Três dias e um quarto escrita por Yuki Max


Capítulo 1
Três dias




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Prólogo - Papel amarelo, impaciência e promessa de três dias

 

 

O que Hitoka Yachi mais odiava no mundo, odiava acima de qualquer outra coisa, era saber que não havia feito tudo o que podia.  

O desconforto no fim do estômago, as mãos levemente trêmulas, as olheiras arroxeadas  sob os olhos, a incapacidade de aquietar-se nem que para ler até o fim o pequeno papel amarelo vibrante pregado com dois reluzentes percevejos no mural desbotado colado à parede direita do grande restaurante universitário: ela odiava, sem sombra de dúvidas, mais do que odiava quaisquer outras coisas no mundo, a inafastável sensação de que ainda havia o que pudesse ser feito. 

Não era muito, provavelmente. Nem era sensato. Talvez fosse até mesmo um pouco absurdo.  Mas, ainda assim, apesar de tudo, estava ali, diante dos atentos olhos castanhos-mel abertos demais, excessivamente vívido para que pudesse ser negado, gritando para dentro dos ouvidos quase ensurdecidos por descrença que fosse como fosse,  fosse pouco, insensato ou absurdo, era o bastante para não ser deixado de lado. 

Era também teimosia, provavelmente, e ela sabia. Do tipo que metia preocupados todos os amigos. Do tipo que desde a adolescência a trazia todos os tipos de problemas. Do tipo que, com um sorriso que tanto mais de repreensão tinha do que gostaria de acreditar, fazia com que a mãe a definisse como “gente que arranca casquinhas dos machucados”.  

E talvez seja exatamente isso o que alguém precise saber sobre ela para entendê-la e entender tudo o que já fez e tudo o que ainda viria a fazer: Hitoka Yachi era a maior arrancadora de casquinhas de feridas do mundo, independentemente do quanto negasse o epíteto. Arrancava todas, todas elas, ainda que, contrariando todo o senso comum, o fizesse porque queria-as mais rapidamente cicatrizadas. 

Um paradoxo, sabia. Mas essa era das coisas que definia exatamente quem Hitoka Yachi era: ela, paradoxalmente, achava melhor fazer algo, mesmo quando todas as garantias tinha de que seria totalmente inútil ou de que pioraria tudo, do que nada fazer.  

E eram exatamente eles,  a teimosia, o paradoxo e uma ferida aberta que ainda mal dava sinais de cicatrização, que a mantinham, naquele exato momento - os olhos apertados em concentração, os lábios finos sem batom torcidos em um pequeno bico, e o peso repetidamente trocado de pé a outro - parada diante do pequeno pedaço de papel amarelo-gema, a ler repetidamente, do início ao fim, as três únicas linhas lá contidas:  

“Trago seu amor de volta em 3 dias 

Preços especiais para estudantes 

Contato pelo número 1(888)2260650, chamar por Kiyo” 

Apenas teimosia, jurava ela enquanto relia o papel tantas e tantas outras vezes, os olhos cada vez mais apertados e o bico cada vez mais proeminente. Só teimosia, paradoxo e feridas não cicatrizadas prendiam-na diante do seu insensato e absurdo pouquinho mais a ser feito.  

Não era, afinal, como se tivesse muita fé no que era lido ou como se acreditasse no que poderia acontecer se levasse até o fim o que aquela única última alternativa sugeria. Não a tinha, não acreditava. Não, definitivamente não. Não era a promessa silenciosa das letras bonitas tão negras a brilhar no papel de cor tão vibrante que a mantinha ali. Não era. Era teimosia, apenas. Teimosia boba, ela garantia. 

Só teimosia. Só teimosia e só a incapacidade de recuar quando sentia que ainda havia o que ser feito. Não havia nada mais. Nada mais. Nadinha de fé nos resultados que prometiam-lhe o pedaço de papel colorido. Afinal, não era como se ela, Hitoka Yachi, realmente quisesse de volta seu amor, fosse em três dias ou em mais. 

Não o queria. Definitivamente não o queria. Não o queria, não! 

O problema, o único!, é o quanto menos ainda queria não fazer nada. O quanto não podia suportar a ideia de não fazer nada quando, brilhando amarelo intenso diante de seus olhos, três linhas gritavam-lhe que ainda não havia feito tudo o que podia. 

Porque havia ouvido – ouvido com muita atenção - que eram muito jovens. Havia ouvido que ainda havia tanto a ser vivido. Havia ouvido que sabia desde o início que tudo acabaria. Mas havia também ouvido que ainda era amada e que era um término preventivo, que tão melhor era um fim apressado do que um tardio. Havia ouvido que era querida o bastante para ser afastada antes de ser odiada. Que era amada com amor do tipo que não acaba sem propósito. Havia ouvido que era amor do tipo que não se encontra no mundo maior. E isso, para a maior arrancadora de casquinhas do mundo, era o bastante para acumular no fundo da garganta a sensação de que não havia feito o bastante, mesmo que não soubesse se, de fato, queria mais ter feito ou se, de alguma forma, poderia tê-lo feito. 

Porque, garantia, já não havia mais amor. Já não mais amava a possibilidade de ouvir a voz sonolenta durante a madrugada, nem amava mais a chance de receber ao fim do semestre as longas ligações incentivadoras, nem sequer amava mais as mensagens que ainda poderiam ser enfiadas em seus livros durantes estudos na biblioteca. Também não amava mais a curva suave na clavícula, nem amava as coxas macias que a saia curta às vezes deixava para brilhar no verão, e nem amava o cheiro suave do perfume de jasmim. Já não amava mais as centenas de fotos em seu celular que lutava para não ver, nem amava mais a delicada pulseira comprada em par que não deixaria de usar, nem amava mais as roupas dois números maiores que as suas que não devolveria.  

Mas, ainda assim, ainda assim, ainda assim… mesmo que jurasse não mais amar a ela ou a qualquer outra coisa que parte dela fosse, mesmo que garantisse que era apenas teimosia, o nó dolorido que subia de seu peito até sua garganta não a deixava afastar-se do papel amarelo e da promessa feita por ele. 

Era outro paradoxo, e ela o reconhecia mesmo que decidida a ignora-lo. 

Fitou outra vez o papel. As pernas tão inquietas quanto os dedos das mãos a buscarem acelerados o celular no bolso do casaco.  

Era bobagem, repetia, porque sabia que aquilo provavelmente não funcionaria.  

Provavelmente 

                        provavelmente 

O clic da câmera fotográfica soou uma, duas, três, quatro vezes, gravando ao lado das fotos de sorrisos brilhantes as imagens das três linhas de promessas. 

Enquanto houvesse um provavelmente, ela não poderia não fazer nada. 

Porque isso, mais do que suas bobagens e sua teimosia, Hitoka Yachi realmente odiaria.  

Ou talvez... 

talvez! 

um talvez bem escondidinho por trás de todas as promessas que pretendia ignorar e toda a teimosia que pretendia culpar, Hitoka Yachi apenas não conseguisse ignorar o único kanji que assinava o cantinho da folha amarelo-ovo. O único kanji, pequenino, e o quanto ele lembrava uma ferida um dia tão enorme e agora já supostamente toda cicatrizada. O único kanji e uma promessa mais antiga do que qualquer promessa amarelo-gema poderia tornar-se. O único kanji e um nome que já há tanto tempo deixara de dizer em voz alta.   

Não que fizesse sentido. Era apenas um kanji, afinal. Só um pequeno kanji.  

Mas histórias de amor às vezes têm disso de não fazer sentido, mesmo.  

Seja o amor do tipo que volta em três dias ou o do tipo que demora um pouco mais. 

De toda forma, Yachi tinha um número a discar, um epíteto a zelar e uma ferida a cutucar. 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Olá, olá!

Obrigada por ter aberto essa história e dar uma chance a ela. Tem um monte de coisas importantes que tenho pra dizer aqui, mas acho que, de tudo, o mais importante é reforçar o que já foi anunciado na sinopse e marcado nas tags: há menções a um relacionamento abusivo na história. Não sei ao certo o quanto isso marca ou deixa de marcar o enredo, nem sei se está suave ou muito forte, se pode ou não causar desconforto em quem lê, mas, de toda forma, apesar da comédia que você virá também a encontrar caso continue a leitura e apesar do quão absolutamente maravilhosa a Yachi é, esse relacionamento pesado estará por aqui.
Pessoalmente, não foi para mim fácil escrever essa história (e tampouco acho que seria fácil ler... rs!), mas talvez esse seja como um grito de libertação, e espero que quem leia sinta também isso. A história da Yachi não é a minha (e espero que não seja a de ninguém), mas, mesmo que não seja nem minha nem sua, espero que todo mundo que leia sinta como se um pouquinho seu também ficasse mais livre ao fim da leitura.
Fora isso, essa é só minha segunda fanfic na categoria Haikyuu e estou bastante nervosa! Hahahahhaha... Por isso espero que todo mundo que leia goste e aproveite a leitura tanto quanto eu aproveitei a escrita.
A história já está toda escrita e os capítulos (cinco, mais este prólogo, um epílogo e um possível especial) serão postados semanalmente. Mesmo que já escrita e mesmo que eu não já parar de postar até ver o fim (!!), comentários são super bem-vindos e serão recebidos com todo o carinho do mundo! ♥

Muito obrigada por ler!
Te vejo no próximo capítulo, talvez? =)

Beijo, beijo, =*
Yuki Max



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