Candidata N° 1571

— Conseguem me ouvir? - Disse uma voz feminina por trás da câmera, que no momento filmava apenas uma parede branca e preta, com vários instrumentos músicais espalhados dentro de caixas de madeira. Aquela voz tinha um tom um tanto desanimado, a dona dela parecia não estar muito feliz - Ótimo, tudo parece estar funcionando.

A câmera chacoalhou um pouco, perdendo o foco e mostrando uma imagem toda borrada. Logo uma garota de cabelos compridos e loiros se posicionou de pé em frente á filmadora. Estava usando uma blusa azul-acinzentada, com uma saia de um tom mais escuro e sapatos marrons. Ela se aproximou um pouco mais e ajustou o foco, agora sendo possível observar seu rosto com clareza.

— Meu nome... É Kaede Akamatsu - Mantendo uma feição completamente inexpressiva, a garota apontou para si mesma, dando um sorriso fraco e sem emoção. Era possível escutar outras vozes ao fundo, como se a loira estivesse em um lugar público e tentasse se esconder em um local mais quieto. Seus olhos arroxeados fitavam a câmera de uma maneira que chegava a ser assustadora de certa forma.

— E eu gostaria de participar da nova temporada de Danganronpa. Acho que sou a pessoa adequada para fazer parte desse jogo, pois minha personalidade é perfeita para um programa como Danganronpa - Kaede falava de maneira lenta e pausada, em um tom um tanto debochado - Eu sempre fui uma fã. Uma fã de música e do programa também. Não assisti à todas as temporadas, mas minha favorita é a segunda.

O vídeo parecia ter sido gravado em uma câmera um pouco antiga, já que a qualidade da imagem não era tão boa em comparação com a das máquinas mais modernas. A garota se ajeitou, tinha apenas mais alguns minutos para terminar de falar o que era necessário para talvez ser aceita no reality show. Vídeos muito longos não eram aceitos, aqueles que ultrapassavam da marca dos oito ou nove minutos. Vídeos muito curtos também não, pois mostravam que o candidato não tinha muita coisa interessante para mostrar.

— Meu único problema é que eu não consigo confiar nas pessoas. Se eu realmente for aceita, não espere que eu vá ser simpática e amigável com os outros participantes. Eu sei que todos eles vão querer me matar. E esse sentimento é recíproco, afinal, provavelmente vou querer matá-los também - A maneira fria e casual na qual a garota falava sobre matar chegava a dar arrepios, a loira não parecia ser alguém que sentiria remorso se realmente acabasse assassinando alguém.

— Eu não ligo para os outros ultimates. Só quero fazer parte do programa, pois acho que seria uma experiência interessante. Para falar a verdade, a esperança que eu tinha com a raça humana já se foi há muito tempo. Ah, e se eu for aceita, gostaria de virar a pianista de nível super colegial. Em todas as temporadas que assisti não me recordo de já existir alguém com esse talento...

A garota pegou a câmera na mão e a virou na direção oposta, mostrando uma parte do cômodo em que ela estava que não era visível antes. Um belo piano de cauda estava encostado próximo à parede e atrás do objeto era possível observar uma prateleira marrom com diversos troféus. Alguns troféus tinham a forma de uma nota musical, enquanto outros eram apenas taças douradas comuns.

Kaede levantou a filmadora para revelar outras prateleiras acima daquela que antes era apenas a única visível. Todas elas também estavam cheias de troféus, um mais bonito que o outro - Eu toco piano há anos. E por algum motivo, nunca me acham boa o suficiente para poder me apresentar. Meu maior sonho... era entrar para uma orquestra... - Ela continuou, fazendo questão de mostrar de perto cada um daqueles troféus - Todos esses troféus não são meus. Foi minha irmã mais nova quem ganhou eles. Eu sei que Danganronpa não iria querer uma perdedora assim como eu, mas...

A loira fora interrompida pelo barulho alto de alguma coisa caindo e deu um suspiro, como se aquilo fosse uma cena que acontecia frequentemente naquele lugar - Mas esse é outro motivo que me faz querer fazer parte do programa. Vocês, do Team Danganronpa poderiam mudar minha história. Vocês poderiam me transformar em uma pessoa melhor, ou pelo menos em alguém que os espectadores achariam interessante. Vocês poderiam realizar meu sonho de ser uma pianista talentosa e reconhecida mundialmente, assim como a minha irmã. Eu quero ser uma ultimate. Estaria mentindo para mim mesma, mas eu não ligo para isso, afinal, eu finalmente seria quem eu gostaria de ser.

A câmera se virou para seu rosto e ela começou a sorrir de verdade dessa vez, mostrando algum tipo de emoção pela primeira vez naquele vídeo. Kaede Akamatsu era uma garota que dedicava sua vida toda à música. Passava horas e horas tocando piano e as vezes até chegava a ficar sem dormir nem comer. Todos falavam que ela teria um grande futuro com pianista, todos que a escutavam tocar acreditavam que a loira tinha achado seu caminho. E Kaede pensava exatamente como essas pessoas.

Mas não foi bem isso que aconteceu. A garota se esforçava, treinava todos os dias e sempre estava procurando novas músicas para tocar. Porém, os outros músicos simplesmente eram naturalmente melhores do que ela. E assim Kaede acabou sendo só mais uma pianista, que definitivamente tinha talento, mas que não era nada de excepcional. E não era isso que a garota queria para si mesma.

Danganronpa costumava ser um programa composto apenas por adolescentes talentosos, que eram os melhores no que faziam e que poderiam até mesmo serem considerados crianças prodígio. Jovens escritores que ganharam o Prêmio Nobel de Literatura com apenas quatorze anos, jovens que ganhavam medalhas em competições internacionais de natação, jovens que nem tinham terminado o ensino médio, mas que já trabalhavam como fotógrafos profissionais... Sim, o reality show só tinha pessoas desse tipo. Garotos e garotas talentosos, que passavam a aparecer na televisão só para morrerem de formas terríveis em questão de alguns dias.

Porém, Danganronpa mudou muito ao decorrer de tantas temporadas. Os fãs queriam fazer parte daquele mundo fictício e a grande maioria deles costumava ser pessoas normais. Pessoas normais assim como Kaede, que podiam até ser boas no que faziam, mas que não eram as melhores. Então, nas temporadas mais recentes os criadores do programa decidiram fazer algo diferente. Ao invés de ficarem esperando que aqueles adolescentes super talentosos aceitassem fazer parte do show, eles iriam chamar essas pessoas normais.

O Team Danganronpa tinha tecnologia para mudar completamente a mente de uma pessoa. Podiam fabricar personalidades, gostos e desgostos, passados... Enfim, podiam moldar as pessoas do jeito que queriam. E foi isso que fizeram nas últimas temporadas, transformavam adolescentes comuns em ultimates. Nem todos participavam do programa sabendo desse detalhe, mas Kaede entendia perfeitamente que os criadores poderiam mudar completamente seu jeito de ser. Era isso que ela queria. A garota só precisava que os criadores a achassem interessante o suficiente para ser digna de fazer parte do reality show. Sim, muitas vezes eles modificavam as pessoas para agradarem os fãs, mas isso não significava que faziam isso com todos, ou que aceitavam qualquer um em seu programa.

— Não sei se pensam que minha proposta de talento é boa. Mas acho que uma pianista de nível superior colegial teria uma execução no mínimo diferente - Ela continuou depois de ficar um tempo em silêncio, encarando a câmera - Podem fazer o que quiserem com a minha personagem, eu só quero ser reconhecida como alguém talentosa. Porque eu sou talentosa e a fama é o mínimo que mereço. Talvez acabe sendo uma antagonista... ou talvez como a culpada do primeiro crime. E eu realmente não importo se eu morrer cedo. Quinze minutos de fama já vão ser suficientes para mim.

A câmera começou a apitar, mostrando que já estava ficando sem bateria e também foi possível escutar a voz de uma moça chamando pelo nome de Kaede. A pianista deu outro suspiro, ela sabia que seu vídeo de inscrição teria que ser encerrado agora. Consiguira alguns minutos de tempo livre na escola de música em que ela e sua irmã estudavam, Kaede imaginava que seria tempo o suficiente para falar tudo que queria - Não tenho mais nada a dizer... mas não posso terminar o vídeo sem demonstrar meu talento. Portanto, dedico essa música ao Team Danganronpa. Clair de Lune é uma de minhas peças favoritas, então espero que gostem.

A loira colocou a câmera com cuidado em um banquinho, de modo que era possível vê-la de corpo inteiro. Kaede se sentou em frente ao piano e logo começou a tocar. A melodia relaxante e bela certamente era o contrário de tudo que a garota acabara de falar. Quem assistia aquilo até chegava a se esquecer que Kaede passou praticamente o vídeo todo falando que aceita oferecer sua morta em troca de fama. E foi então, ao som do piano de Kaede Akamatsu que o vídeo se encerrou. Lentamente o telão se transformava em um preto desconfortável novamente. Desconfortável, pois aquela seria a última vez que as pessoas que assistiam ao vídeo veriam a loira com vida novamente. Pois Kaede havia assassinado Rantaro. E a garota tinha recebido a punição que os fãs achavam que ela merecia: fora executada de maneira irônica e cruel.

Foi então que os sobreviventes passaram a questionar se realmente conheciam Kaede Akamatsu.