Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 17
Capítulo 17 Beauxbatons


Notas iniciais do capítulo

Vamos recaptular o que está rolando aqui em Beauxbatons:

— Fred está com a cabeça cheia de coisa: caixinha, profecia de Uagadou, Hall da vergonha em Ilvermorny, Marduk de Cesc...
— Fred e Anne marcaram uma excursão para a fonte Flamel na estação de esqui.
— Anne-Marie se intrometeu nos planos e é bastante perspicaz e curiosa.
— Fred quer um Marduk para si.
— As pistas que temos da caixinha até o momento: Carl, Dolus; aguente firme; cinco dias; impostor; fonte Flamel.

Aproveitem o capítulo!



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Fonte Flamel da Academia de Magia de Beauxbatons, 18 de setembro de 2021

Fred estava com a cabeça zunindo de tantas ideias esses dias. Tinha passado um bom tempo tentando convencer John a entregar a profecia para um professor e deixar Lia bem longe disso, porque aquela garota era insana e sim, via com um certo alarme a coincidência dos termos “troca”, mas resolveu manter o mistério da caixinha ainda só para si, iria pensar nisso melhor depois.

Seria perigoso demais colocar ainda mais lenha na fogueira agora.

Todos os iconoclastas pareciam impressionados com a profecia e adicionar mais mistérios ao caso só faria todo mundo ainda mais relutante em largar essa história de lado.

Se lidar com o conglomerado FerrZ era ruim, isso era ainda pior! Lily havia acabado de entrar para o time e ela era, depois de sua irmã, a última pessoa que ele queria ver envolvido com algo assim.

Mas o fato é que... A caixinha era de Uagadou, a profecia era de Uagadou, então Fred acordou no sábado livre bastante disposto a ir procurar algo mais sobre essa história toda antes da excursão a fonte com as “Annes”.

Já havia decorado cada mínimo detalhe da caixinha e feito vários esboços, mas atravessou uma boa parte da madrugada fazendo um compilado em três dimensões de seus croquis em um único pergaminho, usando o mesmo feitiço de transfiguração memorial que havia feito no mapa do maroto há alguns anos:

A figura da caixinha agora estava tridimensional e podia ser mexida com a varinha para apreciação de todos os ângulos, tanto ativada, quando desativada.

Depois de terminado o croqui em 3D, passou para a parte ainda mais difícil, que era a de escrever a carta cheia de recomendações que não soassem como ordens para a terceira garota - depois de Roxie e Lily - da lista de “não quero que se envolva em encrencas":

Bella Thompson, sua amiga grifinória, que agora estava estudando em Uagadou.

Fred fez uns três parágrafos contando as novidades de uma maneira pouco suspeita, então introduziu seu mais novo brinquedinho inofensivo na conversa, como quem não quer nada e por fim, pediu para Bella checar se alguém tinha registrado algo semelhante a uma caixa de musica mágica no setor de depósitos de Uagadou ou em uma das exposições antigas da escola, sem contar a ninguém e sem se meter em encrencas.

Parecia um texto razoável, então foi dormir tranquilo, certo de que conseguiria alguma pista, mais cedo ou mais tarde, vinda de Uganda. Bella era esperta e daria conta do recado, embora tivesse essa estranha mania de adorar ser do contra em tudo que ele sugeria educadamente para ela fazer.

Usaria psicologia reversa com ela, se soubesse como não fazer Bella fazer o reverso do reverso do que ele tinha pedido!

Mas é claro que no dia seguinte, a vida tinha que mostrar que tinha outros planos para ele, então Fred rabiscou um recado com urgência para Anne Beaumont, enquanto seguia para o corujal para despachar a carta de Bella.

Era bem a cara de Cesc Fábregas mesmo, acordar pela manhã bem-disposto - uma raridade - só para infligir terror e culpa no coração das pessoas!

Cesc já havia dito que seu Marduk estava estranho, parecia estar absorvendo as informações de Beauxbatons a torto e a direito, inclusive o havia safado de várias perguntas que ele não sabia nas aulas do quinto ano, o que parecia legal e inofensivo.

Mas o garoto espanhol tinha acordado, rindo histericamente, dizendo que provavelmente o Marduk ou Erick ou os dois, talvez, iriam assumir seu corpo logo, logo e que provavelmente Fred seria o primeiro a morrer, como queima de arquivo, sabe como é, né?

O símbolo mágico agora era um grande HD externo, nas palavras dele, mas podia se transformar em uma vingativa Inteligência artificial ou um portal para uma alma maligna se alojar dentro dele, sempre havia a possibilidade também...

Claro que Fred não estava com medo por causa da maluquice de Cesc, mas era bem verdade que tinha uma parcela de culpa na confusão e não era justo que o sonserino pagasse - Fred achava que era uma benção, mas o garoto não - pelo erro alheio, então tinha que realmente tomar uma atitude.

Em pensar que tudo isso foi graças aquele feitiço de reconfiguração mágica que havia criado há dois anos e utilizado no Marduk de Cesc nos seus últimos dias em Hogwarts.

Era suposto que fosse um feitiço apenas capaz de restaurar a matriz mágica de encantamentos para a sua versão inicial e não capaz de transfor... Não, espera!

Talvez a função inicial do Marduk não fosse informar os alunos e traduzir conversas simultâneas e sim absorver tais informações ao seu redor, para criar toda a memória poderosa que guiaria as futuras gerações de Uagadou por suas montanhas!

Fred estava animado agora, porque se esse fosse o caso, ele acabara de criar um feitiço híbrido capaz de mapear as informações de um lugar, traduzir, compilar e disponibilizar os dados a seu portador!

Tinha criado um fabuloso segundo cérebro gigante!

Claro que era uma perversão do Marduk, - que podia ter deixado o cérebro de Cesc mais vulnerável a invasão do tio das trevas - mas realmente não havia muito que pudesse ser feito, já que a própria Uagadou não havia posto nenhum feitiço de proteção na matriz do encantamento!

Parecia ser um hábito da escola africana confiar na boa índole das pessoas...

— Sua mente está em um desses surtos onde tem fórmulas em runas e símbolos antigos, imagens, alguns recortes de reflexão “talvez se...”, “por outro lado não” e um sem fins de outras coisas. - Anne falou divertida a título de saudação, ao sentar do lado do garoto na fonte em que se conheceram. — Como consegue?

— Não se faça de humilde, eu estive na sua mente também, é bem impressionante, se quer saber. - Ele falou em um tom igual, mas a garota o olhou de uma maneira muito interessada.

— Sério? Como é a minha mente? - Anne estava curiosa, porque esse era o tipo da coisa que nunca poderia visualizar sozinha.

— É bem prática e visual, já viu um gênio trabalhando em um quebra-cabeças? Sua mente parece que vai puxando peças do seu arquivo, para compor a figura maior... - Sorriu para Anne, que tinha os lábios levemente abertos em um “o”, como se estivesse surpresa com a informação. — É bastante impressionante, na verdade.

— Se assemelha muito a sua, então, só que no seu caso parece que um louco está jogando coisas aleatórias na mesa e de repente, puff, uma conclusão incrível! - Ela sorriu travessa para o britânico de cenho franzido. — Geralmente é mais suave do que isso, mas não quando você está trabalhando... É bastante impressionante, na verdade.

— Touché! - Fred sorriu para o uso de suas palavras contra si.

— Okay, mas deixando isso de lado, por que me chamou? - Logo mais iriam sair para a tal excursão com Anne-Marie para investigar a fonte Flamel da estação de esqui, mas Anne havia achado um bilhete no seu bloquinho de notas, informando do seu encontro antes do café da manhã com o britânico.

— Bem, na verdade te chamei aqui porque algo urgente surgiu e eu vou precisar tomar uma providência, não vou poder sair hoje com você. - Anne pôde ler a chateação nos pensamentos de Fred, mas havia uma tatuagem, algumas portas e arquivos bailando ali também.

— O que significa esse símbolo na sua mente? Tenho a impressão de já tê-lo visto antes... - A menina falou incerta, porque não se importava realmente de perder sua dupla na investigação, com sua leitura de mentes, ainda teriam uma boa vantagem na estação de esqui.

— É um tradutor para intercambistas que vão para Uagadou, infelizmente vou ter que pegar um emprestado para mim... - Fred falou fazendo uma careta, porque não era bem emprestado se você não pretendia devolver, certo?

— Você vai roubar o setor de assuntos externos da diretoria, não é? Muito bonito isso. - Anne falou com ironia e o garoto a sua frente fez o sinal universal de silêncio.

— Talvez, mas antes que você me julgue, eu só vou fazer isso para ajudar um amigo! - Anne franziu o cenho ante o tom dramático de Fred, ele por acaso esqueceu que ela podia ler sua mente? — Tá bom, tá bom, vai me ajudar muito também, de toda a forma, eu sou um intercambista, eu mereço ganhar um Marduk!

— Que lógica mais distorcida, isso é coisa da mente do seu amigo espanhol, não é? Enfim, não responda, o caso é que você provavelmente vai ser pego, então meu voto é para que você não vá para essa aventura. - Anne falou de braços cruzados e decidida, Fred a encarou com sarcasmo.

— Não foi posto em votação, Anne, eu vou fazer isso! - Ele foi ainda mais categórico, porque precisava confirmar que Cesc não estava correndo nenhum risco com seu Marduk modificado e também estava cansado de ter que estudar duas vezes mais todo o assunto, por causa do obstáculo da língua!

Se era para alguém ter um segundo cérebro, que fosse ele, que pelo menos seria grato!

— Você por acaso sabe onde ficam essas coisas? Sabe as senhas das entradas da direção? Sabe ao menos o nome da recepcionista? - Anne falou exasperada e já que não houve resposta, ela continuou. — Para completar, nenhum professor acreditaria que você está ali inocentemente “só olhando”, apenas mestres e monitores podem circular pela direção.

Fred estava cada vez mais desanimado com a perspectiva de pôr às mãos em um Marduk virgem, quando sua mente deu um daqueles estalos que sempre dava em situações ruins e enroladas.

— Você é uma monitora! - Fred apontou animado, com um sorriso maníaco no rosto, que fez Anne fazer uma leve careta de susto. — Você conhece as coisas e as pessoas te conhecem... Tudo que precisa fazer é ir lá, soltar um charminho e pegar o meu Marduk!

— Eu não vou roubar a minha escola só porque você não quer se dar ao trabalho de aprender francês, Fred! Isso é absurdo! - Anne falou entredentes, porque tinha medo que aquela mera conversa os colocasse em encrenca.

— Novo plano: você não precisaria se arriscar, poderia usar o meu corpo e seu conhecimento dos horários e logística da direção para pegar o feitiço! - Fred sugeriu bastante animado e Anne o olhou horrorizada, porque aquilo não era só sobre ela arriscar seu pescoço e sim porque era algo ruim!

— É uma questão de princípios, Fred! Uagadou manda os Marduk para os alunos que irão fazer intercâmbio lá, o que acha que vai acontecer se eles tiverem mandado, sei lá, 15 Marduks e de repente só aparecerem 14 na hora da viagem? - Ela perguntou tentando enfiar lógica naquela cabeça perturbada. — Poderia causar um acidente internacional!

— Não se você fizer uma cópia... - Ele falou teimosamente e Anne apenas o deu um olhar de morte. — Não seria grande coisa, o feitiço cópia não funcionaria e eles resolveriam isso com a maior facilidade lá em Uganda, nenhum motivo para pânico, nenhum acidente internacional acontecendo!

— Isso é feio, Fred, muito feio. - Anne falou fazendo biquinho e o grifinório passou a mão pelo cabelo ruivo, exasperado.

— Você estaria me fazendo um favor imenso e eu irei trabalhar muito duro para equilibrar o meu saldo com o universo, eu juro! - Fred cruzou os dedos, beijando cada um em uma promessa que costumava fazer apenas para a sua mãe, de tão sagrada que era.

Talvez fosse a imagem carinhosa da mãe dele ouvindo aquela voz de criança prometendo se comportar melhor, mas algo na mente dele fez Anne realmente acreditar que Fred Weasley II não era um cara que prometia as coisas em vão.

— E quanto a nossa investigação na estação? Que La voisin tire seus olhos de nós, precisamos encontrar esse impostor com urgência! - Anne falou alarmada, porque, quando teriam outra chance de investigar isso? Fred sorriu para o quase sim da sua proposta indecente. — E não, ainda não estou convencida, maldito seja você e essa voz de bebê...

— Quê?

— Na memória que você... Olha, que saber de uma? - A garota deu um rompante de fúria, apontando para o nariz de Fred, cheia de sentimento. — Vou trocar de corpo com você e se der um problemão e a gente ficar preso na vida um do outro, vou fazer questão de usar um tutu rosa todos os dias só para te destruir!

Fred empalideceu, não com a perspectiva de usar um tutu - ele usaria qualquer roupa orgulhosamente e que se fodesse o mundo! - e sim ao se lembrar da profecia sinistra que John havia falado há algumas noites. Como podia ter esquecido o que isso implicava para Anne?

James tinha razão, quando ficava obcecado com algo, esquecia de fazer as conexões mais simples de todas! Troca de corpos e destruição, aquilo definitivamente tinha a ver com eles e mais, eles já tinham duas pistas muito claras que poderiam levar a descoberta do tal vilão destruidor de futuros.

Anne sorriu vitoriosa para a confusão na mente do garoto.

— Sabia que isso traria você ao seu juízo perfeito.

— Na verdade, Anne, acho que trocar de corpos seja exatamente o que a gente precisa fazer para ficarmos mais fortes, mas não posso pedir isso a você agora, porque... É muito arriscado. - Fred falou seriamente e a garota o olhou sem entender, teria dito que estava ciente dos riscos, mas algo no tom e no fundo da sua memória a fez hesitar.

— O que quer dizer com isso? - Perguntou cautelosa.

— Que talvez nosso impostor seja mais perigoso do que nós pensamos...

A garota tentou ler a mente dele, franziu o cenho, porque ele não a estava olhando nos olhos, mas os pensamentos estavam ordenados, focados em um mesmo conjunto de palavras alternado com imagens da caixa de música, cujos mistérios eles mal tinham começado a desvendar.

— Seus amigos arranjaram uma profecia, não foi? - Anne perguntou cautelosa, se preparando para as novas informações, já pegando seu bloquinho de notas para registrar tudo. — Me fale as palavras exatas e quando a profecia foi feita.

— Espera, deixa eu tentar me lembrar...

— Se concentre na memória de quando a ouviu pela primeira vez, que eu consigo pegar as informações mais importantes. - Anne falou com tranquilidade, então sorriu para o olhar interrogador de Fred. — É uma técnica que eu e Anne-Marie temos trabalhado nos últimos dois anos, com ajuda de artigos científicos, memórias são excelente fontes de dados primários, sem sentimentos e interpretações pessoais em cima.

— Isso soa extremamente profissional, ótima técnica. - Fred elogiou e recebeu um sorriso tímido e agradecido em resposta.

O grifinório voltou a se concentrar, respirou fundo tentando lembrar do exato momento em que John escreveu no pergaminho sobre a profecia. Anne começou a tomar nota, mas não se demorou muito na lembrança do garoto.

O trocador de vidas destrói tudo que toca. Somente aquele com igual poder será capaz de subjuga-lo. Pois sua alma será aquilo que mais desejará tocar.— Releu em voz alta, confirmando a informação com Fred. — Tem umas pausas interessantes na estrutura...

— As pausas podem ser de John.

— Normalmente profecias e memórias tem pausas mesmo e elas falam bastante coisa nas entrelinhas... Aqui: “o trocador de vidas destrói tudo que toca”, sujeito um. “Somente aquele com igual poder será capaz de subjuga-lo”, sujeito 2. “Pois sua alma será aquilo que mais desejará tocar”, conflito. - Anne levantou o olhar do bloquinho de notas para Fred com seriedade. — Dois sujeitos e um conflito, é uma profecia dicotômica.

— Como sabe tanto sobre profecias? - O garoto perguntou impressionado com a conclusão.

— Eu não sei quase nada sobre profecias, mas consigo ver exatamente onde isso se liga a gente: a caixinha de música. - A menina respondeu convicta.

— Sim, é o que eu acredito, mas isso significaria dizer que ela não é o único artefato existente do tipo. - Fred vasculhou seu bolso enfeitiçado, onde levava para todo lugar aquele objeto misterioso. Tirou a caixa e a trouxe na altura dos olhos. — Mais alguém tem o poder de trocar de corpos e isso nas mãos erradas pode significar um grande perigo!

— Talvez as nossas mãos sejam as erradas, Fred, talvez o vilão só esteja esperando a oportunidade para roubar um artefato poderoso da mão de dois adolescentes ignorantes e inexperientes! - Anne falou desanimada, porque era essa a perspectiva mais lógica.

— Ou seremos nós aqueles que finalmente colocarão fim no reino de maldade e caos desse ser das trevas! - O grifinório falou levemente animado e Anne o encarou cética. Ele mudou o tom da conversa para um mais sensato. — Talvez não um reino de maldade e caos propriamente dito e sim apenas uma simples infração a nível local, quem sabe?

— Boa tentativa, espertinho! Mas se vamos nos envolver nisso de maldade e caos, temos que saber exatamente com o que estamos lidando. - A garota apontou com a pena para a caixa no colo do britânico. — Precisamos descobrir exatamente o que essa caixa misteriosa é.

— Já estou trabalhando na pesquisa chata, pedi ajuda a uma amiga, porém você não vai gostar do que eu vou dizer agora: sabe o que mais nos ajudaria? - Fred perguntou divertido, principalmente porque sabia que ela podia ler a resposta em sua mente como se estivesse escrita em luz neon.

— O Marduk?

— O Marduk. - Ele concluiu feliz da vida e Anne pensou que, dessa vez pelo menos, ele tinha toda razão:

Ela não havia gostado nenhum pouco disso.

***

Fred caminhava muito mais confortável agora no corpo de Anne, depois de ter calçado e ajustado seus tênis de treino para aqueles pés de princesa. Sentia o quadril feminino balançar de um jeito irritante - muito mais acentuado com ele do que com sua dona - já que ele havia acelerado o passo para se juntar a comitiva de alunos mais velhos que iriam se divertir na estação de esqui.

Deixou Heidi Lowen, sua irmã e Dominique passarem na sua frente para entrar na carruagem gigante pronta para o passeio e aguardou até que Anne-Marie o alcançasse, se sentando ao lado de Juliet Bertrand, que conversava com Samuel Aizemberg do seu lado esquerdo.

O sonserino o cumprimentou com um aceno simples de cabeça, distraído com alguma conversa séria de família que Fred não pôde captar direito na mente dele, por isso mesmo apenas retribuiu o gesto.

Havia esquecido que Anne e Aizemberg tinham sido da mesma equipe no jogo maluco de Cesc a alguns dias atrás e que o quintanista era, para estranhamento geral da nação, primo de primeiro grau de Bertrand. Roussos sentou ao seu lado elegantemente, passando um bolinho de chocolate para ele, cortando suas divagações.

— Por que isso? - Fred não quis soar grosseiro, mas não tinha muito o que ser feito quando alguém simplesmente enfiava comida em suas mãos sem dizer nada.

— Notei que você não apareceu para o café da manhã hoje, então te trouxe algo para comer. - A menina com três nacionalidades diferentes franziu o cenho confusa, depois de terminar a explicação. — Por que estamos falando em inglês mesmo?

Fred - no corpo de Anne com um apetite bem menos voraz que o seu - deu uma mordida grande demais para sua nova boca, então ficou mastigando pelo que parecia ser horas. Bem, ao menos ganhou tempo para responder à pergunta difícil com certa naturalidade.

— Estou tentando falar em inglês o máximo que posso, logo, logo os alunos de Hogwarts irão partir e não teremos como treinar mais. - O garoto viu na mente de Roussos que ela havia acreditado nisso, então voltou a medir o bolinho. Tinha certeza que podia abocanhar o que havia sobrado de uma vez só, mas isso não seria muito...

Parou ao ver algo que arrepiou até os últimos fios de cabelo daquele corpo que não era o seu: Bertrand, ao seu lado, havia acabado de pensar em uma versão idêntica da caixa de música que devia estar segura nesse exato momento no bolso do seu sobretudo usado por Anne.

A garota francesa havia explicado rapidamente algumas noções básicas de como usar sua habilidade de ler pensamentos e a dica principal era que focasse apenas na tranquila e familiar mente de Anne-Marie para não ter dor de cabeça depois, deixando a investigação do impostor para ela.

Eles trocariam de corpos em menos de uma hora, tempo esse mais do que suficiente para Anne conseguir o seu Marduk lá no setor de assuntos externos da diretoria, o que o deixava apenas como a alma que ocuparia o corpo da garota, enquanto ela fazia todo o trabalho pesado.

Isso até o destino coloca-lo lado a lado com uma das garotas mais ardilosas que já havia conhecido, que, por algum motivo absurdo que Fred não conseguia enxergar, agora estava pensando exatamente na sua caixinha de música amaldiçoada!

Será que Juliet Bertrand era o tal vilão impostor que eles procuravam?

A sonserina havia cruzado as pernas e se inclinado para o lado do primo, conversavam cabeça com cabeça em uma falsa imagem de papo informal, mas o teor da discussão não tinha nada dos assuntos típicos de familiares.

Bertrand ouvia atenta a algo que Aizemberg lhe confidenciava, sua mente viajando pelo que parecia ser cenas criadas e não memórias propriamente ditas.

Haviam bruxos duelando, lendo livros em escritórios antigos e reuniões secretas, em ambientes tão tensos quanto os pensamentos da sextanista estavam agora.

Juliet estava preocupada.

Fred sentiu uma mão macia e quente tocando as suas com cuidado. Olhou para a melhor amiga de Anne, observando a preocupação em seu semblante.

“Quem você está lendo?”

Anne tinha razão, era muito difícil não contar nada para a garota grega - francesa e italiana também - ela tinha olhos azuis que pareciam penetrar fundo em sua alma, embora aquilo fosse apenas uma sensação boba, muito longe da verdade.

— Acho que posso ter tropeçado em algo que nem sabia que estava procurando. - Fred respondeu evasivo, tentando acalmar a curiosidade da monitora, ao mesmo tempo que não alarmava Juliet ao lado. — Fale algo para me distrair agora e eu te conto tudo depois.

Anne-Marie assentiu com a cabeça e olhou ao redor, tentando encontrar algum assunto relevante para falar. Assistiu Juliet Bertrand acenar para uma amiga mais a frente e se levantar para conversar com ela, mas logo fez uma careta de desculpas para Anne, pela distração, falou a primeira coisa que conseguiu pensar.

— Onde está Weasley? - A pergunta saiu mais interessada do que deveria, mas Anne-Marie deu de ombros mentalmente, Anne sabia o que ela estava tentando fazer, não interpretaria erroneamente. — Achei que esse passeio todo tivesse sido ideia dele.

— Ele acabou enrolado em uns assuntos idiotas... Você sabe, coisas de garotos. - Fred deu de ombros colocando uma mecha de cabelo loiro atrás da orelha, incomodado com o quanto cabelo comprido dava trabalho.

Bertrand havia saído de cena e Aizemberg agora estava sentado com a perna cruzada desleixadamente, o olhar perdido no tempo. Fred voltou a olhar para Anne-Marie com o cenho franzido, tentando tirar um pouco de informação da mente do garoto quase atrás de si, mas tudo que conseguiu ver foi um rosto de um rapaz jovem, em uma foto de família.

Precisava falar com Anne sobre isso, porque quando ela voltasse para seu próprio corpo, sairia por aí saracoteando e investigando as mentes erradas! Tirou o bloco de notas da bolsinha da garota, mas não havia sinal da pena que ela sempre usava para escrever as informações importantes.

— Tem uma pena? - Fred estava tão distraído com seus assuntos, que só percebeu que estava sendo observado quando levantou o olhar para ver se Anne-Marie tinha ouvido seu pedido. — O quê?

— O que está me escondendo, Anne? - A garota de cabelos escuros o olhou como se quisesse desvendar todos os seus mistérios. Fred riu do pensamento.

Anotou no bloco de notas uma mensagem para a dona verdadeira daquele corpo:

Fique a vontade para explicar essa confusão para Anne-Marie, se sentir que deve, mas foque nisso: Juliet Bertrand e Samuel Aizemberg sabem algo sobre a caixa de música, investigue a mente deles!

— Me pergunte daqui há 45 minutos e, por favor, me lembre de olhar no meu bloquinho de notas quando chegarmos a isso, sim? - Fred falou sonso, a voz aguda de Anne servindo perfeitamente para aquele tom.

Anne-Marie olhou desconfiada, mas acenou com a cabeça, iria acatar o estranho pedido.

— Vou te deixar em paz, por enquanto, mas... Qual é o roteiro exato que faremos? Nossos planos sem Weasley mudaram? - A garota perguntou, assistindo a breve confusão que dois bagunceiros de Hogwarts faziam no corredor da carruagem.

— Não, continuam os mesmo. Acho que mencionei em algum momento que estamos pesquisando um assunto juntos, né? Um plano ultrassecreto. - Fred falou misterioso e Anne-Marie franziu o cenho para a escolha de palavras. — De qualquer forma, tudo que iremos fazer hoje é ir na tal Fonte Flamel na estação, para eu poder ler umas mentes ao redor.

— O que tem de tão importante na Fonte Flamel? O que espera encontrar lá? - Anne-Marie perguntou, sem conseguir esconder sua curiosidade.

— Logo mais te explicarei tudo, mas não ainda, o que você precisa saber é que eu estou tentando localizar uma pessoa que não é exatamente quem diz ser...

— Um impostor? - A outra monitora perguntou alarmada e Fred apenas voltou o seu olhar, antes distraído pelas mentes dos colegas ao redor, para o palpite acertado da garota. — Hum... Acho que sei com quem podemos falar então.

— Com quem? - O garoto perguntou curioso, ajeitando melhor aquele chapeuzinho ridículo que Anne fazia questão de usar com uma roupa diferente da farda, muito parecido com o suspiro azul que ele tanto odiava.

— Com o dono da chocolateria mais famosa da estação! Todo mundo sabe que aquele velhinho é a criatura mais fofoqueira em mil léguas e, para nossa sorte, ele tem um fraco por garotas bonitas. - Anne-Marie falou divertida, enquanto retocava o batom, que deixava seus lábios ainda mais atraentes. — Faremos o bom e velho “provocar e colher”!

— Quê?

— Você sabe, eu provoco as lembranças e você colhe as informações. - Anne-Marie fechou o seu espelhinho de mão com um barulho seco, olhando desconfiada para a amiga. — Ou você tem um plano melhor?

Fred não tinha nenhum plano melhor, primeiro porque ele não era lá muito bom lidando com pessoas - vide seus problemas com Bella - e segundo que, com a beleza das Annes ao seu lado, seria muito mais prático deixar a garota morena usar todo seu arsenal para lhe dar o que ele queria.

Ele não era tonto ao ponto de realmente achar que Anne-Marie Roussos não podia conseguir o mundo com um bater de cílios, se quisesse. Sorriu para a bela morena de olhos azuis ao seu lado.

— Não tenho outros planos, você é a capitã desse time. - O garoto respondeu animado, afofando as ondas loiras de Anne Beaumont com cuidado. — Vamos lá arrasar com esse cara!

Anne-Marie levantou uma sobrancelha para a amiga, porque Anne estava agindo tão estranha...

***

A vila parecia incrível: havia um feitiço climático produzindo neve verdadeira, do tipo que você podia aparar com a ponta da língua e saborear o perfeito floquinho, antes dele derreter na sua boca.

Fred olhou desejoso para o bondinho enfeitiçado que levava os esportistas para o topo das trilhas de esportes de inverno, mas aceitou cruzar o braço com Anne-Marie, enquanto atravessava a praça estrategicamente livre de neve, até a Chocolateria Genin, em frente à bela fonte em homenagem ao casal Flamel.

Ok, não era um destino tão cruel, afinal de contas a loja tinha impressionantes esculturas feitas de chocolate, uma cascata do doce derretido que aquecia seu corpo e alma só com o cheiro e visão assim que você passava pela porta.

Fred não era um grande fã de chocolate, mas talvez fizesse um esforço de comprar algumas coisas para as primas que estavam estudando tão longe dele agora. Fez uma careta para os pensamentos deslumbrados de alguns colegas encantados com os doces, então voltou a focar só na mente de Anne-Marie.

“Ali está ele, vê?”, a garota tinha feito apena um leve gesto com o nariz para o senhor com uma barriga proeminente e costeletas ligadas a uma barba branca, bem aparada. O homem tinha uns suspensórios vermelhos atravessando o seu corpo de um jeito engraçado, então Fred controlou sua diversão e se dirigiu ao balcão onde o cara estava, assistindo uma profissional em ação.

Anne-Marie cumprimentou o idoso naquele francês exótico dela, com um toque grego muito mais acentuado, que o garoto tinha certeza que era proposital. Conseguiu acompanhar a introdução da conversa pelos pensamentos da garota - do elogio às novas esculturas até o aceite para provar a nova receita de chocolate quente - até a monitora se concentrar no assunto que vieram investigar.

Fred não fazia ideia de como a garota conseguia, mas estava falando agora sobre estranhos na vila que tinham uma estranha fascinação pela fonte Flamel. O grifinório não conseguia acompanhar as respostas em um francês viciado de interior do homem, mas as imagens de diferentes turistas passando pela mente do comerciante exigiram uma dose extra de concentração.

Nenhum rosto pareceu muito familiar, até ver rapidamente na mente do senhorzinho, algo que o deixou sem fôlego pela segunda vez no dia: aquele bigodinho francês e cavanhaque, mesmo que não estivesse associado ao sorriso assustador, fez com que os olhos pertencentes a Anne Beaumont se arregalassem com o susto de Fred.

O garoto não tinha como participar da conversa sem saber francês e dificilmente poderia fazer o homem voltar a pensar naquela figura burlesca, que não deveria ser tão familiar assim, mas no fim das contas era, por causa dos incontáveis anúncios que ele analisara há alguns meses, quando estava realmente obsessivo pelo assunto.

Fred não se lembrava se havia ou não se despedido do dono da Chocolateria antes de sair para o lado de fora do estabelecimento, onde a neve provocada ainda causava um arrepio de frio em contato com a pele da ponta do seu nariz de boneca atual. Se encostou no beco entre a loja de doces e outra de calçados de inverno.

Usou os braços para se abraçar e se aquecer um pouco, porque o casaco de Beaumont era mais bonito do que quente e sim, poderia usar um feitiço de aquecimento nas vestes, mas não gostava de fazer feitiços com a varinha alheia, parecia muito...

Indelicado.

— Ei, por que saiu da loja assim? - Anne-Marie questionou exasperada, tentando entender porque a amiga estava agindo tão bizarramente nos últimos minutos. — Você viu algo de útil na mente dele?

— Sim, na verdade eu vi sim, havia um homem, ele... Anne-Marie, por acaso você conhece um tal circo de pulgas do insectologista Carl Dolus? - Fred perguntou cauteloso, soando como um cervo assustado usando a voz suave de Anne.

— Você quer dizer Carl Sagan? - A garota grega perguntou com um cenho franzido, depois se virou e apontou para uma mansão que se estendia levemente acima da vila que compunha a estação de esqui. — O caçula do dono da estação?

— Não, garota, eu falei Dolus e não Sagan, estou me referindo ao insectologista! - Fred explicou pacientemente e Anne-Marie levantou uma sobrancelha para a condescendência irritante da amiga.

Dolus é um nome artístico, Anne, quer dizer engano, truque, em latim! - A monitora respondeu com um toque de aborrecimento na voz. — A gente já não falou sobre o filho mais novo do senhor Sagan há algum tempo? Patrice até torceu para que fosse bonitinho, mas ele é muito mais velho que a gente!

— Provavelmente Anne estava apenas com metade da atenção nessas futilidades... - Fred falou, analisando o grande sobrado imperioso, do tipo de gente arrogante que gosta de estar sempre no topo das coisas. — Agora... Me fale mais sobre esses Sar... Ei, o que você pensa que está fazendo?

— Quem é você e o que fez com minha amiga? - A garota estava com a varinha apontada para o rosto surpreso de Anne, que obviamente não era a Anne verdadeira. Anne-Marie deu dois passos para frente, fazendo a outra garota recuar mais para dentro do beco. — Responda a pergunta por bem ou definitivamente vai responder por mal.

Ok, aquilo foi bem sexy.

Porém Fred sabia que Anne ficaria muito brava se ele deixasse a maluca da sua melhor amiga estragar a sua bela aparência de veela - coisa que ela estava bastante disposta a fazer, pelos pensamentos que passavam em sua mente - só porque gostava do jeito que a grega soava quando brava.

Levantou as mãos em sinal de rendição, com um sorriso amarelo no rosto.

Amiga, eu não faço ideia do que você está...

Revelio! - Fred fechou os olhos com o feitiço lançado por uma Anne-Marie determinada, mas abriu um olho de cada vez ao confirmar que nada tinha acontecido. Anne-Marie olhou para a varinha e então para a cara igualmente surpresa do que deveria ser um impostor no lugar de Anne, mas o feitiço... — Je ne comprends pas!

Fred consultou o relógio delicado no pulso emprestado de Anne Beaumont. Ah sim, faltava pouco agora, graças a Merlin, menos de dois minutos.

— Logo, logo tudo fará sentido, confie em mim. - O grifinório franziu o cenho para sua própria frase absurda, mas depois sorriu para toda a loucura que era aquela situação em que havia se metido. — Na verdade não, mas a gente pode esclarecer isso melhor quando voltarmos para o Palácio.

“E planejarmos um jeito de entrar nessa mansão suspeita”, mas é claro que essa parte o garoto completou na própria mente. Leu os pensamentos de Anne-Marie com um pouco de compaixão, porque ela parecia tão confusa no exterior quanto realmente estava no interior.

— Só para saber... Você não é Anne? - A menina testou com cuidado e Fred apenas deu de ombros, com um sorriso travesso no rosto. — Weasley?

A pessoa na sua frente - seja lá quem fosse - piscou confusa, como se não soubesse muito bem onde estava. “Anne” olhou para a varinha de Anne-Marie apontada para si.

Mon dieu... Nous avons beaucoup à dire...— Anne lamentou, passando a mão suavemente pelas sobrancelhas pálidas.

Sim, ela e Anne-Marie tinham muito o que conversar.


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Notas finais do capítulo

Muitas possibilidades se abrindo em Beauxbatons...

La voisin é uma bruxa malvada da França, por isso a expressão "Que La voisin tire seus olhos de nós", um equivalente a um "Deus nos proteja".

Bjuxxx



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