do lugar cheia de bruxos jovens, animados, dançando ao som dos últimos hits das cenas bruxa e trouxa, o corredor agora parecia saído de algum filme de terror.

Bem, o relógio do seu celular havia dito que eram 14 horas do domingo quando acordou, mas até mesmo para a nublada Londres, aquele corredor escuro com um leve brilho azulado alienígena era sinistro.

Foi tateando as paredes até onde se lembrava que era a cozinha do primeiro andar do lugar, rezando para não encontrar nenhuma assombração pelo caminho. Ouviu sussurros antes de sair no ambiente claro, com uma incrível vista para o parque St. James.

— Olá, sobrinho, dormiu bem? - Erick Fábregas, a única assombração oficial do lugar, levantou o olhar da tela de seu aparelho telefônico - era mesmo um celular aquilo ali na mão dele? - e Váli apenas o cumprimentou com um aceno de cabeça sutil, voltando o olhar para seus papéis logo em seguida.

— Eu acho que... Bom dia, criaturas macabras, eu só... - Ok, Cesc percebeu tardiamente que ele não estava tão desperto e sóbrio quanto achara dois segundos atrás. — Tem algo que eu possa comer e...

Ele fez um gesto de voltar a dormir, então os dois seres que dividiam o cômodo amplo com ele levantaram o olhar, sincronizadamente.

Definitivamente seres, mas não humanos.

— Ekti! - Erick chamou a serva que atendia ao apartamento, com um sorriso calculado e um olhar avaliador para o sobrinho. — Sirva a criança, talvez algumas frutas e bastante água, para hidratar o cérebro, sim?

— Sim, senhor Fábregas. - A pequena elfa surgiu em um “plof”, que fez Cesc pular de leve e começou a mexer nos eletrodomésticos trouxas que preenchiam a cozinha em conceito aberto, bem equipada.

— Além disso, talvez ovos, bacons e um daqueles... - Cesc fez um gesto com a ponta dos dedos, que a elfa assistiu com atenção. — Cereais açucarados, estilo filme americano.

— Ovos sem gema e aveia nas frutas, Ekti. Ouvi dizer que não é tão interessante cozinhar a aveia em um mingau, ela perde a propriedade de saciar a fome. - Erick disse olhando com carinho para o sobrinho, ainda digitando freneticamente em seu dispositivo. Cesc tinha que admitir que o tio era bom em multitarefas... — É um feitiço Sombra de consciência, você literalmente pode dividir sua atenção em duas coisas.

— Você ainda está lendo a minha mente...

— Não vamos fingir que é algo agradável para mim, especialmente quando ainda está sob efeito de álcool. - Erick falou sarcástico, depois sussurrou algo em um idioma que nem o Marduk de Cesc conseguiu captar. O garoto espanhol decidiu que estava cheio daquele coiso ruim decidindo sua vida.

— Ekti, eu quero só as gemas dos ovos, um bacon beeeem gorduroso e a aveia você pode jogar como confete em cima da cabeça de meu tio, eu sei que você está louca para fazer isso. - Ele falou com um sorriso angelical e a pobre criatura finalmente demonstrou o traço característico de sua espécie: arregalou os olhos como se estivesse no maior dos dilemas de um elfo doméstico. Mas ela logo consertou a postura, como a empregada bem treinada que era.

— Creio que posso realizar pelo menos dois dos três pedidos antes de ser devidamente jogada pela janela por oferecer coisas gordurosas nessa casa. - Ela falou com bom humor, já enfeitiçando frigideira e frutas a serem cortadas com sua magia natural.

— Frutas, ovos mexidos e bacon da maneira mais ordinária possível, Ekti, meu sobrinho está apenas tentando ser engraçado e você tentando perder a vida. - Dessa vez Erick olhou para Cesc com uma sobrancelha levantada, desafiando o garoto a contradize-lo. Cesc decidiu que não estava realmente com saco para discutir. — Falando em pessoas engraçadas, sua adorável irmã me pediu para te avisar que ela foi com as moças Weasley e a senhora Weasley fazer compras antes da escola e irá direto para Beauxbatons de lá, onde quer que seja esse “lá”.

— Qual senhora Weasley? - Cesc perguntou, levantando a cabeça da sua posição quase perfeita de cochilo, no balcão de mármore. Erick franziu o cenho teatralmente, como se a memória dele não fosse a coisa mais assombrosa em todo o apartamento.

— Não sei ao certo... E tenho certeza que pouco importa, porque... - Um barulho interrompeu o bruxo de olhos castanhos amarelados. Ele olhou em direção a uma das paredes atrás de Cesc, no canto mais distante, quase na escada que dava acesso a entrada do apartamento e aos quartos do andar debaixo. — O celular de Enrique está tocando.

Cesc se deu ao trabalho de torcer o tronco preguiçosamente, só para ver onde estava o celular, que tocava ridiculamente alto para um aparelho tão pequeno. Achou, no lugar, uma tela de mais de 70 polegadas surgida de um console escondido na parede, piscando uma ligação.

— Ele conectou o celular na TV? - O garoto perguntou meio sem força, porque as vezes a mania de grandeza de Enrique era exaustiva.

— Sim, ele adora fazer chamadas de vídeo naquela parede e, como você pode ver, a lareira também fica ali, então ele utiliza a chamada via pó no mesmo lugar. - Erick falou com um sorriso divertido para a expressão de “sério isso?” do sobrinho. — O sol o favorece enormemente naquele canto, ouvi dizer.

— Que palhaçada... Quem está ligando para ele, de todo modo? - Cesc apertou os olhos para tentar ler o nome ou identificar a foto, mas preferiu pegar o prato servido por Ekti e se aproximar do ambiente, porque não se importava de comer largado no sofá.

Se aproximou o suficiente para ler o nome Aidans e correu para atender a ligação com o controle remoto jogado de qualquer jeito na mesinha de centro. Não podia ser verdade, aquele filho da mãe do Hataya ligava para seu namorado, que nem era conhecido por gostar de gente no geral, e não ligava para ele, que estava implorando há semanas por migalhas de atenção?

Que absurdo!

E aí, Enrique? Conseguiu o...  CESC? — Em sua defesa, Aidan parecia que tinha visto um fantasma que havia sofrido uma morte extremamente violenta e isso quase fez o sonserino ter pena dele.

Bem, os dois Aidans pareciam ter visto assombrações.

Cesc apoiou o prato de ovos e bacon quente na mesa de centro e se sentou com cuidado no sofá, porque estava definitivamente bêbado, vendo dois Aidans com roupas diferentes, se entreolhando como se não fizessem ideia do que dizer naquela situação bizarra.

— Por que... Tem dois de você, Aidan? - O espanhol perguntou bastante calmo, tentando entender se o garoto oriental não tinha aprendido alguma técnica sofisticada em Mahoutokoro de... Como Erick havia chamado há alguns minutos? Sombra de consciência?

— Esse não é o feitiço de Sombra de consciência, isso é feitiço das Trevas, sobrinho! - Erick apontou acusador, enquanto se sentava com elegância ao lado de um Cesc ainda bastante confuso.

Hey, você disse que não achava que era um feitiço das Trevas, por que está tentando colocar Cesc contra nós? — O Aidan da direita, de camiseta preta rosnou irritado, mas foi o da esquerda que chamou a atenção de Cesc.

— Você agora tem tatuagem? - O garoto espanhol inclinou a cabeça para ver se era mesmo uma tatuagem no dedo anelar do Aidan de camiseta branca ou se era só um anel bizarro.

Significa lealdade. - O Aidan tatuado aproximou o dedo da tela. Demorou dois segundos para focar perfeitamente e nesse meio tempo, Cesc chegou a conclusão de que aquilo até fazia sentido para um lufano tão declarado. — Precisei fazer porque agora sou membro honorífico da Yakuza.

Ok, aquilo não fazia o menor sentido.

— Eu não bebi tanto assim... ENRIQUE, VEM AQUI, SEU MALNASCIDO! - Cesc gritou em direção ao... Bem, aonde provavelmente deveria estar o quarto do namorado.

Erick continuou digitando freneticamente, de pernas cruzadas e olhar entediado para a tela do celular. Cesc ficou olhando, de cenho franzido, do rosto de um Aidan fingindo que não havia nada absurdo na situação para o outro, até Enrique aparecer na pequena escada.

— Por que eu sou malnascido agora? Não era disso que você estava me chamando mais cedo... - Ele falou com malícia e uma dose de sonolência, coçando o olho. Cesc apontou para a televisão, que agora estava nas costas do namorado. — Ahn? O que... Ah. Porra, Aidans!

O sonserino mais velho resmungou, antes de se jogar no único sofá desocupado da sala. Váli observou tudo com a mesma dose de envolvimento de seu chefe, embora sua expressão de tédio fosse bem menos declarada.

— A gente não sabia que Cesc estaria aí e muito menos que ele tinha acesso ao seu celular e... Bem, a gente não sabia de um monte de coisa, basicamente a gente só sabe o seu número de telefone, Enrique. — Aidan começou na defensiva, depois terminou com impaciência. Cesc sorriu para o garoto de camiseta preta. — Era o tipo de coisa que não dava para prever.

Erick riu de leve da afirmação, mas depois fechou a expressão ao sentir o olhar de todos sobre si. Manteve os olhos no celular ao falar, porque essa tagarelice toda pouco importava para ele.

Por hora.

— Creio que agora é o momento em que vocês três fazem um resumo pouco verídico da situação para o meu pobre sobrinho, ele fica irritado e afetado, como é de sua natureza e então eu falo o que tenho que falar. Sendo assim, eu vou cortar logo para minha fala, porque tenho assuntos importantes a resolver.

O homem com aparência de estar na sua segunda década de vida falou com uma certa dose de charme para sua sugestão ser bem aceita, mas isso só fez o dito sobrinho mostrar os dentes, como o belo projeto de selvagem que ele era.

— Eu aceito a troca de horário, vai me dar mais tempo de pensar em uma desculpa melhor. - Enrique respondeu cínico e foi devidamente fuzilado com o olhar pelo namorado. Ah bom, ele já estava com raiva, não havia muito o que ser feito... — EKTI, MEU CAFÉ DA MANHÃ DE OCASIÕES ESPECIAIS!

— Você não precisa gritar. - Erick lembrou, pronto para continuar seu monólogo.

— Mas eu gosto de como minha voz ecoa na nossa sala com pé direito alto.  - O sonserino mais velho sorriu sarcástico para seu colega de apartamento, que ele adorava perturbar.

— E eu gosto de ouvir gritos, sempre me fazem trabalhar mais rápido. - Ekti completou, para a diversão do seu patrão mais jovem.

Cesc revirou os olhos de leve, porque tinha que admitir, mesmo estando irritado com os dois idiotas: Erick e Enrique morando juntos com Ekti dariam ótimos protagonistas de uma sitcom bruxa.

— Eu vou aproveitar cada segundo do que vem a seguir... Certo, crianças, eis minha sugestão: Enrique vai até o Japão para ver de perto os problemas dos jovens Hataya, já que foi estúpido o bastante para se envolver nisso. - O ex-djinn começou, sem emoção.

— Não posso ir para o Japão do nada, eu tenho um trabalho, você sabe... - O aludido apontou, com esperteza.

— Hector está indo para uma Exposição de tecnologia mágica em Tóquio, para exibir a carruagem nova e palestrar sobre magia e inovação para a comunidade asiática. - Erick falou divertido, observando a expressão de Enrique se tornar desanimada. — Ele levaria Váli, porque ela é uma excelente assistente e tem alguns assuntos nossos para resolver no Oriente, mas ela pode ceder o passe dela para você.

Ele gesticulou vagamente em direção a valquíria, que apertou os lábios em algo próximo a um sorriso de assentimento. Ela distribuía muito desses agora, devia estar verdadeiramente feliz servindo a seu mestre diabólico.

— Mas eu...

— Seria uma oportunidade de demonstrar o seu comprometimento com a empresa e o seu envolvimento com o projeto e o seu amadurecimento e... Eu posso continuar, mas acho que estabeleci meu ponto. - Erick falou com um bom humor cruel. — Tendo dito isso, mais tarde te passarei a lista do que você deve fazer por mim, no lugar de Váli.

— Além de nos ajudar, não se esqueça! — Aidan de branco acrescentou com urgência, chamando a atenção de volta para o fruto de todos os problemas. Assim que todos os presentes o encararam, ele continuou, com certa timidez. — Quando você tiver um tempinho, claro.

— Ah, ele vai sim, Aidan tatuado, afinal, ele perdeu o namorado para te ajudar! - Cesc falou com uma falsa tranquilidade. — Agora, se me dão licença, eu vou buscar minhas coisas e dar o fora daqui na minha carruagem mágica, porque eu não vou devolver nenhum dos meus presentes de aniversário! Adeus.

Ele saiu levando o seu prato do café da manhã, já que infelizmente ainda não havia desenvolvido essa coisa chique dos ricos que perdem o apetite quando são decepcionados, muito pelo contrário, ele ficava com uma fome de javali com lombrigas assassinas na barriga!

— Muito obrigado a todos os envolvidos, Cesc agora está uma fera comigo! - Enrique levantou para dar mais efeito dramático, apontando para os gêmeos falsos na tela. — Eu vou sim para Tóquio, mas vou fazer questão de... Obrigado, Ekti, assim está ótimo. Continuando... Vou fazer questão de apertar o pescoço de cada um de vocês e ver qual dos dois morre primeiro, o outro fica com a vaga de Aidan, fim dos nossos problemas!

O mimetista deu uma mordida raivosa em um de seus croque madame recém entregues por sua bem treinada elfa doméstica e seguiu o namorado escada abaixo. Os dois Aidans na tela ficaram olhando para o nada, tentando entender o quanto daquela ameaça sem sentido era real.

— Não se preocupem, ele não pode matar nenhum dos dois e irá ajudar bastante na causa de vocês. - Erick falou ainda sem tirar os olhos de seus próprios assuntos, chamou Váli com um estalar de dedos e apontou para o controle remoto da TV, sem sentimento. — Agora, se me dão licença, tenho muito o que fazer, adeus.

Espera! Mas...

A tela foi desligada e levou mais alguns segundos antes do ex-djinn retirar a atenção do que quer que estivesse escrevendo tão concentrado desde as primeiras horas da manhã. Sorriu para assistente, que havia acabado de desligar a televisão e estava pronta para sua próxima tarefa importante.

— Acabei meu diagnóstico não oficial a respeito da situação de Hogwarts, Váli... - Erick falou com um sorriso macabro, retribuído pelo brilho no olhar da criatura que definitivamente adorava o jeito como o Mestre conduzia seus assuntos. — Pode enviar a resposta, estou pronto para ver McGonagal agora.

***

Akhibara, Tóquio, Japão, 10 de outubro de 2021

Era isso, Aidan podia morrer e ser enterrado naquelas ruas apinhadas de gente vestida de cosplay e letreiros coloridos em japonês, porque aquilo era definitivamente o paraíso na Terra!

O patriarca dos Hataya andava determinado para o centro de todo aquele burburinho de jovens trouxas com uma cultura própria e só restava aos dois adolescentes britânicos, seguirem de perto para não se perderem no mar de gente.

Akira olhou para o irmão com uma dose de sarcasmo misturada com carinho.

— Não surta, Ark, na volta a gente entra em uma dessas lojas bobas de mangá, porque Merlin sabe o quanto eu posso faturar com isso, quando voltar para casa... - O garoto de 12 anos disse animado, esfregando as mãos como um vilão de desenho animado, olhando para o irmão que parecia prestes a surtar realmente.

O lufa-lufa estava tão animado de estar simplesmente no maior bairro de tecnologia e artigos geeks do Japão - talvez até mesmo do mundo! - que nem sequer ligou para o fato do caçula tê-lo chamado pelo novo apelido.

Ele agora era Ark, porque o outro Aidan era Dood e se Good Aidan tinha ficado com o D de Dan, o Dark Aidan tinha que perder o D de Dan. Não fazia o menor sentido para ninguém além de Akira e Kurai, mas todos aceitaram os novos nomes - todos sendo os Aidans, Cesc, Enrique e até mesmo Erick e Váli - só para não ter que ouvir mais nada sobre aquilo.

E, além do mais, Aidan estava realmente feliz que Akira tinha finalmente aceitado que ele não era uma versão das Trevas de seu irmão ou algo do tipo. Era um bom avanço comparado com o que tinham há um mês.

— Certeza que podem encontrar os amigos de vocês daqui? - O avó perguntou em um japonês simples, olhando de um neto para o outro. Ambos pareciam ter entendido a pergunta, mas Aidan foi aquele quem respondeu ao velho senhor.

— Sim, avô, estamos bem. - O idoso fez uma expressão severa de pouco entendimento para a resposta e o lufano achou por bem reformular a afirmação. — Estamos bem aqui, avô.

Ainda não era uma resposta perfeitamente adequada, mas ao menos ele havia entendido o japonês precário. O senhor Hataya cumprimentou os netos, deixando ambos na porta da pequena loja de jogos de tabuleiros antigos - Shogi, Hanafuda e muitos outros - espremida na viela com opções muito mais atraentes para dois adolescentes tecnológicos.

Bem, os meninos não estavam ali por acaso, aquela loja era simplesmente uma das milhares de entradas para o Neko Central ou Maneki-Neko Central— o grande centro de compras bruxos, cujo símbolo era o tradicional gato da boa sorte japonesa - verdadeiro destino dos irmãos Hataya naquela tarde.

Entraram um de cada vez na loja atarracada, a atendente os mediu com cuidado por sobre os oclinhos de bambu, mas os garotos apenas seguiram para os fundos da loja velha, com um cheiro de madeira guardada.

Entre os muitos jogos de tabuleiros com uma fina camada de poeira, enfileirados milimetricamente, repousava um amuleto da sorte um pouco deslocado, o tal maneki-neko e sua patinha esquerda eternamente atraindo novos clientes, como na sua lenda de origem.

Aidan olhou para Akira, que deu de ombros, aguardando o irmão puxar a patinha balançante do gato da sorte, que nada mais era do que a alavanca que daria acesso ao Neko Central. Assim que foi devidamente acionada, as caixas de jogos se reorganizaram na parede, criando uma espécie de gravura tridimensional de uma avenida bruxa movimentada, do mesmo jeito que o avô havia lhes dito que aconteceria.

Os dois irmãos sorriram, cada um a sua maneira - Aidan encantado e Akira ansioso pelo que vinha a seguir - e ambos entraram naquela cena caótica, que ganhou vida assim que eles pisaram os pés nos ladrilhos do famoso mercado central bruxo.

Os garotos agora estavam em uma praça, que deveria se assemelhar muito a um formigueiro vista de cima, já que milhares de bruxos asiáticos e alguns poucos de outras nacionalidades se movimentavam em uma ordem que não fazia muito sentido para quem via de fora.

O lugar era a céu aberto e possuía grandes painéis de mosaicos, como se fosse uma grande exposição de arte de rua. Desses quadros saíam e entravam mais e mais gente, então Aidan segurou o irmão caçula pelo cotovelo e se encaminhou para uma daquelas correntes de pessoas indo em direção a algum lugar, que ele não fazia ideia de onde era, porque a única coisa que tinham certeza era que não podiam ficar parados ali como dois tontos!

— Como vamos achar Kurai e Enrique aqui? - O garoto mais novo perguntou seguindo o fluxo, que parecia determinado a empurra-los em direção a uma espécie de grande templo budista. Aidan não o olhou antes de responder, pois estava muito compenetrado tentando ver alguma coisa minimamente familiar naquele lugar.

— Enrique mandou uma mensagem dizendo que estaria no centro de exposições, então devemos achar primeiro Kurai e o outro Aidan. Acho que consigo... - Aidan até chegou a se perguntar se realmente deveria fazer aquilo, mas no último mês ele já tinha feito tanto... Suspirou pesado antes de puxar a manga de seu casaco para cima, para revelar seu artefato mágico de “estimação”. — Locus Revelare!

Tentou se concentrar no rosto de Kurai e quando abriu os olhos, viu pela visão periférica que ainda estava seguindo o fluxo de pessoas, ainda tinha Akira ao seu lado e aquelas filas bem organizadas e ruelas a cada par de metros continuavam a sua frente, mas...

Ele sabia o caminho agora.

— Ark, o sonuit está brilhando estranho e você está com um olhar muito sinistro no rosto! - Akira achou por bem avisar, porque até alguns dias atrás seu irmão mais velho estava muito melindroso sobre ser uma criatura das trevas e pipipopo.

Ele parecia muito com uma criatura das trevas nesse exato instante.

— É só um feitiço bobo de localização, Akira, o sonuit potencializa as coisas, já sabe. - O lufano saiu do caminho que seguia para o grande templo budista, entrou em uma viela cheia de produtos para limpar caldeirões, poções de longevidade, de cura para bursite de vassoura torta e um sem fim de problemas que nenhum dos dois garotos já havia tido o desprazer de ter.

Akira tentava acompanhar o passo do irmão, que não hesitava um segundo sequer e meio que estava atraindo alguns olhares interessados sobre o relógio que hoje exibia um brilho esverdeado.

Aquele era um artefato que chamava atenção até mesmo no meio de um monte de coisas igualmente esquisitas.

Bem, Aidan agora não achava que o objeto era tão estranho assim, estava começando a se acostumar e ficar confortável com ele no pulso. O lufa-lufa havia estudado minuciosamente o artefato mágico da sua família e tinha feito um bom progresso para entender exatamente do que se tratava, e tinha que admitir, estava orgulhoso de si mesmo por ter conseguido esse feito.

Primeiro de tudo, o garoto havia descoberto que o sonuit não se tratava de uma engenhoca japonesa, ele era romeno e aceitava instruções em latim, como a maioria das coisas do mundo bruxo. O que era muito bom, na verdade, porque o garoto metade britânico estaria mentindo se dissesse que entendia bem o alfabeto da terra de seu pai e avós.

Segundo que o artefato era muito prático e sem enrolação, sua tradução literal do latim era algo como “ressoar”, então era exatamente o que ele fazia: amplificava, ressoava qualquer que fosse a magia feita com ele, nem precisava apertar botões ou puxar alavancas, era só deixar ele lá, quietinho.

O que levava claramente ao terceiro ponto: se estamos falando de ressoar, significa dizer que o sonuit interpreta a magia como se fosse um som e, bem, nenhum aparelho bruxo ou trouxa tem capacidade para tocar todos os tipos de som, do mesmo jeito que o sonuit não “ressoava” todos os tipos de magia.

E o artefato parecia ter gostado bastante da magia simplinha e nada sofisticada do atual estudante de Mahoutokoro.

Quarto ponto descoberto: seu pai era muito bom em feitiços, coisa que fazia o artefato se sentir um pouco deixado de lado. Sim, aparentemente artefatos romenos tem sentimentos ou algo que o valha, então eles não podem simplesmente ser passados de mão em mão como um...

Um objeto sem valor.

Para o azar dos envolvidos, isso foi exatamente o que o chefe bem intencionado de seu progenitor fez, se é que a história que Kai Hataya contou como sendo a forma que adquiriu o artefato era 100% verídica. Aidan duvidava disso, porque o pai parecia bastante escorregadio e evasivo na carta que mandou para ele, assim que ficou sabendo onde o sonuit estava.

Aquela carta tinha sido bastante estranha, na verdade... Talvez seu avô tivesse uma ou duas coisas a ver com isso, o senhor Masaharu parecia mais focado em ver os netos se tornarem bons bruxos, do que na técnica de educação trouxa que seu filho usava para disciplina-los.

Enfim, mas de todo modo, o artefato havia sido dado de maneira arbitrária para Kai e por isso mesmo, durante todos esses anos, havia se recusado a ser colaborativo com ele. Aparentemente ficou feliz em encontrar alguém tão desesperado ao ponto de acreditar que aquela engenhoca guardada na maleta do pai poderia salvar o seu Natal arruinado.

Aidan estava muito desesperado e ninguém nunca o tinha acusado de ser arrogante, então...

Quinto ponto: o sonuit- assim como as varinhas - escolhe seus donos e pareceu gostar bastante do garoto nipo-britânico, mas isso já foi bem estabelecido no terceiro ponto. Próximo tópico:

Há dois dias o garoto estava empacado no que poderia vir a ser o sexto ponto de suas anotações - que seria um ponto bem logo, na verdade - mas não tinha tido tantos avanços assim, já que se tratava dos símbolos exibidos no pequeno mostrador do sonuit e aquele era um negócio bem complexo.

Para começar, teve que estudar fisicamente o objeto e havia constatado que haviam cinco círculos perfeitamente simétricos no centro, formado por cinco símbolos cada. Uma pequena moldura retangular ficava parada emoldurando um símbolo de cada círculo e quando o sonuit não estava sendo usado, ela ficava justamente em cima do que o avô havia explicado como sendo a base de tudo:

O primeiro símbolo o avô chamara de Humano, que estava ligado à natureza da criatura portadora do artefato. Aquele foi até bem fácil de entender, assim como o segundo deveria ter sido, já que era a representação do Mago e ele teoricamente era um, certo?

Certo, mas... Por que neste mesmo círculo havia um símbolo para a magia separada, quer dizer, qual a diferença entre o símbolo do mago e o da magia? Seu avô fez questão de não responder a esse questionamento, ainda mais que foi feito em inglês e o velho era teimoso, estava decidido a fazer os netos aprenderem japonês antes de voltarem para o Reino Unido.

Mas voltando aos símbolos: o terceiro era fácil e Aidan já tinha visto em alguns apontamentos da aula de Runas, era a representação do Presente, que no sonuit indicava o tempo em que o portador estava em relação ao curso atual da vida.

O avô do garoto até se arriscou a fazer uma espécie de piada sobre isso, dizendo que se um dia o menino ficasse preso no passado ou no futuro, o sonuit o lembraria que ele não estava no tempo certo e isso faria ele pular da cama mais cedo, para resolver seus problemas.

Bem, não era exatamente uma piada para Aidan, então ele passou a conferir toda noite, antes de dormir, se o ponteiro do artefato ainda marcava o tempo certo. Provavelmente - o garoto não lembrava direito - o sonuit devia ter apontado duas vezes o tempo histórico errado com ele, no dia do peru e na expulsão de Akira e talvez por isso, o seu avô sempre franzia o cenho ao constatar onde estava o alinhamento do quarto círculo:

No símbolo do Escuro.

Na verdade o nome era Saturate, que em latim queria dizer escuro, então Aidan fazia questão de traduzir para causar um efeito dramático, mas não era como se realmente precisasse dramatizar alguma coisa, porque aquilo deixava o velho Masaharu com um semblante preocupado mesmo sem sua tradução.

O lufa-lufa sabia que um dia teria que pesquisar o que todos aqueles desenhos mágicos significavam por conta própria, mas tinha a impressão de que esse, em específico, tinha algo a ver com o seu problema de... Bem, duas versões de si na mesma dimensão!

De qualquer sorte só sobrava mais um desenho para se debruçar- os outros ele iria analisar a medida que fossem se “ativando" - o último símbolo básico no mostrador sendo o Vercanus, que nem sequer tinha uma tradução para o inglês ou japonês, e significava, segundo o patriarca Hataya, uma confluência de técnicas complexas, que explicavam o porquê de Aidan estar indo tão bem nas aulas de Mahoutokoro.

Era uma coisa boa, dizia seu avô, que tal objeto genioso houvesse estacionado justo nesse símbolo, porque ele ajudava a dar precisão a qualquer feitiço que Aidan se propunha a fazer, qualquer que fosse a natureza ou complexidade!

Era um tipo de amuleto, em forma de desenho, usado por vários bruxos antigos que acabou, com o tempo, se tornando um talismã esquisito que permitia que o bruxo tivesse o exato resultado do feitiço que imaginara em sua mente.

Desenhos e tatuagens eram bastante comuns na África, Aidan leu em um livro, e isso o deixou muito tentado em mandar uma carta perguntando a John - já que Cesc não podia ser consultado - se ele já tinha ouvido falar alguma coisa sobre símbolos que melhoram previsão mágica, mas no fim achou melhor ficar quieto quanto a isso.

Obviamente ele havia entendido que não era fácil exprimir uma magia tão complexa através de um desenho, levava décadas para um feiticeiro poderoso conseguir tal feito, seu avô havia contado, então o lufa-lufa não podia deixar de pensar que se tratava de uma espécie de trapaça nas aulas e que John iria julga-lo... Quer dizer, ele tinha um artefato que já vinha com o símbolo embutido!

Mas seu avô havia lhe assegurado que não havia nada de errado nisso, que ele não devia ouvir as possíveis queixas dos colegas, ou melhor, “Deru kui wa utareru”, que nada mais era do que o ditado favorito do velho senhor: prego que se destaca, é martelado para baixo.

O Japão inteiro parecia entender que era para você tentar ser discreto, menos Masaharu Hataya, o homem meio doido acreditava que levar martelada - ser julgado erroneamente - construía caráter.

Quanto ao sonuit, Akira, diferente do avô, havia lhe assegurando que usar o “relógio” todo tempo era trapaça sim.

De toda sorte, hoje o sonuit brilhava esverdeado com os símbolos de: jornada, percepção, presente, localização e o esquisito e misterioso Varcanus. Parecia algo bom que o “Saturate” não o perseguisse toda às vezes que ele usava o objeto, talvez significasse justamente que a escuridão não seria algo eterno em sua vida!

Aidan estava otimista quanto a isso e para todo o resto, sempre podia contar com a animação de Akira e Kurai, que finalmente se encontram depois de alguns minutos de entra e sai de vielas e caminhos tortuosos pelo centro comercial bruxo. Aidan desfez o feitiço de localização assim que avistou o garoto nascido-trouxa com um casaco azul e tênis coloridos.

— ... E era a coisa mais bizarra do mundo! - Seu irmão caçula estava terminando de narrar alguma coisa, apontando para ele por cima do ombro, então Aidan acabou fazendo uma careta involuntária. — Enfim, de qualquer forma, onde está Dood? Achei que havíamos dispensando o vô justamente pra ele poder vir!

Bem, agora que Akira havia falado, Aidan notou que não podia achar sua versão dessa dimensão em nenhum lugar daquela escadaria clara, que antecedia um bonito restaurante com um teto verde, cujas pontas eram curvadas para o céu.

— Não tínhamos certeza se vocês conseguiriam despistar seu avô, então... - Kurai soltou uma assobio forte, com as pontas do polegar e indicador, fazendo dois caras enormes de terno e um garoto não tão intimidante assim, aparecer saídos de uma lojinha de porcelanato chinês legítimo, segundo a placa na porta em vários idiomas.

A versão de Aidan Hataya que estava passando um tempo com um dos herdeiros da máfia japonesa sorriu contente de ver o irmão e seu outro, vai, irmão gêmeo, por que não? Mas através da máscara que ele usava, nenhum dos dois visitantes pôde enxergar isso.

— Está de máscara? Um pouco exagerado, não? - Akira perguntou com um certo toque de deboche no tom, apesar do visual de Dood estar bastante comum no ambiente bruxo, já que vários magos orientais não gostavam de mostrar seus rostos.

— Bem, a gente não pode correr o risco de alguém da escola nos reconhecer e perguntar quem é o gêmeo de Aidan Hataya, não é? - Dood tirou a máscara só um pouquinho, para piscar para o irmão, mesmo não sendo necessário, já que seus olhos eram a única parte visível de qualquer modo. — E então, o que acharam? Esse lugar não é a coisa mais mágica que já viram na vida de vocês?

— Bem, sim e eu estou louco para...

— Vocês dois podem surtar com suas coisas de nerd depois, nós somos um grupo em mi... Desculpe, Kurai, mas seus seguranças vão seguir a gente por todo o caminho? - Akira apontou para os dois homens enormes, com tatuagens que saiam até pelos punhos dos ternos e deviam cobrir todo o corpo dos trouxas mal encarados. — Não me leve a mal, eu adoro o efeito que isso dá nos filmes, mas... Estamos meio que sob disfarce aqui, cara!

Os dois Aidans se entreolharam, porque Akira estava falando muito sério e Kurai piscou surpreso, aparentemente não tinha se dado conta do quanto seus seguranças podiam chamar atenção com suas vestes trouxas no meio de todos aqueles bruxos empoados.

Só para constar, ninguém parecia estar ligando para aquele pequeno grupo de adolescentes parado em frente ao famoso restaurante Kushyaki bistrot.

O garoto da cidade de Kyoto fez um sinal para os dois brutamontes que o acompanhava se aproximarem, então deu uma ordem em um japonês que nem Akira, muito menos os Aidans entenderam.

Os homens se entreolharam e um deles, o careca com quase nenhum pescoço, sussurrou algo para seu chefe mirim, mas Kurai estava irredutível e seria um grande líder em um futuro não tão distante assim.

— Me esperem aqui, nenhum dos perigos para o qual vocês foram treinados pode me atingir nesse lugar. - Ele falou em inglês dessa vez, como cortesia a seus amigos e os gigantes pareceram finalmente se conformar. O garoto japonês olhou para os outros com um sorriso de quem havia acabado de resolver todos os problemas do mundo. — Podemos ir agora?

— Sim, claro... Err... Aidan... Quero dizer, Dood, qual foi mesmo o endereço que Enrique te passou para nós encontrarmos com ele? Foi no centro de convenções? - Ark perguntou em dúvida, fazendo sua cópia tirar o celular do bolso para checar a mensagem do sonserino em questão.

— Não, ele mudou o endereço ontem de madrugada, vamos nos encontrar com ele no... - O garoto franziu o cenho para a tela do celular, mostrou para Kurai assim que se deu por vencido, não sabia como pronunciar aquele nome.

Ryogoku Kokugikan...— Kurai pronunciou o nome com o cenho franzido. Chamou novamente os seguranças, mostrando a foto do cartão que Enrique havia enviado para o celular de Aidan. — Sumou sentā?

O outro segurança, este com uma barba cerrada e tatuagem na lateral esquerda do rosto, avaliou a foto por um segundo, antes de confirmar o palpite do garoto. Foram dispensados com um olhar e dessa vez adentraram o restaurante, já sabendo que teriam que ficar algumas horas descumprindo o trabalho ordenado pelo chefe de seu clã.

— Bem... Parece que Dussel quer que nós vejamos algumas lutas de sumô. - O japonês falou com um toque de sarcasmo. Os outros garotos se entreolharam com doses diferentes de surpresa e só um pouquinho de dúvida:

Onde diabos Enrique Dussel estava com a cabeça?

***

Depois de mais uma demonstração dos bizarros poderes do sonuit, os quatro adolescentes chegaram novamente na praça por onde todos os bruxos atravessavam para o centro comercial mágico.

Os quatro esperaram pacientemente, observando a rotina agitada dos transeuntes ao seu redor, até o mosaico que “contrataram” se transformar na figura de um corredor escuro e levemente sinistro.

A forma como os japoneses se locomoviam era um espetáculo a parte, todos os espaços bruxos pareciam preenchidos com algum tipo de cenário construído em uma arte milenar - que variava desde o popular shogu às tradicionais colagens tridimensionais - mas eles, na verdade, retratavam o local para onde as pessoas podiam se locomover a partir daquele portal.

O avô havia levado os irmãos Hataya até a sede do governo japonês para conhecer os diferentes exemplos de portais orientais nas gravuras oficiais e aquela era uma construção bonita para ninguém colocar defeito:

Construída nos mesmo moldes dos palácios do imperador - figura bastante respeitada até mesmo entre os bruxos - tinha cores elegantes e discretas para não contrastar com todas as de seus painéis. Os dois garotos britânicos se viram cercados pelas mais maravilhosas obras de arte que um ser humano podia produzir!

Mas isso não tinha nada a ver com o local em que estavam agora.

Nesse instante, eles estavam em um ambiente informal, com bastante gente obviamente trouxa, incluindo grandes grupos de turistas empolgados, apontando para tudo com aquele tipo de encantamento bobo que as pessoas tinham quando estavam fora de seus países.

Dood estava bem disposto a ir até o balcão de informações checar algo sobre os assentos mais caros do lugar - se tinham coisa que sabia sobre Dussel, além do telefone, era que ele gostava de coisas caras - mas nem precisou, porque uma elfa doméstica de quimono preto e azul escuro se materializou na frente do grupo.

Espera... Uma elfa de quimono se materializou no meio de um ambiente lotado de trouxas?!?!

— O senhor Dussel os aguarda, sigam-me, por favor. - A criatura falou enquanto caminhava tranquilamente entre a multidão de trouxas, que nem sequer pareciam notar que havia algo de errado, então os garotos deram de ombros, provavelmente os trouxas não podiam vê-la.

Um garotinho, de uns quatro anos de idade, apontou empolgado para o bichinho verde engraçado andando como uma mini gueixa, mas a mãe só o repreendeu por atrapalhar sua conversa.

Kurai piscou para ele, afinal já esteve na mesma situação... Muito em breve aquele menino iria ficar boquiaberto com o mundo bruxo em seu primeiro dia de aula.

Seguiram por uma porta lateral um pouco distante da entrada da arena e, em mais alguns metros, finalmente puderam ver Enrique Dussel, vestido com uma espécie de quimono negro estilizado - bem diferente do tradicional de sua elfa - combinando com seus óculos escuros e cabelos compridos.

Ele era a definição de um rock star que não estava nem aí para esse lance de apropriação cultural e muito provavelmente, se não fosse pela barreira mágica, teria algumas adolescentes pedindo autógrafo sem nem saber de que banda ele era.

Assim que o sonserino avistou o grupo, fez sinal para que eles se aproximassem, com um sorriso arrogante.

— Terei que dispensa-los agora, como disse antes, tenho outra reunião. - Apontou para os adolescentes recém chegados, fazendo com que os velhos orientais ao seu redor se entreolhassem com impaciência. — Mas antes, permitam-me que os apresente aos meus convidados: temos os netos do lendário Masaharu Hataya e o herdeiro do clã Shinoda... Da Yakuza, claro.

A simples menção do nome da máfia foi o suficiente para os três bruxos de vestes tradicionais se levantarem com uma renovada dose de respeito e bastante apreensão, afinal, o que um Dussel poderia estar querendo com uma organização criminosa trouxa tão poderosa?

A resposta de Enrique para essa pergunta nunca feita era “absolutamente nada”, mas Malyan Courtie havia dito que era sempre bom deixar seus rivais pensando em várias possibilidades, porque assim eles nunca poderiam prever os seus passos.

Os homens se despediram com reverências cautelosas para o jovem arrogante e seus convidados igualmente suspeitos. Assim que Ekti mostrou os assentos para todos e estava prestes a aparatar para fora do ambiente, Enrique a agradeceu com um de seus sorrisos preguiçosos.

— Já te disse que adoro a eficiência dos elfos hoje, Ekti? Porque eu acho vocês muito mais legais do que os bruxos.

— Os elfos só não dominam o mundo porque os bruxos seriam servos medíocres. - A criaturinha concordou com um sarcasmo alarmante, mas ela só conseguiu arrancar uma risada gostosa do patrão. Os outros garotos o encararam com surpresa.

— Maravilha, Ekti, essa foi ótima, está de parabéns! - Enrique elogiou, mas depois achou melhor explicar o que estava acontecendo para os quatro garotos o olhando com cara de idiotas. — Eu e Erick estamos treinando nossa elfinha para ser sarcástica, faz parte do charme do nosso lar, sabe como é, né?

A criaturinha de quimono fez uma reverência exagerada para o elogio e depois aparatou  para terminar de organizar o almoço ordenado por seu chefe, alguns minutos antes. Ele tinha feito o pedido do que iria comer na frente dos negociadores, lembrando a eles que não os tinha convidado ali.

Ekti só não se importava com as loucuras dos patrões, porque eles pagavam direito e cumpriam toda as regras estabelecidas pelo sindicato dos elfos domésticos, senão...

— Acho bacana, mas... Sobre o nosso probleminha técnico de duplicação... Você... Talvez, quem sabe? Pensou alguma coisa a esse respeito? - Aidan - Dood - falou abaixando um pouco sua máscara de ninja, porque era pouco provável que algum colega de escola ou amigo do avô o visse ali.

— Pensei, pensei muito a respeito. - Enrique tirou os óculos escuros, tentando prender na gola do quimono moderno que usava. Assim que não conseguiu, jogou de qualquer jeito no assento vazio ao seu lado. — E tenho que dizer, a fusão parece ser mesmo a melhor saída.

Kurai parecia cético com a opção, então pôs as mãos sobre as pernas - todos estavam sentados nas grandes almofadas vermelhas do estádio, do jeito que era tradicional no Japão - e ajeitou a postura para algo mais alinhado, não queria soar derrotista.

— Talvez seja o momento de falarmos com um especialista no assunto, independente das consequências. - O garoto falou sério, olhando para a expressão calculada do jovem herdeiro Dussel.

— Está ciente que isso significaria ter que dizer algo a respeito da expulsão de vocês, não é? Não há como esconder muitas verdades quando se fala com aurores. - Enrique fez uma pausa, em dúvida. Olhou para cada um dos garotos. — É assim que se chama as autoridades aqui? Aurores?

— Podia chamar ninjas... - Dood falou distraidamente, arrancando um revirar de olhos de sua cópia.

— São chamados Bushi. - O único japonês do grupo falou entediado com a ignorância dos gajins.

— Samurais? - Ark perguntou impressionado, porque não sabia que essa cultura tinha sobrevivido aos séculos no mundo bruxo.

— Isso tem alguma relevância para a situação? - Akira perguntou com seu tom de impaciência que lembrou a Enrique de seus tempos de discussão no Ocaso. Claramente o garoto era sonserino. — Independente do nome, eu não estou de acordo com essa ideia de nos entregarmos para a policia!

— Que surpresa... Tá, já sei e concordo, então vamos voltar para as opções que temos. - Ark falou sensato, tentando colocar a cabeça de volta no jogo, afinal, eles não tinham todo tempo do mundo. — Heitor foi bem específico e ninguém encontrou nada que pudesse ir de encontro a teoria dele de que as duas versões são necessárias para o equilíbrio do tempo, então o lance da fusão vai acontecer!

— Ok, bastante entusiasmo lufano acontecendo aqui, isso é bom, mas... Estamos falando de um processo de fusão de almas e possivelmente de magias, então antes de partirmos para a ação, eu preciso fazer algumas perguntas práticas. - Enrique olhou de um Aidan para o outro, para ver se ambos estavam prestando atenção, antes de continuar. — Primeira pergunta: os dois podem fazer magia?

— Eu posso, tranquilamente. Até melhor do que antes, se quer saber. - Ark falou dando de ombros, jogando a vez para o outro garoto do lado de seu irmão.

— Eu não tentei, para ser honesto, estou preso em um apartamento trouxa, sem minha varinha, de todo modo! Como poderia saber? - Dood falou com a máscara ainda presa nas orelhas, mas enrugada no pescoço agora. — Vou precisar testar.

O garoto estendeu a mão para sua cópia de outra linha temporal, que lhe passou de volta a sua varinha. Não tinha um grande apego pela peça como outros bruxos - tipo o dramático amigo sonserino, Cesc- mas parando para pensar, era uma lástima que tivesse ficado todo esse tempo sem ela.

Lumus. - Tentou o feitiço mais simples da cartilha bruxa, um que todos aprendiam no primeiro ano e o resultado foi o esperado, a ponta da varinha se acendeu confortável nas mãos de seu dono. — Parece perfeitamente ok pra mim.

— Certo, certo... Isso é... Promissor. - Enrique falou de um jeito que não soava nada promissor. — E quanto as memórias? Vocês perceberam alguma coisa diferente? Esqueceram algo importante ou apresentaram alguma confusão mental?

— Só a de costume. - Dood fez graça e Ark concordou com um sorriso bem humorado. — Agora falando sério... Por que essas perguntas todas?

— Explicação no final. Vamos para a próxima: vocês sentem que compartilham algum sentimento, emoção ou conseguem ver através dos olhos do outro? - Os garotos mais novos encararam o sonserino com expressões idênticas de desentendimento. — Esse tipo de ligação não é impossível, vocês estão familiarizados com o conceito, certo?

— Não, não estamos. - Akira resolveu ser o porta-voz de todos. — Isso é uma coisa real, ver no lugar dos outros?

— Não é tão comum agora, mas bruxos antigos costumavam utilizar animais para espionagem, usavam seus sentidos para ir em lugares onde não tinham acesso, funcionou como um precursor da Animagia, mas caiu em desuso. - O rapaz deu de ombros, mais interessado em voltar para sua linha de raciocínio. Porém o outro sonserino ainda estava cheio de dúvidas.

— Por que algo tão incrível cairia em desuso? Foi proibido? Eu posso aprender a fazer algo assim? - O garoto de 12 anos começou sua enxurrada de perguntas animado, mas foi parado por um Enrique impaciente.

— Agora quem está fugindo do tema é você, coisinho cujo nome eu esqueci de novo. - Ele falou com pouca empolgação, fazendo Akira se calar com uma careta. — Mas vocês ainda não me responderam: sentiram ou viram alguma coisa do que eu falei?

— Não, com certeza não, nossas mentes são definitivamente independentes e sem ligação. - Dood falou aliviado e Enrique o olho com ceticismo.

— Não fale como se isso fosse uma coisa boa! Estamos querendo juntar os dois e ter um pouco de ligação não faria mal a ninguém! Mas ok, vamos trabalhar com a merda que nós temos! - O ex-apanhador falou irritado, depois procurou ao seu redor por algo que acabou não encontrando. — Que bosta, deixei no hotel! Enfim... Tem alguns expositores que vão estar lá no evento que vamos mais tarde, que trabalham com coisas que podem ser úteis para o nosso problema, então a gente vai lá dar uma olhada.

— O que você deixou no hotel? - Ark perguntou com desconfiança e Enrique desfez do fato com as mãos.

— A lista de Erick das coisas que eu preciso comprar pra ele. Coincidência ou não, tinha um ou outro expositor que nos podia ser útil, mas vou esperar Ekti voltar para pedir a ela para ir buscar. - Ele falou como se não fosse grande coisa, nem o fato de seu companheiro de apartamento poder saber algo sobre a situação em que se encontravam, muito menos o seu esquecimento inconveniente.

— Eu definitivamente acho que ele sabe! Não tem um jeito de forçá-lo a nos ajudar não? - O jovem Hataya falou com receio de soar errado, mas Enrique só sorriu para ele.

Dark Aidan realmente era menos bonzinho do que o outro, não?

— Há milhões de jeitos de forçar uma pessoa a fazer algo que ela não quer, mas eu não estou afim de fazer isso hoje, que tal focarmos no que é mais fácil? - Ele disse com uma falsa paciência e bom humor, porque ser o adulto responsável era muito irritante. — Eis o que vamos fazer agora: vamos almoçar, enquanto assistimos uma luta de sumô da segunda divisão do campeonato e então eu vou aparecer rapidamente na frente de meu irmão, só para ele ver que eu ainda estou trabalhando, e então continuamos com a nossa exploração. Parece um plano razoável?

— Mais ou menos, quero dizer, podemos voltar a explicação do porquê você ter feito aquelas perguntas todas? - Ark falou com uma cara de quem estava pouco convencido com a disposição de Enrique Dussel para ajudar.

Ele não queria que o levassem a mal, mas o sonserino parecia ter um monte de coisas acontecendo no seu dia e só metade da atenção em algo que tinha uma importância vital para o restante do grupo.

— Sim, claro! Eu perguntei porque... Ah, aí está você, Ekti! Não, não precisa servir, a gente se vira, deixa tudo como... NÃO! Não solta tudo de vez, Ekti! Tá, assim está bom, preciso que você vá buscar a lista de Erick que eu esqueci lá no hotel, é urgente. - Enrique falou tudo isso enquanto ele e sua elfa faziam uma dança engraçada de colocar e tirar comida orientais no espaço central do pequeno camarote onde estavam.

— Certo, senhor. Vou buscar sua lista, deixou ela no malão azul? - A elfa questionou ainda fazendo aparecer alguns molhos e outros itens para completar a refeição.

— Eu não tenho certeza, pode ser que sim... Olha, não faça essa cara para mim! Você tem permissão para ser sarcástica, mas não para ser insolente, há uma linha tênue e você tem que se mover bem no meio dela. - O garoto apontou com seriedade e Ekti lhe ofereceu, antes de desaparatar, um sorriso... Err... Bem sarcástico, na verdade.

Os estudantes de Mahoutokoro riram da situação, mas depois ficaram quietos quando Dussel voltou ao seu normal: sério e perigoso.

— Essa comida está com uma cara ótima! - Akira disfarçou o riso anterior com um elogio exagerado e Enrique sorriu com falsidade.

— Maravilha, agora comam e fiquem de bico fechado enquanto eu explico o meu raciocínio para vocês, pobres crianças tolas. - O sonserino falou com arrogância e os Aidans só se entreolharam com diversão, estava óbvio porque aquele era o namorado de Cesc há tanto tempo.

Os dois tinha uma loucura que se completava.

Os garotos voltaram a ouvir com atenção tudo que o rapaz tinha a dizer sobre a situação e suas ideias para resolver o problema. Enquanto os sumoristas se preparavam para entrar no ringue feito de terra batida devidamente circundada por sal grosso, ainda preservando a tradição xintoísta de afastar os maus espíritos.

Todos pareciam devidamente instruídos e alimentados, quando a luta acabou com um encostar de cotovelo no chão - nenhuma parte do corpo dos sumoristas, além dos pés, podia tocar no solo, incluindo os cabelos. Houveram algumas palmas contidas, afinal, o ganhador não se tratava do favorito da torcida local.

Ekti aparatou de volta ao local como se estivesse diretamente conectada ao horário do estádio. Estendeu o pergaminho enrolado para seu chefe, com praticidade.

— Obrigado, já não era sem tempo. - Enrique falou fazendo pouco caso e a criatura só pôs os olhos em fendas antes de desaparatar. O sonserino estalou a língua nos dentes, em desaprovação. Aquela elfa estava ficando muito abusada!

— Sem querer ofender, mas acho que, talvez, você devesse pegar leve nessa coisa de treinar sua funcionária para o sarcasmo... O que Erick pensa disso? - Dood tentou com cautela e recebeu um gesto exasperado de Dussel, que resumia sua resposta.

— Mas foi ele mesmo quem sugeriu! - O rapaz respondeu afetadamente, depois franziu o cenho, em uma reflexão tardia. — Ou talvez ele estivesse sendo sarcástico na hora... Não sei, com Erick não dá para saber nunca!

Kurai riu e também foi o primeiro a se pôr de pé, antes que os bruxos britânicos começassem com alguma outra conversação descabida. Todos seguiram o movimento do caçula do grupo, inclusive seu colega de turma, Akira, que ainda tinha algumas perguntas não respondidas na cabeça.

— Deixa eu ver se eu entendi o plano: primeiro vamos dar um oi para o seu irmão... - O garoto de 12 anos começou incerto.

— Um oi bem rápido, porque vocês não vão querer ver Hector de perto. - O sonserino falou fingindo estar alarmado.

— Certo... E então vamos ver o negócio da poção de Erick, porque...

— Porque é a última coisa da lista de compras dele que falta eu ver, ou seja, foi uma semana extremamente produtiva e devo dizer, Erick está aprontando uma das grandes, porque eu encomendei muita coisa legal! - Enrique falou animado, mas os Aidans - possivelmente os únicos além do próprio que conhecia o potencial do ex-djinn para planos mirabolantes - se entreolharam com receio. — Só então vou estar livre para ver o caso de vocês com mais atenção.

— Então vamos logo fazer isso. - Kurai falou prático, novamente, porque quanto mais tempo ficava longe de seus seguranças, mais tempo teria que enrolar seu avô para justificar aquele comportamento atípico.

Enrique liderou o caminho de sua pequena e jovem comitiva para fora das arquibancadas com uma ótima vista para o ringue de terra batida, com um telhado flutuante, que era uma réplica perfeita de uma construção de um templo xintoísta.

Atravessaram um portal longe da vista dos muitos transeuntes trouxas e finalmente chegaram no grande galpão comercial onde acontecia, há dois dias, uma enorme exposição de inovações bruxas de todos os tipos.

Enrique parecia bastante familiarizado com o lugar, ignorava alguns quantos homens e mulheres que tentavam lhe abordar - devia estar parecendo um astro de rock bruxo também - e finalmente adentrou em um dos pavilhões fechados, um pouco mais distante do burburinho dos expositores mais simples.

Os garotos de Mahoutokoro perceberam tardiamente que aquele se tratava de um pavilhão particular, todo espaço pertencendo somente as empresas da família do amigo sonserino, cujo nome parecia brilhar a cada par de metros.

Havia uma réplica de três metros de altura do estádio Ikley Moor a direita, onde os visitantes podiam desvendar os mistérios tecnológicos por trás dos espetáculos, e ver uma representação dos itens de conforto e segurança, que já haviam se tornado marca registrada do lugar. A esquerda haviam simuladores de voos, onde todas as vassouras da última coleção da empresa podiam ser devidamente avaliadas.

Mais a frente havia uma série de feitiços hologramas com os mais variados atletas patrocinados pelos Dussel, apresentando os famosos gadgets para o dia a dia, um diferencial da companhia esportiva.

A imagem de Jweek Rosier em vestes de gala, fazendo o sinal de dedos oficial dos batedores, enroscando uma perna nua com o porta-varinha da empresa em um de seus criadores, Heitor Dussel, era o que mais atraia os adolescentes para tirar fotos divertidas.

Por falar nos donos, a imensa parede do fundo do pavilhão exibia o elmo medieval prateado dos Dussel, seguido de flashes de cada um dos membros da família, com seus olhares de superioridade aristocrática e beleza marca registrada, brilhando junto com os valores da companhia:

Inovação

Criatividade

Intrepidez

Grandeza

Enrique revirou os olhos por trás dos óculos escuros que havia posto de volta no rosto, porque assim que o primeiro jornalista o localizou adentrando o espaço, os flashes e o burburinho não pararam mais.

O rapaz já tinha preenchido a sua cota de entrevistas sobre sua recente inserção nos projetos da empresa, havia falado também sobre suas expectativas e como estava sendo a relação com os irmãos, agora que também era um adulto com voz ativa nos negócios, fora um ou outra brincadeira mais subida de tom, para manter o interesse dos tabloides.

Ele tinha que admitir, era bastante divertido agir como se todos os anos de ofensas por trás das cortinas e ameaça veladas do trio Dussel nunca tivessem existido, mas era um pouco menos legal ter que se juntar a Hector para tirar fotos sorridentes e balançar a cabeça como quem concorda com tudo que o mais velho falava.

Assim que o avistou, Hector Dussel fez sinal para o seu caçula participar de uma entrevista mais informal que cedia a uma jornalista muito bonita, que Enrique tinha a impressão de que já havia visto em algum lugar.

Assim que se colocou ao lado do irmão, teve o braço apertado, discretamente, com um aperto mais forte do que era necessário, Enrique estava prestes a reclamar, mas notou que Hector não o estava agredindo e sim pedindo por apoio.

— Bem, aqui está ele, esse é o único assistente que sou autorizado a puxar as orelhas e exigir o melhor que ele pode nos dar! - O projetista deu um de seus sorrisos charmosos, mas Enrique conhecia os traços Selwyn o suficiente para ver o incômodo nos olhos azuis puxados do irmão. — Conte um pouco para a nossa querida Candance Bishop sobre o seu estágio no nosso setor de projetos, Enrique.

O nome da mulher era ainda mais familiar do que o rosto, ela era aquela repórter que tinha feito o inferno com Cesc no intercolegial e acusado Jweek de assassinato em sua coluna, antes disso!

Ganhou uma antipatia automática do caçula Dussel.

— Senhor Dussel, ouvi dizer que não é fácil estar a altura dos seus antecessores, principalmente cientistas considerados geniais, como foi o caso do falecido Jacob Thompson. - A mulher dirigiu a palavra para o recém chegado. Ela era bonita, mas agora estava mais óbvio do que nunca que ela não era tão agradável de se conhecer por dentro quanto por fora. — O que meus leitores querem saber é: como tem sido trabalhar com seu irmão mais velho, conhecido por todos do meio esportivo como sendo um pouco... Genioso?

Hector recebeu o adjetivo com um movimento de boca que podia ser considerado, com muito esforço, como sendo um sorriso em seu rosto bonito. Aquela mulher estava se provando uma coisinha irritante, então estava feliz por ter resolvido trazer suas poções calmantes na bagagem.

Nem em outros tempos Enrique teria dado a jornalista o que ela queria, seu pai tinha regras bem estritas sobre a imprensa e principalmente sobre como lidar com problemas familiares e agora então, que havia uma espécie de trégua entre ele o irmão...

O sonserino mais novo abriu um sorriso venenoso, porque ele nunca foi considerado como sendo uma pessoa que aceitava ser manipulada passivamente, ainda mais quando o manipulador em questão queria claramente prejudicar um membro de sua família e já havia brincado com gente muito querida.

— A sua pergunta não faz o menor sentido, você quer saber a respeito do meu estágio ou sobre o desaparecimento de Jacob Thompson? - A mulher não escondeu a surpresa com a honestidade agressiva dele, diferente de Hector, que apenas segurou a respiração, com medo do que o garoto iria dizer a seguir.

— Perdão? - Bishop se fez de inocente e Enrique dessa vez retirou completamente qualquer traço de bom humor do rosto.

— Eu quis dizer que, se você tem qualquer informação nova sobre o caso de Thompson, por favor, nos ilumine com esses dados! Mas se quiser apenas causar alvoroço remoendo uma história da época que eu nem sequer tinha arrumado meus malões para Hogwarts... Quem pede perdão sou eu, senhorita, porque não posso e nem tenho interesse em ajudá-la.

— Desculpe se não me expressei direito, senhor Dussel, usei apenas o exemplo de Thompson, mas poderia ter falado do doutor Harmond ou da doutora Sayek, a intenção seria a mesma. Só queria saber a respeito da sua experiência de trabalho com seu irmão. - A mulher se justificou como se estivesse mortificada pelo engano, então seu fotógrafo particular tirou uma foto do sorriso falso do jovem. Aquilo ficaria bom ao lado do artigo sobre os melindres dos Dussel.

Eles sempre vendiam bem os jornais, não era a toa que os tabloides bruxos os adoravam.

— Escolheu o pior exemplo que podia, então, que conveniente... Mas sobre o meu estágio com Hector, a Inglaterra deve estar com pouco assunto interessante, se você veio até o Japão para perguntar algo que eu já respondi mil vezes! - O rapaz falou debochado e Hector disfarçou a risada da cara ofendida de Bishop com uma tosse. Aquilo não tinha como acabar bem, mas estava se divertindo muito para tentar impedir o desastre.

— Não se preocupe, senhor Dussel, ouso dizer que nunca escrevi o mesmo que os outros jornalistas, ainda que o discurso do entrevistado seja o mesmo para todos. - Bishop exibiu um sorriso malicioso, mas não no sentindo sexual, que teria favorecido sua beleza enormemente.

— Então coloca assim na sua coluna: Enrique Dussel teve o momento de sua vida construindo coisas com o irmão mais velho! Ah! Aproveita que está aqui no Japão e entrevista Rita Skeeter para complementar a sua matéria. Ouvi dizer que ela vai fazer uma sessão de autógrafos amanhã com o novo livro dela. - Enrique replicou com veneno, evocando a arqui-inimiga da repórter na conversa e dessa vez Hector teve que intervir.

— Ok, acho que já encerramos por aqui, obrigado pela participação de vocês na nossa exposição. Senhorita Bishop, por favor, fale com um de nossos colaboradores, se precisar de mais alguma informação. - O homem mais velho empurrou de leve o irmão pelo ombro, mas Enrique ainda achou espaço para piorar ainda mais a situação.

— Peça a eles alguns brindes também, cortesia da casa, para sua visita não ser considerada tão inútil! - O garoto falou rindo, fazendo seus acompanhantes rirem junto e Hector o empurrar com mais força.

— Isso não tem graça! Você sabe que Candance Bishop pode ser uma verdadeira pedra no nosso sapato, não sabe? - O herdeiro Dussel mais velho falou bem menos irritado do que deveria estar, porque Enrique era mesmo um pentelho arrogante e irresponsável!

— Ela não iria publicar o que falamos mesmo! Pelo menos eu a irritei um pouco, vamos ver o que ela pode mandar de pior! - O rapaz de 19 anos se soltou do irmão e o olhou com a mesma superioridade que o homem só via nos olhos do pai, Ciaran, e eventualmente nos olhos de Helena também. — Gosto dos meus inimigos bem declarados e espumando de raiva.

— Sim, já percebi, agora dê o fora daqui, antes que você irrite mais alguma ameaça a nossa paz! - Hector replicou com bom humor, fazendo Enrique fingir que estava chateado.

— Mas eu queria tanto trabalhar...

— Vai logo, antes que eu mude de ideia! - O homem disse rindo dessa vez, então Enrique aproveitou para cair fora logo, antes que ele realmente mudasse de ideia.

Hector tinha alguns dias bons, mas a maioria dos dias eram com tempestade e quando ela vinha, era mortal e não avisava a ninguém.

Os dois Aidans, Akira e Kurai acompanharam o sonserino mais velho para fora do galpão Dussel. Ark foi o único dos antigos alunos de Hogwarts que teve coragem de verbalizar o que se passava na mente dos outros dois britânicos que conheciam um pouco do histórico da família Dussel pelos tabloides.

— Achei que seu irmão te odiava. Ou aquela coisa toda que saia nos jornais era mentira? - O lufano falou sem querer soar intrometido, mas o questionamento fez Enrique o olhar confuso.

— Não sabia que essas coisas chegavam até o mundo colorido da Lufa-lufa...

— Ah, não chega muito mesmo, mas um dia desses estive conversando com Macmillan na cozinha e ele comentou algo sobre seus irmãos serem meio... Ciumentos. Cesc deve ter falado algo do tipo também. - Ark havia tentado puxar de onde sabia tanto sobre os Dussel e no final das contas, chegou a conclusão de que estava andando muito com sonserino para ser saudável.

— Macmillan como em Chris Macmillan? - Enrique não tinha como estar mais surpreso, porque o seu calouro da época em que estava no terceiro ano era um dos sonserinos mais difíceis de lidar de todos.

— Sim, ele vai sempre lá na cozinha! Bem, costumava ir, quando nós ainda tínhamos uma cozinha em Hogwarts, né? - Dessa vez quem tinha respondido foi o outro Aidan, o que os mais novos achavam que era o bonzinho. — A família dele é bastante lufana e ensinou um outro truque dos texugos para ele.

— Ah, é verdade! Chris é a ovelha negra da família... - Enrique falou lembrando do metamorfomago não tão simpático quanto, mas igualmente atraente, como Lupin. — Mas chega de falar de gente que não tem nada a ver com nossos problemas, vamos falar de... Da família Hu, da China.

Se os Aidans estivessem bebendo algum líquido, seria nessa hora que ambos cuspiriam tudo para fora.

— HU?!?!

— Você está falando Hu como em Hu Hui Ying, quartanista de Mahoutokoro? - Ark complementou a surpresa de sua outra versão agora novamente de máscara. Enrique fingiu ler o que dizia a lista de Erick, depois olhou de um garoto ridículo para o outro.

— Como eu supostamente devo saber disso? Erick só falou que, se eu tivesse tempo, eu devia passar no stand da família Hu, porque eles entendem muito sobre minerais catalisadores e a matriarca da família é autora de um dos livros que eu li durante minha pesquisa para ajudar vocês! - O rapaz concluiu com menos mau humor do que havia começado.

— Ah, claro, faz sentido. - Dood falou sem graça, meio que se desculpando pelo rompante esquisito que ele e seu outro “Eu” tinham tido.

— Achei que agora que temos um tempinho extra, podíamos ver esse assunto primeiro e só então eu passaria lá no stand das poções naturais de Erick, o que acham? - O sonserino perguntou bastante solícito até, ele devia estar virando uma pessoa melhor, como Cesc sempre dizia que eles deviam ser.

— Eu adoro poções, na verdade, acho que devíamos... O que você acha, Dood? Poções primeiro, não é? - Ark começou e encontrou apoio na sua cópia.

— Sim, com certeza, poções é a melhor ideia! - Dood confirmou, fazendo Akira e Kurai se entreolharem desconfiados com aquele comportamento esquisito dos dois Aidans. Enrique agora estava um pouco... Pensativo.

— Essa menina Hu que vocês perguntaram, ela tem alguma coisa a ver com o... - A expressão envergonhada nos rostos dos Aidans fez Enrique sorrir, era toda a resposta que ele precisava. — Cesc vai ficar tão orgulhoso, não acredito que lembrei de um detalhe tão insignificante da vida de alguém que eu não me importo!

— Nossa... - Kurai sussurrou surpreso com a falta de sensibilidade do britânico. Akira olhou ainda de cenho franzido para toda a situação, até que se tocou do que se tratava tudo aquilo. Cutucou Kurai com o cotovelo, na altura da costela.

— Essa é a garota que Aidan tem um precipício desde o primeiro dia de aula, lembra que eu te falei sobre isso? - Akira falou animado, porque detestava ficar de fora dos assuntos. Kurai lembrou do que o amigo tinha dito a quase um mês atrás. — A garota literalmente deu um pé na bunda dele depois que ele ficou popular!

— Isso não é verdade, Hui só... Ela é muito ocupada, estava ajudando Tracy Harmond com as lições! - Ark rebateu o irmão malvado, depois olhou para Enrique, a título de explicação. — Ela me ajudou no início das aulas porque faz parte do comitê de boas-vindas de Mahoutokoro e assim que viu que eu já tinha me adaptado, ela foi ajudar outra pessoa, só isso.

— Essa Harmond que você falou é a de Hogwarts, filha de Charles Harmond? Minha Morgana de lingerie, eu estou quase um filantropo de tão atencioso com o detalhe da vida das pessoas! - Enrique falou meio chocado, mas completamente feliz com a constatação de que tinha se lembrado de duas coisas que não eram de seu interesse no mesmo dia! — É assim que as pessoas altruístas se sentem todo o tempo? Isso na verdade é bom!

Os Aidans riram do choque do sonserino, então Dood resolveu responder pelos dois.

— Ainda há um longo caminho para chamarmos reconhecer um nome de altruísmo, mas sim, fazer coisas boas causam uma sensação bem legal. - O garoto falou com gentileza, porque era sempre bom ver os sonserinos encontrando o caminho da luz.

Cesc de vez em quando fazia algo assim, Scorp também e até mesmo Macmillan conseguia ter um ou outro ato de bondade genuína. Aidan ainda tinha esperanças de ver Rebeca e Tony fazendo algo bacana sem esperar nada em troca também.

— Eu não entendi quase nada do que vocês falaram, podemos voltar para a decisão principal? Poções ou pedras mágicas? - Kurai falou com impaciência.

— Poções!

— Pedras mágicas! - Enrique olhou para o Dark Aidan com irritação, porque, agora que todo mundo sabia qual era o problema dele em ir no stand dos Hu, já não tinha mais desculpas para adiar a visita. — Deixa de ser frouxo, criatura! Se quer conquistar a garota, precisa ter coragem!

— Mas você é sonserino, nós não entendemos nada de coragem! - Akira acusou com estranheza, porque isso foi algo que ele aprendeu em Hogwarts e odiaria que fosse mentira.

— Se todo sonserino fosse igual, com as mesmíssima características que o Chapéu canta, não estaríamos tendo essa conversa absurda! Sonserinos também são conhecidos por serem espertos! - Enrique respondeu de mau humor e Kurai colocou as mãos nas têmporas. Esses caras estavam falando de Chapéu cantante agora? — Vamos logo para o stand dos Hu, antes que eu acabe cometendo um assassinato aqui!

— Lembre-se do altruísmo, Enrique, assassinato não tem nada a ver com altruísmo. - Ark falou com diversão e recebeu um olhar sarcástico do sonserino.

— Pode ter certeza que a sensação de matar um lufa-lufa é bem melhor do que a sensação de ajuda-lo.

Ninguém mais falou nada depois disso.

***

O stand da família Hu estava bastante movimentado. Na verdade o espaço era um lindo jardim de peônias, que variavam do rosa choque ao branco, com suas pétalas delicadas como papel seda.

O corredor em que a família havia se instalado cheirava a flores e tinha pedras e livros intercalados harmonicamente, como em uma pequena livraria artesanal. Enrique sabia que os Hu eram pesquisadores de muitos títulos publicados, mas não imaginava que pedras poderiam ser um tema tão interessante a ponto de atrair um número considerável de bruxos e bruxas de todas as idades.

Se esticou um pouco além do mar de cabeças e chapéus pontudos, na tentativa de ver se a idosa, líder do clã e chefe da pesquisa da família sobre minerais catalisadores de feitiços, ainda estava por lá, mas depois de não vê-la em canto algum, o sonserino decidiu perguntar a um garoto simpático, atendendo um casal algumas prateleiras a frente.

— Boa tarde, você fala o meu idioma? - O britânico perguntou com educação, porque havia recebido uma série de olhares feios ao longo da semana, quando havia subentendido que todos os bruxos do mundo deviam saber inglês.

Os orientais não tinham muito senso de humor.

— Boa tarde, falo inglês sim, senhor. - O rapaz com vestes chinesas tradicionais entregou o pacote aos clientes anteriores, com um agradecimento em sua língua, antes de voltar sua atenção completamente para o britânico. — No que posso ajuda-lo?

— Na verdade, gostaria de saber se a matriarca Hu se encontra. Queria tirar algumas dúvidas a respeito do livro dela Gemas ordinárias, poderes extraordinários. Seria possível eu falar com ela? - Era um tiro no escuro, Enrique sabia, mas tinha certeza de ter ouvido algo sobre ela estar fazendo uma tarde de autógrafos hoje.

— Infelizmente ela já se recolheu hoje, vovó tem feito aparições apenas pela manhã. - O garoto, que não devia ser muito mais velho do que Cesc, respondeu contrito. — Mas talvez você possa tirar suas dúvidas com minha irmã, Hui Ying. Só um minuto, eu vou chama-la.

Enrique se virou para provocar os Aidans, dizendo que aquele era o dia de sorte deles, que teriam que bater pedra, capa e varinha para saber qual dos dois teria uma chance com a garota, mas ambos estavam encostados quase na saída do stand, fingindo que não tinham nada a ver com o que ele estava fazendo.

Covardes!

Ao se virar de volta para o lugar onde o chinês havia sumido, uma garota que batia na altura de seu peito o cumprimentou com uma leve reverência educada e outra, muito menos oriental, mas igualmente simpática, o cumprimentou de uma distância segura.

— Sabia que o conhecia de algum lugar. Como vai, Dussel? - Tracy Harmond falou com um sorriso inocente, disposta a deixar o passado no passado, contando também com os ótimos comentários que o pai havia feito sobre o empenho do jovem Dussel no trabalho.

— Harmond, que coincidência, estava falando de você hoje. - Enrique respondeu sem nenhum interesse real de falar com a quase chinesa, iria cumprimentar a outra garota agora, mas Tracy resolveu continuar a conversa.

— Espero que bem. E sim, eu sei que eu e seu namorado tivemos algumas desavenças no passado e isso pode te deixar com uma má impressão de mim, mas ao menos você teve a oportunidade de conhecer meu pai e ver que...

— Que seja, Harmond, como diria Cesc  amém pra isso. Agora, se me der licença, eu não vim até o Japão para fazer justiça por meu namorado, segundo ele mesmo, ele já virou essa página. - O sonserino falou ainda com pouco interesse, então olhou para a chinesa desconfiada ao lado da corvinal traiçoeira. — Senhorita Hu, ouvi dizer que poderia falar com você a respeito dos livros de sua avó, é verdade?

Antes de responder, a menina bonita em suas vestes chinesas tradicionais, olhou para Tracy pedindo por permissão para conversar com ele. Se estava bem lembrada, Cesc, o namorado desse rapaz a sua frente, era um dos moleques que praticavam bullying com a pobre Tracy na Escócia.

— Tudo bem, Hui, se Fábregas e Zabini estão realmente dispostos a se comportar melhor, não tem porque eu fazer algo grande disso. - Tracy respondeu o olhar da amiga com um sorriso gentil.

— Eu não falei nada sobre Zabini, pelo que eu sei, ele ainda pode está planejando te matar. - Enrique disse isso com um prazer sádico, porque, embora fizesse muito tempo e Cesc não fosse exatamente um anjo, ainda assim o irritava que Tracy Harmond tivesse se atrevido a envenenar ele!

— Ele me mandou uma carta me pedindo descul... Bem, ao menos ele disse que estava impedido de tentar qualquer coisa contra mim por causa do contrato com o patrocinador, então eu vou considerar como um pedido de desculpas sinceros. - Tracy falou divertida e Enrique fez uma careta para a novidade. Cesc não tinha falado nada sobre Tony ter fechado um contrato com alguém.

— Certo... Então, Hui, você pode me tirar algumas dúvidas? Teria como conversamos em algum lugar mais tranquilo? - Enrique apontou para o grupinho de alunos de Mahoutokoro com quem tinha vindo, fazendo as garotas finalmente notarem que ele não estava sozinho. — Tem alguns colegas seus comigo, a gente está cheio de dúvidas e não vamos tomar muito do seu tempo. Uma pausa para um café, talvez?

Hui reconheceu Aidan Hataya, seu irmão caçula e o garotinho nascido-trouxa que havia ajudado a organizar melhor o horário de aulas no ano anterior, Kurai Shinoda. Não reconheceu o garoto de máscara e capuz, mas devia ser algum parente dos Hataya, dada a semelhança com Aidan.

Olhou para Tracy em dúvida e a garota fez que sim, cruzando os braços com o seu, em apoio.

— Adoraríamos uma pausa para um chá, senhor Dussel, obrigada.

***

Hui e Tracy haviam conversado com o rapaz que havia atendido Enrique primeiro, Xian Cheng, avisando do intervalo que fariam e agora ambas se deslocavam elegantemente, guiando o grupo para uma casa de chá localizada no jardim de inverno do centro de exposição bruxo.

Hui cumprimentou o servente da casa com educação e pediu uma mesa simples nos fundos do lugar. Voltou-se para os convidados com calma.

— Precisam retirar os sapatos e falar em voz baixa. Como iremos conversar, pedi para eu mesma servir o chá, sem grandes cerimônias, tudo bem? - Enrique olhou para os outros, de ambos os lados e todos confirmaram com a cabeça.

— Claro, você que manda, senhorita Hu. - Estava sendo extremamente simpático com a namoradinha de Hataya, ainda na onda de ser uma pessoa legal. O lufa-lufa estava tentando alguns olhares furtivos para ela, quando achava que ninguém estava vendo e isso era muito adorável.

Bem, isso se você ignorasse que o outro Aidan estava bem ali do lado, tentando sumir na decoração das paredes, com medo de ser reconhecido. Não havia muito o que pudessem fazer quanto a isso e Hu Hui Ying não parecia muito interessada no primo misterioso dos Hataya, apresentado apressadamente.

Todos se sentaram na mesa baixa, a casa de chá não estava exatamente cheia, mas havia pelo menos uma cerimônia do chá acontecendo em um canto mais distante. O cheiro do incenso e o vapor da bebida tradicional faziam tudo ficar com um clima místico.

— Gostam de matcha? - Hui perguntou simpática, mas apenas Kurai se arriscou a quebrar o silêncio esquisito do grupo.

— Só conheço nos sorvetes e doces, mas sempre há uma primeira vez para tudo. - O garoto respondeu com cuidado, em inglês, ainda em respeito aos amigos. — Você vai fazer a cerimônia para  a gente também?

— Desculpa, eu não sou japonesa, não sei muito sobre a cerimônia do chá daqui, só sei que ela é encantadora. Mas eu sei fazer um usucha aceitável, que não vai estragar a experiência de vocês para sempre, prometo. - Hui respondeu com humildade e Tracy completou.

— O matcha é uma variedade de chá chinesa, então acho que estamos em boas mãos. - Piscou para a amiga, com cumplicidade. — Agora nos diga, Dussel, o que precisa saber sobre minerais mágicos?

Enrique teve que literalmente morder a língua para não mandar Harmond plantar mandrágoras sem protetores, mas preferiu respirar fundo e ignorar a cara sonsa da corvinal desagradável.

— Estive lendo o livro da sua vó, senhorita Hu e marquei essa passagem que fala justamente do poder catalisador de algumas pedras, em especial as gemas semipreciosas... A senhorita acredita que uma pedra energizada poderia, por exemplo, fazer um processo de fusão entre homem e animal?

— Se refere a um animal... Um animal de poder, um animal totem? - Hui perguntou em dúvida, não sendo a única que não tinha entendido o que ele quis dizer. Tracy também estava confusa.

— Não, me refiro ao antigo elo entre o bruxo e um Familiar. Uma pedra poderia ser capaz de ser o catalisador dessa ligação entre homem e animal? - O rapaz perguntou com cuidado, porque Familiares, como gatos, corvos e ratos já não eram mais comuns desde a Inquisição na Europa.

— Não conheço muito sobre Familiares, imagino que seja uma tradição europeia, mas sim, pedras na forma de amuletos são capazes de fortalecer laços. - A garota respondeu com confiança, porque havia muito pouco que um bom mineral mágico não podia fazer. — Já vi gemas mais poderosas do que a famosa poção Armotentia, se quer saber.

— Mas uma pedra seria capaz de... Segurar permanente essa ligação? Como em uma... - Enrique se interrompeu, o material do chá havia chegado e Hui havia começado a servi-los agora, colocando a erva nas xícaras estranhas, a água quente delicadamente, segurando a tampa com o dedo indicador... Agradeceu assim que recebeu o seu e continuou a pergunta. — Hipoteticamente falando, se uma pessoa quisesse se fundir a outra... Com consentimento de ambos, claro! Haveria possibilidade de uma gema manter essa união estável?

Ok, era agora que as duas únicas garotas do grupo sairiam correndo, fugindo por suas vidas.

Aidan - Ark - tentou disfarçar a estranheza da pergunta tomando o seu chá com cuidado, mas nem Hui, muito menos Tracy, demonstraram medo ou desconfiança. Na verdade as duas garotas pareciam perigosamente...

Curiosas.

— Isso seria incrível de ver. No que estão pensando? - Hui deu uma mordida no seu pequeno wagashi antes de beber um pouco de seu chá levemente amargo. Enrique tentou não olhar para os Aidans, para não levantar suspeita, mas foi Kurai quem a respondeu.

— Estamos falando hipoteticamente, claro, provavelmente esse tipo de coisa deve infringir um milhão de regras do governo japonês, então sem chances de tentarmos algo assim! - O garoto falou tentando fazer pouco caso, enquanto seguia o exemplo das meninas e comia um doce, porque aquele chá era meio amargo.

Tracy olhou com um sorriso malicioso para Enrique Dussel, porque, pelo que ela sabia dele e principalmente de seu namorado, Cesc Fábregas, esse era exatamente o tipo de coisa que os dois sonserinos poderiam tentar fazer em um surto de loucura.

— Não infringe nenhuma regra japonesa, que eu saiba. - A garota chinesa falou olhando para Dussel, Shinoda e enfim encarou Aidan Hataya com um sorriso inocente. — Eu adoraria ver algo do tipo acontecer.

Golpe baixo.

Enrique pigarreou louco para mandar uma mensagem telepaticamente para Hataya dizendo “não caia nessa, cara, garotas são ardilosas em qualquer país!”, mas o lufa-lufa devia estar com muito medo das consequências de uma magia como essa, porque ele não se deixou levar pelo pedido implícito da garota bonita.

— Ainda hipoteticamente falando, eu não envolveria você em algo tão perigoso quanto isso. - Aidan falou sério, coçando o braço por baixo do sonuit, com desconforto. — Isso se essa ideia fosse algo sequer possível...

— Eu acho que é possível, mas não para leigos, eu acho... Quer saber, deixa eu demonstrar: senhor Dussel, me empresta essa pedra que leva consigo no bolso? - Hui falou com uma leve animação, pegando Enrique de surpresa. — Posso senti-la, o senhor me empresta?

O sonserino buscou a pedrinha no bolso com um olhar desconfiado, como essa garota poderia “sentir” a opala que roubou de Lexa Prutt alguns meses atrás? Entregou a opala simples, que a grifinória achara erroneamente que era uma pedra de azar.

— Vê, Tracy? É uma opala básica, mas está bastante energizada. - Hui mostrou a pedrinha para a garota ao seu lado, que assentiu atentamente com a cabeça. — Embora ela catalise bons caminhos e escolhas, dando um pouco de sorte ao portador, essa aqui parece energizada com uma espécie de... Magia de fusão?

Não era para sair como uma pergunta, mas Hui não pôde evitar o tom duvidoso, afinal o senhor Dussel dizia que queria saber mais sobre pedras como catalisadoras de fusão e tinha uma que emanava exatamente esse tipo de energia, embora não fosse da sua natureza básica.

O que esse rapaz estava tramando? O que quer que fosse, parecia que ele já havia começado a colocar o plano em ação.

— Essa é uma pedra que uma colega de time ganhou da avó trouxa, não imagino de onde ela possa ter vindo. - O sonserino respondeu sonso, como se não fizesse ideia do porquê uma pedra ordinária agora apresentava um poder extraordinário.

— Você leu o livro da minha avó, meu irmão disse. - Hui apontou sem fazer nenhuma inflexão acusadora na voz. — Deve ter visto algo de como imprimir sua magia em pedras, até transforma-las em amuletos singulares, minha família vive disso, você sabe.

— E você é realmente muito boa no que faz, senhorita Hu, mas poderia devolver minha pedra agora? - Enrique estendeu a mão desconfortável, porque não estava gostando nada do caminho que as coisas estavam tomando agora.

— O que você é? Um metamorfomago? Um animago? - Tracy perguntou bem mais acusadora do que a amiga, porque havia entendido as implicações de Hui na hora, diferente dos outros participantes da conversa.

— Eu sou rico, Harmond, posso apenas ter contratado alguém para enfeitiçar a pedra para mim, agora dá para me devolve-la, senhorita Hu? - O rapaz mais velho da mesa pediu, dessa vez sem paciência alguma.

— Podemos fazer um trato: eu ajudo você com o que quer que tenha em mente e em troca, você me deixa pesquisar essa magia que vocês estão usando. - Hui falou com um sorriso simpático e quando não recebeu nenhuma reação dos garotos, estendeu a opala de volta ao dono. — Feito?

Enrique pegou a pedra de volta e sopesou a proposta, inclusive se perguntou se valia a pena mesmo arriscar seu segredo como mimetista apenas para salvar os Hataya de mais uma confusão arranjada por eles mesmos!

Seu pai tinha sido bastante categórico sobre seu segredo desde a infância e até mesmo Heitor o fez prometer que não contaria nada a ninguém, até eles terem certeza que era uma magia inofensiva e que isso não traria nenhum tipo de mal para a família.

Mas Heitor também havia dito que ele deveria se interessar mais em como explorar seus poderes e a garota Hu havia percebido só com um toque os exercícios de troca de essência que ele havia feito com a pedra, então...

Enrique tinha praticado transformar seus dedos, então a mão e depois o braço em opala pura, fria e bem lapidada e todo o processo inverso. Sabia que não era exatamente assim que os outros bruxos imprimiam sua magia nas gemas, mas ele tinha um jeito ainda melhor de fazer, havia dito a Heitor que podia sentir perfeitamente os objetos com os quais se fundia!

Heitor não entendia, talvez ninguém entendesse até que ponto um mimetista poderia se sentir a vontade e confortável com parte do seu corpo constituída de outra matéria, mas Enrique tinha quase certeza agora que ficaria bem se conseguisse se transformar completamente em metal ou pedra, embora nunca tivesse tentado, afinal, ninguém nunca tinha registrado ou identificado sua magia com propriedade.

Até agora.

— Ok, mas só conto exatamente do que se trata a minha Magia, diante de um voto perpétuo. - Enrique falou com seriedade, sabendo que era um tiro no escuro confiar em uma garota que acabara de conhecer e em outra que o pouco que conhecia só trazia más  recordações de um Cesc doente na ala hospitalar de Hogwarts.

Voto perpétuo era pouco, mas era o que tinha para hoje.

— Aceito. - Hui não hesitou, mas Tracy parecia bastante em dúvida quanto a isso. Queria mesmo saber quem era Enrique Dussel? Se a superfície não apresentava nada de bom, imagine a essência! — Tracy?

— Depende dos termos, não confio nele. - Falou com sinceridade para a amiga, depois olhou dando de ombros para o sonserino mais velho. — Desculpe, Dussel, mas nós meio que temos um passado em comum e eu odiaria ver Hui ou eu mesma machucadas.

— Muito sensato de sua parte, não posso critica-la por isso. - Respondeu com um sorriso não de todo verdadeiro. — Então vamos decidir os termos do voto?

— Antes de darmos esse passo, eu... - Aidan, não o Ark, que havia sido escolhido como a versão oficial ante Hui, Tracy e toda a Mahoutokoro e sim o outro - Dood - retirou a máscara e abaixou o capuz que escondia a semelhança com sua outra versão. — Hui, o que estamos fazendo é coisa séria. Você tem certeza que quer se meter nisso?

A mesa toda estava em choque, parte sem acreditar que Dood havia se revelado assim, sem avisar a ninguém e só as duas garotas olhando dele para o outro Aidan, como se não pudessem acreditar no que estavam vendo.

Tracy estava ligando os pontos rapidamente em sua mente corvinal: Dussel havia falado de magia de fusão, de juntar duas pessoas através de um catalisador e Hataya, que não tem um gêmeo e nunca havia sido conhecido por ter mais de dois dedos de testa, tinha recentemente se tornado um dos melhores alunos que já havia visto em toda sua vida! Agora as coisas estavam começando a fazer sentido...

Ou não.

Antes que a garota metade chinesa, metade britânica pudesse verbalizar suas suspeitas e fazer um milhão de perguntas àqueles garotos malucos, Hui tomou a palavra com um sorriso confiante e bonito no rosto.

— Tenho certeza sim, Aidan. Agora conte-nos tudo e não esqueça nenhum detalhe.

Good Aidan olhou para sua cópia idêntica, com o sonuit no braço e um sorriso animado como a muito não exibia no rosto. Guardou a máscara no bolso com cuidado, olhou para Hui com carinho e deu um gole em seu matcha antes de começar a contar toda a história.

— Eca, que negócio amargo! Alguém me passa o açúcar, por favor? - Ele fez uma careta e recolocou o chá de volta na mesa com cuidado, fazendo todos rirem, porque Aidan Hataya sabia mesmo como estragar um momento importante.

Ark revirou os olhos e chamou a atenção de volta para si.

— Ok, meninas, deixa que eu falo: tudo começou com...


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Notas finais do capítulo

Capítulo beeeeem grande, para compensar todo o tempo longe!

Há referências nas falas de Erick de HOH no início, que vai ser muito importante. Também vimos um pouco mais do sonuit, da opala que Enrique pegou de Lexa em um capítulo de Contos e sobre o mimetismo dele, então está tudo conectado.
Bjuxxx e me deixem saber o que vocês entenderam e acharam!

Edit: obrigada por me avisar da troca de pedras, Moony, sua linda, estou com saudades!



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