Petit escrita por DanizGemini


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que se divirtam com a leitura! Comentários me farão muito feliz! São um incentivo para a melhora e para continuar escrevendo.

Foi interessante imaginar um Camus Professor e Administrador Universitário e um Milo Músico que trabalha em um Hospital. Sempre tive muita admiração pela musicoterapia.

Obrigada pela leitura :)



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Milo entrou cuidadosamente no apartamento do amigo, sem fazer muito barulho.

 

Decidiram que um teria uma cópia das chaves do apartamento do outro para o caso de emergências e Milo as utilizava agora.

 

Após muita insistência, o escorpiano havia convencido Camus que iria ajudá-lo à noite com Hyoga. A adaptação do garotinho estava sendo difícil, mas Milo sabia que em breve superariam aquilo. Então ele poderia tomar conta do menino quando chegasse do trabalho para que Camus usasse as noites para dedicar-se aos estudos que lhe eram tão importantes.

 

Tinha sido assim desde o acidente, mas era muito difícil fazer o pequeno Hyoga dormir. Ele chorava, chamando pela mãe e após finalmente pegar no sono costumava acordar no meio da noite assustado.

 

Camus entendia e com toda a paciência que nem sequer sabia possuir, levava o pequeno para sua cama e acariciava seus cabelos até ele se acalmar.

 

Naquela noite, Milo chegou atrasado pois estava ensaiando algumas crianças para uma apresentação. O ensaio acabou demorando mais do que previu e ele saiu apressado, passando no restaurante de comida chinesa para comprar o seu jantar e o do Camus.

 

Ao entrar no apartamento, Milo deparou-se com uma cena que iria permanecer na sua memória:

Camus estava sentado no sofá da sala, vestindo apenas uma calça de moletom cinza e uma regata azul marinho. Tinha os cabelos molhados, como se tivesse acabado de sair do banho.

 

Em seu colo estava Hyoga, vestido com um pijaminha azul marinho, com botões da frente, adornado com estrelas e cometas.

 

Camus acariciava com os cachos loiros do menino, que ressonava em seus braços tranquilamente, com uma uma expressão de paz em seu rosto que nenhum dos adultos tinha visto até então.

 

Camus entoava uma canção de ninar delicadamente e Milo se perguntou como nunca notou antes que o francês era tão afinado:

 

Frère Jacques

Frère Jacques

Dormez-vous?

Dormez-vous?

 

Sonnez les matines,

Sonnez les matines.

Ding, ding, dong.

Ding, ding, dong (1)

 

Ao ver Milo entrar, Camus colocou o dedo nas frente dos lábios em sinal para que ficasse em silêncio.

 

O loiro foi até o quarto do Hyoga e pegou o pequeno xilofone de brinquedo. Aproximou-se dos dois, também se sentando no sofá, sentindo o perfume do ruivo e o suave cheiro de lavanda de Hyoga e começou a acompanhar Camus.

 

Ao ouvir as notas da melodia simples, Camus sorriu.

 

Milo não pode deixar de notar em como aquele sorriso era diferente: Era sincero, puro e por ser meio raro tornava-se ainda mais belo.

 

O escorpiano estava encantado e prometeu para si mesmo que faria de tudo para que Camus continuasse a sorrir assim.

 

O francês repetiu os versinhos mais algumas vezes e quando teve certeza que Hyoga não iria mais acordar, colocou-o em sua cama cobrindo-o com cuidado e beijando sua testa com carinho.

 

— Bonne nuit, mon petit ange.

Salut, Milo, bonne nuit. (2)

 

Milo olhou-o com ar de interrogação, se lembrando que na escola Camus só deixava escapar algo em francês quando estava muito nervoso ou emocionado, o que era raro.

 

Camus enrubesceu levemente quando se deu conta que falou sem perceber em sua língua Natal.

 

Milo achou simplesmente adorável.

 

— Minha mãe costumava cantar esta canção para mim quando eu era pequeno. - Eu já havia tentado contar histórias para ele e colocar músicas de ninar gravadas, mas nunca tinha pensado em cantar. Jamais pensei que o petit gostaria desta cantiga francesa.

 

Milo sorriu.

 

— Como você o chamou?

 

— Petit, sabe? Pequeno em francês.

 

— Sim, como poderia esquecer? “Le Petit Prince”. - Falou, lembrando-se do trabalho de literatura que haviam feito em grupo na escola. Milo não era grande fã dos livros, mas aprendeu a gostar e até mesmo se emocionar com a obra que era uma das favoritas de Camus. Claro que tiraram a nota máxima, graças à interpretação apurada do amigo.

 

— Você lembra? - Camus brindou-lhe novamente com um daqueles sorrisos.

 

— Como poderia esquecer? “O essencial é invisível aos olhos.”

 

. “Se tu vens por exemplo às quatro da tarde, desde às três começarei a ser feliz.”

 

Milo encarou Camus, buscando algum significado oculto. Recebeu um olhar tão intenso que podia jurar que havia nele algo tão profundo, como a obra sobre a qual conversavam.

 

Mas durou apenas alguns segundos. Camus virou-se indo para cozinha.

 

— Você trouxe o jantar?

Sim. Comida chinesa, desculpe o atraso, o ensaio acabou bem mais tarde que o previsto.

 

— Sem problemas, Mi. Estou feliz por você. Parece realmente gostar desse emprego. - Comentou, pegando um suco na geladeira e se servindo

 

Sim - Respondeu, abrindo sua caixinha. - Já tava quase desistindo da carreira de músico e aceitando um emprego de vendedor, sei lá, quando finalmente recebi a resposta de um das dezenas de currículos que eu enviei. Eu não imaginava que justamente o Hospital Universitário fosse me chamar para uma entrevista. Conversei com o Musicoterapeuta, mal sabendo o que esses profissionais faziam. Ele me apresentou ao resto da equipe, ao Pedagogo e aos Psicólogos, todos assim, jovens acadêmicos geniais como você.



— Milo…

 

— Ah, sem falsa modéstia Cam. Quantos tem 30 anos e são diretores pedagógicos da maior Universidade de seus países? Você está a um passo da reitoria. Os caras lá também devem ter um currículo brilhante, uma vez que são coordenadores...

 

— ... de um projeto internacional que leva música e humanização aos Hospitais. Você conheceu o Leksi na entrevista?

 

— Sim. Ele é o chefe e um cara muito gente boa.

 

— Eu sei. Aioros Leksi e o irmão mais novo foram alunos da Universidade de Atenas. O mais novo concluiu o curso com honras, mais pelo desempenho esportivo que acadêmico. Já Aioros foi visto por olheiros na época da graduação e transformou-se em Atleta Olímpico. Era da equipe de arco e flecha. Ganhou o Ouro em um ano…

 

— ... mas no seguinte deixou de competir por causa de um acidente de carro. Teve os nervos da mão estraçalhados e nunca mais conseguiu segurar o arco com a mesma firmeza. Caiu numa depressão profunda e a Musicoterapia o ajudou. Ele então resolveu estudar mesmo sem ser músico e com a ajuda do irmão, o pedagogo, até criou uns instrumentos para pessoas com limitações físicas como ele. É uma história fascinante, ele me contou no dia da entrevista, mas como você sabe disso tudo?

 

— Ele estava num grupo de apoio para pessoas e familiares de pessoas que sofreram acidentes graves. Minha mãe me obrigou a frequentar algumas vezes, depois do que houve com a Natasha… É claro que eu fiquei de luto pela minha irmã, mas eu não vou ficar deprimido. Eu preciso estar bem, pelo Hyoga.

 

— Você está indo bem Cam, só poderia deixar de ser tão teimoso. Aceitar ajuda de vez em quando não o faz menos pai dele.

 

— Pai… Sim. Sou tio dele mas assumi algo como a paternidade quando optei que ele morasse comigo. Mas confesso que dá um certo medo. Nunca tive filhos até os 30 anos e de repente o Hyoga chegou. Tem sido maravilhoso e ao mesmo tempo assustador…

 

— Ah Camus, por que não disse antes que se sentia assim, seu pinguim francês?

 

— É uma responsabilidade minha, Milo, só minha. Embora eu tenha passado a maior parte da minha vida estudando e ensinando crianças e adolescentes é completamente diferente ser a família dele. Ele só tem a mim e minha mãe, mas mamãe já criou a mim e a Natasha sozinha. Nunca conhecemos nosso pai e eu fico me perguntando, às vezes, se realmente estou no caminho certo.

 

— É claro que está. Você o ama, isso basta. Eu nunca tive nada parecido com uma família, você sabe, e mesmo assim o Leksi me entregou aquele setor de Pediatria, talvez ele que seja louco.

 

— Isso ele não é, posso garantir. Como o Hospital Universitário recebe apoio financeiro da Universidade, cada projeto é estudado e auditado. Você sabe que a Universidade dá um prêmio aos projetos mais significativos do ano e eu não deveria estar te contando isso, mas este projeto é um dos premiados Mi e por isso ele até vai receber um incentivo financeiro maior a partir do próximo ano.

 

— Jura? Meu Deus, Cam, isso é fantástico. Os Leksi e todos da equipe vão ficar muito felizes.

 

— Tenho certeza que vão, mas você não vai estragar a surpresa. Segure a sua língua por mais uma semana até a premiação. E bem… Como eu já falei demais, vou até o fim. Pode ir preparando o discurso, Milo.

 

— Que?

 

— Aioros e Aioria são os coordenadores gerais do projeto que está em outros países além da Grécia, mas é o seu nome que está como coordenador do projeto grego, Mi.

 

— O quê? Eu… Não acredito que fizeram isso. Eu só ensino o que sei pras crianças e tento fazer a estadia delas no Hospital algo menos penoso, eu não… Eu sou só um professor…

 

— Você tem se dedicado muito Milo. Percebi as vezes que você se recusou a sair com a turma porque disse estar estudando, mas foi a primeira vez que eu te vi feliz em estudar algo que não fosse música. Você merece o reconhecimento.

 

— Não Cam. Eu sempre fui um problema você sabe. Era burro, foi você que me salvou todos os anos do ensino médio.

 

— Vou te dar um soco se você continuar a falar assim. Você não é burro, não existe tal coisa, você tem alguns distúrbios de aprendizagem que fazem com que você tenha que se esforçar mais para acompanhar o ritmo dos demais. Pode acontecer com qualquer um.

 

Mas nem todos tem o seu esclarecimento ou a sua opinião. Alguns anos antes de eu entrar no seu colégio, quando eu tinha uns 10 anos um casal me adotou. Eles eram mais velhos e um deles não podia ter filhos. Foi considerado quase um milagre eu ser adotado com aquela idade. O pessoal do abrigo achou que eu teria um bom futuro. Depois eu descobri que eles queriam mesmo uma criança mais velhas porque “trocar fraldas deve ser um saco”. Aparentemente, eles me acharam bonitinho e adoravam me mandar colocar roupas fofinhas e me exibir em festas. Não falavam muito comigo fora destes eventos,o homem estava sempre trabalhando e eu não sei bem o que a mulher fazia. Mas os empregados eram legais. A cozinheira e o jardineiro eram especialmente carinhosos comigo. Mas eles resolveram me colocar num colégio de elite e como você sabe, eu tive problemas desde sempre.

 

Um ano não foi o suficiente pra eu me adaptar e eu só não repeti de ano porque participava do grupo de música. No ano seguinte eu poderia começar na Orquestra da Escola como pianista. Mas o desempenho nas outras matérias era sofrível. Parece que eu estava muito abaixo das expectativas.

 

Eles fizeram um sermão e me devolveram para o abrigo.

 

— Que?

 

— É, isso nunca tinha acontecido e o pessoal do abrigo não sabia bem o que fazer. Eu já estava com 11 anos,praticamente um adolescente e assim começou a minha fase de autodestruição que você já conhece. Eu enlouqueci cada freira, padre e voluntário do abrigo até o professor de música conseguir aquela bolsa no seu colégio para mim. Era minha última chance e você sabe que também teria dado errado se não fosse pela sua ajuda…

 

— Eu sinto muito Mi. Eu imaginava que sua vida foi difícil pelo pouco que você me contava de vez em quando, mas nunca pensei que tinha sido assim. Sinto muito, mesmo. Se você tivesse me contado na época, talvez eu pudesse ter sido mais compreensivo e menos rígido com você.

 

—Mas eu precisava dos seus pitis me chamando de irresponsável - Milo lembrou, rindo. - Lembro que você realmente ficava nervoso quando eu perdia alguma prova só porque tinha acordado atrasado. Mas esse era o mais simples dos meus problemas. Não foram tempos fáceis, mas tenho boas recordações… Obrigado por me contar do prêmio, Cam, realmente significa muito pra mim...

 

O escorpiano estava emocionado e deixou escapar algumas lágrimas. Camus tocou o rosto do amigo num gesto delicado. Em um momento, Milo sentiu o toque suave das mãos mornas de Camus em sua face. No outro sentiu seus lábios serem tocados pelos dele, não durou mais do que alguns segundos e foi realmente uma carícia delicada, pois Milo não esboçou a menor reação. Estava atônito demais para isso. Sentiu as pernas tremerem levemente e se ajeitou melhor do banco alto da bancada da cozinha de Camus. Tocou os lábios sentindo o coração descompassado, recebendo o olhar intenso de Camus.

 

Observou os próprios pés, num misto de descrença e confusão.

 

Se aquilo fosse alguma brincadeira, não iria aguentar, sairia correndo daquele apartamento. Porém Camus não era esse tipo de pessoa. Mas se não fosse uma brincadeira… Por Deus, não podia ser, aquele era o Camus.

 

— Cam, você poderia aproveitar que está mais falante hoje e explicar o que está acontecendo aqui… - Falou, se esforçando para soar calmo.

 

— Eu não sei, não planejei mas… Realmente você foi uma figura muito interessante quando apareceu no meio do ano letivo, sem o uniforme, com as suas roupas rasgadas, seu cabelo comprido e aquela pose toda de rockeiro dos anos 80. Naturalmente chamou a atenção de todo mundo, ainda mais quando decidiu fumar no meio do pátio no intervalo como se fosse a coisa mais natural do mundo para um menino de 14 anos.

 

— Verdade, eu só ia fazer 15 no fim do ano. E por causa dessa minha entrada triunfal, eu consegui levar uma advertência no primeiro dia… Lembra?

 

— Lembro que fiquei preocupado quando me colocaram em dupla com você. Você era convincente como bad boy e pensei que você iria implicar comigo por qualquer coisa, como fazem aqueles que praticam bullying, mas você nunca fez nada disso, nem comigo, nem com ninguém.

 

— Eu acabei virando o alvo principal no ano seguinte, né? Mas eu até fiquei popularzinho por um período, algo que eu nunca esperei. Mas quando me viram beijando o Dite, naquele aniversário destilaram todo o ódio para cima de mim.

 

— Realmente, sempre implicaram com o sueco antes de você aparecer e eu notava como você se revoltava com aquilo.

 

— Sim. Mas eu realmente me apaixonei por ele. Eu nunca tinha me apaixonado antes...

 

— Eu sei Milo. Você foi bem intenso. Resolveu assumir o namoro com 15 anos, dizendo que se o colégio tolerava que os casais héteros andassem de mãos dadas, você também queria andar com o seu namorado. A escola teve que trabalhar a questão, o bullying com o Afrodite continuava, mas por você se expor mais, eles eram muito mais cruéis com você.

 

— Pois é. Eles não esperavam que o 'viadinho' fosse revidar os socos.

 

— E aí começou a época de brigas, suspensões e notas cada vez mais baixas.

 

— Sim, mas você nunca foi babaca, sempre foi nosso amigo e você sabe como eu admirava sua inteligência. Você sabia pensar e ter suas próprias ideias, não era só um papagaio.

 

— No último semestre do ano final... Estranhei sua ausência. Quando consegui que o diretor me contasse que você estava numa clínica e que não ia voltar…Como assim, nós não íamos nos formar juntos? Fiquei desesperado, eu precisava te ver.

 

Milo respirou fundo. Mesmo depois de tantos anos ainda era um assunto difícil para ele.

 

— Você não sabe como foi importante pra mim. Você foi a única pessoa que apareceu, você nunca me julgou ou perguntou nada, você apenas estava lá. Sempre. Sabe Cam, você foi sensível o bastante para nunca fazer um interrogatório e eu também não tenho tenho nenhum orgulho em contar essa história, mas na realidade eu fui parar naquela clínica, não porque eu bebia e fumava, mas porque eu tive uma overdose uns dias antes.

 

Era férias, você tinha ido viajar com a sua família. O Dite terminou o namoro comigo porque ele acabou conhecendo aquele italiano que viria a ser seu marido e o pessoal do abrigo vivia implicando comigo. Eu estava de saco cheio, com ódio do mundo, quando fugi numa noite. Achei um barzinho de rock onde não perguntaram a minha idade e tomei umas bebidas. Eu acabei alegrinho, indo cantar e dançar com a banda. Até aí tudo teoricamente sob controle, acabei conhecendo umas pessoas lá. Quando me ofereceram a cocaína eu jamais pensei que poderia me causar tanto dano. Eu nunca tinha usado esse tipo de droga e a mistura dela com álcool foi demais pra mim.

 

Acordei sozinho no Hospital e ouvi o assistente social e o diretor do abrigo discutirem no corredor. Eu era problema demais para o pequeno abrigo católico e eles não sabiam mais o que fazer. Mas eles não podiam me jogar na rua eu não tinha feito ainda nem 17. Decidiram então me colocar no tal programa de reabilitação.

 

Acontece que eu não era um adicto. Aquela tinha sido a primeira vez que eu tinha experimentado uma droga ilícita. Eu bebia e fumava mas não era um alcoólatra, daqueles que têm dependência física. A bebida era mais um jeito de demonstrar minha revolta que uma necessidade. Mesmo assim decidiram que eu ia ficar lá por seis longos meses, sem contato com ninguém. Até as aulas eram na própria instituição.

 

Dei adeus à ideia de tentar entrar na Universidade. Tentei fugir, tentei provocar todos ao meu redor, mas não deu certo. Eu estava longe do piano, tiraram meus cigarros, eu estava enlouquecendo.

 

Você apareceu com sua amizade de sempre, os livros, os cadernos, ah Cam eu estava tão perdido... Eu só estudava porque não queria te decepcionar.

 

— E o violão...

 

— Sim, você veio me visitar um dia com um violão. “Mas que raios eu vou fazer com isso, Camus”? Você respondeu que tinha pego o violão emprestado com um primo, que não tinha como conseguir um piano ou um teclado, mas tinha arranjado aquele instrumento.

 

— "Mas eu sou um pianista!"— Você disse meio revoltado.— "Você é um músico!"— Eu repliquei. "Talvez você possa conseguir uma bolsa como violonista."

 

— Eu achei que você estava louco. Mas era tudo que eu tinha, além dos cadernos que nunca foram meus amigos. Eu comecei a disputar com os outros internos um tempo para ouvir o rádio e passava o resto do tempo praticando. Nunca haviam entrado com um instrumento naquele lugar, mas eles acabaram gostando, afinal eu parei de aprontar.

 

— Eu fiquei tão orgulhoso de você quando a você passou no teste da da Faculdade de Música.

 

— Até hoje acho que foi um milagre. Ainda bem que pude voltar para o piano… Mas eu só entrei por causa da sua ajuda.

 

— Eu só te arranjei um violão Mi! O resto você conseguiu sozinho.

 

— Você foi o único que acreditou em mim. Desde que me conheceu. Mas Camus, fizemos toda esta viagem ao passado, mas você não respondeu a minha pergunta, você…

 

— O que você sente por mim, Milo?

 

— Que tipo de pergunta é essa, Camus? Você quer me enlouquecer?

 

— Não, é claro que não, sou eu que acho que estou perdendo o juízo, mas… Olha, tente entender… Quando estudávamos juntos eu entendia aquela sua paixão pelo Dite, eu já tinha lido romances, visto nos filmes, mas eu nunca senti nada daquilo. Eu só me importava com meus estudos, minha família e com você, mas eu achava que era porque você era meu melhor amigo.

 

Depois que entramos na faculdade, foi normal nos distanciarmos um pouco, mas ainda nos falávamos regularmente. Mas depois eu fui fazer o mestrado e o doutorado fora, eram cada vez mais raras as oportunidades de nos vemos. Há um ano você entrou no Hospital, se mudou para perto e eu também já tinha estabelecido carreira na diretoria da Universidade. Eu estava feliz com meu trabalho, mas depois que nos aproximamos novamente vi que em todos aqueles anos tinha faltado algo na minha vida. Eu conheci algumas pessoas, tive meus casinhos, mas nada que realmente fosse significativo…

 

— Camus, funcionamos tão bem como amigos. Tenho pavor da ideia de te magoar…

 

— Você só me vê como amigo?

 

— Não é isso, Cam. É claro que você é um homem atraente, eu sempre te achei bonito, mas na minha cabeça nem passava a ideia de tentar algo e arriscar nossa amizade. Além disso, nunca imaginei que você pudesse ser gay.

 

— Não é bem isso. Já sai com homens e mulheres. Me interesso pelas pessoas, sabe? Mas nunca nada foi parecido com o que sinto por você…

 

Milo percebeu que Camus estava levemente ruborizado. Conhecia-o bem, sabia que para ele não era fácil falar de sentimentos. Sentia muita vontade de beijá-lo e mandar para o inferno seus questionamentos, mas…

 

— Tenho medo Cam, eu sempre estraguei tudo e você significa tanto para mim. É claro que eu te amo, mas e se acabarmos brigando? Eu também não sei se…

 

Camus tocou na mão de Milo, o interrompendo.

 

— Espera. Fala de novo.

 

— Que? Que parte?

 

— A única importante. Eu também te amo, Milo.

 

Dessa vez Milo não falou nada, simplesmente cedeu ao que estava sentindo e beijou Camus, como há muito tempo não beijava ninguém, talvez nunca tivesse beijado alguém daquela forma, afinal nunca sentira por ninguém nada parecido com o que sentia por Camus. Porém, apesar de intenso era um beijo cheio de carinho e cuidado. Começou a brincar com os cabelos compridos enquanto o beijava, agora os fios ruivos já estavam bem lomgos, ele adorou quando Camus resolveu deixá-los crescer. Tirou com cuidado o elástico que os prendia, sentindo o cheiro amadeirado do shampoo.

 

Quando Milo se afastou um pouco, Camus estava quase da cor dos seus cabelos. Ele sentia a face pegando fogo e viu Milo olhando e soltando uma risadinha. Abraçou o loiro, sentindo aquele cheiro fresco que era simplesmente delicioso. Fechou os olhos, sentindo o coração dele tão rápido quanto o seu. Há muito tempo desconfiava que seus sentimentos pelo grego ultrapassavam a amizade, mas Milo era livre como o vento, já havia morado em todas as partes da Grécia, tido todo o tipo de trabalho que pudesse conciliar com sua carreira de pianista. Mas há um ano o grego simplesmente se fazia presente. A convivência deles se intensificou há três meses desde que Camus assumiu a guarda de Hyoga. A rotina deles não era simples, mas ele tinha certeza que jamais queria Milo longe de sua vida.

 

— Então vamos tentar, mesmo eu tendo um garoto de cinco anos, sendo chato, meio neurótico e perfeccionista como você já sabe?

 

— O Hyoga é fantástico. Ele ainda é tímido comigo, mas eu já percebi que ele gosta de música, por isso comprei o xilofone.

 

— Sim, ele adora “tocar” enquanto estou tentando estudar ou corrigir trabalhos.

 

— Ah Camus, você tem que incentivar os jovens talentos…

 

— Ele gosta de você. O Hyoga sempre foi meio tímido, mesmo antes do acidente. Mas quando eu o levo no médico ele simplesmente se agarra em mim e faz um escândalo. Nem a psicóloga da Universidade conseguiu muitos progressos. Você não imagina o meu espanto quando eu vi que ele não chorou ao te conhecer e que ele fica brincando com você enquanto eu faço a janta ou qualquer outra coisa.

 

— Eu nunca imaginei que iria gostar tanto de crianças. Apesar de ter crescido convivendo com crianças que geralmente eram mais novas, eu sempre fiquei na minha, tinha no máximo colegas no abrigo. Por isso que eu desconfiei da sanidade mental do Aioros quando ele me colocou na pediatria. Mas no começo eu estava sempre com os psicólogos, eles me ajudavam e ensinavam…

 

— Sei, você gosta de psicólogos, né Mi?

 

Milo riu.

 

— Ah, você está falando do seu colega, o Dr. Kanon?

 

Kanon era o chefe do setor de Psicologia e seu irmão mais velho Saga, era o reitor da Universidade. Os gêmeos era amigos de Camus desde a época em que ele estava na graduação. Há uns dois anos, Camus acreditava que a terapia pudesse ajudar o amigo e com muito custo, conseguiu que Milo fosse, mas o tratamento durou pouco.

 

— Olha, não foi intencional, você sabe que eu não gostava nada da ideia de terapia, mas surpreendentemente o cara era legal. Eu simplesmente conversava com ele, contava umas coisas do meu passado, foi tão constrangedor para mim quanto para ele acabarmos aos beijos, o quê? Na quarta sessão?

 

— Sim, ele ficou bem sem graça quando eu perguntei porque você tinha parado a terapia, mas ele não me deu os detalhes. Apenas disse que você era um dilema ético, o primeiro da carreira dele e que o estava encaminhando para uma colega.

 

— Tá vendo, Camus, sou tão surtado que deixei até o doutor confuso. Mas eu não gostei da outra psicóloga, aquela mulher mal olhava na minha cara, só fazia milhares de anotações. Mas, o Dr. Kanon me explicou da importância do autoconhecimento e blá blá blá, então acabei seguindo aquele seu velho conselho e comecei a fazer o diário. Vai fazer um ano e pouco já. É bom, tem me ajudado e refletir mais e ser menos impulsivo. Os psicólogos que trabalham comigo às vezes me aconselham, mas os vejo muito mais como amigos que como profissionais.

 

— Que bom.

 

— Você está com ciúmes, Camus?

 

— Ciúmes, eu? Não, quer dizer, ah, sei lá, Milo. Eu sei como você preza sua liberdade, jamais teria a pretensão de mudar o seu jeito, você é todo falante, diferente de mim, é normal que chame a atenção das pessoas. - Além de ser lindo. - Completou em pensamento.

 

— Sim, mas você não precisa ter ciúmes. Eu fiquei com alguns caras, mas só o Afrodite me deixou balançado e era uma paixão dos 15 anos. Você é diferente, eu te amo Camus, tanto que o simples pensamento de que no futuro possamos virar algo como aqueles ex-casais em que um não olha pra cara do outro me desespera. Eu não quero perder você, não conseguiria, você é importante demais na minha vida…

 

— E você na minha. Mas temos a vantagem de sempre sermos sinceros um com o outro. Não consigo imaginar algo tão grave que você possa fazer a ponto de eu nunca mais querer olhar na sua cara….

 

— Sou um problemático, Camus!

 

— Quantas eu vezes eu já falei pra você parar com isso? Você precisa é parar com essa mania de se auto depreciar, por isso que eu sempre te falei da terapia…

 

— Tio Camus?

 

Um cabecinha loira apareceu timidamente na porta da cozinha.

 

— Oi Hyoga. - Camus imediatamente pegou o garoto no colo. - Está tudo bem?

 

— Tá. Eu só tô com sede.

 

— Aqui. - Milo entregou um copo com água para o garoto.

 

— Tio Milo? Por que você está aqui tão tarde?

 

— Milo vai passar a nos visitar com mais frequência.

 

Hyoga coçou a cabeça e olhou para os adultos, como que analisando a ideia.

 

— Então você pode me ensinar?

 

— Ensinar?

 

— Tio Camus falou que você é professor de música. Eu queria que você me ensinasse a tocar “Frère Jacques“ a música que ele tava cantando pra mim hoje. Eu aprendi ela na escola.

 

— Eu ensino essa e também todas as notas, mas amanhã. Agora você precisa voltar a dormir. Vai lá e amanhã eu prometo voltar e te ensinar, combinado?

 

— Combinado! Boa noite, tio Camus.

 

O menino voltou correndo para o quarto.

 

— Você é incrível.

 

— Você vai ter que se acostumar com o xilofone Camus.

 

— Tudo bem, com sorte ele passa para o piano ou algo menos agudo quando crescer um pouco.

 

— Preciso ir. Trabalhamos amanhã, né?

 

— Fica aqui essa noite. Te dou uma carona para o Hospital depois de deixá-lo na escola. É no caminho pro meu trabalho.

 

Milo sorriu. Como resistir àquele convite?

 

—--

 

 


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Notas finais do capítulo

Obs.:



(1) Frère Jacques, cantiga francesa.

(2) Boa Noite, meu pequeno anjo. Olá, Milo boa noite! Petit



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