Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 18
Capítulo 18 Uagadou


Notas iniciais do capítulo

Ah sim, já sei, faz tempo que não posto aqui tb, mas ao menos temos um capítulo bem grande para compensar.

Relembrando o que aconteceu:

— John, Bella e Lia presenciaram uma profecia feita por Zaki Magoro;
— Bella descobriu uma habilidade mágica relacionada a seus olhos de duas cores;
— John contou a profecia para os iconoclastas, mas não revelou que Bella sabe sobre o Ocaso ou sobre sua habilidade;



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Átrio central de Nova, Uagadou, 02 de outubro de 2021

Sharam estava terminando de explicar a Zaila, sua melhor amiga, o pouco que sabia sobre a confusão que tinha acontecido na “família real” bruxa angolana, porque aquele era o tipo de fofoca que percorria o continente: ninguém resistia a uma briga entre irmãs, com direito a azaração no meio dos sem magia e tudo!

— Não tem desculpa, Sharam! Keli não tinha o direito de ter feito aquele escarcéu por causa de um par de brincos, não importa se pertenceu a... Aff, não olhe agora, mas aquela metida a profetisa está dando mais um de seus showzinhos. - Zaila concluiu com entojo, porque nenhum africano realmente havia superado a derrota para Hogwarts no campeonato intercolegial de Quadribol.

E Lia Thiollent fazia questão de lembrar todo mundo de sua vitória.

— Não vou olhar mesmo! Essa garota tem o poder de tirar qualquer um do sério, você acredita que ela continua fazendo insinuação de duplo sentido sobre a relação dela com John no grupo de pesquisa? - Sharam retrucou olhando a garota de soslaio, cercada por um bando de otários, a maioria deles eram estrangeiros, como ela. — Minha sorte é que eu sei que John é lerdo, porque eu tenho certeza que ela pegaria ele, só para me irritar!

— Olha, não sei não, hein, amiga... O seu namorado não é “lerdo”... - Zaila falou com uma careta meio culpada, porque não gostava de ser a voz da razão, mas tinha que abrir os olhos da batedora. — Você devia ficar atenta, porque se ela se insinua e eles passam tanto tempo juntos... Você sabe! Ele não pode ser tão lerdo assim, se namora com você!

A garota apontou para a outra com uma certa dose de reverência lisonjeira, porque Sharam hoje usava um conjunto esportivo de top e calça de moletom da Adidas para jogar um jogo-treino informal logo mais e estaria bonita ainda que usasse um saco de batatas como vestido.

A angolana franziu o cenho com a possibilidade, encarou o olhar da amiga ao lado que dizia “você sabe que eu tenho razão” e mesmo sabendo que não, Zaila não tinha razão nunca, resolveu que não faria mal algum ver qual era a baboseira que Thiollent estava falando dessa vez.

Vai que tinha algo a ver com John?

— Justamente por isso, amorzinho! Eu não posso dar dica em que contexto foi, porque eu não estou guardando segredo para chamar atenção, é para a segurança de vocês! - Uma onda de revolta e imploro seguiu essa fala da britânica de ascendência turca e Lia apenas acalmou os ânimos com as duas mãos. Sharam revirou os olhos para o teatro. — É sério, pessoal, eu tenho que prezar pela segurança de vocês!

— Mas a gente não se importa com segurança! Queremos saber mais sobre a profecia! - Um garoto que mal devia ter completado onze anos, falou animado, sorrindo ainda mais quando recebeu o apoio dos colegas. — Por favor, preceptora Thiollent! A senhorita já conseguiu desvendar alguma parte da profecia? Só me responda isso!

Profecia?

Sharam olhou em dúvida para a melhor amiga, que a encarou como se não pudesse acreditar na cara de pau de Thiollent! Agora a artilheira insuportável estava por aí inventando que podia adivinhar o futuro de verdade?

Obviamente Zaila não aguentou a língua na boca, a artilheira dos Cheetas de Nova não era conhecida por guardar sua opinião para si, não começaria agora, com aquela sem vergonha!

A setimanista africana consertou seu colar de contas com um sorriso travesso para Sharam, antes de chamar a atenção de todos com uma tosse fingida. Os colegas se viraram para ver quem tinha chegado.

— Ora, ora... Que surpresa ver você por aqui, Thiollent, fingindo que faz alguma coisa de útil, que não seja se gabar pelas glórias do passado.- Zaila falou naquele seu tom debochado já conhecido na escola, mas tudo que Lia fez foi jogar o cabelo charmosamente para o lado, aceitando a mão de um garoto bonito - provavelmente seu “escolhido” da semana - para descer da mureta com vista para o Átrio central de Nova.

A Sonserina era puro desdém educado e sorriso malicioso agora.

— Sinto muito que algumas pessoas não tenham glória alguma para se gabar, mas longe de mim ficar contando vantagem, querida... - A garota de pele parda, como as de seus ancestrais do Mediterrâneo, sorriu para sua plateia, então continuou, se justificando. — Estava apenas falando com nossos colegas que eles precisam passar por um processo seletivo para fazer parte do grupo de pesquisa que eu dou assistência e que não devem acreditar em tudo que leem por aí.

— Então quer dizer que a história da profecia naquele tabloide inglês não era verdade? - Uma garota com grandes bochechas rosadas, perguntou confusa, ignorando o puxão em seu braço, dado por uma colega mais cautelosa. Lia a encarou irritada.

— É claro que é verdade, só não a parte que diz que qualquer um pode ficar enfiando o nariz onde não foi chamado, profecia é coisa séria! - A morena falou com um tom agressivo, assustando seus espectadores mais próximos. — Agora cai fora todo mundo, já respondi perguntas demais por hoje! Já chega, estou cansada.

Os garotos e garotas mais novos se dispersaram mais rápido do que se estivessem correndo de alguma criatura das trevas e Lia apenas observou tudo com um olhar de soslaio, sustentado por sua postura indiferente. O garoto alto, de ombros largos e pele escura, que havia ajudado ela a descer do muro, a olhou confuso.

— Eu também? - Levantou uma sobrancelha arrogante, porque sim, ele era um bom amante e podia se dar ao luxo de se considerar acima dos reles mortais, mas Lia não estava gostando daquele convencimento todo.

— Sim, você também. - Falou com impaciência e o garoto a olhou com uma expressão enfezada. Ela sorriu por dentro, porque gostava de seus homens um pouco ariscos. Assim que Kylian seguiu seu rumo mal-humorado, a garota voltou seu olhar para as duas jogadoras de Quadribol a sua frente. — Diniz, estou feliz que ainda esteja aí, avise a Westhampton que preciso dele no meu quarto ainda hoje.

— Mas tem muita coragem mesmo...-Zaila resmungou em voz baixa, maneando a cabeça com indignação. Lia sorriu para a irritação da outra, mas não era a resposta dela que estava aguardando.

— Não sou menina de recados, Thiollent, se quiser falar com John, ache ele sozinha! - Sharam falou olhando a artilheira rival de cima abaixo, a desafiando com o olhar. A sonserina fingiu um bocejo ante o escrutínio. — Mas sobre essa profecia que você previu... Do que se trata? Viu a sua morte em uma panela de água fervendo? Não se preocupe, pelo menos eu não vou tomar essa canja de galinha, te respeito muito para isso.

— Ah certo, sou uma galinha, ainda bem que você me lembrou, tinha esquecido! Mas não, eu não previ nada, eu apenas estava no lugar certo, na hora certa. - Lia se aproximou da angolana o suficiente para perceber como Sharam Diniz tinha uma pele sedosa e um perfume gostoso e cítrico. Sorriu venenosamente, com toda a intenção de intimidar sua colega de classe e ex-rival no estádio. — Depois você pode me agradecer por salvar esse seu traseiro bonito.

Lia sorriu maliciosa, dando as costas para a dupla de africanas ultrajadas por essa afronta: Thiollent salvando a vida de pessoas? Ela achava mesmo que enganava alguém com essa baboseira?

— Acha mesmo que ela sabe de uma profecia importante? - Zaila perguntou com uma careta de nojo, acompanhando com o olhar a caminhada cadenciada da britânica com raízes africanas.

— Nah, essa candongueira está acostumada a vender banha de cobra, eu não acredito em nada do que ela diz! - Sharam falou fazendo pouco caso, arrancando um sorriso da amiga pelo uso do velho ditado angolano. — E então, calcinha? Pronta para perder em um 21 contra mim?

— Ah você me poupe, trinca-espinhas, a última vez que perdi para você, a senhorita ainda cheirava a leite! - Zaila respondeu animada, dando um empurrãozinho amigável no ombro da outra. — Quem perder nos tiros livres, vai ter que lustrar o caldeirão da outra nas aulas de Poções, fechado?

Sharam revirou os olhos para a proposta, mas apertou a mão da melhor amiga com um sorriso confiante.

— Se você quer tanto assim deixar meu caldeirão brilhando...

As duas continuaram se provocando pelo caminho até o dormitório para buscar as vassouras, para então finalmente fazerem alguns treinos despretensiosos antes do treinamento oficial das Cheetas.

O primeiro jogo do campeonato seria amanhã, mas as meninas não estavam preocupadas com o fraco adversário vindo de uma vila distante, lá do Chifre do continente. Mas isso não queria dizer que Sharam não estivesse preocupada com alguma coisa, quer dizer...

Será que essa tal profecia de Thiollent era a mesma que John estava tentando desvendar há semanas?

Não podia ser, porque, pelo que seu namorado havia dito, aquela profecia que ele havia ouvido da boca do jovem Zaki Magoro era algo perigoso, que tinha que ser tratado com muito cuidado, nem mesmo Thiollent seria tão leviana com algo assim...

Ou seria?

***

A maioria dos alunos de Uagadou estavam aproveitando o sábado para seguir pelas trilhas que iam até a base das Montanhas da Lua para curtir o Sol, só para fazer caminhadas mesmo e alguns corajosos até se arriscavam a descer tudo só para rever amigos e familiares.

Todos se comprometendo a subir de volta correndo a tempo para o jantar, mesmo que as vassouras não reagissem muito bem aos ventos de calda e algumas trilhas não fossem recomendadas para iniciantes.

John nunca fora muito afeito a atividades externas, às vezes dava algumas braçadas em um dos afluentes da Lagoa dos Ancestrais no pequeno vale entre as montanhas, mas estava se habituando mesmo a usar os finais de semana para colocar as suas atividades investigativas em dia, enquanto Sharam treinava para o campeonato de Quadribol africano cada vez mais próximo.

A proposta de matriz de pesquisa de Cesc estava se provando muito útil, não só para os termos da profecia ou do Hall da vergonha de Ilvermorny, mas também para outros mistérios igualmente sem solução.

Ainda não tinha dado nem 10 horas da manhã e o jovem galês já tinha desistido de pesquisar os sinônimos de “vida” ao longo da história da magia, para se debruçar sobre o terceiro caso que tinha em mãos:

Bella Thompson.

Se fosse ser honesto consigo mesmo, admitiria que geralmente não dispensava um segundo olhar para os colegas de Hogwarts mais novos, ainda mais àqueles que não eram de sua casa, mas sabia uma ou duas coisas sobre a garota que havia assistido - junto a ele e Lia - Zaki Magoro proferir as palavras de sua profecia mais recente.

Thompson chamava um pouco de atenção dos seus colegas da Corvinal porque era bonita, um pouco brigona e a menina dos olhos de Potter, Longbotton e Weasley II, ainda que ela não fizesse muito o tipo da donzela em perigo, fato comprovado pela besteira que foi ajudá-la no corredor naquele outro dia.

Outro fato conhecido da garota é que ela era apenas a segunda bruxa de sua família, cujos olhos, cada um de uma cor, chamavam atenção pelas possibilidades mágicas pouco comuns a pessoas sem linhagens fortes.

Bem, as possibilidades deixaram de ser só isso assim que a menina havia revelado seu estranho poder há quase um mês. Thompson nunca mais foi no grupo de estudos depois daquela tarde da profecia e Thiollent, como a boa sonserina escorregadia que era, não tocou no assunto nem com a professora, muito menos com ele, pelo que Zaki era grato.

Mas ele não.

John tinha certeza que a garota do último ano estava tramando alguma coisa por conta própria e nem precisou que Weasley II lhe fizesse tantas recomendações para mantê-la longe dos assuntos que interessavam ao Ocaso, porque não era como se Thiollent quisesse compartilhar a glória pela...

Kanye West, precisamos conversar. - John olhou para cima surpreso e encontrou justamente a garota que preenchia o título de sua nova matriz de pesquisa.

Thompson havia sentado de pernas cruzadas, como borboleta, no banco oposto ao seu, naquela que era a única mesa ocupada em toda o Salão comunal de Cheia. O garoto esperou três meninas tagarelando passarem pelo lugar com suas roupas de banho oficiais da escola, para responder o cumprimento mal-educado da grifinória.

— Meu nome não é Kanye West e devo dizer que estou surpreso com sua aproximação, pensei que você estivesse fingindo que não me conhecia. - Falou fazendo pouco caso da presença da terceiranista, tratando de cobrir suas anotações sobre ela com outros pergaminhos, discretamente. — O que você quer?

— Ei, não precisa ser grosseiro! Não te procurei antes, porque estava muito ocupada e... - Bella se interrompeu quando o corvinal a olhou com sua melhor expressão cética. Mas ela tinha todo um roteiro de reaproximação ensaiado, poxa! — E eu não sabia que dia era os dias de reunião do grupo de pesquisa! Ou do Ocaso...

— Quanto ao Ocaso, você perdeu sua chance de fazer parte dos iconoclastas, não pode ir e vir só quando lhe é conveniente. - O garoto falou fingindo pouco interesse, mesmo que sua curiosidade corvinal quisesse que ele tivesse só um minutinho que fosse para avaliar aqueles olhos ou talvez o cérebro da garota em um laboratório...

— Bem, isso não é verdade, porque eu sei que você nem comunicou a ninguém da minha possível entrada no grupo! - Bella acusou, mas John só fingiu que não sabia do que ela estava falando. — E eu tenho provas!

A grifinória colocou um pergaminho na mesa e John só deu uma olhada superficial e logo percebeu que se tratava da letra de Fred II. Trouxe o papel para si e leu a carta do outro iconoclasta com apenas uma pequena dose de curiosidade educada.

— Isso não prova nada. - Devolveu o pergaminho, arrastando-o até o meio da mesa. — Apenas que Segundo é um cínico de marca maior, escondendo o jogo de todos nós! Onde está o desenho da caixa que ele falou? Deixa-me ver.

— Você não me dá ordens, nem pode ver nada, não enquanto ficar aí brilhando no seu pedestal, se fazendo de desentendido! - Bella tinha certeza que havia lugares especiais no inferno par a corvinais metidos. Westhampton a olhou com superioridade. — Ele pediu para eu não me envolver em encrencas, como se não soubesse que eu sei que ele é um iconoclasta e ainda por cima me pediu para investigar essa caixa misteriosa cuja a matriz mágica ele descreveu como sendo “premonitória” e “transfigurativa".

— Onde ele disse isso? Cadê o desenho? - John perguntou ansioso, porque aquelas informações eram novas. — Thompson, passa para cá esse desenho agora!

— Eu vou passar, vou passar para meu colega iconoclasta, mas só depois que você me ajudar com outro assunto. - Ela falou travessa e o garoto revirou os olhos, claro que uma grifinória cabeçuda iria querer ajuda com os deveres escolares... — Tem a ver com minha... Peculiaridade.

Opa.

— Fala da sua habilidade de ver coisas que não estão postas nesse plano ou da sua chatice fora do comum? - O garoto sorriu para si mesmo, tanto pela piadinha, quanto pela oportunidade fortuita de descobrir mais sobre algo que o havia inquietado nos últimos dias.

— Rá, que grande piadista, Diniz é uma garota de sorte! - A garota falou irônica depois continuou, compenetrada dessa vez. — Mas agora falando sério, preciso saber mais sobre minha habilidade e como posso usá-la para... Achar uma pessoa.

— Viva ou morta? - John suspeitava que sabia de quem ela estava falando, mas não queria se precipitar.

— Não sei ao certo, mas estive pesquisando. - Bella molhou os lábios antes de continuar, insegura. — Se alguém tem uma morte em circunstâncias misteriosas, deixando para trás muitas questões inacabadas... Essa pessoa meio que ficaria presa a essa vida, não é? Como um fantasma?

— Estamos falando de seu irmão? - O garoto tinha certa curiosidade pelo assunto, mas queria mesmo era ir para o que o interessava logo: a habilidade mágica de Thompson. Infelizmente teria que colocar o assunto de seu interesse um pouco de lado, se quisesse espremer alguma informação útil da garota arisca.  — Seu irmão não foi dado como morto há alguns anos?

— Ele foi dado como morto há quatro anos, mas nunca acharam o corpo, nem evidências de seu paradeiro... Como poderiam? Ele era só um mero assistente de um dos ricos herdeiros Dussel! Assistente de ninguém mais, ninguém menos do que Hector Dussel, que tem um forno cremador de escala industrial, ainda por cima! - A garota falou sarcástica e John se mexeu inquieto, porque podia até não gostar de Enrique, mas o incomodava saber que poderia estar colocando alguém que odiava a família do garoto para dentro do Ocaso.

— Se foi dado como morto, significa dizer que esteve desaparecido por mais de 5 anos, então... Por que quer localiza-lo agora? - O galês perguntou com cuidado, porque se seu irmão estivesse desaparecido há 9 anos, ele com certeza já não teria mais esperanças de encontrar nada.

— Porque essa coisa estranha no meu olho, esse... Esse poder, ele meio que mostra coisas de espíritos e eu... Eu estive pesquisando na biblioteca, aparentemente se você for muito poderoso ou se for uma eu da vida, pode ver outros planos e pessoas que “desencarnaram”, mas que não seguiram adiante porque...

— Espera, calma! Devagar... Tem certeza que o que viu naquela tarde foram pessoas desencarnadas? - John perguntou alarmado, porque a garota poderia ter visto qualquer coisa. — Não eram tipo fantasmas, como o Nick Quase-sem-cabeça ou...

— Não eram fantasmas, eram só formas meio... Elas não eram muito definidas, era... Tudo era bastante desbotado, amarelado, como se eu estivesse dentro de uma fotografia antiga e... As coisas, elas tinham cores diferentes e se amontoavam sobre Zaki, tipo, muitas delas! Depois elas voaram para fora.

— Quais cores essas coisas tinham? - John perguntou calmo, quase inexpressivo na opinião de Bella.

— Elas eram principalmente vultos negros, mas alguns eram vermelhos de vários tons, com amarelo... Como fogo! Acho que tinha verde também, verde escuro, mas não era muito... O que você está fazendo? - Bella se interrompeu intrigada com o que o garoto a sua frente começou a fazer. — Por que está escrevendo no braço, com tanto pergaminho aqui?

— É uma mensagem para minha namorada, acho que ela pode nos ajudar com essa interpretação de cores sobrenaturais... - John falou conciso, tendo acabado de escrever um simples “Cheia, rápido” na própria pele, sem tinta. Já tinha feito isso antes, sua pena do Ocaso escrevia uma leve mensagem na pele de quem ele endereçava o recado.

Melhor do que esperar que a pessoa tivesse um pergaminho em mãos.

— Mas, enquanto isso... Me fale sobre seu irmão, como exatamente você pretende acha-lo usando seus poderes? - John perguntou, rabiscando algumas novas informações no seu pergaminho quase vazio de dados sobre os Thompson com outra pena, essa do tipo comum mesmo.

— Ok, err... Se eu posso ver os espíritos de pessoas mortas, o que é bastante bizarro, talvez eu possa ver o dele e ajudá-lo a encontrar, sabe, um descanso, fazendo justiça em seu nome. - A menina falou com firmeza e John apenas fez uma careta assustada com o tom.

— Justiça contra os Dussel? - Perguntou cauteloso.

— Só se eles realmente estiverem envolvidos nisso, eu só quero... Só quero descobrir a verdade sobre o meu irmão, algo que... Os Dussel pagaram uma quantia obscena pra gente ficar calado sobre o assunto e... Meus pais até começaram a usar o dinheiro para financiar buscas por ele, mas não há por onde começar! Quem mais teria o poder para fazer um homem simplesmente desaparecer no ar assim? - A menina estalou os dedos, fazendo valer seu ponto.

— Certo, faz sentido e... Embora você pareça não ter nenhum embasamento científico, ao menos o que você está falando existe. Minha namorada, Sharam, ela faz aulas há alguns anos de rastreamento e ela usa... Ah, aí está ela, ela vai te explicar melhor.

A garota irrompeu apressada na Sala Comunal da Montanha dos alunos estrangeiros, mas diminuiu o passo ao ver que John não estava morrendo, como pareceu na sua mensagem arranhada no braço.

— Criatura, quantas vezes eu te disse para não usar essa pena esquisita a menos que tivesse com problemas? - Sharam cumprimentou o namorado com um selinho rápido e um puxão de orelha doloroso, o garoto fez uma careta pra isso.

— Pois é um assunto urgente! Preciso que você faça aquele seu trabalho com auras, do qual você me falou há algumas luas. - John pediu, massageando a pobre orelha agredida.

Sharam se sentou ao seu lado, cumprimentando a garota de olhos de duas cores com um aceno rápido e prático. Deixou o peso cair sobre a mesa, sentada desleixadamente sobre uma das pernas.

— Algumas luas? Tão metido a africano agora... Tá, tá, você quer que eu olhe a aura dela? Já disse que essa coisa de alma partida é bobagem, não disse? Só para confirmar. - Sharam revirou os olhos, porque os europeus tinham esse conto de trovador que dizia que pessoas com olhos de duas cores haviam sido amaldiçoadas com almas partidas.

— Você também me disse que aura e alma são duas coisas distintas, uma é energia, a outra essência, logo você não pode afirmar isso. - John retrucou convencido e a batedora de Uagadou só revirou os olhos novamente.

— Ele é exasperante, não é? Mas enfim, deixa eu fazer meu trabalho, para ao menos justificar minha saída do jogo para minhas amigas. - Sharam empurrou o rosto de John para longe, de brincadeira, depois focou seus olhos castanhos escuros nos verde e azul de Bella. — Hum... Vê? Uma aura perfeitamente normal:  uma adorável mistura de rosa claro e laranja, muito bom.

— O que isso quer dizer? - Bella perguntou com cuidado.

— Rosa é típico de pessoas jovens, no seu caso parece fazer parte de sua aura, não é algo passageiro, logo significa que você é uma pessoa afável, mas de comportamento reservado e modesto. - Falou com um sorriso no rosto. John levantou uma sobrancelha cética.

— Sério?

— Mas ela tem bastante de laranja, o que está associado a impulsividade e altas doses de energia, essa parte lembra a aura de Cesc nos dias bons. - Sharam falou com diversão.

— E nos dias ruins? - John perguntou, com o cenho franzido.

— Nos dias ruins ele está tão animado, que a aura dele é brilhante e cheia de uma energia buliçosa, algo bem engraçado de ver, na verdade. - A garota falou com saudosismo, porque Cesc tinha uma alma e uma aura boa, embora fosse um dos garotos mais encrenqueiros que já tinha conhecido.

— Bem, deixando a aura problemática de Cesc de lado, o que quer dizer a cor preta, vermelha e... - John olhou em dúvida para Bella, que apenas deu de ombros, sem entender o que ele queria que ela dissesse. — Verde escuro?

— Como assim, qual o contexto, John? Quem tem essa aura colorida? - Sharam perguntou divertida, mas ao mesmo tempo intrigada, porque o namorado não parecia certo da informação. — Espera! Isso tem a ver com aquela profecia que você me contou?

— Você contou a ela?!?! - A terceiranista perguntou transtornada, porque Westhampton tinha dado sua palavra que não iria contar nada sobre o acontecido naquela tarde com Magoro, Thiollent e a profecia.

— Contei a ela sobre a profecia, Thompson, eu mantenho minha palavra. - O galês foi enfático, mesmo não tendo ficado ofendido com a acusação. — Mas por que você fez essa associação estranha, Sharam? O que auras podem ter a ver com uma profecia qualquer?

A garota franziu o cenho, metade porque estava curiosa para saber qual era o segredo de Bella Thompson que o namorado guardava, mas deixou vencer o lado que ainda estava irritado e intrigado com a fofoca, muito provavelmente, protagonizada e promovida pela própria Lia Thiollent. 

— Bem... Fiquei me perguntando quais as chances de você estar envolvido em duas coisas estranhas ao mesmo tempo, quero dizer, eu sei que a história da profecia tem um tempinho já, mas você está estudando-a e Thiollent... - Sharam fez uma pausa enigmática, que forçou John a encarar com ainda mais estranhamento. Do que ela está falando? — Está usando para se promover.

— Espera, o quê? Thiollent está usando a profecia para... Explica isso melhor, Sharam. - John pediu com calma, Bella apenas assistia a interação entre o casal levemente confusa.

— Vocês não souberam? Ao que parece foi divulgado que Lia Thiollent presenciou uma profecia sendo proclamada e agora tá todo mundo super curioso para saber do que se trata! - Sharam relatou com certa irritação, já que cada vez mais acreditava que Thiollent havia espalhado o rumor ela própria. — Convenientemente aquela ridícula está tendo o melhor momento de sua vida com essa fofoca.

— Mas profecias não deviam ser secretas para não atrapalhar as previsões e tudo mais? - Bella perguntou a ninguém em particular e quando foi ignorada por John e recebeu um dar de ombros de Sharam, continuou. — Fora que Thiollent prometeu segredo sobre aquela história para Zaki, coitado!

John tamborilou os dedos na mesa, pensativo, porque conhecia a fama de Thiollent, lembrava de Cesc falar algo sobre aquele incidente de Rita Skeeter e seu artigo contra a Seleção, que a própria Lia havia sido a informante, mas esse deslize vaidoso agora poderia colocar tudo a perder realmente.

Isso porque a profecia não se tratava de fofocas indiscretas e sim de algo perigoso, que nem sequer deveria ter sido registrado nos autos da escola, esse foi o combinado feito por eles, que eram as testemunhas do ocorrido e principais interessados!

Mas não, Thiollent queria parecer uma boa preceptora e pior, queria ser relevante na cena da Adivinhação, ela já tinha sido bastante clara sobre esse desejo várias vezes nos encontros do grupo de pesquisa.

John suspirou pesado, porque havia garantido aos outros iconoclastas que tentaria deixar Thiollent, Magoro e a própria Bella Thompson fora das investigações sobre a profecia, mas aparentemente a sede de Lia por fama era mais forte do que qualquer bom senso que a artilheira pudesse ter.

— Querem saber? Vamos deixar Thiollent ter seu momento de glória, talvez a vaidade dela seja exatamente o catalisador que vai permitir que os eventos da profecia se desenrolem... - Jonh falou simplista, porque ao menos podia tentar continuar manipulando Bella, a pedido de Wesley II, para longe do problema. — Seria irônico, porque poucas pessoas notam as sutilezas desse tipo de agente em uma reação em cadeia.

— Não entendi nada... - A menina loira falou apoiando o rosto em uma das mãos, adoravelmente confusa.

— Então vamos voltar ao que entendemos: deixa eu ver o desenho, Bella! - John estendeu a mão em direção a grifinória, que se consertou fazendo cara feia para o pedido.

— Então vamos voltar a falar daquelas coisas das cores para eu encontrar o meu irmão! - Devolveu irritada. Sharam olhou de um para o outro.

— Opa, isso muito me interessa, mas de que irmão estamos falando? - A batedora perguntou com um sorrisinho de canto, porque os dois europeus trocavam olhares irritados, alheios a sua ignorância. — Alguém vai me responder?

— Sharam, você consegue dizer, sucintamente, o que significa no estudo das auras, as cores vermelho, verde e... Qual era a outra? Preto? - O garoto perguntou em dúvida para Bella, querendo por logo um ponto final no assunto.

— Depende da tonalidade, vermelho pode variar de paixão a ira, verde de tranquilidade a uma aura envenenada, mas o preto... Geralmente o preto aparece nos pontos de escuridão que são preocupantes, porque são buracos onde as trevas se instalaram, mas a cor que está ao redor dessas áreas vão determinar melhor a interpretação final. - Sharam parou para olhar os outros dois, um depois o outro. — De quem é a aura com essas cores?

John voltou seu olhar para a grifinória, porque era ela quem decidiria o quanto sobre a sua habilidade e aquele episódio durante a profecia de Zaki, seriam revelados para Sharam. A menina mordeu o lábio com um pouco de nervosismo, antes de dar de ombros, para tirar a importância da coisa toda.

— Não foram bem pessoas e sim... “Coisas”, que, teoricamente, influenciaram na profecia que a gente viu lá, naquele outro dia e seu namorado te contou. - Bella falou com simplicidade, John fez uma careta de leve para a explicação tosca.

— Coisas? - Sharam olhou para o garoto, com um certo tom de acusação. — Como em espíritos fora do nosso plano?

John desviou o olhar, porque sua namorada parecia irritada e ele não sabia ao certo o porquê. Não era nada preocupante que dois adolescentes tentassem descobrir a aura de criaturas em planos diferentes dos da realidade, não é?

Oh, céus, estava andando muito com Cesc!

— A gente não sabe bem do que se trata, mas de toda sorte, tivemos acesso às cores das auras dessas coisas e John disse que você sabia interpretar as auras, então... Interpreta! - Bella falou no seu melhor tom mandão e pouco razoável e o galês apenas tentou aliviar a tensão passando a mão na testa, porque aquilo não tinha como acabar bem pra ele.

— Como conseguiram ver as auras? - Sharam perguntou com uma seriedade incomum e a terceiranista deu de ombros, sonsa.

— Vendo, ué... Mas então? Auras negras são coisas ruins? Isso não é meio que racista? Associar o negro a uma coisa negativa? - A garota perguntou genuinamente curiosa e Sharam olhou para um John, que agora fazia uma careta para a pergunta sem noção da colega grifinória.

— Não é porque uma associação tem uma certa lógica, que ela precisa ser feita. A escuridão nas auras assume a cor preta, mas nem tudo que é preto é ruim, quase nada preto é ruim, na verdade. - Sharam falou com uma paciência calculada, porque não era a primeira vez que um europeu começava com analogias descabidas. Ela há muito tempo tinha decidido que, pelo bem da diplomacia, seguiria o caminho didático e não o agressivo de Emanuel. — Porém auras escuras emanam mesmo uma energia fria, além da coloração característica, ou seja, as cores ajudam a interpretar, mas também há um certo nível de... Sensibilidade que o leitor de auras precisa ter no momento.

— Então uma aura escura... Não negra, não vou falar negra, se pode ofender alguém, estamos na África depois de tudo! - Bella levantou as mãos como se realmente quisesse provar o quanto estava tentando agir do jeito certo, o que fez Sharam sorrir para a tentativa boba. — Não necessariamente significa uma coisa ruim, é isso?

— Muito pelo contrário, geralmente preto não significa algo ruim, mas no caso das auras significa sim, porque demonstra a ausência de luz. A gente só vê esse tipo de coisa em espíritos destrutivos, essas manchas são raras, associadas a pessoas que estão se sabotando. - Sharam pausou a explicação para dar um sorriso para a pobre garota, que parecia realmente estar se esforçando para entender a explicação. — Nem mesmo vilões tem auras totalmente escuras, porque isso significaria algo como o caos completo! Sempre temos o preto em manchas espalhadas pela aura problemática.

A batedora africana finalizou divertida, mas tanto John quanto Bella não compartilharam de sua diversão. O galês olhou para a colega de escola com um certo medo de perguntar quantos daqueles vultos que ela havia visto próximos a Zaki eram completamente negros.

— Ah tá. - A garota de olhos de duas cores falou como se isso encerrasse a questão, porque, sinceramente, saber que a profecia feita por Zaki envolvia um monte de gente morta azeda, querendo ferrar com o mundo, não era algo muito bom de saber. — Ok, eu vou ali no quarto pegar o desenho que Fred me mandou e já volto, tá?

— O quê? Não, espera! O que isso tudo tem a ver com achar seu irmão? - Sharam perguntou curiosa e Bella se jogou de volta no lugar. John resolveu que era melhor ele resumir a história, já que a grifinória parecia não gostar de falar no assunto.

— O irmão de Bella desapareceu acerca de 9 anos atrás e ela... Acredita que talvez possa acha-lo, da mesma maneira peculiar que a gente descobriu sobre as cores das auras dos tais espíritos que você estava avaliando. - O garoto tentou ser sucinto e vago sobre o poder de Bella, que parecia ter apreciado seu esforço.

— No caso, meu irmão sumiu sem deixar vestígios, na época ele estava trabalhando com Hector Dussel em alguma ideia maluca... Eu sei lá! A única coisa que sobrou dos trabalhos dele para contar a história, foi um diário de estudo sobre cicatrizes espaciais e um bando de coisas que eu não faço ideia do que seja!

— Que mistério intrigante! Talvez ele tenha sumido em uma dessas cicatrizes espaciais e tenha parado, sei lá, em Atlantis, o Reino perdido! - Sharam falou empolgada, depois percebeu tardiamente que estava falando de um irmão possivelmente morto da garota a sua frente. — Desculpe, isso foi insensível da minha parte, continue.

— Não, tudo bem... Eu mesma já cheguei a cogitar isso, mas não acho que meu irmão estava trabalhando com cicatrizes espaciais propriamente ditas, ele era um pocionista, que tipo de aplicação prática ele poderia achar para isso? - A menina deu de ombros, conformada e saudosa, mas John não estava disposto a deixar o assunto de lado ainda, nunca tinha sido chamado de uma pessoa com um alto nível de sensibilidade às sutilezas da melancolia humana.

— Cicatrizes espaciais explicariam perfeitamente o porquê do seu irmão ter desaparecido sem deixar vestígios, embora elas estejam muito bem demarcadas nos mapas europeus e isso sim faz essa teoria ser praticamente impossível... - O garoto coçou o queixo intrigado, porque, que razão levaria um pocionista a ter anotações sobre um assunto tão distante de sua área de trabalho? — Posso dar uma olhada nesses estudos de seu irmão, Bella? Pode pedir para seus pais te enviarem?

— Não são estudos, são apenas anotações bobas em um diário, notas que não fazem muito sentido sem o resto do trabalho dele que, convenientemente para os Dussel, sumiu junto com ele! - A garota agora estava obviamente chateada, então Sharam cutucou o namorado para ser menos insensível com a dor alheia. Ele fez um aceno sutil com a cabeça, demonstrando que tinha entendido a mensagem.

— Posso dar uma olhada nas cicatrizes espaciais europeias e ver se encontro alguma ligação com poções... Ou quem sabe com os Dussel? Se eles tiverem patenteado algum produto nesse sentido, talvez a gente tenha um ponto de partida para encontrar seu irmão!

— Você acha que é possível? - A menina perguntou esperançosa para John e dessa vez quem respondeu foi Sharam.

— Eu também posso pesquisar algo sobre cicatrizes, porque, modéstia à parte, Uagadou é boa em manipulação espacial, vide os nossos portais entre montanhas! - A batedora fez um gesto abrangente e John sorriu para a arrogância. — Veja se consegue as anotações de seu irmão, Bella, seria bom ver exatamente o que ele achou que seria digno de nota.

— Ok, isso é bom! Sim, é bom sim, a gente pode... Não, melhor cuidar do pedido de Fred primeiro, depois a gente vê essa coisa do meu irmão! Obviamente ele já esperou quase dez anos por justiça, um pouquinho a mais não vai fazer mal algum, certo? Certo!

A menina deu um aceno informal e confuso com a mão, ainda perdida em seus próprios pensamentos. Levantou do banco em que estava e saiu sem olhar para trás. Sharam esperou ela deixar completamente o salão de Cheia em direção aos dormitórios dos intercambistas, antes de virar para o namorado e falar o que a estava incomodando.

— Essa forma de ver a aura das tais “coisas” tem algo a ver com os olhos dela? - Perguntou sem rodeios, para obter suas respostas antes da menina retornar.

— Sim.

— Você vai me contar mais sobre isso?

— Não. - O galês foi hermético, então a garota de 17 anos apenas fez que sim com a cabeça, John era muito correto para simplesmente trair a confiança de alguém desse jeito. Seria fiel a provável promessa que fez a Bella Thompson, ao mesmo tempo que não fingiria que não havia nada de estranho acontecendo ali.

Sharam tinha que ama-lo por isso, porque era o tipo de pessoa que arriscava tudo pelo que acreditava ser o certo, a aura roxa, sólida ao seu redor, já tinha lhe avisado disso.

— Posso te pedir para não se envolver com essas criaturas? - Perguntou tocando no rosto dele com carinho, porque às vezes esquecia que John era jovem - ainda mais do que ela - e sua mãe sempre dizia que, não importa o quanto fossem maduros, os jovens sempre caçariam confusão.

“Confusão está no sangue da juventude!”

— Espero não ter que me envolver com nada que não seja desse plano ou que seja perigoso de alguma forma. - Não foi a promessa que ela queria ouvir, mas sabia que era tudo que ele podia oferecer no momento. Ele sorriu para desanuviar o clima. — Posso pedir para Bella pintar as cores exatas que viu nas auras e daí você tenta analisar os padrões só pelas cores e suas tonalidades, não precisa ser nada complexo, é só para a gente ter uma noção geral. O que acha?

— Ok. - A garota angolana falou, enquanto beijava o dorso da mão do namorado, em um gesto que demonstrava que ela atenderia ao pedido, mas ainda assim zelaria por sua segurança, de alguma forma que ainda não sabia bem qual. — Agora... Só por curiosidade, sobre o que é o tal desenho que ela foi buscar no quarto, que é mais urgente do que achar o irmão perdido?

John dessa vez se mostrou verdadeiramente animado, porque a caixinha misteriosa de Fred Weasley II era um tópico muito mais seguro do que auras coloridas, irmãos desaparecidos, cicatrizes espaciais e espíritos destrutivos, embora uma inquietação no fundo da sua mente dissesse que talvez tudo, no fim das contas, estivesse interligado.

— Ah sim, essa é uma boa história, deixa eu te contar enquanto Bella não volta.

***

O trio de adolescentes chegava agora até o depósito de artefatos que ficava situado em um enorme galpão na Montanha Nova. John finalmente estava podendo analisar o desenho muito bem feito - e com artifícios mágicos incríveis - feito por Weasley II, mas, infelizmente, tinha que lidar com os pitacos desnecessários de Bella, que vieram de brinde.

— Você pode, por favor, ficar quieta por um segundo? Eu mal posso escutar meus pensamentos! - O quintanista falou mal-humorado para a garota tagarela a seu lado. Sharam riu da cara ofendida da menina britânica.

— Me desculpe se eu só estou querendo ajuda a resolver uma coisa que foi pedida a mim! - Ela rebateu com sarcasmo, fazendo John respirar fundo, ignorando a indireta. — Fred pediu a minha ajuda para investigar essa caixa, então significa dizer que ele acha que os meus palpites são muito bons, se não ele teria mandado o desenho para você, para início de conversa!

— Bom ponto. - Sharam apontou com divertimento, apenas querendo provocar o namorado, que a olhou com irritação.

— Suponho que de repente o mundo virou de cabeça para baixo e o julgamento de Segundo se tornou uma máxima que deve ser respeitada! - O galês respondeu com sarcasmo e Bella o olhou de um jeito repreensivo.

— Não chama ele de “Segundo", como se ele fosse alguma continuação bizarra de alguém, ele não gosta. - A garota falou com sentimento e John levantou uma sobrancelha ainda mais sarcástica para a observação.

— Somos todos continuações bizarras de outrem, mas isso é irrelevante, já que o próprio Segundo nunca reclamou do apelido! - John falou cínico, passando finalmente o desenho para as mãos de sua namorada. — O que acha que são essas inscrições na caixa, Sharam? Algum padrão africano que já tenha visto pela escola?

A batedora não levou nem um minuto para estalar a língua nos dentes e dar o seu veredito.

— Isso não é africano. - Falou com certeza e depois olhou de John para Bella, para, por fim, apontar de volta para o desenho. — Esses padrões são obviamente europeus, algo viking ou celta, talvez minha irmã saiba precisar de onde, mas definitivamente não é daqui.

— Eu não acho que...

— Shiii, fica quieto. - Os três finalmente tinham chegado no depósito, que ainda não tinha nenhum aluno desse semestre pagando detenção como guardador. — Shaira Diniz, monitora de Nova.

O feitiço de reconhecimento vocal aceitou a identificação de sua gêmea e Sharam deu um sorrisinho debochado para a expressão de repreensão de seu namorado. Seguiram para a área restrita, onde ficavam os livros de registro de tudo e todos que entravam e saiam das montanhas de Uagadou.

— Sabe o que eu acho de você usando a autorização da sua irmã para seu próprio benefício, não sabe? - O garoto falou em um tom sério, já passando o grande volume de 2020 para Bella e o de 2018 para Sharam, ele mesmo ficando com o do ano de 2019. Começariam pelos anos mais recentes e depois iriam regredindo, se fosse preciso.

— Você não reclama quando eu uso para ter acesso à piscina dos monitores... - A angolana rebateu com malícia e John apenas lhe deu um olhar irritado, antes de desaparecer por trás do grande livro que havia escolhido para começar sua busca. — Foi o que eu pensei.

Bella revirou os olhos para o casal tendo uma discussão cheia de indiretinhas bobas, porque eles tinham um trabalho importante para fazer, talvez aquilo provasse, de uma vez por todas para Fred, que ela era mais do que capacitada para fazer parte do Ocaso!

— E então, pessoal, o que nós estamos procurando exatamente? - A garota começou a folhear as primeiras páginas do ano passado, impressionada com o número de pessoas que havia visitado a escola em um espaço tão curto de tempo.

— Thiollent não sabe muito sobre muita coisa, mas ela tem razão quando diz que as coisas caem nas mãos de quem tem que cair, então hoje vamos usar o método heurístico. - As garotas encararam o galês com olhares idênticos de confusão. Ele suspirou para a ignorância das duas. — Vejam se acham algum nome familiar ou algum objeto que se pareça remotamente com uma caixa de música registrada, marque as páginas que tiverem tais informações e depois a gente compartilha o que encontrou.

— Vamos fazer isso com quantos livros? - Sharam perguntou alarmada, vendo a menina britânica se acomodando em um vão entre as estantes, sentada em uma das muitas reentrâncias naturais da montanha.

— Não sei ao certo, vamos esperar que a caixa não tenha sido trazida para Uagadou há muitos anos. - John consertou os óculos, tentando esconder o pessimismo, porque...

A caixa de música de Segundo parecia extremamente antiga.

Passado um pouco mais de meia hora nisso, John não estava bem certo de que a Heurística era a melhor alternativa nesse tipo de enigma que se encontravam: havia percebido nomes como os dos Dussel e objetos bastante suspeitos entrando e saindo de Uagadou, mas nenhum que se parecesse minimamente com o que estavam procurando.

— Isso é ridículo, a maldita caixa nem sequer deve ter sido registrada aqui, estava no poço dos desejos, eu estava lá quando Weasley a achou! - Sharam falou irritada, fechando o grande volume que estava começando a afetar a circulação sanguínea de suas pernas, onde estava apoiado.

— O poço que os professores usam para atirar as coisas da gente que estão atrapalhando as aulas? - Bella perguntou, enquanto fechava seu livro com mais cuidado, porque havia achado um par de nomes muito suspeitos.

— Sim, esse mesmo! Mas não serve só para isso, algumas pessoas de vilas próximas usam o lugar para se livrar de objetos amaldiçoados e até mesmo ilegais! - A garota falou com cinismo, exagerando na última palavra, só para demover John dessa ideia ridícula de passar o sábado deles com a cara enfiada em livros.

— E o que você sugere? Pular no poço feito uns doidos, que nem você fez com Cesc e Segundo? As coisas não passam pelos lugares sem deixar nenhum registro, por menor que sejam, Sharam! - O galês insistiu, teimoso, ante o olhar de desaprovação da namorada. — Vamos olhar pelo menos até o final desses volumes, ok? Depois a gente vê o que vamos fazer se isso não funcionar.

— É bom ir alongando essa língua, John, porque essa perda de tempo vai te custar caro. - A angolana resmungou chateada, depois se lembrou que tinha uma menina inocente na sala com eles. — Ele vai alongar a língua para tecer um monte de elogios para mim, para eu perdoa-lo.

— Sei... - Bella falou sonsa, sabendo muito bem como a outra garota iria fazer seu colega de escola usar a língua. Ela não era tão inocente quanto parecia. — Mas falando sério, vamos ver o que achamos até agora, que tal?

— Ok, é uma boa ideia mudar um pouco de atividade para descansar a mente. - John falou, alongando o pescoço, de olhos fechados.

— Eu sinalizei aqui no meu livro várias passagens dos Dussel, o que não me surpreende e, hey, faz sentido, porque se essa caixa for mesmo ilegal, o que não está completamente descartado, já que estava no poço e foi Fred que achou, eles devem ter algo a ver com isso! - A garota mostrou as passagens que sinalizou no grande volume uma a uma e John apenas suspirou pesado, claro que Thompson iria se deixar levar por...

Espera! O garoto tomou o registro de 2020 nas mãos, franzido o cenho enquanto lia as informações logo abaixo do nome de Heitor Dussel visitando a escola por motivos profissionais.

Carl Dolus

O garoto tentou lembrar bem em que contexto havia ouvido aquele nome, sabia de quem se tratava - era um insectologista que tinha um circo de pulgas itinerante - mas o nome lhe causou um desconforto grande por causa de outra coisa.

Olhou de novo o nome no registro de setembro de 2020, menos de um par de meses depois de sua primeira visita a Uagadou com Cesc. Ali constava que o bruxo havia feito uma visita às montanhas para acertar um show por aquelas bandas.

— Sharam, você se lembra de algum circo de pulgas vindo para Uagadou no final do ano passado? - Perguntou em dúvida, tentando se lembrar do porquê ele e vários dos iconoclastas haviam sentido a necessidade de assistir ao show do insectologista em Hogsmeade no começo do ano.

— Ãhn... Hum. - A garota espanou as calças de moletom, para tirar a poeira deixada pelo livro de registros de 2019, tentando lembrar onde tinha ouvido sobre circos de pulgas. — Ah! Houve um boato de que teríamos um show desses, mas não rolou, acho que não passou de mais uma dessas fofocas de corredor...

— Isso é muito estranho... - John colocou o livro entre os três, para que as meninas acompanhassem seu raciocínio. — Fred conseguiu a caixa de música em outubro do ano passado, já Carl Dolus esteve aqui na escola em setembro e em novembro, depois ele foi para Hogsmeade em janeiro e...

— Tá, mas e daí? Eu estive no show dele, foi legal! O que ele tem a ver com a caixa de Fred? - Bella perguntou daquele seu jeito pouco paciente de sempre.

— Bem, não sei ao certo ainda, mas com certeza tem uma ligação entre as duas coisas, porque... - John pegou o desenho da caixa e apontou para a anotação de Segundo que dizia as matrizes mágicas do artefato, especificamente a premonitória, já que se lembrava da explicação apressada que Cesc tinha dado para o jogo entre a Seleção e sua escolinha de Quadribol, que culminaria na ruína de Hogwarts. — Uma das previsões dessa caixa maluca foi justamente com o nome de Carl Dolus!

As duas garotas olharam para ele sem entender, Sharam foi aquela que se pronunciou primeiro.

— Então a caixa previu que Carl Dolus estaria em Hogsmeade em janeiro, é isso? Por que? - Falou confusa, mas depois estalou os dedos, achando uma resposta para sua própria pergunta. — Ah, já sei! A caixa deve ser dele! Ele veio aqui, deixou a caixa para trás, voltou para buscá-la e quando não achou, foi atrás dela lá na sua escola!

— Minha linha de raciocínio também vai nesse caminho, mas isso nos deixa duas perguntas importantes: por que Dolus deixou a caixa para trás e como ele conseguiu rastreá-la até Fred depois?

Jonh fechou o livro, pegando os outros dois volumes das meninas para pôr tudo no lugar. Bella o olhou confusa.

— Tenho outra pergunta igualmente boa: a caixa estava avisando Fred da vinda de seu antigo dono malvado ou estava chamando por ele? - Bella perguntou com sua tagarelice típica e nem sequer se deu conta da expressão que John fez para esse último comentário. — Ei, isso meio que responde a sua pergunta, cara, a caixa deve ter chamado seu dono!

— Ok, ok, isso tá uma merda muito grande, o que sabemos de verdade? Que um cara pode ou não ser o dono da tal caixa e que ela pode ou não ter chamado seu antigo dono quando foi roubada por Fred? - Sharam tentou esclarecer e Bella acrescentou.

— Ele não roubou, ele achou!

— Eu estava lá, mocinha, ele roubou, mas isso não vem ao caso e então, John, o que acha? - A garota perguntou ao namorado, que parecia perdido no próprio mundo. — A gente encontrou algo relevante ou só um monte de besteira?

— Não foi um monte de besteira! Aquele show de Carl Dolus pode ter sido uma tentativa dele de reaver sua caixa mágica! - John riu com a ideia, porque aquilo explicava porque ficou com uma sensação esquisita durante todo o show. — Bendito Aizemberg e sua fascinação por circo de pulgas...

Sussurrou para si mesmo, sob o olhar das duas garotas o olhando sem entender nada. De novo.

— O que o insuportável do Aizemberg tem a ver com qualquer coisa? - Bella perguntou enojada, porque aquele garoto fazia questão de ser desagradável com qualquer um que não fosse da Sonserina, especialmente com aqueles que não eram sangue-puros como ele.

— Aizemberg não tem nada a ver com a história, mas graças a ele todos nós fomos... Olha, isso não vem ao caso, o que importa é que você já tem algo para relatar para Weasley, Bella! - John concluiu satisfeito e Bella sorriu animada, ele tinha razão, embora ela não soubesse bem por onde começar a explicar como chegou naquele raciocínio, já que supostamente não devia ter falado com John ou... — E ele tem muito o que explicar para todos nós!

— Ah não, cara, ele me pediu para procurar as informações sozinha, se você falar com ele sobre isso, ele...

— Bella, Fred é um iconoclasta, não tem nada que ficar com misteriozinho paralelo, ainda mais agora que nós estamos procurando pistas sobre a profecia, qualquer informação pode ser útil! - O galês falou mal-humorado, fazendo sinal para as duas garotas saírem da sala na sua frente.

— Profecia? Você acha que essa caixa de Fred tem alguma coisa a ver com o que Magoro viu mês passado? - Sharam perguntou em dúvida, fechando a porta dos registros com a senha da irmã assim que John passou por ela.

— A essa altura do campeonato, eu não sei de mais nada, apenas que não dá para ficar ignorando possibilidades reais. - Os três agora estavam na frente da boca de leão que recolhia os nuques dos visitantes, que alugavam ou guardavam objetos no depósito. — Vou escrever uma mensagem para todos os iconoclastas. Bella, se quiser escreva antes para Fred, eu até te empresto minha pena do Ocaso, mas infelizmente vou ter que falar tudo o que nós descobrimos hoje.

— Ah não, nem precisa mais da pena, você vai colocar Fred em problemas com os outros de qualquer jeito, ao menos tente dizer que descobriu sobre a caixinha depois que eu “inocentemente” pedi ajuda a... Sei lá, pra Sharam, que deu com a língua nos dentes para você! - A grifinória terminou seu plano feito às pressas, chateada.

— Na na nina não, matumba! Eu não sou mulher de ter nome metido em mentira! - Sharam falou ofendida, com as mãos na cintura.

— O que é que tem? É só uma mentirinha de nada, ele não precisa saber que eu...

— Me chantageou para conseguir o que queria? - John perguntou sarcástico e a menina loira o encarou emburrada. — Três vezes, para ser mais exato.

— Quê? Só foram duas, na verdade! No máximo duas e ¾... - Disse incerta, fazendo John revirar os olhos.

— Se Fred II acreditar que ainda há inocência em você, ele é mais idiota do que eu pensava. - O corvinal constatou sem emoção, fazendo as duas garotas ao seu lado rirem. — Agora vamos, porque eu tenho uma bronca colossal para aplicar nele!


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Notas finais do capítulo

Olha, eu tô sumida, mas tem muita gente que não aparece mais nos cometários, então acho que estamos quites, rsrsrs (sim, foi uma indireta, vc sabe q eu estou falando com vc, meu anjo), quando eu recebo vários pedidos, críticas e perguntas, os capítulos vem com muito mais facilidade, só avisando.

Que autora passivo-agressiva que me tornei...

Bjuxxx



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