WSU's: Renascida escrita por Nemo, WSU


Capítulo 8
Asami Takeda


Notas iniciais do capítulo

Agradeço muito a Leonardo18anime, pelos comentários. Me animou pakas ♥



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Renata, desperta em um sobressalto, mas a realidade que esperava, não se concretizara. Imaginava se encontrar em algum lugar escuro, acorrentada, com lâminas fincadas em seu corpo, mas em vez desse suplício, ela se encontrara em um quarto espaçoso. Estava deitada em uma cama de casal, o que divergia muito de sua cama de solteira, dura e com apenas um colchão, duas cobertas espessas a cobriam, ambas rosas. Ao virar, a cabeça nota uma janela aberta, ela dava para fora, ela sente o cheiro da relva em abundância que vinha do lado de fora, ainda deitada na cama.

Ela fez menção de se levantar, mas seu corpo esta entorpecido, remove uma das mãos por debaixo do cobertor, estava cheia de ataduras. Agora que se dava conta, seu rosto também tinha ataduras. Estava desesperada, não sabia onde estava, nem sabia como fugir, nem sua voz saia.

Preciso ter calma... preciso me lembrar do que houve depois de eu saltar, eu caí em queda livre, eu ia me esborrachar no chão, mas consegui entrar no prédio novamente, me lembro de ter sido empurrada? Mas pelo que? Vento? Eu fui pelas escadas... me arrastei por elas.

Consegui roubar uma moto, mesmo ferida dirigi até meu apartamento... não achei a Roberta lá, eu achei...

— Como está se sentindo? — indaga a senhora Asami, surgindo com uma bandeja de chá. Trajando um quimono azul escuro, com flores de cerejeira, aparentemente era meio antigo, pois se mostrava bem desgastado.

— Eu... estou bem. — responde a vampira ainda zonza.

— Você me deu certo trabalho, tive que remover os fragmentos de vidro de você, tratar de seus ferimentos, me custou uma boa madrugada de sono.

— Peço desculpas por isso. Eu não desejo ser um fardo para a senhora. — Renata logo se deu conta de que Asami, agora sabia a sua natureza, mas mesmo assim, a idosa, não aparentava medo ou qualquer indicio disso. Renata indagou:

— Você não tem medo de mim, senhora Asami?

— Renata... se quiser saber... eu conheço sua espécie desde que eu tinha sete anos, vocês nunca me causaram sequer um arrepio. E você muito menos...

Será que isso é bom ou ruim? Questiona Renata, mentalmente.

— Onde estou?

— A salvo, na chácara da minha família. Mas honestamente, sua situação atual não poderia ser mais complicada. Você foi abandonada por Salazar, e seu grupo, e seu perseguidor é Henrique Alves. Um sádico, que não irá medir esforços para te encontrar, e ferir de todas as formas possíveis.

Takeda, falava séria, sem a gentileza de antes, sem o aspecto idoso e inocente. Renata, percebia muitas coisas naquele momento. A primeira e mais óbvia que aquela simpática velhinha, era uma máscara para uma mulher muito mais sábia, calculista e perigosa. Apesar da seriedade, os olhos da idosa, demonstravam outro sentimento, não pena, mas compaixão.

— Nesse momento você tem duas escolhas, pode ficar aqui, se escondendo; pode fugir se quiser, mas cedo ou tarde ele a encontrará, é só uma questão de tempo para ele. É uma escolha fácil, fugir.

Asami, continuou:

— Ou pode fazer algo a respeito e impedir muitas mortes, até mesmo a da sua família, que certamente logo cairá nas garras dele. Além de tantas outras pessoas que serão eliminadas por esse novo, e amaldiçoado, clã da meia noite.

— Mas o que eu poderia fazer? Ele afugentou Salazar, uma vampira, um corrompido e um fraco atirador para correr, que chance tenho eu? Contra alguém cujo efeito de um tiro é a quase instantânea cicatrização. — indaga Renata, trêmula.

— Isso não te deixa furiosa? — indaga Asami — Não poder fazer nada?

— Sim! Eu quero salvar minha família! Eu quero parar aquele monstro... quero ter paz. Eu farei o que for preciso para pará-lo!

— Vai ter que fazer muito mais que isso. Você tem menos de uma semana para entender o básico e outra semana para se portar adequadamente. O tempo é seu inimigo agora, e sinto dizer, que ninguém virá salvá-la.  A sombra que a acompanhava a deixou e mesmo ela não tinha intenção de te salvar.

— Como sabe disso? — indaga ela.

— Você me falou ontem, enquanto delirava. — Asami continua — Só posso calcular, que ela não te salvou. Ela te deu a brecha para isso, é a mesma coisa de te mostrar a espada, mas a luta e a vitória dependem de você. Quanto a natureza da sombra, só pude supor duas coisas.

— O que seria?

— Eu acredito, que seja um fantasma de alguém que já partiu, mas que em vida, tinha grande apreço por você. E você deveria compartilhar esse sentimento com a mesma intensidade, para que uma ligação tão forte fosse moldada. Normalmente temos fantasmas, vultos, mas o que eu tenho visto é uma manifestação bem mais forte espiritualmente falando; mas pode ser provável que se a pessoa por trás da sombra não estiver morta, certamente está muito próximo da morte, ou perdido entre a vida e a morte.

— Digo que é espiritual, quase mística, por que é a impressão que me causa quando a vejo. Normalmente uma manifestação, ou duas seriam atos de fantasma ou espírito que não alcançou a paz, mas nesse estado, dessa forma e com a intensidade que você descreveu ontem... me leva a crer que quem quer que seja... está no Limiar do Ermo, entre a vida e a morte, como diziam meus antepassados.

— Entendo. — responde Renata.

Só conheço uma pessoa com aquela energia, só existe uma possibilidade de laço tão forte, é você, Tales. Me acompanhou esse tempo todo, e surgiu exatamente nos momentos em que eu teria feito uma escolha ruim. Você me deu uma possibilidade de fuga, por que tem fé na minha capacidade de superar esse desafio... talvez, no fim, você não estivesse mentindo quando disse que era meu amigo.

— Senhora Asami, como a senhora sabe de tudo isso? Esse lance de misticismo, antepassados...

— Bem minha família era bastante peculiar ao seu modo, tínhamos certo entendimento das coisas, que são misteriosas ao homem comum — fala Asami.

— E onde está sua família? — indaga Renata.

Asami, apenas olha para Renata, com atenção e vira o rosto para o lado sutilmente, aquilo queria dizer, que a idosa não tinha mais ninguém, ela era a última de sua família.

— Que tipo de peculiaridades seriam essas?

— Você não acha que é muito curiosa e atrevida, para ficar me perguntando essas coisas?

— Desculpe, é que tudo isso... é muito novo para mim, tudo bem eu sou uma vampira, mas... o que você me mostra agora, o que você me diz, é muito mais incrível. — Um interesse pela velha Asami, tinha sido despertado em Renata, algo dizia, que ela poderia lhe dar uma ajuda com seu problema de alguma forma.

Asami, compreende isso,  que a garota queria entender mais, achar uma saída, então ela toca no assunto:

— Meu clã guardava uma relíquia proibida, é por isso que conheço alguns nuances do misticismo.

— Uma arma? — indaga Renata.

— Algo assim... uma Catana. — responde Asami.

Bem, então ela tem uma arma mística, talvez... seja amaldiçoada e se for assim, eu tenho uma chance de impedir Henrique, mas ela não vai me dar de graça, ela pode nunca me dar. Mas se ela for a última do clã... quem vai guardar a relíquia?  Pensa Renata.

— Senhora Asami, eu poderia ser sua aprendiz? — questiona a vampira.

— O que? Você endoidou ou algo assim? Isso é responsabilidade do meu clã, e não meta o nariz nisso.

— Mas a senhora é a última do clã, a espada vai se perder, pode cair em mãos erradas... e é a única esperança que eu tenho de proteger a minha família, meu pai... — diz Renata.

— Você por acaso sabe manejar uma Catana? Sabe que tipo de responsabilidade é carregar justamente essa arma? Meu clã fez isso por séculos, e bem... eles foram dizimados. Você tem tanto preparo quanto uma criança de 5 anos com um galho de árvore.

— Vai me treinar?  — indaga Renata, se levantando da cama.

— Vou te testar, ver se você serve. Caso contrário, não lhe darei a posse da arma, vidas serão perdidas e sua família vai perecer. Você tem que me provar que é capaz de aprender. É preciso dispor de uma mente versátil e aberta, além de estar disposta a dar sua própria vida pela causa em que se embrenhou. Me mostre seu amor, devoção e dedicação.

— Bem, salvo nossas reflexões e discussões, quero te perguntar, você está disposta a ser minha aluna? A me prestar respeito e confiar em mim, como autoridade, professora e mentora? — indaga Takeda.

— Sim.

 — Jura dar o máximo de si, para ser um exemplo, de honra, boa vontade e auxiliar a humanidade? Mesmo que o preço seja sua vida?

— Eu juro. — responde a vampira se sentando a cama.

— Então eu a aceito como minha aprendiz. Sou sua Sensei de agora em diante, sempre me chame assim antes de qualquer coisa. Como a anestesia que lhe apliquei enquanto retirava os pedaços de vidro da sua carne não passou, vou te explicar o que você deve aprender.

— Você deve aprender a manejar uma Catana, pode parecer fácil, mas não é. Irei te ensinar um pouco do Kenjutsu...

Sensei... eu vou aprender Genjustsu, Ninjutusu e os outros paranaues que tem naquele anime, Naruto? Eu vou virar uma ninja? — Havia certo estranhamento e entusiasmo naquela pergunta.

— De onde você tirou isso menina? — indaga Asami, estranhando aquilo.

— É um anime, Naruto, já ouviu falar?

— Isso é um filme?

— Uma série, um anime, são sobre ninjas...

— Esse nome não existe, garota, e duvido muito que um desenho vá mostrar de verdade esse tipo de coisa.

— É anime. — corrige Renata.

— Mesma coisa. — refutou Asami. Logo continuando:

— Mas vamos ao Kenjutsu, a palavra significa técnica de espadas. Criada pelos Samurais no Japão feudal, meus antepassados dominavam essas técnicas, e elas foram repassadas geração em geração, com todo o cuidado que cada um poderia dispor. Afinal, nosso dever é guardar a Catana amaldiçoada.

 — Mesmo que fosse uma mulher?

— Sim, por que o dever do clã Takeda é esse. Existem muitas pessoas que poderiam ou desejariam pôr as mãos nessa arma. O motivo de eu estar pretendendo te ensinar tudo isso, é por que... até onde eu sei, sou a última do clã Takeda, não há para quem repassar a espada, e escondê-la, poderia propiciar o pior dos males.

— Por que, Sensei?

— É segredo, você não ganhou minha confiança ainda, nem mostrou sua capacidade. Sendo honesta, mesmo sendo uma amaldiçoada, você demonstra um bom coração, foi por isso em parte que fiz um preço tão barato para você e sua amiga no condomínio.

Essa velha é inteligente mesmo... Pensa Renata.

 

 

 

Horas depois

 

— Existem outros estilos como o Kendo, e outras várias vertentes, mas o Kendo se configura numa coisa mais leve, talvez que perpasse o esporte, no caso você vai aprender a golpear a armadura se aprender o Kendo. — diz Takeda, acompanhada de sua nova aprendiz,

Ambas caminham pelos pastos verdejantes da chácara, Takeda, tinha um semblante austero em suas explicações. A impressão que Renata, tinha, é que talvez, aquela senhora idosa já tivesse ensinado outra pessoa, mas talvez fosse só impressão. Asami, continua:

— Mas o Kenjutsu, te impele para golpear as brechas na armadura do oponente, é uma situação de risco, nesse caso, um erro... e você morre. Uma catana não fica presa em partes do corpo, se alguém golpear seu braço, ele é decepado, se golpear sua cabeça, a lâmina não fica presa... ela corta seu crânio.  

— Por isso, minha aprendiz, você deve ter preparo, não só físico, como mental, e espiritual. Tudo isso em pouco tempo... O que de fato não é bom, por que geralmente para se dominar uma arte com perfeição leva mais ou menos uns 50 anos. Sua sorte é que Henrique, não é um samurai, embora outro perigo, seja que ele pratica esgrima europeia. Seu oponente não é qualquer um, é alguém com experiência e conhecimento.

A sensei dispôs os seis itens que carrega, dois pares de 3: o primeiro, segundo ela, é uma Shinai, Espada de bambu para o kendo, feitas com fios de bambu entrelaçados. São usadas no Kenjutsu, onde uma bokken seria muito perigosa, ou no kendo.

O segundo era uma Bokken, Espada de prática feitas de madeira, bastante assemelhadas à catana. São uma alternativa segura à espada real, e também, a arma mais usada no Kenjutsu.

O último estava embainhado, uma catana de 105 cm de comprimento. Asami, se ajoelha sobre suas pernas, e fez Renata fazer o mesmo.

— Primeiro você deve saber manejar a espada, e golpear com a mesma, mas não tenho a intenção de te dar uma catana de cara. Como eu já disse, você precisa de equilíbrio mental também, de prática. Por isso vou começar com a Shindai, você tem até quarta para dominar os exercícios que vou te passar.

Asami, se senta se apoiando em seu calcanhar, pega a bainha de uma das catanas. A coloca em sua faixa que amarrava, uma grande saia negra (hakama) e destrava a lâmina com seu polegar. O aspecto de Asami, estava sereno, concentrado e calmo.

O que Takeda, fazia nessa ocasião era a prática do laido, a arte de desembainhar a espada. Ela saca a espada com a mão direita, e apoia a esquerda por baixo. Se levanta em um salto, e desfere um corte lateral, outro horizontal, gira a lâmina e a coloca com cuidado na bainha.

A lâmina... não fez nenhum som no ar, nenhum mesmo... foi silencioso... estou começando a ficar com medo. Pensa Renata.

Renata, passa a mão pelo rosto, algo a incomodava, ao fitar a mão, ela percebe o motivo, havia sangue em suas mãos.

Ela cortou o meu rosto... quando? Como? Questiona ela.

Asami, sorri satisfeita, volta a posição comum e por fim diz:

— Esse é o nível que você deveria almejar alcançar, mas não vai, não nesse curto período de tempo. Eu vou te ensinar a golpear, vou te ensinar a postura, o básico, a ter uma conduta. Uma filosofia e a sabedoria para tomar decisões em combate.

Asami, queria testar Renata, ao máximo, queria confirmar se ela era uma pessoa com determinação forte e se havia alguma ganância em adquirir a espada. Por essa razão dá a Shinai a garota, lhe ensina quais movimentos deveria fazer. Corrige suas falhas de postura, lhe ensina o modo certo de golpear. Por fim à meia noite daquele dia, Asami, ordena o impensável:

— Você vai praticar tudo o que mostrei, pelas próximas oito horas.

— Sensei, mas... eu já estou moída.

— Achei que quisesse salvar sua família. — provoca a idosa indo para dentro de casa. Asami, estava pensativa:

Eu sei que estou sendo dura, eu sei que estou pedindo muito, mas procure entender, aqui. Agora, só existe uma chance, se ele te matar... tudo pode estar perdido. Se afugentou Salazar, é por que está altamente alimentado com sangue fresco. Se eu o enfrentasse sozinha, teria certamente chances rasas de vencer.

 

De manhã

 

Quando ela abre a porta de sua casa, a aprendiz ainda golpeava o ar com a vara de bambu. Asami, estava prestes a chamá-la, quando a mesma cai no chão exausta.  A idosa pensa consigo:

O fato de ser uma vampira está ajudando muito, vocês têm muito mais resistência, mas você ainda se cansa. Se desgasta, então precisa ter cuidado... mas sua força de vontade e persistência são mesmo admiráveis. Agora, vou precisar de sangue para alimentá-la... quanto mais ela beber mais forte vai estar, melhor será seu aprendizado e mais resistência vai ter para treinar. Só vejo uma saída para isso...

 

 

 

******

 

— Entendo, então ela está com você. — falq Salazar — Está planejando fazer o que estou pensando?

— Já estou fazendo.

— Só posso dizer que é uma escolha interessante. Isso se o seu treinamento não matar a garota. — diz o vampiro.

— Preciso que me consiga sangue, muito sangue. — fala Asami.

— Eita! Eu estou meio pobre no momento, mal estou conseguindo me manter aqui. Contudo, considerando meu atual cenário, acho que só posso tentar investir nela. Mas você terá que comprar para ela também. Vou ver se consigo me encontrar com meu fornecedor. — responde Salazar.

 

 

 

Dias depois

 

— Senhora Asami, quem são essas pessoas? — questiona Renata, sentada no sofá marrom da sala, vestindo uma camisa regata branca, estava descansando de mais outro treino devastador. Ela se refere as pessoas que estavam num quadro junto com Asami.

Um homem alto de óculos e de características nipônicas, junto com uma mulher também nipônica, ela veste o vestido de que agora era de Asami. E por fim uma criança no centro dos dois, uma menina, de cabelos curtos e negros. O fundo da foto era um desenho de montanha nevada, com um sol vermelho e uma grande cerejeira. Todos sorriam. 

— Meus pais e eu. — responde a idosa trazendo uma bandeja de chá preto para ambas. Ela parecia mais feliz. Renata, tinha avançado muito no treinamento, além disso era uma companhia muito agradável. — Nessa época, nós morávamos na zona rural, perto da cidade de São Paulo, éramos donos de uma pequena fazenda. Diferentemente dos outros japoneses, minha família tinha uma quantidade de dinheiro considerável, nós compramos o sitio, e com o tempo o transformamos numa fazenda. Inclusive Salazar, e sua família eram nossos empregados, nas plantações de café.

— O que? — indaga Renata, pasma.

— É exatamente isso que você ouviu. Eles eram os melhores empregados, trabalhavam bastante nas lavouras e pouco se cansavam. Nós lhe dávamos moradia e provínhamos certa quantidade de sangue dos animais que eram abatidos em nossa fazenda ou dos açougues.

— Eu não esperava por isso. — comenta Renata.

— Quando Salazar, e sua família vieram para o Brasil, eles estavam na miséria. Meu pai os encontrou e após uma conversa com ele ficou tudo muito bem acertado. Eles nos serviriam e não mais atormentariam os humanos, enquanto nós lhe dávamos alimento, casas dignas e um pequeno salário. Nenhum deles jamais chegou perto de mim.

— Eles tinham medo, ou respeito?

— Os dois. Medo por causa do meu pai e minha mãe que detinham a espada amaldiçoada, além disso Salazar, era o responsável por minha segurança. Afinal, não era muito bom em serviços manuais. O respeito provinha daí, Salazar, era meu guarda-costas, me levava e trazia da escola, sem jamais ser vulgar ou me ameaçar.

De fato, eu consigo visualizar o Salazar, sendo assim. Concorda Renata mentalmente, ainda prosseguiu suas deduções se segurando para não parecer rir:  me pergunto quem seria a pobre alma que iria importunar essa garota...

— Então o que aconteceu? — indaga a Renata.

— Aconteceu a Shinmdo Remei, meu pai foi assassinado. Vendemos a fazenda e tivemos quer vir morar mais para o interior.

— Mas por que? Que porcaria é essa de Shinmdo Remei?

— Você, como a maioria dos brasileiros, não sabe disso. Mesmo existindo um livro e um filme sobre o assunto. — fala a sensei, seu semblante alegre se desmanchava.

— Um resumo bem curto, é que com o fim da Segunda Guerra Mundial, muitos integrantes da Shindo Renmei recusaram-se a acreditar nas notícias oficiais sobre a derrota do Japão. Seus objetivos então passaram a ser: punir os japoneses derrotistas, divulgar a "verdade", que o Japão venceu ou vencia a guerra, e defender a honra do imperador.

— Mas isso é insano! — exclama Renata, sem acreditar.

— Ignorância e fanatismo tornam o insano plenamente possível. — diz Asami — Na época, não se tinham noticiais japonesas. Afinal, o Brasil estava em guerra contra o eixo, eles confiscaram jornais, revistas e até mesmos rádios. Havia certa desconfiança que o Brasil estivesse nos dando notícias falsas. Entenda Renata, os japoneses são um povo muito ligado as tradições, para muitos, o Japão era invencível, nosso imperador era um Deus. Sendo assim, perder não era uma opção... logo, quem acreditava na derrota, tinha o coração sujo.

— Meu pai, mesmo sendo um samurai, logo compreendeu que pela primeira vez na história, tínhamos perdido. Ele não escondia o que pensava... muitos imigrantes japoneses tinham meu pai como um homem de caráter e sabedoria muito forte. Eu o admirava muito, Renata, ele era muito dedicado para conosco, era gentil com todos... e eles... — A voz de Asami, parece ser cortada, a velha samurai sentia o peso da falta daquele bom homem em sua vida, tudo o que poderiam ter vivenciados juntos, ás alegrias e tristezas... roubadas.

 

 

 

Dezembro de 1946  

 

Eles o tiraram da minha vida.

Eu sei que você não tem qualquer obrigação em ouvir isso, se quiser pode sair pela porta e praticar mais cem vezes a Shinai, mas eu quero que isso lhe sirva de alguma forma.  

São poucas as pessoas que sabem disso, agora só existem duas, fora eu, Salazar e Henrique. Salazar, estava naquele dia. Já Henrique, trabalhava no campo e soube disso por terceiros.

Era uma tarde calma e ensolarada quando saímos da escola, o vento balançava meus cabelos levemente, enquanto eu e Salazar, andávamos pela estrada de terra batida. Você pode até se perguntar por que eu precisaria de um guarda costas, mas logo você descobrirá o que é ser um Takeda.

Ele estava de ótimo humor naquela tarde, cantava uma daquelas suas cantigas espanholas sobre amor, enquanto eu admirava a paisagem pela qual passávamos. Tudo era tão pacato, Renata, os pastos verdejantes, o canto dos pássaros, ás arvores e o gado. Penso que era tudo muito luminoso.

E eu me sentia muito feliz naquele dia, tinha ganhado um parabéns da minha professora, fiz ás atividades em primeiro lugar e de quebra, o melhor desenho, uma cerejeira. Minha professora era japonesa.  Eu ficava tentando imaginar as possíveis reações do meu pai ao contemplá-la.

— O que você acha senhor, Salazar? — indaguei a ele, mostrando meu desenho, logo depois me dei conta da tremenda burrada que tinha feito.

— Eu não enxergo minha pequena. Mas me descreva seu desenho. — disse ele gentilmente.

— Ela é alta, ás folhas são rosas, e os galhos marrons. — respondi. Não me leve a mal, mas eu era criança, não tinha como descrever meu desenho detalhadamente.

— Uma árvore rosa? Bem, isso é interessante.  — disse ele rindo. — Sei que seu pai vai gostar.

Eu me animei com isso. Salazar, era uma pessoa peculiar, muito meticuloso na época, imaginei que sua opinião sobre isso, mesmo que fraca, tivesse um fundo de verdade. Eu o respeitava e confiava nele, na verdade, ainda respeito e confio. Afinal, mesmo após tanto tempo, ele continuou me apoiando, mesmo que no fundo, nossas filosofias de vida sejam distintas.

Após descansarmos um pouco pelo caminho, afinal, o dia passou de calmo, com nuvens no céu e uma brisa fresca, a um verdadeiro inferno. Nada mais de nuvens ou brisa, só um sol insuportável e o cansaço da caminhada, mas retomamos nosso caminho. O anoitecer não tardara, pouco depois do pôr do sol, chegamos na fazenda.

Ela ficava na descida de uma colina, primeiro passamos pelo portão de madeira. Descemos a estrada pedregosa, em direção a uma casa branca, e cheia da arquitetura colonial, que você pode encontrar com muita facilidade em algumas casas aqui de Ourinhos ou em Jacarezinho. Afinal, não fomos nós quem construímos a fazenda.

Salazar e eu, chegamos perto da porta de entrada e vimos dois homens parados, eram japoneses, ali discutindo com meu pai, um deles tinha uma catana em mãos, outro tinha um revólver 38. Naquele momento fiquei com medo, Salazar, logo percebeu isso, estava atento a discussão. Ele achou melhor ficarmos ali, nas sombras.

— Você tem o coração sujo, Takashi-san. Você desacredita no Imperador, e na honra do Japão. Por isso deve restaurar sua honra ou morrer!

— Meus caros, eu acredito no Imperador, e na honra do Japão. Só não me prendo a uma ideologia questionável de vitória, quando minhas fontes me dizem o contrário. Deixem-me em paz... Não vou cometer Seppuku.  — falou meu pai, lhes encarando sério.

Salazar, queria avançar, mas não tinha certeza se fazia isso, ele olhava constantemente para mim. Certamente ele temia que algum dos homens acabasse atirando em mim por engano. Ele não ia me abandonar, nem se eu lhe implorasse. Meu pai podia nos ver, ele balançou a cabeça para Salazar, na época eu não entendi o que ele quis dizer com isso.

Hoje eu entendo, ele queria que Salazar, continuasse com a promessa de me proteger, ele sabia que ia morrer. Sei que deve estar se perguntando o motivo dele não tomar a catana e matar os dois, de fato ele poderia fazer isso. Mas se o fizesse, se mostrasse perícia com a espada, outros olhos se voltariam para minha família. E todo o sacrifício que gerações fizeram seria quebrado. Meu clã não beira a extinção à toa. Nós fomos caçados. E se ele fizesse isso, nosso tormento apenas continuaria, só que levaria a minha vida e a de minha mãe, isso meu pai não desejava. Ele renunciou à sua vida para me manter segura, pois sabia que eu era sua esperança.

Ele me dirigiu um último olhar, um olhar de confiança e um sorriso de orgulho. Eu estava paralisada, não sabia o que ia acontecer. E então aconteceu. O homem da esquerda atirou no peito do meu pai.

— PAI! — Foi meu grito, não importava mais minha situação, se me escondia, se me revelava. Para mim, meu mundo tinha ruído, pelo menos parte dele. A parte que meu pai sustentara. Os homens ao ouvirem aquilo, fugiram pela calada da noite.

Na hora eu não pensei, eu agi. Corri em direção ao meu pai com todas as forças que eu pude, enquanto Salazar, tentava em vão salvar meu pai, com meu caderno ainda em mãos, eu tentei falar com ele. Tentei fazê-lo se mexer, eu tinha esperanças de que meu amor por ele fizesse ele voltar a viver... que ele não ficasse ali estirado, sem vida. Mas eu era apenas uma criança tola.

Eu acreditei por um ínfimo momento, quanto seus olhos me fitaram quase sem vida... que ele voltaria para mim, mas ele não voltou, suas pálpebras se fecharam e nunca mais se abriram, independente das minhas lágrimas ou dos meus pedidos.

Ele nunca viu minha cerejeira... e agora, suas folhas já não eram mais rosas... eram rubras, o sangue do meu pai ás tingiu de vermelho e minhas lágrimas borraram o desenho. Aquilo não era mais uma cerejeira.

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Obrigado pela leitura, escrever esse cap exigiu semanas de pesquisa, tanto pela questão dos samurais em si, as técnicas, os nomes tudo isso foi tirado da história do Japão feudal, e das tecnicas atuais de esgrima japonesa. E a Shindo Renmei, realmente existiu. Inclusive indico o filme Corações Sujos, ele te da um panorama bem maior.



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